DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 257
Com isto não melhora a sua causa, porque tanto excede os 20 kilometros a linha de Cacilhas a Cezimbra, como a de Cacilhas ao Pinhal Novo. Applique o sr. ministro o nome de linha áquella que quizer. Eu appliquei-o ao caminho de Cacilhas ao Pinhal Novo, porque essa é a linha verdadeiramente importante, visto que era essa a que promettia ao concessionario maiores lucros. Pois que lucro póde o concessionario tirar da linha de Cezimbra? O do transporte dos peixinhos e das pedras de marmore da Arrabida? O transporte do pescado pouco póde render, e Lisboa tem marmores com abundancia mais perto. Por isso é que eu chamei á do Pinhal Novo a linha principal, a verdadeira linha.
Eu tenho aqui um mappa por onde se vê, que desde Cacilhas até á quinta do Conde a via é só uma; chegando aqui divide-se em duas, indo uma ter ao Pinhal Novo e outra a Cezimbra. Assim, perguntando-se a qualquer pessoa collocada n'este ponto da divisão das linhas, qual é a verdadeira linha, responderá naturalmente que é a do Pinhal Novo, comparando o movimento e lucros que haverá n'uma e n'outra. Mas, supponhamos que não seja a linha verdadeira a de Cacilhas ao Pinhal Novo. O syllogismo serve tanto para uma, como para outra.
Passemos porém á questão do ramal; porque não é só a legalidade da concessão da linha que se discute, mas tambem a legalidade da concessão do ramal. (Apoiados.)
Os dignos pares os srs. Barros e Sá e Bivar, para justificarem a concessão do ramal da quinta do Conde ao Pinhal Novo, disseram que elle só tinha 15 kilometros, e por isso que não excedia os 20 marcados no decreto; e por isso que o sr. ministro o podia conceder, apoiando-se no decreto de 31 de dezembro de 1864; não se lembraram de que esse decreto distingue duas cousas: para a concessão de linhas diz - que o governo só póde conceder as que não forem superiores a 20 kilometros, e para a concessão de ramaes exige que não tragam encargos para o thesouro. As restricções nos dois casos são diveraas. E mister não as confundir. A restricção para as linhas são os 20 kilometros, a restricção para os ramaes são encargos para o thesouro. Então como podem os dignos pares argumentar com a estensão dos 20 kilometros para a concessão do chamado ramal da quinta do Conde ao Pinhal Novo?
O sr. ministro quiz sustentar a legalidade da linha de Cacilhas a Cezimbra, e do ramal da quinta do Conde ao Pinhal Novo, dizendo - que os engenheiros e os membros da junta consultiva nada disseram contra a legalidade, e que por isso concedera a linha e o ramal.
Ora, sr. presidente, o sr. ministro não os consultou expressamente sobre a legalidade das concessões, e ainda que consultasse os engenheiros, que são muito competentes e muito peritos nos assumptos da sua profissão, e que estão debaixo da alçada da sciencia que professam, na questão da legalidade ou illegalidade não tinham nem podiam ter voto. Esta questão pertence á sciencia do direito, e se o governo queria conselho, podia consultar o supremo tribunal de justiça, a faculdade de direito da universidade de Coimbra, ou a associação dos advogados de Lisboa, mas não a junta consultiva de obras publicas.
Se acaso o supremo tribunal de justiça, ou a faculdade de direito, ou a associação dos advogados consultassem o governo, dizendo que não havia illegalidade na concessão da linha nem do ramal, eu havia de respeitar as opiniões d'esses jurisconsultos, mas examinaria sempre o peso das suas rasões.
Sr. presidente, ha ainda uma observação curiosissima, que é a seguinte: a junta e os engenheiros consultaram, que o caminho de ferro e o ramal eram prejudiciaes ao caminho de ferro do sul, e o sr. ministro desprezou as rasões e os argumentos apresentados; não attendeu ao que disseram, mas attendeu ao que não disseram! Não os ouviu quando fallaram, e ouviu-os quando estiveram callados! Admiraveis ouvidos de s. exa.! Peregrina argumentação! (Apoiados.)
Sr. presidente, quanto á illegalidade da concessão do ramal, disse o sr. ministro que era preciso que houvesse linha para haver ramal; que a linha era a de Cacilhas a Cezimbra, e o ramal era o da quinta do Conde ao Pinhal Novo, entroncando no caminho de ferro do sul e sueste. Ora, a concessão da linha foi nulla por exceder a 20 kilometros; e como aquillo que é nullo, em direito não surte efieito juridico, e se reputa como se não existisse, claro está que falta a base para justificar a concessão do ramal.
Sr. presidente, ou o sr. ministro considera a linha de Cacilhas a Cezimbra como uma linha geometrica, imaginaria entre dois pontos, ou como uma linha physica e material; em ambos os casos o meu argumento procede da mesma fórma, porque se é linha mathematica, como imaginaria entre dois pontos abstractos, falta-lhe a realidade e a legalidade, e por ambos os lados não póde ser base para o ramal. Se se considera como physica e material, isto é, um caminho aberto e prompto para o serviço, tambem não existia ao tempo da concessão do ramal, nem existe ainda hoje.
Tambem o sr. ministro disse que não consentia, que se fizesse o ramal sem estar feito o caminho de ferro de Cacilhas a Cezimbra.
O sr. ministro, pois, reconheceu que faltava a base da linha. Logo o ramal não podia ser concedido; porque sem linha donde parta o ramal não póde conceder-se, segundo a doutrina do proprio sr. ministro.
Vamos por outro lado. Que restricções impõe o decreto de 31 de dezembro de 1864 com respeito ás concessões de ramaes?
Esse decreto determina, que essas concessões só se poderão fazer, quando não haja encargo para o thesouro.
Ora, o sr. ministro, para defender a concessão do ramal, disse que, fazendo essa concessão, não a tinha acompanhado de subsidio, ou subvenção alguma pecuniaria ao concessionario; que não lhe promettera dar dinheiro algum, como se tem feito em outras concessões de caminhos de ferro, e que, por consequencia, não estabelecera encargo para o thesouro, e que por isso estava no seu direito de conceder aquelle ramal.
Aqui ha uma confusão muito grande. As palavras encargos para o thesouro, de que se serve o decreto, têem sentido muito mais generico, do que o que se contêm nas palavras subsidio, ou subvenção pecuniaria do thesouro; quero dizer, que a generalidade da palavra encargo comprehende na verdade o subsidio pecuniario; mas comprehende tambem outros interesses concedidos á custa do thesouro.
Se o governo, em logar de conceder dinheiro ao concessionario, lhe concedesse madeiras do estado para as serlipas, e para a edificação das estações, não seria isto um encargo para o thesouro, apesar de não ser subvenção pecuniaria?
Se acaso o governo eximisse o concessionario de pagar direitos das carruagens e outros materiaes, que elle mandasse vir do estrangeiro, não lhe fazia uma grande concessão e um grande encargo para o thesouro?
De certo que sim; e todavia não era isso subsidio de dinheiro. Isto quer dizer, que as palavras encargos do thesouro têem uma significação muito mais lata, do que as palavras, subsidio ou subvenção pecuniaria de que o sr. ministro se serviu.
As palavras encargos para o thesouro comprehendem, pois, todos os interesses, que directa, ou indirectamente, se concederam ao concessionario, e á custa do thesouro como eu vou provar.
Está demonstrado que o caminho de ferro de Cacilhas causa prejuizos gravissimos ao caminho de ferro do sul e sueste, e que esses prejuizos diminuem os interesses do ca-