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Sessão de 14 de Abril de 1849.

Presidiu—O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretários—Os Sr.s M. de Ponte de Lima

V. de Gouvêa.

(Summario — O Sr. V. de Sá apresenta o Requerimento de John Quail — o mesmo Sr. apresenta uni Projecto de Lei sobre castigos corporaes não authorisados por Lei, infligidos por Funccionarios publicos — O Sr. D. de Palmella faz differentes observações sobre o estado das margens do Tejo, observações que provocam as de outros D. Pares — O Sr. Pereira de Magalhães apresenta um Projecto de Lei, revogando o artigo 31.°, e declarando o 33.° da Carta Constitucional — Ordem do dia, a Proposição de Lei n.° 95 authorisando o Governo para organisar o Exercito em todos os seus ramos: esta discussão suscita um incidente a respeito da authorisação, que ao Governo fóra concedida para a refórma das Tabellas judiciaes.)

Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Estiveram presentes os Sr.s Ministros dos Negocios do Reino, Guerra, e Justiça.

O Sr. V. de Sá da Bandeira—Vou mandar para a Mesa um Requerimento que me foi entregue agora, e é de John Quail, Cirurgião-mór do Exercito Libertador em 1833 (leu-o).

Dirige-se á Camara, porque considera que no contracto que ha poucos annos se fez com Inglaterra sobre reclamações, não foi elle incluido. 0 que peço é que seja mandado á Commissão de Petições.

Remettido aquella Commissão.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Agora vou apresentar um Projecto de Lei para cuja apresentação fui inscripto. Não tractarei de o desenvolver, porque me reservo para quando se tractar do Parecer da Commissão respectiva, que o houver de examinar.

Projecto de Lei (n.º 101.)

Artigo 1.° Todo o Funccionario publico, militar ou naval, que depois da publicação desta Lei, infligir ou fizer infligir a um seu subordinado ou a outro individuo, castigo corporal que não se ache authorisado por Lei, será julgado por um Conselho de Guerra; e no caso de se provar que commetteu este crime, será, por Sentença do mesmo Conselho, demittido do Serviço do Estado.

Art. 2.* Esta demissão não eximirá o culpado de qualquer responsabilidade em que, pelo seu crime, possa haver incorrido.

Art. 3.' Fica revogada a Legislação em contrario.

Camara dos Pares, 14 de Abril de 1849. = Sá da Bandeira.

O Sr. Presidente — A Camara dispensa a segunda leitura (Apoiados). Então vai á Commissão de Guerra, e á de Marinha.

Remettido o Projecto ás Commissões de Guerra, e de Marinha,

O Sr. Pereira de Magalhães - Vou apresentar um Projecto de Lei se V, Em.mo me concede para isso a palavra.

O Sr. Presidente — É preciso consultar a Camara se dispensa o Regimento, porque V. Ex.ª não está inscripto para isso.

Vozes — Não ha numero.

O Sr. Presidente — É verdade, faltam dois D. Pares.

(Pausa.)

O Sr. D. de Palmella — Visto achar-se presente o Sr. Presidente do Conselho, e não sei poder entrar já na Ordem do dia, aproveito a occasião para dirigir a S. Ex.ª não uma interpellação, mas sim algumas observações, em que espero ser apoiado por toda a Camara.

São geralmente conhecidos os males que resultam do estado em que actualmente se acham as margens do Tejo: estes males provém da falta de. encanamento do rio, e tem-se aggravado com o decurso dos annos por não ter sido talvez observada a Legislação respectiva. É certo que desta negligencia resultam graves prejuizos á lavoura nos annos de cheia, insalubridade dos Districtos

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alagados, e sobre todo falta de segurança nas propriedades (Muitos apoiados), porque as agoas desviando-se do seu leito invandem os terrenos adjacentes, ao passo que vão descobrindo ilhas ou mouchões que obstruem o curso do rio. Segue-se a difficuldade que vai sendo cada vez maior na navegação a ponto de vir a ser talvez impraticavel dentro em poucos annos, ao menos da Azambuja para cima. Além disto é tambem evidente que a limpeza das valias e canais que desaguam no Tejo encontrei difficuldades em algumas partes insuperaveis por falta de obras á margem do rio, enjeito se vai gradualmente elevando acima da embocadura desses canaes. Estas circumstancias são notorias a muita gente sobre tudo aos que possuem propriedades junto ao rio. (Apoiados.)

Os uma excursão que ultimamente fiz ao Ribatejo tive ensejo de observar os factos referidos, e de discorrer sobre as suas cansas com pessoas habilitadas a dar voto na materia. Desejaria sem duvida poder apresentar á Camara um Projecto de Lei com providencias adquadas para remediar o mal ou obstar ao seu progresso; mas não como sufficientemente nos meus conhecimentos para me encarregar só des«a tarefa; o julgo que para desempenha-la conviria reunir uma Commissão na qual figurassem alem das pessoas dotadas dos requisitos theoricos alguns dos principaes interessados na lavoura do Ribatejo. Pediria pois ao Governo de Sua Magestade, que de certo não precisará da minha excitação para se occupar de objecto de tanta utilidade publica, pedir-lhe-ia digo. que tomasse em consideração as observações que faço, nomeando uma Commissão de pessoas idoneas para lhe apresentar um relatorio sobre o assumpto, impondo-lhe sobre tudo a obrigação de accelerar os seus trabalhos para no caso de se julgar necessaria alguma medida legislativa poder votar-se pelas Camaras na presente Sessão, pois que em objectos desta natureza a perda de um anno não deve reputar-se indifferente.

Espero que a Camara unanimemente apoiará o meu pedido (Muitos apoiados) dando assim pela sua parte ao Governo uma garantia da promptidão com que as providencias que se propuzerem hão de ser approvadas no Parlamento.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira— Estou perfeitamente de accôrdo com o que acaba de dizer o D. Par. O Tejo é a primeira via de communicações que tem Portugal, e ella póde-se tornar de maior utilidade sem grandes despezas. É preciso evitar as usurpações, que se fazem nas margens do rio, e proceder a trabalhos que facilitem a sua navegação até Villa Velha, pelo menos, o que particularmente seria proveitoso para o commercio do Alto Alentejo e da Retrataria. Antigamente havia sobre as obras deste rio um Regulamento, cuja execução estava a cargo do Provedor das Lezírias. Foi abolido este emprego em 1834. e com elle cessou inspecção sobre as obras. Entretanto a Legislação existe e não fui derrogada: por ella. tem o Governo o direito de obrigar todos os proprietarios das margens do Tejo a fazer plantações, que segurem as terras contra as correntes. É preciso que pelo Ministerio do Reino seja encarregado um Official Engenheiro especialmente da inspecção das obras do Tejo: club; deve examinar o que existe, e não consentir que nenhuma obra se faça sem seu consentimento, para que, adoptado um plano, este seja seguido systematicamente. Hoje commette-se uma especie de roubo nas margens do Rio, fazendo-se plantações, mettendo esta a das nos areaes e mesmo no seu alveo, de maneira que fazem que as suas correntes vão bater com força nas margens oppostas, que destroem, em quanto que o proprietario que faz as estacarias ou plantações, augmenta o seu terreno. O Inspector das Obras Publicas póde muito bem desde já ser authorisado pejo Governo para tomar as medidas que lhe parecerem necessarias para obstar a taes inconvenientes (Apoiados).

Em quanto ás arcas de que fallou o nobre Duque, as quaes teem obstruído o alveo do Rio, isto provém de outras circumstancias, que tambem merecem uma attenção especial do Governo e do Corpo Legislativo: provém particularmente da destruição dos arvoredos e dos mattos que cobrem as serranias donde as agoas correm para o Tejo. É preciso pois promover as sementeiras de arvoredos nos montes, especialmente nos sítios hoje incultos.

Na Legislação antiga ha varias disposições que prohibem os côrtes de arvoredos, as quaes se devem mandar executar. Estes trabalhos podem ser incumbidos á administração das Mattas do Estado, que se acha organisada, e á qual, em 1836, sendo eu Ministro da Fazenda, fiz entregar todas as Mattas de alguma importancia que pertenciam aos Bens Nacionaes. Esta Repartição acha-se deslocada; porque deve ser subordinada ao Ministerio do Reino, ou antes a um Ministerio novo que se deve formar, por isso que está reconhecida a necessidade de dividir o Ministerio do Reino, organisando, o que se póde fazer com mui pouca despeza, um Ministerio de Obras Publicas (Apoiados).

Senão tractarmos de remover esses males, procedendo sem demora ás referidas sementeiras, e tractando de conservar os bosques existentes, o Paiz ha de tornar-se esteril pela falta de arvoredos, donde provém a diminuição da humidade.

Espero que o Sr. Presidente do Conselho tomará em consideração o que se acaba de expor.

O Sr. D. de Palmella — Peço licença para acrescentar poucas palavras. As observações que fez o D Par p Sr. V. de Sá são justissimas; mas assento que o Governo deve quanto antes adoptar a medida que tomei a liberdade de propôr, para que conjunctamente se possa em seguida dar providencias promptas, e a primeira de todas, a meu ver, é a medição das margens do Tejo, para que fique a propriedade de cada um demarcada, e assegurada (Apoiados).

O Sr. V. de Algés — Apoiadissimo.

O Sr. V. de Fonte Arcada— Esta questão é certamente das mais transcendentes, e de maior interesse para o Paiz. Eu Vou porém fallar Sobre um objecto, que tem intima relação com o que se está tractando.

Nas visinhanças de Lisboa ha a bacia de Friellas, a qual esgotada convenientemente, póde ser um manancial de riqueza agricultora. (O Sr. Presidente do Conselho — Apoiado.) Alli póde crear-se uma immensidade de gado, e por consequencia dahi póde resultar um grande abastecimento de manteiga, etc....; mas esta bacia é em grande parte um pantano inutil para os usos agricolas, e é tanto mais para notar o desleixo que tem havido em deixar reduzir a pantano estes terrenos, quanto estou convencido que será um manancial de riqueza para o Paiz: tem em si os elementos necessarios para se pagar a despeza que precisa fazer-se no esgoto da bacia, pois que o augmento que dahi póde provir no valor das terras, será sufficiente para pagar os juros, e o capital necessario para se fazer a obra (Apoiados).

