SESSÃO DE 51 DE MARÇO DE 1885 255
Sr. presidente, custa a ler a um portuguez sem profunda indignação estas phrases da nota de lord Granville! Mas o nobre lord, affirmando a conveniencia do accordo pelo que toca á liberdade commercial, ainda diz em seguida:
a E necessario precaver-se no novo territorio contra uma pauta prohibitiva, a pauta do governador de Moçambique, que podia ter sido approvada, e um facto que está de pé; conclue finalmente, que não ha vantagem de realisar um mero accordo entre os dois paizes, e fazer um tratado, que não seja approvado pelas outras potencias, cuja acceitação é indispensavel antes de entrar em vigor."
Aqui tem a camara dos dignos pares o estado das negociações em 15 de março de 1883, e o pouco fundamento com que no discurso da corôa de 2 de janeiro d'esse anno se declarava que as negociações estavam em bom caminho, e que era licito suppor que brevemente terminariam de uma maneira satisfactoria!
Era este o momento psychologico, como hoje se diz, em que Portugal devia ter recorrido a uma arbitragem, que já duas vezes em circumstancias parecidas, lhe foi favoravel, e o arbitro, como declarou um illustre orador, na camara dos senhores deputados, estava naturalmente indicado, era Sua Magestade o Imperador de Austria. Não se fez isto, e soffrendo humildemente a arrogante nota da fiel alliada, o sr. Serpa respondeu em 24 de março que o governo de Sua Magestade Fidelissima não fazia d'este negocio questão de amor proprio nacional, e no terreno pratico acceitava a admissão da sua soberania como um negocio de interesse geral da civilisação, a fim de regularisar a situação em que se encontram aquelles territorios!
Davam-se de barato os nossos direitos historicos, e acceitavamos o reconhecimento da nossa soberania, fundada apenas na conveniencia de regularisar a situação em que se encontra aquella parte do continente africano, e em 13 de agosto de 1883 o mesmo sr. Serpa, como se ve da nota, publicada no Livro amarello, francez, nega-se a continuai-as uteis negociações, entaboladas por s. exa. com o governo da republica, para a delimitação dos territorios da Guiné, sem primeiro se estabelecer a base do reconhecimento explicito por parte da Franca dos nossos direitos de soberania entre o 5° 12 e o 8° da latitude sul da costa occidental de Africa!
As erradas informações do nosso encarregado de negocios em Paris, o sr. Azevedo, enviadas ao governo em novembro e dezembro de 1882 contribuiram talvez para a insistencia do sr. Serpa, como tambem influiram fatalmente sobre o seguimento da negociação com a Inglaterra. Tenho pelo sr. Azevedo toda a consideração, é um cavalheiro muito estimavel, mas o sr. Azevedo é apenas um encarregado de negocios, e officialmente não póde ter a importancia de um verdadeiro chefe de legação. Agora mesmo, depois do desmentido, dado pelo governo francez, ás suas informações, está este cavalheiro em Paris, encarregado das nossas relações diplomaticas com a republica franceza, e realmente quando a associação africana machina contra nós, e trata, do seu reconhecimento pelas grandes potencias, e para lamentar que v. exa., sr. presidente, não podesse estar no seu posto diplomatico, prestando a Portugal, o serviço da sua alta intelligencia e profundo saber; mas a politica do sr. Fontes tem grandes exigencias, a v. exa. está em Lisboa, presidindo á camara dos pares,
Sr. presidente, o officio do sr. Serpa de 24 de março de 1883, a que me estou referindo, depois de dar de barato, como disse, os nossos direitos historicos, declara que não receia, como a Inglaterra, que as outras nações recusem o reconhecimento do tratado, e que emquanto á França, alem do tratado de 1786, tem Portugal as declarações explicitas do sr. Duclerc, que mostrou respeitar a reserva dos direitos de Portugal, e pelo que toca á Allemanha este reconhecimento foi tambem, explicito por occasião da captura, do navio Hero em 1870 nas aguas territoriaes portuguezas do porto de Banana, violando-se o nosso territorio.
