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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

SESSÃO DE 14 DE ABRIL DE 1848.

Presidiu — O Em.mo. e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios, os Srs. Pimentel Freire

Margiochi.

Aberta a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão.

Mencionou-se a seguinte

CORRESPONDENCIA.

1.º Um Officio do Ministerio da Marinha, satisfazendo, em parte, ao requerimento do D. Par V. de Sá, apresentado em 5 do corrente, pag. 439 col. 2.ª

Passou á Secretaria.

2.º Um Officio do D. Par Bispo de Leiria, participando que passava á sua Diocese para ahi exercer as funcções da proxima Semana Santa.

O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, o Sr. V. de Laborim encarregou-me de participar á Camara, que por indisposição de saude, nem hoje nem ámanhã podia assistir ás Sessões da Camara, nem aos trabalhos das Commissões a que pertence.

O Sr. Bispo de Vizeu — O Sr. Arcebispo de Evora participou-me, que communicasse a V. Em.ª e á Camara, que por indisposição de saude não podia comparecer á Sessão de hoje, nem talvez a algumas seguintes.

Teve segunda leitura o seguinte Parecer relativo á Proposta do Sr. V. de Sá, apresentada em 29 de Março, pag. 405, col. 1.ª

Parecer (N.º 15.)

A Commissão Especial encarregada de dar o seu Parecer sobre a Proposta apresentada pelo D. Par Visconde de Sá da Bandeira, na Sessão de 29 de Março ultimo, depois de examinar com a devida attenção a sobredita Proposta; e de parecer que a sua primeira parte seja approvada, e a segunda alterada substituindo-se, para a eleição da Commissão, ao methodo offerecido pelo auctor da Proposta, as disposições do artigo 28.º do Regimento interno desta Camara.

Sala da Commissão, em 8 de Abril de 1848. = José da Silva Carvalho. = Manoel Duarte Leitão. = Conde de Lavradio. = Sá da Bandeira. = J. A. M. de Sousa Azevedo. = F. Tavares de Almeida Proença. = Barão de Porto de Moz.

O Sr. Presidente — Este Parecer ficou para segunda leitura na conformidade do artigo 35.° do Regimento Interno; porque toda a Proposta ou Parecer, ou seja apresentada por um D. Par, ou por Commissões, manda este artigo do Regimento que fique para segunda leitura. Agora dirá a Camara se quer que se imprima. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Apoiado), ou se quer que se designe para ordem do dia.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Se V. Em.ª me dá licença, eu acho que havia toda a conveniencia que se imprimisse.

O Sr. Presidente — Manda-se imprimir....

O Sr. Sousa Azevedo — Parece-me que este Parecer não está no caso daquelles que se devam imprimir, porque é uma especie de preparatorio para o que depois se ha de fazer (Apoiados). É para se nomear a Commissão, que propõe o D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira, e eu julguei que esta segunda leitura dada para ordem do dia de hoje era para se discutir; mas o que? Nomear-se uma Commissão para entender deste objecto, e ella depois dirá o que se deve fazer. — Por tanto, eu requeria a V. Em.ª que propozesse á Camara se queria entrar agora no merecimento deste Parecer, como medida preparatoria, pois não ha materia em especial a discutir.

O Sr. Presidente — Os Srs. que approvam que se entre já na discussão deste Parecer queiram levantar-se.

O Sr. Presidente — Está approvado, e por tanto está em discussão o Parecer da Commissão.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Quando apresentei a Proposta dei os motivos pelos quaes me parecia conveniente a nomeação desta Commissão. Agora pouco mais poderei accrescentar, entretanto se algum dos D. Pares se oppozer tractarei então de lhe responder.

O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, costumavam dizer os antigos — tempus sapientissima res — o tempo é a cousa mais sabia que ha. Mas eu tambem direi — que o tempo é uma das cousas mais preciosas que ha: e tomando por fundamento esta verdade, que é conhecida de todos, tractarei de mostrar, á vista da Proposta do Sr. V. de Sá, para que se tracte de examinar o estado da opinião publica do paiz por uma Commissão desta Camara, se será conveniente consumir um tempo precioso sobre um projecto inexequivel. Eu peço primeiro que tudo, que V. Em.ª mande lêr a Proposta do D. Par, porque ainda que as minhas observações não tendem a sustentar o parecer da Commissão, nem os Membros della precisam do meu apoio, tambem não combaterei directamente este parecer, mas talvez que as observações que tenho a fazer sobre a Proposta primitiva, tendam a mostrar que a Camara não deve gastar inutilmente o tempo sobre assumpto tão indefinido: por tanto se V. Em.ª julgasse conveniente pedia que se lesse a Proposta do Sr. V de Sá, para depois fazer as minhas reflexões, e concluir sobre o que diz a Commissão. (Lida a Proposta proseguiu) Agora continuarei. A proposição que se acaba de lêr, e a sua simples leitura faz vêr que ella é indefinida e indeterminada. Que quer o Sr. V. de Sá? Quer que a Camara nomeie uma Commissão que sonde o estado da opinião do paiz sobre o modo da execução dar Carta Constitucional, e especialmente sobre a parte da mesma Carta relativamente ás eleições. Não ha uma proposição mais indefinida, nem mais ampla do que esta, e que menos possa ser objecto dos trabalhos de uma Commissão.