Eu já fallei ao Sr. Presidente do Conselho a este respeito, e consta me que S. Ex.ª mandou fazer um reconhecimento daquelles terrenos, Lembro que a bases, (depois de se fazer o orçamento da despeza) que se ha de tomar para obter meios a fim de fazer a obra, é a avaliação das terras, para que cada geira fique pagando um tanto, segundo o seu valor. A obra póde ser de mui grande utilidade: e póde tambem fazer-se o rio navegavel até Loires e Tojal, e abrir esta communicação para os productos agricolas.

Aqui está o Sr. C. do Tojal, que tendo propriedades perto daquella localidade, póde dizer quanto as Povoações visinhas soffrem pela estagnação das agoas, havendo bem fundadas razões para se dizer, que algumas dellas acabarão totalmente em quinze ou vinte annos, por isso que a mortalidade é muito maior que os nascimentos (O Sr. C. do Tojal—Mostra signaes de confirmação); e se S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho se desse ao trabalho de indagar isto, havia de ver que o que eu digo é verdade, e que o augmento de valor que hão de ter as terras se a obra se fizer, darão exhuberantemente para pagar capital e juros. E verdade que o leito do Tejo, segundo dizem, offerece alguma difficuldade por que está mais alto do que as terras da bacia de Friellas; mas nada ha que se deixe de vencer, ainda que existam difficuldades; e a razão por que está mais alto o leito do Tejo do que a bacia, é talvez por se ter, pela falta de cuidado que tem havido, deixado que o mouchão da Povoa se vá estendendo, e occupando o leito do Tejo, de maneira que póde vir tempo em que chegue até á bocca de Sacavem, se acaso se não der o renudio preciso.

O Estado não fica onerado em cousa alguma, uma vez que se faça uma Lei, obrigando as terras a pagarem a despeza da obra, segundo o seu valor, o que é justo.

O Sr. Tavares de Almeida — Não posso deixar de unir os meus votos á indicação do Sr. D. de Palmella relativamente aos melhoramentos, que ha a fazer no curso do Tejo e sua navegação: eu tenho viajado varias vezes por este Rio, e tenho sempre lamentado o mau estado em que se acha o seu alveo, podendo ser muito melhorado sem se carecer para isso de providencia legislativa (Apoiados), uma vez que o Governo prestasse a este objecto a sua attenção.

O Tejo de Lisboa até Abrantes, e ainda mais a cima, é bem navegavel, menos no tempo do verão, porque as agoas espraiam muito, e ficam em algumas partes de pouco fundo; mas de Abrantes, ou antes de Alvega para cima, a navegação é hoje muito má; é peor do que foi n'outro tempo. Não vai longe o tempo da invazão franceza: e então ainda alli navegavam muitos barcos, que levavam fornecimento e viveres ao nosso Exercito postado na raia e Reino visinho; e hoje apenas alli navegam dois barcos, porque os mais teem naufragado.

Este estado não é só devido aos impedimentos da Natureza, mas tambem á mão dos homens mantidos pelo desleixo das Authoridades, que teem consentido que os habitantes visinhos daquella parte do rio, por pequeno interesse seu, construam obras atravez da corrente, que occasionam muitos embaraços á navegação; e taes são o que chamam pesqueiras (Apoiado), fazendo açudes para ellas, e para azenhas; por um mesquinho interesse seu, prejudicam grandemente a navegação e a todos.

Não ha muito, querendo eu mandar para cima certos objectos pesados que pareceu mais commodo mandar por agoa, foi preciso aos maqueiros descarregar os barcos em alguns sitios, e passar estes a braços, a custa de grande trabalho o despeza, porque havia a passar as cachoeiras e açudes que lá fazem, trazendo arvores dos montes que vem carregar de pedras atravez do rio, com rama contra a corrente; mas nós já temos Lei contra isto: a Ordenação do Reino faz Direito Real, e hoje Nacional, o alveo dos rios navegaveis; e é claro á vista das suas disposições que a ninguem é permittido semelhantes usurpações, e o Governo tem faculdade de fazer demolir todas essas obras que estão illegitimamente construidas, e por tanto para isso não se carece de Lei nova (Apoiados); isto é, em quanto ao que existe feito pela mão do homem; mas tambem ha embaraços da Natureza: por causa destes a navegação nesta parte do rio nunca será perfeitamente boa; mas póde ser muito melhorada, até com pouca despeja, O rio pela corrente á agua tem cavado para mais fundo; mas não desfaz as rochas: ha por exemplo o cachão de canas, onde um penedo surge á tona d'agua, e onde teem naufragado grande numero de barcos, e não tem havido mãos que o quebrem, sendo isso facil e com pouca despeza, talvez, duas ou tres arrobas de polvora.

Lembro-me de ter lido n’uma antiga Memoria topographyca da Comarca de Lamego, publicada pela Academia, que havia no Douro um penedo chamado o Touro que era a perdição de barcos e de vidas: um visinho daquelles sitios o fez destruir com a despeza de 1200 réis, e nunca mais houve perdição alguma. Ora parece-me, qualquer que seja o nosso estado de finanças, que devemos despender algumas quantias em objectos de tanta utilidade. E o certo é, que muitas vezes com pequenas despezas se podem remediar grandes males.

Agora pelo que respeita ao alveo do Tejo de Abrantes para baixo, faz pena ver areaes immensas, que podiam ser terrenos preciosos, que se teem abandonado, senão é que mais alguma vez se vai por elles alargando algum visinho, á custa das irrupções que o rio faz do lado opposto. Parece-me que a primeira cousa a fazer, era marcar o alveo do rio por balizas, considerando o espaço dentro dellas do dominio publico, para que não succedesse que tal visinho quando o rio se affasta para um lado, se adiantasse á custa de uma propriedade alheia; de modo que pelo que se vê, o rio está sendo o ladrão que rouba uns para dar a outros (Apoiados repetidos.)

O que se fizer para obstar a estes graves prejuizos, é tambem um beneficio para a navegação; porque o Rio hoje faz muitas curvas; e ficando elle em linha recta pela dita demarcação, tanto quanto fôr possivel, tem-se conseguido não só melhor expedição das cheias para o mar, mas um mais breve caminho para a navegação.

Quanto á demarcação do alveo, creio que não seria preciso mais do que uma ordem do Governo, e o emprego de algumas pessoas competentes, que fizessem collocar as ditas balisas para dentro das quaes ninguem podesse estender os seu» campos, convidando ou obrigando os proprietarios aceitemos, a que trouxessem o seu terreno, por meio de plantações de salgueiros, até aquellas balisas, e dahi para dentro nada. Hoje tem havido em verdade mais cuidado nestas plantações, do que em outras eras, porque a agricultura tem lido maior desenvolvimento. Propriamente o Tejo não póde ser canalisado, e o melhor que ha a fazer e o unico meio é convidar. ou por alguma medida obrigar os proprietarios a fazer a plantação dos salgueiros até aquellas balisas: seria grande o proveito da agricultura, e tambem porque faz pena vêr perder terrenos que podiam ser tão productivos. (Apoiados.)

Um Académico nosso, Estevão Cabral, que fez uma Memoria e Planta do Tejo e suas margens, avalia o terreno perdido nas margens deste rio que podia produzir subsistencia para 50:000 habitantes; e talvez seja ainda mais consideravel. Ha, por exemplo, os areaes da Martinica de fronte da Villa da Barquinha, que seria um torrão riquíssimo como já foi; ha defronte do Reguengo um extensíssimo areal que já foi alveo antigo, e chão da maior fertilidade, e hoje não é nada; ha muitos outros, e é grande perda que estejam naquelle estado.

Portanto, se é precisa alguma medida legislativa, será para compellir os proprietarios a fazer algumas plantações, e dar-lhes um certo prazo para isso, sob pena, se o não fizerem, de se darem de sesmaria aquelles terrenos a quem os aproveitar. A nossa Ordenação do Reino, Sr. Presidente, tinha muito bellas cousas! Ou dar de emprasamento ou a longo arrendamento os mesmos terrenos, e por tanto tempo até indemnisar a despeza das obras e dos trabalhos, que nelles houverem feito quaesquer emprehendedores.

O Sr. Presidente—Tem primeiro a palavra o Sr. D. de Palmella para uma explicação.

O Sr. D. de Palmella — O Sr. Presidente do Conselho ha de querer responder, e eu direi poucas palavras observando que será de pouca vantagem o tempo que se consumir em prolongar esta conversação.

Os melhoramentos que se pertendem effectuar não dependem todos da acção legislativa. Para alguns sem duvida se carece do Parlamento, outros porém dependem dos esforços do Governo, e consistem na applicação de Lei existente, na observancia dos regulamentos que o Executivo fizer, e tambem no concurso dos particulares que illustrados sobre os seus interesses adoptem as medidas ao seu alcance para obter o desejado resultado ao de certo que o encanamento do Tejo póde melhorar-se, mas não creio que haja a este respeito projecto algum, apenas se tem tractado de algumas plantações e de romper varias cachoeiras. Para abranger este assumpto em toda a latitude e propôr as medidas convenientes deve haver uma Commissão incumbida de fazer o seu relatorio para habilitar o Governo a tomar conhecimento das medidas legislativas que tem a propôr, e das que póde tomar dentro da esphera das suas attribuições. Julgo que o Sr. Presidente do Conselho não duvidará annuir a este pedido, e é isso sómente o que por ora podemos desejar.

O Sr. V. de Algés — Eu direi só duas palavras, porque já fui prevenido.

Quando eu pedi a palavra ainda faltava o D. Par o Sr. Tavares de Almeida, a quem eu tinha apoiado por concordar com as idéas de S. Ex.ª; mas ainda não se havia declarado quanto á necessidade de Lei, o que fez depois e me preveniu.