Sr. presidente, já disse o sufficiente pelo que toca aos officios do sr. Azevedo; mas n'este desgraçadissimo negocio vejo a prova evidente da grande falta de não haver um ministro portuguez permanente em Paris; pois v. exa., tão distincto homem doestado, com o seu elevado criterio diplomatico, asseverou em 4 de novembro de 1883, naturalmente pelo pouco tempo, que teve, para examinar o assumpto, estando em Paris só de passagem, que a expedição Brazza tinha um caracter puramente scientifico, em 10 de janeiro d'esse anno as camaras em França tinham votado um credito de 1.275:000 francos para continuar a obra patriotica, cujo programma consistia principalmente no estabelecimento de postos e estacões sufficientes para constituir uma occupação effectiva do paiz. O livro que tenho presente Le Congo Français par Dutreuil de Rhins confirma o que eu affirmo.
Sr. presidente, em Berlim aconteceu o mesmo, nós não soubemos o que lá se passava, e o sr. marquez de Penafiel nos seus dois officios de 30 de outubro e 5 de dezembro de 1883 nada disso sobre o movimento colonial, que se pronunciava tanto na Allemanha, e sobre o inquerito de abril d'esse anno, ordenado pelo principe de Bismarck para estudar o assumpto. Tenho a honra de ser amigo do sr. marquez de Penafiel, presto homenagem ás suas elevadas qualidades; porém, não posso deixar de lamentar que as exigencias politicas do governo impeçam os nossos diplomaticos de se demorar nos seus postos, resultando d'ahi os graves prejuizos a que acabo de me referir.
Continuo no relatorio, que vou fazendo, das negociações para o tratado de 26 de fevereiro de 1884, e fecho o meu parenthesis a respeito das informações dos representantes diplomaticos de Portugal, informações cujas consequencias desagradaveis se observam em todo o decurso da negociação. Em 1 de junho de 1883 lord Granville responde ás considerações, apresentadas pelo sr. Serpa em 24 de março, e diz o seguinte:
"Acrescentarei somente, em conclusão, que as informações que tem o governo de Sua Magestade, quanto ao reconhecimento geral por parte dos outros paizes, da soberania de Portugal sobre o territorio da costa occidental, de que trata a convenção, não confirmam a opinião do sr. Serpa, que julga poder allegar esse reconhecimento por paria da França.
"O sr. Challemel Lacour, em uma recente conversa com o embaixador de Sua Magestade em Paris, distinctamente negou que as pretensões de Portugal aquella parte da costa fossem admittidas pela França. Refiro-me a isto, para mostrar que o argumento de que fiz uso na minha nota de 15 de marco, ácerca da futilidade de um mero accordo bilateral entre os dois paizes, sem o reconhecimento de outras potencias, se acha assim consideravelmente fortalecido por esta declaração das idéas do governo francez."
Sr. presidente, em seguida o ministro inglez remette um novo projecto de convenção, e entre as principaes estipulações leio o seguinte:
"Que no rio Congo o limite será o Porto da Lenha, que uma commissão, composta dos delegados de todas as potencias interessadas no commercio do Congo, fará os regulamentos da navegação, policia e inspecção dos rios e zelará a sua execução; finalmente que as disposições relativas á liberdade de commercio e navegação no Congo, e os regulamentos que a garantem, e as disposições quanto á isenção dos direitos de transito, serão applicadas, a todos os respeitos, ao rio Zambeze, na costa oriental de Africa, e áquelles dos seus affluentes, que ao presente estejam ou de futuro possam vir a estar sob a jurisdicção de Portugal. Fica entendido que a jurisdicção de Portugal se não estenderá ao rio Chire."
Sr. presidente, sinto estar fatigando a camara com a leitura de todos estes documentos, mas não posso, nem devo deixar de. continuar. O sr. Serpa respondeu em 26 Declarando que: "a jurisdicção portugueza series