Eu entendo, Sr. Presidente, que a Carta quando manda no titulo da discussão das Leis que se façam proposições, quer que taes propostas sejam sobre objecto fixo e determinado, e examinadas depois por uma Commissão; mas delegar vagamente a materia que fórma o pensamento do Proponente sem designar a sua doutrina, nem a sua definição, parece-me uma cousa tão vaga que não se póde tirar proveito della. Por tanto, o primeiro motivo por que combato esta Proposta é por ser indefinida a sua materia, e em segundo logar porque não acho proposta (seja-me permittido dizer) mais anti-parlamentar do que estabelecer o que nos outros paizes se chama — Commissões de inquerito. — Como poderá esta Commissão sahir desta Camara a examinar a opinião publica da Nação? Ha de exigir as informações do Governo, e terá elle meios de poder conhecer a opinião publica do paiz? E mesmo n'um tempo de divisão de partidos será facil colher a opinião publica?

É conhecida a doutrina dos publicistas que dizem — quando uma Nação está dividida em par tidos é muito difficil, se não impossivel, conhecer a opinião publica: não é assim quando a Nação está tranquilla. — Mas quando ha tantas divisões como poderá esta Commissão obter tal conhecimento? Será por meio das informações do Governo? Terá este as mesmas difficuldades? Ou será pelas authoridades inferiores se Governo? E ficaremos na mesma. Por tanto não acho na Carta artigo algum, por onde possa deduzir por boa logica as creações de taes Commissões, e para tal fim; e não havendo artigo que justifique esta Proposta, e tendo attenção que é um objecto tão vago, indefinido, e indeterminado para uma Commissão de inquerito, e que nunca se praticou desde que existe esta Camara e a dos Srs. Deputados; parece-me que a Commissão que vai tractar deste objecto é tão incurial como inutil; e devemos aproveitar melhor o tempo quando temos outros objectos que a Nação reclama, como os de Fazenda e Segurança Publica, e então Dão nos havemos de occupar com objectos que não poderão ter proveito nenhum, e que não servem senão de gastar o tempo, e fatigar a Camara. Por tanto sem querer atacar directamente o Parecer da Commissão faço estas observações sobre a Proposta; e concluo que não deve ter logar esta nomeação de Commissão por delegação do Preponente.

O Sr. Fonseca Magalhães — Não me pertencia a mim sustentar este Parecer, e devia esperarem cada um dos membros da Commissão um strenuo defensor delle. Sr. Presidente, a Commissão dirá melhor do que eu posso dizer, os fundamentos que teve para concluir como concluiu; mas parece-me que dos argumentos apresentados pelo D. Par se póde deduzir opinião opposta á que S. Ex.ª manifestou. Esta Camara deve saber definir o que é opinião publica; e destinguir a verdadeira de muitas que dão como taes as diversas parcialidades politicas.

A Camara elegerá, espero eu, uma Commissão d'entre os seus membros, em cujo zelo e intelligencia confie, encarregando-a do exame dos objectos da proposta. É este empenho difficil, eu o reconheço, mas será isso motivo para senão tentar qualquer empreza? A Camara dos Pares deve procurar obter conhecimento do verdadeiro estado do Paiz, conhecimento não facil de alcançar, é verdade, mas, a meu vêr, indispensavel para que muitas das suas decisões sejam justas, o unico meio de obte-lo é procedendo á nomeação de uma Commissão qual a de que se tracta. Diz-se que nisto se consumirá tempo, e que o tempo é precioso, e convem applica-lo a outras cousas. Convenho no muito que vai o tempo; mas se algum se emprega para conhecer o estado verdadeiro do Paiz, a fim de prover de remedio nos seus males, não me parece que se perderá ou se empregará mal. Quereremos nós applicar esses remedios sem conhecer o mal, sem examinar em que elle reside? Bem se vê pois que se se rejeitasse o exame por difficil, iriamos abraçar um expediente, facil sim de seguir, mas desgraçadissimo — o de legislar para um Paiz cuja opinião publica nos é impossivel avaliar; e portanto, cujas necessidades ignoramos.