Sr. Presidente, este objecto não tem um só voto contra, e é de utilidade tal, que estou certo e convencido, de que o. Sr. Presidente do Conselho, e toda a Administração, hade concorrer na parte que lhe toca para vêr se, póde conseguir o que se deseja; mas tinha-se dito que não havia necessidade de Lei, o que eu havia apoiado, porque intendo que nos Regulamentos que existem, e nas attribuições do Poder Executivo ha bastante authoridade para melhorar o máo estado em que se acham as margens do Tejo, e não ha ninguem que não reconheça este máo estado, e a urgente necessidade de o remediar. (Apoiados.) j Mas é necessario que eu me explique, por que ' não duvido de que Lei haja de vir a ser necessaria para certos objectos; mas antes disso muito póde fazer o Governo sobre o assumpto da Pro-posta do Sr. D. de Palmella. A Lei ha de ser talvez necessaria, porque alguns preceitos e comminações hão de estabelecer-se, que obriguem os proprietarios ou sobre novas obras, ou em relação ás que já estão feitas; e ainda digo mais: quando o Governo tomar verdadeiro conhecimento da utilidade deste negocio, hade provavelmente (além dos meios de que póde dispor) querer empregar alguma quantia de dinheiro nos respectivos melhoramentos, o que pedirá ao Corpo Legislador, e estou certissimo de que as Camaras a hão de conceder, porque não se pedirá uma verba de despeza esteril, mas que ha de ser fonte de riquezas importantes. (Apoiados.) E com uma pequena somma, que poderá ser igualmente applicada em concurso com os meios administrativos e fiscaes, que o Governo tem á sua disposição, é de crer que se possa alcançar o que se deseja.

Por consequencia levantei-me só para dizer, que Lei poderia vir a ser necessaria, mas que antes disso muitos meios efficazes se podem porem pratica para se effectuar esta obra.

O Sr. Presidente do Conselho de Ministros— Sr. Presidente, ha assumptos sobre os quaes é impossivel que haja divergencia, eu e todos os meus Collegas estamos de perfeito accôrdo com os D. Pares que tem fallado.

Eu estou persuadido, de que já ha grandes trabalhos sobre o melhoramento do Tejo; mas não sou da opinião do D. Par que disse — que os antigos Regulamentos das Lezírias não eram convenientes; porque, depois que acabaram é que o Tejo chegou ao estado em que se acha. Já um dos D. Pares disse, que não eram necessarias só as medidas do Governo, mas tambem a concorrencia dos proprietarios/ que ás vezes se torna prejudicial quando não é combinada com os vizinhos; porque as plantações em uma das margens, dando nova direcção á corrente póde fazer grave prejuizo na margem opposta. Estabelecerá balizas, marcar o alveo do Rio, devem ser os primeiros trabalhos. O emprego de uma Draga deve ser de grande utilidade. O Governo não tem a menor duvida em annuir aos desejos do D. Par o Sr. D. de Palmella, nomeando a Commissão lembrada por S. Ex.ª

Quanto ao que disse o Sr. V. de Fonte Arcada, o Governo não deixou de mandar proceder ao reconhecimento do estado em que se acha a bacia de Friellas, mas. a diminuta verba votada para as obras publicas não permitte que se levem a effeito muitos trabalhos aliás de grande utilidade publica. (Apoiados.)

O Sr. Ministro da Guerra — Sr. Presidente, eu não poderei fazer outra cousa senão coborar o que tem dito os DD. Pares sobre a materia de que se tracta. Não ha duvida que o Tejo está estragado por toda a extensão da sua corrente; mas isso e cousa muito natural era um rio cujas margens e alveo são de natureza sedimentosa, ou de transicção, e que na extensão de vinte legoas do curso, tem pouco mais de quatro palmos de inclinação ou declive; um rio para o qual confluem muitos outros, cujas aguas, bem como os enxurros das serras e montanhas adjacentes, lhe trazem, e vem depositar no seu leito grande quantidade de substancias térreas, que successivamente levantam o seu alveo.

Nós tinhamos uma Legislação providentissima, sobre a conservação das margens do Tejo, e sobre o tapume dos campos adjacentes, e uma authoridade com grandes attribuições para determinar estes objectos; porém tanto os regimentos das Lezírias e Paúes, como o Provedor das Lezírias acabaram, e as obras para a conservação dos campos e das margens do Tejo ficaram entregues aos proprietarios, que teem terrenos confrontando com as ditas margens, dos quaes se uns são cuidadosos em tapar as testadas das suas propriedades, outros são nisso remissos e desleixados; e daqui resulta que a corrente do rio, principalmente nas cheias e aziellas, corroendo com grande facilidade naquelles logares em que não acha embaraços, entra pelo revez dos tapumes que tem feito os proprietarios previdentes nas suas testadas, e estraga geralmente todas as margens; formando referencias e mouchões que de dia para dia difficultam mais a navegação do rio. Pra corroborar o que digo, contarei um facto que comigo mesmo succedeu quando as circunstancias politicas do nosso Paiz me levaram a servir como Engenheiro a Companhia das Lezírias.

Na Gollegã, o Administrador daquella Companhia entendeu, que fazia um grande serviço aos seus mandatarios, avançando as plantações ou manchas, e ganhando terrenos sobre o Tejo, não obstante haver-me eu opposto a semelhantes trabalhos em uma inspecção annual, que fui fazer aquella propriedade, por conhecer os inconvenientes que d'ahi podiam resultar. Effectivamente succedeu o que eu esperava: no anno seguinte, engrossando o Tejo pelo inverno, e achando-se comprimido pelo lado do Norte, refluiu sobre a margem do Sul, que os proprietarios da Chamusca tinham mal reparada, e não causou pequeno damno nos campos e vinhas da dita Villa.

Em Santarem, observando tambem eu em certa occasião as obras que estava fazendo no mouchão fronteiro a Viscondessa de Alvaiázere, disse a algum dos Vereadores da Camara, que vissem o modo de obstar á dita obra, porque se ella continuasse, os bairros da Ribeira e de Marvilla teriam muito que soffrer, e seriam pela maior parto desmoronados. Effectivamente succedeu o que eu tinha predito; e se a Camara de Santarem não se apressasse a embargar a obra da Viscondessa de Alvaiázere, conseguindo mesmo fazer destruir uma parte das plantações com que o proposto daquella Sr.s tinha avançado sobre o Tejo, o bairro da Ribeira teria desapparecido á primeira cheia que viesse ao rio.

É portanto necessario embaraçar, que alguem com o intuito de augmentar a sua propriedade situada nas margens do Tejo, roube ao rio o terreno necessario para conter e dar livre curso ás

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suas aguas; e ao mesmo tempo modificar, por meio de trabalhos da arte, a acção contínua da Natureza, profundando o alveo, e desfazendo as cabeças e mouchões que as cheias e aziellas tem inconvenientemente formado em muitos logares. Mas para isto é necessario um systema de obras geral, estabelecido debaixo de uni pensamento unico, e que haja uma Authoridade que vigie sobre a execução de todas as ditas obras.; pois se ellas forem deixadas ao arbitrio dos proprietarios das terras adjacentes, o mal irá por diante.

Nos campos e margens do Tejo acontece pouco mais ou menos o mesmo que acontece nas margens do Mondego e nos campos de Coimbra, depois que caducaram os Regimentos das Lezírias e Paúes: uns proprietarios fazem plantações e tapumes nas suas testadas, e outros não fanem nenhumas obras, e quando vem as cheias entram pelos logares mal reparados, alagam todos os campos, e vão arruinar os trabalhos daquelles que os fizeram. Se não se tivesse formado em Lisboa a Companhia das Lezírias, talvez que nos campos do Riba-Téjo se não plantasse já um só alqueire de trigo, porque esta Companhia tracta muito bem as suas propriedades e tapa os campos que lhe pertencem, e aquelles que lhe pagam fabricas, sobre si, não lhe causando portanto prejuizo que os seus visinhos não façam obras.

Não virá fóra de proposito ajuntar ás observações que tenho feito, que as aguas tem diminuido muito no Tejo, assim como em todos os rios do globo; e essa é tambem uma razão, porque ha monos fundo para a navegação do que havia em tempos remotos; mas assim mesmo, cumpre que os DD. Pares saibam, que quando ha cheias, as aguas sobem em muitas partes a quinze e vinte palmos acima do seu nivel ordinario, e cobrem uma area de vinte leguas de comprimento sobre duas e meia de largo.

Quanto ás plantações que muitos julgam como o unico meio de conservar em bom estado as margens do Tejo, e de fazer profundar o seu leito e melhorar por conseguinte a navegação, direi que ellas são proficuas em alguns pontos, mas em outros não tem alguma vantagem, porque acorrente lambe, seja-me permittida a expressão, e escava o terreno sobre que assentam as ditas plantações, e vai levando-as successivamente até não deixar dellas vestigio algum. O mesmo caniço que nasce espontaneamente, como todos sabem, nas margens do Tejo, e que leva as suas raizes a treze e mais palmos de profundidade, não é sufficiente preservativo em muitas circumstancias contra a acção contínua das aguas sobre o terreno das margens: muitas vezes um pequeno deposito ou cabeça de arêa, que se fórma em um ponto do leito do rio, fazendo variar a direcção da corrente, dá logar a que desappareça de outro ponto em poucos dias, uma malta immensa de caniço, que tinha de existencia mais de trinta annos.

A Companhia das Lezírias tinha uma emposta de terra na Lezíria de Villa Franca, que era talvez á melhor de toda a propriedade, e para a defender das invasões do rio tinha feito uma bella plantação de salgueiral, que lhe tinha custado para mais de 3:000000 de réis. Comtudo, pelos anhos de 1838 ou 1839; veiu uma cheia, e deixando, quando as aguas baixaram, uma pequena cabeça de area junto á testada da dita emposta, foi este obstaculo bastante para fazer mudar de direcção a corrente de uma parte das aguas, que dirigindo-se de estoque sobre a plantação, que fica referida, levaram-a dentro de pouco tempo, e depois della a maior parte do terreno da emposta.

De tudo o que deixo dito, declaro, que o primeiro trabalho que se deve fazer, como disse o D. Par o Sr. Tavares de Almeida, para melhorar as margens do Tejo, e a navegação deste rio, é abalisar o alveo dentro do qual elle deve correr, em relação ás aguas que costuma trazer nas differentes estações do anno, e depois prohibir que ninguem se aproveite de algum mouchão, ou accrescido que ficar de dentro daquellas balisas. Em seguimento a isto é necessario, por meio de trabalhos de dragagem, profundar o leito do rio, destruindo as cabeças de area que se encontrarem, para trazer todas as aguas a uma só veia, sendo certo que isto não será tão custoso como se imagina, porque a Natureza fará uma parte do trabalho; porém é necessario que haja um systema Uniforme e geral nesta disposição e trabalhos porque se a cousa ficar, como até aqui, á discrição dos particulares, a navegação do Tejo acaba de perder-se. Nós já hoje podemos navegar sómente em vapores até Villa Nova, ou em barcos de vella de 60 moios de carga, quando muito, até Vallada. De Vallada para cima já na maior parte do atino só podemos navegar em pequenos barcos até Santarem; e alem de Santarem já a navegação é muito custosa; fazendo-se em Alijoz, ou levando metade do caminho 03 generos por terra com grande despe/a; e se não se tomarem providencias, d'aqui a dez ou doze annos talvez não possamos levar a navegação acima de Villa Franca.

O Sr. D. de Palmella — Apoiado.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Persuado-me de que esta discussão será de mais proveito para o Paiz, do que o poderia ser a discussão sobre o objecto que está dado para Ordem do dia; porque espero que o Sr. Ministro do Reino ha de tomar em consideração quanto tem sido expendido, fazendo todos os esforços ao seu alcance para a formação de um plano sobre o importantissimo objecto de que se tem tractado.

Todavia, eu não posso estar inteiramente de accôrdo com o Sr. Ministro do Reino na sua asserção, de que tanto as margens, como a navegação do Tejo, haviam peiorado depois que caducara a Legislação das Lezírias. Julgo que não é tanto assim, ainda que isso tem influido alguma cousa no estado das margens; porque, a Legislação das Lezírias era muito menos perfeita do que S. Ex.ª pretendeu inculcar. Eu tive occasião de examinar essa Legislação, porque desejei esclarecer-me sobre algumas cousa; e achei-a extremamente defficiente. Este Rio, no tempo de Filippe II foi navegavel. Logo que este Rei chegou a Portugal, encarregou o Engenheiro italiano Antonelli, célebre já por outras obras executadas nos Paizes Baixos, de fazer trabalhos no Tejo. Em breve espaço de tempo este trabalho, desde Alvega, a duas leguas acima de Abrantes, até, Toledo, e dos quaes ainda restam vestigios, permittiram a navegação desde Lisboa até Toledo, aonde chegavam os barcos carregados, e donde vinham para baixo commerciaes e outros generos. A guerra da independencia e outras cousas impediram a navegação, e o Rio diariamente se foi obstruindo com açudes, pesqueiras, e outros obstaculos, que os proprietarios tem estabelecido nas suas margens e alveo.

Estou convencido, de que boa parte dos trabalhos que se requerem, póde ser ordenada pelo Governo, sem necessidade de novas medidas legislativas; porque, eu não sei que titulo legitimo possa ter proprietario algum desses açudes e pesqueiras, para obstruir e embaraçar uma via publica, que no tempo dos Filippes se achava desobstruída. Ora, como as vias publicas, pertencendo a todos, não pertencem a ninguem em particular, o Governo, quando bem quizer, póde mandar destruir essas pesqueiras e açudes, embora se d alguma indemnisação a algum proprietario pobre, sem que por isso se lhe reconheça o direito de ser indemnisado.

Termino pois recommendando ao Sr. Ministro do Reino, que haja de tomar este objecto na consideração que elle merece, incumbindo-o aos Engenheiros mais babeis neste ramo de conhecimentos scientificos.

O Sr. D. de Palmella — Se a Camara tivesse a benignidade de conceder-me ainda uma vez a palavra, diria ainda alguma cousa. (Signaes de as sentimento. Pois bem fallarei, porque isto é mais uma conversação do que um debate.

Tenho ouvido allegar que senão carece de medidas legislativas para que o Governo emprehendi as obras do Tejo; mas eu creio que effectivamente se precisa dellas. Não convirá por exemplo revêr a actual Legislação a respeito dos mouchões? Segundo as disposições em vigor os accrescidos são do Estado: esses accrescidos porém são adquiridos á custa de alguem, e não deixará deter havido proprietario, que abusando da Lei, tenha usurpado a propriedade dos seus visinhos. E este um exemplo, d'entre muitos outros que cito, para mostrar que a Legislação carece de revisão, devendo talvez ser em parte alterada e melhorada. Julgo tambem que nas actuaes circumstancias deverão estabelecer-se por Lei providencias, que obriguem os proprietarios das margens do Tejo a fazerem as plantações necessarias, sem excepção de pessoa alguma.

O Sr. Tavares de Almeida — O D. Par que acaba de fallar, dirigiu-se a mim; mas S. Ex.ª permitta-me lhe diga, que não foi exacto, porque eu não disse, que não eram precisas absolutamente medidas legislativas, antes ao contrario indiquei algumas e o fim para que: com tudo eu disse, que desde já grandes melhoramentos se poderiam fazer, independentemente de medidas legislativas, porque cousas ha que são das attribuições meramente administrativas e regulamentares, e de que o Governo podia lançar mão; pois, por exemplo, para a balisação do Tejo, e para regular a plantação nas suas margens, e para desobstruir a corrente, são necessarias novas Leis? Eu creio que não; e estou até persuadido de que esses proprietarios dos campos juntos ás margens do Tejo concorrerão muito de vontade para fazerem as plantações, porque se deixarão convencer de que ellas lhes são muito proveitosas, e isto vai-se observando sensivelmente, porque tal plantação apparece no Tejo, ou nos campos margenaes, hoje muito maior daquella que eu conheci em outra época o de que se precisa é que se faça com regularidade. Quanto a dizer-se que os accrescidos são do Estado, direi que segundo o Direito eu intendo, que nas margens de um rio, aquillo que accresce em frente de um predio deve ser pertença do mesmo predio: o Direito commum é este. Todavia, eu não sei bem se ha alguma Legislação especial relativamente a mouchões. (Vozes — Ha. Ha.) Pois bem; os mouchões ião ilhas; mas o proprietario tem direito a adquirir no alveo do rio tudo aquillo que lhe vai por acessão; e isto mesmo se poderá declarar quando se determinar a demarcação que se fizer; e porque tornei ater a palavra, chamo novamente a attenção do Sr. Ministro do Reino, para que S. Ex.ª mande examinar a parte do Rio entre Alvega e Villa Velha, e creio poderá conseguir muito bons resultados se expedir ordens ao Governador Civil de Porto Alegre, e ao Governador Civil de Castello Branco, para que façam remover os açudes e usurpações do Rio; e com uma insignificante despeza poderá mandar quebrar e ses penedos a que alludi; e o tempo proprio para isto é o verão, tempo em que estão mais fóra d'agua, e por is3o quebrar-se-hão com facilidade, cujo resultado será de uma grandissima vantagem.

O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Vou lêr um Parecer acerca dos extractos e publicações das Sessões desta Camara. (Leu-o.)

O Sr. Presidente — Talvez que a Camara queira já discuti-lo.

O Sr. V. de Algés—Como alguns D. Pares o não ouviram lêr, será bom que fique para segunda leitura.

O Sr. D. de Palmella—A Camara talvez o que dispense seja a sua impressão (Apoiados.)

O Sr. Presidente — Pois bem, nesse caso ficará para segunda leitura.

Approvado. (1)

O Sr. Presidente — O D. Par o Sr. Pereira de Magalhães tinha pedido a palavra para lêr um Projecto de Lei: vou pedir á Camara que dispense o Regimento na parte respectiva, para que S. Ex.ª o possa lêr e apresentar.

O Sr. C. do Tojal — Sr. Presidente, haverá um anno que eu pedi aqui informações ao meu amigo o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, sobre o estado da negociação com o Governo russiano, relativamente á convenção a respeito dos nossos navios, e mercadorias de nossa producção por elles importadas na Russia, para que fosse collocados sobre o pé da Nação alli mais favorecida.

Respondeu me S. Ex.ª, que as negociações estavam n'um pé muito favoravel, e tanto assim, que se alguma embarcação portugueza se propozesse a seguir viagem com uma carga de vinhos para S. Petersburgo, seria alli admittida desde já, pagando os mesmos direitos d'entrada e de Tonelagem, que pagaria a Bandeira mais favorecidas, levando d'aqui um I caria do Encarregado dos Negocios da Russia pira esse effeito, em quanto se não concluia a convenção. Já lá vai um anuo porém, e não consta ainda da conclusão de tão importante negociação.

Queria pois dever o favor ao Sr. Presidente do Conselho, visto não estar presente o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, de nos communicar o estado em que se acha este negocio, pois que está começada a estação para ss operações commerciaes e embarques d'aqui para os portos da Russia, e já tem partido alguns navios inglezes e dinamarquezes com vinhos e outros productos nossos, e outros, das mesmas bandeiras, se acham á carga tanto aqui como no Porto para S. Petersburgo. E como em consequencia da guerra entre a Dinamarca e todas as bandeiras alemãs, seja presentemente vedado carregar d'aqui vinhos por taes navios para aquelle destino, por o imminente risco de captura e excessivos premios de seguro, muito vantajozo seria e muito importante, no actual momento com especialidade, ultimar-se esta negociação, para a qual sempre entendi que havia a mais favoravel disposição e tendencias da parte do Governo russiano, pois que na verdade nada póde haver mais monstruoso do que o estado actual das nossas relações maritimas e commerciaes com aquelle Imperio, pois que presentemente, as nossas embarcações e mercadorias de nossa producção por elles transportadas, estão sujeitas a um direito differencial de 50 por cento addicional sobre o direito estabelecido aos nossos vinhos, e quaesquer outros productos nossos alli importados pela nossa propria bandeira.

Isto Sr. Presidente e na verdade intoleravel, pois que os navios russianos que frequentam os nossos portos, em quantidade, para carregar sal, nenhum direito de Tonelagem pagam absolutamente; por que esse mesmo direito de Tonelagem a que são sujeitos quando mesmo venham carregados de mercadorias suas ou indirectas, lhe é restituído na totalidade, segundo a Lei vigente quando exportam uma carga inteira de productos nossos, como o sal, ou quaesquer outros. A vista d'isto, é bem evidente que semelhante estado de cousas não é admissivel, pois nem ha reciprocidade, nem decoro nacional, de qualidade alguma; e antes valeria mais desde já abolir esse direito diferencial de Tonelagem, nominal como é, entre a nossa bandeira e das Nações com quem não temos convenções afim de assim remover por uma vez este difavor, e pretexto para direitos discriminativos contra a nossa navegação, que se mantem contra ella em razão d'este direito differencial de Tonelagem que nada nos produz senão reprezalias das outras Nações.

Só por discuido nosso é que este estado de desharmonia, que tão nocivo é pira a nossa Marinha mercante, tem continuado até aqui; e como seja notoria a boa disposição de Sua Magestade o Imperador da Russia, e do tão illustrado Governo em nosso favor, estou convencido de que se não deixara de obter com brevidade a favoravel conclusão d'esta negociação fazendo-se as necessarias diligencias, da qual resultarão não mesquinhas vantagens para a nossa Marinha mercante pelo emprego que d'ahi lhe resultará, pelo transporte dos nossos proprios productos, e doutros, d'aqui, para os portos da Russia, os quaes pela mais singular anomalia, estamos perfeitamente inhibidos de lá conduzir pelo grande direito differencial a que assim estão sujeitos, com grave prejuizo nosso, e grandes vantagens das embarcações estrangeiras que com a Russia tem tratado, as quaes fomos obrigados a afretar para este fim, com tanto desdouro como prejuizo das nossas proprias embarcações.

Insto pois, quanto é possivel, com o meu nobre amigo o Sr. Presidente do Conselho. para que haja de nos communicar qual o pé e progresso em que se acha esta negociação, pois a considero, assim como esta camara não deixará igualmente de a avaliar, como objecto da maior importancia para a nossa Marinha mercante, e singularmente agora, na conjunctura presente em que quasi todas as bandeiras do mar do Norte e Báltico são hoje beligerantes, e a nossa por fortuna perfeitamente neutral, e por consequencia muito nas circumstancias de se poder aproveitar com grande vantagem da situara) actual, logo que se ultime esta negociação com a Russia, e a qual por conseguinte, eu não posso deixar de recommendar muito e muito á immediata attenção do Governo.

O Sr. Presidente de Conselho de Ministros — Eu, em reposta ás observações que o' D. Par acaba de fazer, só posso dizer que remetto o D. Par para o que está consignado no Relatorio impresso, que foi distribuido, e que o meu collega o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros apresentou.

O Sr. Pereira de Magalhães — Sr. Presidente, a Carta. Constitucional tem duas especies de disposições: uma que ella mesma qualifica de constitucional, e outra que o não é em quanto ás disposições constitucionaes. Diz a Carta que não possam ser alteradas, sem que preceda uma Pro-posta feita na Camara dos Srs. Deputados, e allí siga certos tramites até que passe a esta; mas relativamente ás outras disposições nada determina a Carta; e então intendo, que ellas podem ser alteradas ou revogadas pelo meio ordinario adoptado para outras quaesquer Leis: a esta segunda classe de disposições estou persuadido que pertencem as do artigo 31.° da Carta; isto é, que as suas disposições não são daquellas fundamentaes, que não podem ser alteradas se não pelos tramites prescriptos na mesma Carta; e neste supposto proponho eu este Projecto de Lei que passo a lêr.

A necessidade deste Projecto de Lei está demonstrada pelo que se tem passado nesta Casa, e pelas votações que ha pouco aqui houveram contradictorias umas com as outras, e algumas contrarias ao que se pratica na outra Camara. Ora, no estado da nossa Fazenda Publica, nós não podemos lêr um numero de funccionarios tal, que mesmo quando alguns delles venham para as Camaras lá fiquem outros, e que a sua falta não seja sentida nos seus Tribunaes ou Repartições, e se o estado de nossas finanças não permitte que haja esse numero é certo que os Empregados Públicos que teem assento nas Camaras devem acumullar umas e outras funcções quando os seus -empregos sejam tambem na Capital, e alem de mais alguns outros inconvenientes que se poderão evitar eu offereço estas considerações á Camara e conjunctamente o seguinte

projecto de lei n.º 102.

Art. 1.º Os Pares do Reino e os Deputados ás Côrtes que forem Empregados Públicos em Lisboa poderão accumullar, querendo, as funcções de Par ou Deputados e as de outro qualquer Emprego.

Art. 2.° As disposições do artigo 33.ª da Carta Constitucional são applicaveis aos Pares do Reino.

Art. 3.° Fica por este modo revogado o artigo 31.°, e declarado o artigo 33.ª da Carta Constitucional da Monarchia. =* Pereira de Magalhães,

Foi dirigido á Commissão de Legislação.

O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, tenciono apresentar á Camara um Projecto de Lei organica dos artigos 31, 32 e 33 da Carta Constitucional, com a qual poderemos chegar ao mesmo fim que deseja o D. Par, mas não pelos meios directos de os revogar: poderemos ir pelos meios indirectos de uma interpretação sensata e authentica conseguir o nosso fim. Peço por conseguinte licença á Camara para mandar para a Mesa, na primeira Sessão, um Projecto de Lei que eu já. tenho elaborado, e para cujo fim ficarei inscriptos

O Sr. V. de Algés — É costume sempre que se apresenta um Projecto de Lei, qualquer, ser precedido de um Relatorio, que justifique e desenvolva os principios consignados no mesmo Projecto, porque isso não só é conveniente para a discussão, como tambem para que os Membros da Commissão, á qual esse Projecto fôr enviado para o examinar, possam bem conhecer as idéas do seu Auctor, e sobre tudo elaborarem o Parecer, que tiverem de apresentar á Camara; porém o Projecto de Lei apresentado agora pelo D. Par o Sr. Pereira de Magalhães não tem nenhum relatorio escripto, e apenas S. Ex.ª se limitou a dar-nos uma curta exposição verbal: todavia eu não me teria levantado, se naquella exposição S. Ex.ª não tivesse lançado uma forte censura aos actos desta Camara; porque, o D. Par disse, que aqui tinham havido ha pouco votações contradictorias entre si, e em manifesta opposição com os actos praticados na outra Camara. Talvez que assim seja, porque em fim di-lo S. Ex.ª; mas passando esta proposição dita e não escripta, á Commissão a que o Projecto vai ser enviado não poderá emittir a sua opinião a similhante respeito, e ficará sem resposta uma asserção tal como a de que esta Camara ha pouco tempo tomára deliberações contradictorias e oppostas ao que é adoptado na outra Camara; é sendo estas deliberações da maioria, é certo que a maioria desta Camara estará em manifesta opposição comsigo mesmo, e com a da outra, que obra diferentemente, quando aliás os Corpos Legislativos devem ser accordes na intelligencia e applicação dos principios e preceitos da Lei fundamental. (O Sr. Pereira de Magalhães — Peço a palavra.) O D. Par acaba de pedir a palavra, e eu espero que S. Ex.ª se explicará categoricamente.

O Sr. Pereira de Magalhães — Não sei, Sr. Presidente, que haja nenhuma Lei nem Regulamento, que mande preceder os Projectos de Lei, de relatorios por escripto (O Sr. V. de Algés — Ha os estyllos.) Se eu soubesse que havia alguma Lei que assim o ordenasse, certamente não deixaria de o fazer, ou bem ou mal, como eu soubesse. Além do que, Sr. Presidente, esse Projecto que eu apresentei não foi trazido de casa, escrevi-o já nesta Sala; e se eu não apresentei um Relatorio escripto, apresentei o Verbal, porque dei os motivos da conveniencia da sua approvação. Agora passo a justificar-me.

A Camara hade estar certa de que resolveo n'um dia, que cessavam as accumulações das funcções de Par com as de outro emprego; e sabe tambem que esta votação recahiu sobre uma larga discussão, na qual se deram as razões de incompatibilidade para esse simultaneo exercicio. Ora, esta votação está em contradicção com o que se fez depois, e está tambem em contradicção corri o que se pratica na Camara dos Srs. Deputados} e se estas votações não podem dizer-se contradictorias sem offensa da Camara, eu peço-lhe então licença para retirar essa palavra.

Direi por esta occasião, Sr. Presidente, que eu não desejo achar em contradicção nem pessoas, nem corporações, e muito menos esta Camara: o meu desejo constante é que cada um homem deste Mundo tenha o que desejar, e ninguem me achará nunca no caminho para tropeçar em mim: se pois eu quero isto para os homens, como não hei de deseja-lo para esta Camara? Con-

(I) Quando tiver a segunda leitura se consignará.

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cluo dizendo, que, se no que eu notei não ha contradicção, peço desculpa á Camara.

O Sr. Fonseca Magalhães—A expressão dos meus desejos do D. Par, que me precedeu, creio ser sincera e verdadeira, e é filha da sua boa indole. — Eu tambem desejo o bem de toda a gente: isso custa pouco; se esse sentimento carecesse de sacrificios, não seria talvez Ião generosa a nossa benevolencia. Digo isto, porque entre a causa e o effeito desses sentimentos ha immensa distancia Mas o facto é que, por circumstancias, eu appareci na opinião de alguem representando de protagonista em uma scena que aqui se expoz ao publico. Nella fallei largo tempo: proferi uma opinião; e verificou-se que essa opinião obteve maioria de votos. Ainda hoje subsiste em mim a convicção de que me declarei possuido; e parece-me que nem eu nem a Camara poderemos com razão ser tachados de contradictorios(Apoiado.) Intendo tambem que esta Camara não esteve, nem está agora em contradicção com a outra Camara (Apoiados) Por este motivo parece-me dever pedir ao D. Par, que se recorde S. Ex.ª do que se decidiu, e dos fundamentos da decisão.

Decidiu-se que cessassem as concessões que esta Camara linha -feito ao Ministerio em 3 de Janeiro, porque se notou que os pedidos do Governo não tinham sido individualizados, nem motivadas: mas é tambem verdade haver-se na mesma occasião declarado que a cessassão não impedia o Governo de vir aqui depois fazer novos pedidos: nem esta Camara ficava inhibida de os conceder, se os achasse justos. Em consequencia disto veio o Governo fazer o pedido de alguns D. Pares, e a Camara concedeu-os. Não creio que entre a primeira decisão e a concessão subsequente se possa notar contradicção. Aquella decisão foi tomada porque se argumentou que o pedido de 3 de Janeiro peccara na fórma; e por isso se não assimilhava aos anteriormente feitos; que se não peccasse, com razão poderia ser attendido. Mas depois veio o Governo propôr em devida fórma a dispensação para dois D. Pares, e a Camara concedeu a. Aonde está pois a contradicção? Tão pouco será facil acha-la entre esta e a outra Camara; por quanto todos sabem que na outra Camara ha Membros que são Funccionarios Públicos nesta Capital, e que desde que a Sessão começou teem acumulado esse exercicio com ode Legisladores, e o accumulam: o mesmo succede aqui: não ha pois contradicção entre uma e outra Casa do Parlamento (Apoiados).

Permitta pois o D. Par que eu lhe offereça estas observações, para demonstrar que não houve contradicção nas minhas votações, nem tão pouco, ouso dize-lo, nas decisões da Camara. Parece-me que do que levo dito fica demonstrado que a concessão feita ao Governo depois da Sessão de 17 de Março não póde ser acoimada de contraria nem ás razões que nella produzi, nem á votação que houve sobre o assumpto que tão longamente se ventilou.

O Sr. V. de Algés —Sr. Presidente, o meu fim está preenchido, porque se levou á evidencia a demonstração de que não houve taes contradicções de que fallou o D. Par; e tambem já S. Ex.ª, como eu esperava, declarou que retirava estas expressões, e quasi que mesmo o D. Par mostrou que tal contradicção não tinha havido. Eu por conseguinte não tinha nada mais a dizer, e dou-me por satisfeito (Apoiados.)

ordem do dia.

Proposição de Lei n.º 95, authorisando o Governo para organisar o Exercito, em todos os seus ramos, no intervallo da Sessão Legislativa de 1849 a 1850, cuja discussão na generalidade teve logar a pag. 493, col. 4.º

O Sr. Presidente — Vai ler-se o art. 1.° Proposição de Lei n.º 9.

Artigo 1.º O Governo é authorisado para organisar o Exercito em todas as suas partes, no intervallo da Sessão Legislativa de 1849 a 1850, como melhor convier ao Serviço publico, e á defeza do Continente do Reino e Ilhas Adjacentes.

O Sr. D. de Palmella — Este art. 1.° contém a materia que se discutiu na ultima Sessão na generalidade, e por isso me parece que pouco mais se poderá dizer agora. Eu pela minha parte sustento as rasões que então produzi para votar contra o Projecto.

O Sr. C. de Lavradio — Apoiado,

Approvado o art. 1.°

Art. 2.° O Governo é igualmente authorisado para fixar o quadro de todas as Repartições, e Estabelecimentos de qualquer natureza que sejam, dependentes do Ministerio da Guerra.

O Sr. Fonseca Magalhães — Pela lettra deste artigo intende-se que a fixação dos quadros de todas as Repartições e Estabelecimentos, são dessas que actualmente existem (Apoiados.) E creio tambem que o Ministerio intende, que no numero desses Estabelecimentos e Repartições se póde fazer alguma suppressão. Desejava pois que o Sr. Ministro nos informasse, se é da sua intenção diminuir o numero de taes Repartições, e bem como, quanto seja possivel, o numero dos seus empregados, até onde permittir o bem do serviço.

O Sr. Ministro dos Negocios da Guerra — Eu tenho tenção de fazer algumas reducções, não só no numero das Repartições, mas tambem rio pessoal dellas, conservando em cada uma só o numero de Empregados, que absolutamente for indispensavel para o serviço; mas declaro tambem, que hei de ter em muita conta os direitos adquiridos pelos Empregados, que em consequencia destas reformas ficarem fóra dos quadros das Repartições a que pertenciam, que é de toda a justiça (Apoiados.)

O Sr. Fonseca Magalhães — Escuso repetir que tenho bastante confiança nos desejos que exprime o Sr. Ministro da Guerra; e estou certo que os seus estudos, que devem ter sido importantes sobre esta materia, hão de ter feito conhecer a S. Ex.ª que ha actualmente algumas Repartições que podem extinguir-se: uma dellas especialmente considero supprimida de direito; porém não direi que o esteja de facto. Sei que a sua suppressão custou grandes combates; mereceu-se-lhe uma resistencia pertinacíssima; fallo da Repartição chamada das Obras Militares, que existia como algumas outras, tendo começado, e crescido quase imperceptivelmente; e adquirido força para dei fender a sua conservação com grande vigor (Apoiados.) Se ainda não está inteiramente abolida, e força que o seja por uma vez. Não digo que se não façam as obras militares que forem necessarias; mas a experiencia nos tem mostrado que em regra as obras não devem ser feitas por conta do Estado (Apoiados). Ficam extremamente caras, ainda não havendo fraudes nem malversações. O meio de as conseguir menos dispendiosas é da-las por arrematação, e fiscalisar o cumprimento das condições.

Essa fiscalisação o Governo a deve entregar a pessoas habilitadas e de confiança; e posto que eu não assegure que desta sorte se evitarão todos os abusos, não tenho duvida em affirmar que estes serão muito menores, o que o Governo poderá evitar a maior parte delles.

O que estou dizendo não significa accusação a ninguem; nem tenho motivos de queixar me da gerencia dos individuos: fallo do systema que deve adoptar-se em vista dos grandes defeitos e inconvenientes que resultam do antigamente praticado. As economias da Repartição da Guerra, hão de sahir da melhor organisação dos estabelecimentos della, e da simplificação do seu serviço, bem como de vigiar que nellas se faça o que se deve fazer. Não me passa pela idéa economisar nos prets, e soldos de officiaes e soldados — a estes quero que se paguem exactamente (Muitos apoiados.)

Em quanto aos reparos dos armamentos, e outros, muito se póde aproveitar que anda descuidado. Em fim estes estabelecimentos denominados do material absorvem grandes sommas que é preciso examinar se produzem o que devem produzir; aliás é força mudar de methodo. A paga do serviço deve ser correspondente a elle. Espero, e espero de veras que a isto se attenda; que metíamos no são as nossas despezas, e que as que se fazem produzam como capital empregado. Raras vezes disto se tem occupado os Ministérios, e não torno a culpa a todos. Já houve tempo em que se pagava a trabalhadores que não tinham em que trabalhar porque eram muitos, e causavam receio. Isto felizmente não se dá hoje.

O Sr. Ministro da Guerra — (Para explicação.) A Repartição das Obras Militares foi extincta de direito e de facto em 1812, e os Empregados desta Repartição passaram a addidos a outras, e estão hoje muito reduzidos em numero, porque uma grande parte teem entrado nos quadros das Repartições para onde foram addidos: entretanto ainda fazem alguma despeza.

Quanto aos trabalhos que em outro tempo estavam a cargo da Repartição das Obras Militares, elles se fazem hoje ou por arrematação, ou debaixo da direcção do Commandante do Corpo de Engenheiros, sendo mesmo algumas obras executadas por Operários Militares do Batalhão de Sapadores. Entretanto, ordinariamente só se toma este ultimo arbitrio; isto é, de mandar fazer as obras que são necessarias nos edificios militares por conta do Governo, quando não apparece arrematante que as queira fazer, ou ha inconveniencia de assim se praticar.

Todavia, como disse, muitas vezes não apparece em alguns logares quem queira tomar por arrematação uma obra, que é preciso fazer-se, e! nestas circumstancias não ha remedio senão manda-la executar debaixo das vistas e direcção de um Official Engenheiro, que dá contas da despeza ao seu Chefe, e este ao Ministerio da Guerra. Para estas e outras Commissões analogas ha em cada Divisão Militar um Official de Engenheiros, e em algumas Divisões mais do que um da referida arma, segundo as necessidades do Serviço.

Alguém diz que as obras militares se fazem com maior economia sendo executadas por Operários Militares do Batalhão de Sapadores; mas eu não estou convencido disto; porque, a gratificação que se dá a cada praça, e mais o soldo que cada uma vence, faz um jornal maior do que aquelle que venceria em certas localidades um Operário Civil, que por via de regra trabalha com maior celeridade. Consequentemente repito — as obras dos quarteis militares, e outras a cargo do Ministerio da Guerra, em principio ou se fazem por meio de arrematação, e isto succede a maior parte das vezes, ou por conta do Governo sendo inspeccionadas por um Empregado seu, e precedendo Orçamento. Não tenho pensamento de restabelecer o Arsenal das Obras Militares, como se lhe chamava: longe disso, se elle hoje existisse, fa-lo-ia abolir.

O Sr. V. de Algés—Eu tambem uno os meus votos aos do Sr. Ministro da Guerra, e do Sr. Fonseca Magalhães sobre o cuidado na escolha dos meios mais proprios para se fizerem as obras de que houver necessidade nos differentes misteres do Exercito. Circumstancias especies fizeram que eu, apesar de ser paisano, fosse chamado a dirigir por algum tempo o Ministerio dos Negocios da Guerra, e convenci-me então da necessidade de refórma, e talvez muito radical, em differentes ramos do serviço daquella Repartição. Não entro agora na analyse de qual dos dois methodos será melhor: se em geral fazer tudo por meio de arrematação, se alguma cousa por conta do Governo; mesmo porque para isso era preciso Vermos algumas bases definidas sobre que versasse a discussão, e isso não temos nós agora presente; porque o Projecto de Lei que se discute, assenta tão sómente sobre uma authorisação ao Governo para este no desempenho della adoptar e desinvolver as bases que julgar mais adquadas ao objecto de que se tracta; mas em todo o caso o que digo e lembro ao Sr. Ministro é, que naquelles meios que estabelecer, no que houver mesmo de conservar, por intender que o não deve extinguir, vejo bem o modo porque de todos esses elementos póde tirar mais utilidade para o serviço publico, e com a maior economia possivel.

Quando tive a honra de dirigir o Ministerio da Guerra, proporcionou-se-me occasião de examinar algumas Repartições delle dependentes com a mira em tirar dellas o fim a que são destinadas; isto é, objectos para o serviço do Exercito; e então achei que não correspondiam ao que era para desejar, nem á despeza que fazem alguns desses Estabelecimentos. Achei por exemplo que no Arsenal do Exercito catavam talvez mais de trinta mil armas capazes de se concertarem sem grande custo, pira prestarem muito bom servir.) quando dellas se carecesse, o todavia achavam-se muito bem arriunidas mas todas naquelle estado, de modo que nem havia porção em disponibilidade pua a» necessidades do momento. E com tudo necessario fazer justiça ao digno General que administra aquella Repartição, o qual sendo ouvido dá e explica os motivos desta e de outras faltas, contra a em vontade e esforços. Assim como este, ha muitos objectos que hão de merecer a attenção do Sr. Ministro; e é tambem verdade que isto que existe no Ministerio da Guerra, existe n'outros onde grandes despezas se fazem e teem feito successivamente; mas quando se inspeccionam os respectivos Estabelecimentos, como devendo encontrar-se nelles o resultado da sua importancia, não apparecem (Muitos apoiados), de modo que não é possivel tirar daquellas Repartições o proveito que indicam a sua denominação, e a verba de despeza dedicada para isso: por tanto eu de bom grado presto o meu voto a este Projecto, porque espero que delle hão de resultar conveniencias, e intenda-se que a responsabilidade é solidaria, não é só do Sr. Ministro da Guerra, pois que objectos destes é necessario que tenham o assentimento, e geral approvação do Ministerio, porque do contrario resultam gravissimos inconvenientes, que é escusado mencionar, por isso que todos os reconhecem. Entre tanto eu espero, que desta medida ha de provir grande conveniencia, porque, ou a refórma por este voto de confiança que se concede ao Governo ha de preencher, o fim, e corresponder ás vistas com que o mesmo vote é outorgado, ou não: na affirmativa, tiraremos o resultado que se pretende; mas na negativa, chegará então a opportunidade de se avaliarem bem estas authorisações, e de as não conceder mais, não tanto por serem contrarias aos principios, visto que sobre este ponto ha divergencia de opiniões, como por não corresponderem ao que se espera, e não produzirem nenhuma conveniencia: procuraremos dahi em diante remediar o mal de outro modo.

Sr. Presidente, pedi a palavra principalmente para fazer estas observações; mas já agora aproveito a occasião, porque póde ser que ella não volte. Nesta discussão appareceu um objecto a que me vou referir, e foi trazido pelo Sr. C. de Lavradio. S. Ex.ª na discussão da generalidade deste Projecto, que vem a ser a mesma da especialidade, visto que os D. Pares que o combatem dizem que offerecem aqui as mesmas considerações, procurando impugna-lo com razões bem deduzidas e fundadas, como sempre S. Ex.ª costuma entrar nos debates, disse, que lhe repugnava conceder estes votos de confiança, e estas authorisações, porque alem de ver nelles feridos os principios, receava tambem as inconveniencias; pois que não esperavam que se tirasse daqui bons resultados, e adduziu, como exemplo, a authorisação que pelo Corpo Legislativo foi dada ao Governo para reformar as Tabellas judiciaes, cujo resultado longe de as ter melhorado, as tinha perdido muito, sendo tambem para notar, que o Governo ainda não tivesse dado conta ás Côrtes do uso que fez dessa authorisação. Quanto a esta parte peço a S. Ex.ª, que tem toda a docilidade, queira rectificar o que disse, porque em vista da Lei ainda não ha omissão da parte do Governo. O artigo 2.° dessa Lei diz, que o Governo dará conta ás Côrtes na primeira Sessão Legislativa; mas não diz que seja no começo da Sessão: logo, em qualquer tempo, com tanto que seja nesta Sessão, póde vir dar conta do uso que fez daquella authorisação, e tem cumprido o seu dever. O Sr. C. de Lavradio: — Peço a palavra para uma explicação.

Ora o D. Par já pediu a palavra, e eu prevejo a objecção com que ha de vir. Dirá S. Ex.ª que o Governo já publicou essa refórma; que esta por tanto já obriga, e que o Governo devia dar conta ao Parlamento, logo que se publicou, e agora aproveito eu a occasião para me dirigir ao Sr. Ministro das Justiças, porque realmente desejo ser esclarecido á este respeito, e todavia não pretendo, porque me parece que não é opportuno, entrar na analyse do trabalho que se fez em virtude dessa authorisação, quanto mais que eu hei de ter conhecimento official delle, porque o Governo necessariamente o ha de trazer ás Camaras, e então officialmente lhe applicarei a minha attenção e analyse. Por ora parece-me que não está feita a refórma das Tabellas em harmonia com o que é justo e conveniente, e que em differentes ramos desse trabalho ha lacunas, deficiencias, e excessos, que convém remediar; mas como disse, abstrahio por ora dessa analyse, e simplesmente me dirijo ao Sr. Ministro das Justiças para o consultar, e pedir que me diga, se será exacta esta idéa que formo, e se S. Ex.ª, sendo do seu antecessor a execução daquella refórma, mas havendo clamores, como ha, em toda a parte do Reino contra muitas de suas disposições, não tem dado a necessaria conta ao Corpo Legislador do resultado daquelle trabalho, em consequencia de reconhecer que ha muita necessidade de alterar o que está feito.

No meu pensar, tudo me convence de que S. Ex.ª estará trabalhando em attender a essas reclamações, alterando muito do que estiver feito, e até do que não fosse reformado, para depois vir ás Côrtes dar conta do que definitivamente se houver adoptado. Se é assim, eu esperarei de bom grado que S. Ex.ª desempenhe esta tarefa, o que é muito louvavel; mas se não é assim, e se não tem tenção de alterar o que está feito, então peço lhe que quanto antes remetta officialmente ás Camaras os trabalhos que se fizeram em virtude da authorisação, que estas concederam, a fim de que as mesmas possam exercer a fiscalisação que lhes compete sobre objecto de tanta importancia, como é o da refórma das Tabellas judiciaes (Apoiados).

OSr.C. de Lavradio — (Para uma explicação.) O D. Par que acaba de fallar, julga necessario que eu reforme uma asserção, que fiz nesta Camara; mas eu declaro, que longe de a reformar a vou confirmar, e pedi a palavra para isso; isto é, para comprovar a verdade do que então disse. Eu disse, que o Sr. Ministro não tinha dado conta do uso, que" já tinha feito da authorisação que lhe fóra concedida pelas Côrtes, para reformar as Tabellas judiciaes, o que por consequencia linha faltado aos preceitos da Lei. Confirmo que S. Ex.ª faltou; porque, a Lei determinava que na primeira Sessão Legislativa o Governo daria conta do uso que tivesse feito da authorisação que lhe era concedida: examinemos porém o facto..

O Governo usou da authorisação; publicou as novas Tabellas, as quaes estão hoje sendo executadas como Lei. Pergunto — que embaraço podia haver para se dar conta de uma medida que está publica, e que está sendo executada como Lei? Sr. Presidente, quando se falla de Sessão Legislativa ordinaria annual, deve intender-se que se designam os mezes de Janeiro, Fevereiro, o Março. O Governo devia pois dar conta do uso que fez da authorisação que lhe foi concedida antes do dia 2 de Abril, e como a não deu, faltou ao seu dever. (Apoiados.) Houve uma prorogação,: mas até 2 de Abril é que é o tempo marcado para as nossas Sessões, e a esse tempo é que se referia a authorisação, nem podia ser a outro, porque a prorogação é incerta, e a Lei mandava cumprir essa obrigação em tempo certo, que era dentro, dos tres mezes marcados para a Sessão Legislativa.

Agora sobre outro ponto não percebi eu bem o que disse o D. Par; mas se disse o que me pareceu ouvir-lhe, não posso estar da sua opinião; isto é, sobre os motivos que talvez embaraçariam o Sr. Ministro da Justiça de dar conta do uso que fez da authorisação que lhe foi concedida.

Disse o D. Par, que S. Ex.ª, tendo provavelmente conhecimento dos clamores que se levantaram contra esta nova refórma, talvez quizesse fazer uma refórma dessa refórma, para vir depois dar conta ás Côrtes! Oh Sr. Presidente! pois o Governo póde actualmente tocar na refórma que fez? Digo que não, porque já usou da authorisação que lhe foi concedida, e desde o momento em que ella foi publicada como Lei do Reino, ¦ caducou a authorisação, não lhe póde mecher sem nova authorisação das Côrtes, pois o contrario seria conceder ao Governo uma indefinida delegação do Poder Legislativo — abyssus abyssum invocat; mas realmente não ha nada peior, do que sahir do campo dos principios.

Concluo dizendo, que confirmo a asserção que fiz na Sessão passada, e a que se referiu o D. Par a quem respondo.

O Sr. Ministro da Justiça — Sr. Presidente, eu não estava presente na Sessão em que o D. Par, que acaba de fallar, fez ao Governo aquella arguição, a que se referiu agora o Sr. V. de Algés; mas já tinha noticia della pelo meu Collega o Sr. Ministro da Guerra, que se achava presente, e reservava a explicação, que vou dar agora, para quando se continuasse na discussão do Projecto sobre a aposentação dos Magistrados judiciaes, discussão que foi interrompida pelo Projecto que temos presente, e que diz respeito á Repartição do Ministerio da Guerra.

O que eu tinha a dizer era, que dentro em poucos dias ha de ser presente a esta Casa o Relatorio do Ministerio a roeu cargo, e nelle severa qual é a tenção do Governo com relação á Tabella dos emolumentos e salarios judiciaes. O que acaba de dizer o Sr. V. de Algés é exacto; fez-se a refórma das Tabellas; mas por ventura não foi tambem confeccionada como era para desejar, devendo-se sem duvida esse resultado, não á falta, de capacidade e bons desejos da commissão respectiva, mas ao pouco tempo em que o trabalho • foi concluido (muitos apoiados). Sobre alguns pontos levantaram-se clamores de todas as partes, principalmente dos Empregados subalternos da administração da Justiça na Capital, alguns dos quaes foram reduzidos a não ter de que subsistir (Apoiados). Então o Governo tomou conhecimento dessas Representações, e mandou ouvir a Authoridade competente, reservando-se para dar as, providencias que melhor entender.

Agora em quanto á questão que tambem tocou o D. Par o Sr. C. de Lavradio — se o Governo póde ou não fazer segunda obra pelo voto de confiança que recebeu das Côrtes — permitta-me S. Ex.ª que discorde da sua opinião, pois estou convencido que o Governo tem o direito de fazer ainda uso daquelle voto para alterar no trabalho que já fez, tudo aquillo que lhe parecer imperfeito (O Sr. C. de Lavradio—De modo nenhum).

Pela Lei que concedeu ao Governo este voto, impoz-se-lhe a obrigação de dar conta ás Côrtes, na primeira Sessão, do uso que delle fizesse; o Governo ainda não faltou, pois que por muito, bem que o D. Par tractasse de mostrar, que a primeira Sessão estava acabada, a mira não me convenceu, a Sessão de 1849 continua: ainda que) prorogada é a Sessão de 1849: tudo o mais que se queira dizer é uma ficção, e perdoe-me a Camara que eu diga isto. Conseguintemente o Governo ainda não violou a Lei (como bem disse o Sr. V. de Algés), ainda não faltou ao cumprimento da obrigação que ella lhe impoz. Mas não só é em principio que eu entendo isto assim, dis-

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cordando do D. Par o Sr. C. de Lavradio; ha mesmo um precedente sobre esta mesma materia, que abona a minha opinião.. Quando o D. Par o Sr. V. de Algés em 1843 reformou a Tabella judicial, fê-lo em virtude do voto de confiança concedido em 1810; metteu-se de permeio um anno ou mais; e não tendo ainda o Governo dado conta ás Côrtes do uso que fizera desse voto; parece-me que estando a servir interinamente a Pasta das Justiças o Sr. C. de Thomar, fez-se uma nova refórma dessas Tabellas até com recommendação das Côrtes, foi depois de concluido esse trabalho, que de tudo se deu conta ás Côrtes, e expirou a authorisação ou voto de confiança.

É isto o que linha a dizer, para indicar e justificar o que o Governo está na intenção de fazer sobre o assumpto de que se tracta.. O Sr. V. de Algés—Sr. Presidente, eu fui prevenido no que tinha a dizer, pelo Sr. Ministro da Justiça; e tomarei o mesmo thema do Sr. C. de Lavradio: abyssus abyssum invocat. S. Ex.ª permitta-me que lhe diga, tem estado em máo terreno porque reproduz sempre o mesmo sobre esta materia, e argumenta da, maneira com que concluiu o seu discursa, e pretendendo convencer, que assim não acabava nunca o voto de confiança; ora o artigo da Lei diz — que o Governo dará conta ás Côrtes na primeira Sessão; e S. Ex.ª vai para um sophisma, e diz — que a Lei se deve intender na Sessão ordinaria, o que já não é tempo competente para dar esta conta; porque a Sessão em sendo prorogada já não e ordinaria! Abyssus abyssum invocat. Não tem outra resposta.

O Sr. C. de Lavradio — Para uma explicação.

O Orador — Sr. Presidente, o precedente que referiu o Sr. Ministro da Justiça carece de rectificação: foi o meu antecessor, que havia feito a refórma das tabellas, e não tinha ainda dado conta ás Côrtes, e eu pelo mesmo motivo, isto é, porque havia queixas e clamores contra as tabellas, fiz uma nova refórma, que tambem não agradou, assim como a actual; porque é necessario dizer francamente, que refórma de, tabellas judiciaes que agrade a todos não é possivel fazer-se, por duas razões: a primeira — porque, os que não forem tão beneficiados como pertendem não lhes agrada; e a segunda que é real, é que não confundamos o abuso que se faz das tabellas com o uso que dellas se deve fazer; pois que a maior parte: dos clamores não é contra as tabellas, é contra o abuso que dellas se faz, e aqui é que é necessario vêr que bate verdadeiramente o ponto, porque se ellas fossem observadas -religiosamente poucas haviam de ser as queixas; mas os clamores são contra os, abusos que se praticam á sombra dessas tabellas judiciaes. (Apoiados.) Portanto, entendeu-se. sempre que,; Em quanto não era chegado o prazo fatal de dar conta ás Côrtes da auctorisação que tinham concedido, o Governo estava no seu direito, de fazer o que intendesse quando pela. experiencia julgasse conveniente que as reformas fossem emendadas; porém o Governo ainda está, na minha opinião, em tempo de dar conta do uso que fez daquella auctorisação.

O antecessor de S. Ex.ª fez esta refórma, e o Sr. Ministro da Justiça julga que ella deve ser alterada,. e pergunto se não é justo — que só depois de reformada a tabella, como elle julgar que é conveniente, venha então dar conta ás Côrtes? Parece-me que sim, e como a hora já deu, e vejo que V. Em.ª está fatigado e deseja que acabe esta discussão, não quero cançar mais a Camara.

O Sr. Presidente — Eu creio que a, Camara apezar de ter dado a hora quererá ouvir o Sr. C. de Lavradio para esclarecimento da materia. (Apoiados.) Então tem o D. Par a palavra.

O Sr. C. de Lavradio - Eu pouco direi; mas esta materia é muito grave, e espero que. a Camara tome hoje alguma resolução sobre ella.

Disse S. Ex.ª, que quando se apresenta esta questão, eu apresento sempre os mesmos argumentos: não ha duvida; mas é isso mais uma prova de que eu deffendo a verdade. (O Sr. V. de Algés—Eu tambem). É necessario que haja um terceiro que o decida, e não devo ser eu irem V. Ex.ª dirigindo se ao Sr. V. de Algés — O Sr. V. de Algés — Apoiado). Eu digo que só as Côrtes com a sancção do Hei, é que podem fazer Leis;. e por isso, quando se apresenta uma proposta de um voto de confiança, combato-a com o argumento de que pertence ás Côrtes fazer Leis, mas não delegar o Poder Legislativo; e que mais quer que diga o D. Par sobre esta questão? Eu bem sabia que o D. Par se havia de estimular; por que S. Ex.ª, sendo Ministro, fez um uso lato de semelhante concessão que lhe foi feita; mas, permitta-me S. Ex.ª dizer, que me parece que não intendeu bem a auctorisação que o Corpo Legislativo lhe concedeu; é pois necessario que a Camara decida esta questão por uma vez.

As Côrtes concederam o anno passado auctorisação ao Governo para alterar as Tabellas judiciaes debaixo da condição de lhes dar conta na primeira Sessão do uso que tivesse feito dessa auctorisação: vamos ao facto. — O Sr. Ministro da Justiça reformou as Tabellas, e hoje são consideradas como Lei do Paiz; a Sessão Legislativa deve, secundo a Constituição, durar tres mezes; e pergunte eu — quando o Legislador fez a confissão podia antever que o Poder Moderador havia prorogar a Sessão? Nós estamos aqui todos os dias a fallar na mente do Legislador, e n'este caso ella não podia ser outra senão que, devendo a:Sess5o durar até ao dia 2 de Abril, o Governo devia dar conta da auctorisação que lhe foi concedida -antes de findo aquelle termo, e isto é que é conforme á Lei, ao seu espirito e á sua lettra: tudo o mais, Sr. Presidente, permitta-se-me X expressão é sophismar.

A minha opinião é esta, mas dezejo saber qual é a da Camara, que não póde ser outra segundo me parece, senão que o Sr. Ministro da Justiça, isto e, o Governo não póde hoje tocar nas Tabellas Judiciaes; e se são imperfeitas, é esta mais uma razão porque eu quero que ellas sejam reformadas nas Côrtes, pois que essa imperfeição prova a incapacidade do Governo para regular esta materia, pois muitas vezes a tem querido regular, e todas ellas tem excitado clamores. Umas vezes são as queixas das Partes, e outras vezes dos Empregados de Justiça; mas o facto é que ainda se não fez cousa que podesse satisfazer a todos. Por conseguinte ha aqui duas questões a resolver: primeira, se o Governo póde proceder a uma refórma das Tabellas, sem que o Poder Legislativo lhe conceda nova auctorisação; segunda, se lhe póde ser concedida essa auctorisação, mesmo abstraindo dos principios, visto a experiencia do máo uso que della tem feito o Governo?

Peço á Camara que sobre este objecto tome uma resolução quanto antes, com seriedade e madureza; mas é necessario fizer saber ao Governo, como é que o Corpo Legislativo intende a auctorisação que lhe concedeo.

O Sr. D. de Palmella— Sr. Presidente esta questão posto que mais importante do que a que se tracta na Ordem do dia é comtudo alheia ao objecto em discussão, e continuar a fallar sobre ella não nos levaria a conclusão alguma.

Concordo com o Sr. C. de Lavradio nos principios geraes que apresentou: mas o logar proprio de os applicar será quando vierem a esta Camara as Tabellas (O Sr. C de Lavradio Apoiado] creio portanto util pôr termo a esta conversação que está fóra da ordem.

O Sr. C. de Lavradio — Sobre a Ordem (O Sr. Presidente — Mas a hora deu). São só duas palavras: É necessario que o Sr. Ministro da Justiça fique prevenido de que se acaso tocar nas Tabellas sem annuencia do Corpo Legislativo S Ex.ª fica sujeito a uma censura muito forte.

O Sr. V. de Algés — Sr. Presidente, em primeiro logar eu não excitei esta questão, eu respondi só a uma observação que tinha feito o Sr. C. de Lavradio, e por tanto se se sahiu fóra da ordem eu não fui causa disso.

Agora tambem não posso concordar com o D. Par que disse, que a occasião propria de tractar a questão, e de bem entender e definir o que importam taes authorisações e votos de confiança, é quando se apresentar a Tabella reformada; eu entendo que não é necessario isso, e poderá ter logar quando se faça uma moção para se saber, em geral, como a Camara entende as authorisações que se concedem ao Governo, e o modo e limites do seu uso.

Agora direi ao D. Par, que fallou sobre a ordem, e disse — que o Sr. Ministro ficava intimado para não tocar nas Tabellas sem annuencia do Corpo Legislativo — que o Sr. Ministro não póde ficar intimado só pelo aviso do D. Par. S. Ex.ª póde ter a sua opinião e ser muito boa; mas não póde intimar o Sr. Ministro sobre esta materia em nome da Camara, sem que esta em termos legaes assim o resolvesse, e todos sabem que seria negocio muito escrupulosamente discutido, e decidido.

O Sr. Presidente — Vai-se votar o artigo. (O Sr. Ministro da Justiça — Peço a palavra.) Tem a palavra.

O Sr. Ministro da Justiça — Pedi a V. Em.ª a palavra para accrescentar só, que respeito muito a opinião do D. Par o Sr. C. de Lavradio, e o seu conselho; mas não tomo a censura de S. Ex.ª como censura da Camara: censura da Camara não espero recebê-la sobre este objecto, ácerca do qual continuo na opinião que já manifestei.

O Sr. Presidente—Vai votar-se o artigo.;

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Peço a V. Em.ª queira mandar contar o numero de Pares que estão presentes, porque o primeiro artigo parece-me que já se votou sem numero....

O Sr. Presidente—Não Sr......

O Sr. C. da Cunha—Ha numero....

O Sr. Secretario V de Gouvêa — Estão presentes 29 D. Pares.

O Sr. Presidente—Então não ha numero. Segunda feira (10 do corrente) terá logar a seguinte Sessão, e por Ordem do dia progredirá a discussão sobre a Proposição de Lei, que ficou hoje pendente, e o Parecer sobre a que estabelece a aposentação da Magistratura judiciaria. Está fechada a Sessão — Eram quatro horas e meia da tarde.

Repartição de Redacção das Sessões da Camara, em 18 de Abril de 1819 = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição

José Joaquim Ribeiro e Silva.

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