É indispensavel examinar bem as circumstancias em que nos vemos, saidos ha pouco de uma guerra civil, que poz toda a nação em armas, partido contra partido. Terminou felizmente essa guerra; mas quantos de seus effeitos, o das suas causas é preciso remediar? E fa-lo-hemos sem estudar uns e outros? Diz-se que a Carta Constitucional não determina Commissões de inquerito. De certo a Carta não faz menção de taes Commissões; mas estão nella os meios de conseguir o que se propõe. Está isto na propria natureza do Systema Representativo. Está na historia politica da nação que primeiro adoptou este Systema. Em Inglaterra se servem uma e outra Camara frequentes vezes deste meio de conhecer a verdade sobre assumptos importantes e difficeis; e ninguem dirá que a creação de taes Commissões se conta em o numero das suas instituições fundamentaes. Não me adianto sobre este objecto, que me parece de facil defensa. Os illustres Membros da Commissão, se lhes parecer necessario, dirão quanto seja sufficiente para convencer o D Par. A Commissão resolveu este negocio como devia, com conhecimento da importancia delle; decidiu a questão como unicamente podia ser decidida pela minha parte a julgo digna de muitos louvores.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — O D. Par, que acaba de sentar-se, respondeu aos pontos principaes, que tocou o D, Par que fallou primeiro, e mostrou a necessidade da nomeação da Commissão. Nós não estamos inhibidos de a eleger, porque a isso não se oppõe artigo algum da Carta, ou do regulamento, desta Camara. É uma pratica dos Governos constitucionaes a nomeação de Commissões similhantes. Quanto a dizer o D. Par que não se poderá tirar proveito desta Commissão, não o julgo assim. O estado do nosso Paiz, e o estado da Europa, mostram a necessidade de procurarmos indagar as causas das queixas, e os males existentes. Na Europa, desde os Pyrineos até ao Vistula, desde Palermo até Stockholmo, tem, no espaço de poucas semanas, apparecido revoluções, que tem sido mais ou menos violentas, segundo a conducta dos respectivos governos. Em alguns Estados, como os da Hollanda e Belgica, os governos evitaram a insurreição, apressando-se a apresentar aos Corpos Legislativos projectos de reforma; em outros, como na Prussia e Austria, os governos cederam depois da insurreição haver tido logar; outros, em fim, em que os governos se obstinavam, as proprias dynastias cahiram, como aconteceu em França, em Parma, e em Modena; á vista de taes acontecimentos, a prudencia aconselha que se tomem medidas proprias a previnir que occurrencias similhantes, tenham logar no nosso Paiz. Se todos os portuguezes estivessem satisfeitos com a actual ordem de cousas, então as objecções do D. Par poderiam considerar-se plausiveis. Mas em Portugal houve duas insurreições geraes no espaço de meio anno: houve a intervenção estrangeira; houve processos eleitoraes, contra cuja legalidade se elevaram muitos clamores, o que torna evidente que a indisposição contra o systema governativo que se tem seguido é profunda. A prudencia pois exige, que procuremos um meio, pelo qual possamos sahir do estado em que estamos, pelo modo o mais suave e o mais prompto. Um exame feito por esta Camara poderia fazer achar este meio. E como a respeito da legitimidade desta Camara não existe duvida, o inquerito por ella feito seria o mais a proposito nas circumstancias presentes. Em quanto ao modo pratico de levar a effeito esta medida, não póde isso fazer duvida, porque a Commissão o proporia. Ella tem o direito de inquirir não só os funccionarios publicos, mas pessoas estranhas á administração do Paiz, chamando-os para responder, segundo a Commissão achar acertado. Apontarei, por exemplo, uma Commissão de inquerito do parlamento britannico, nomeada quando se tractava de reformar a legislação, que impunha penas corporaes aos soldados do exercito. Para responder aos quesitos da Commissão foi chamado perante ella o duque de Wellington, o commandante em chefe do exercito Lord Hill, muitos officiaes, officiaes inferiores, e até cabos e soldados, como se vê no relatorio da Commissão. Em consequencia deste inquerito melhorou-se a legislação, diminuindo aos chefes o direito de infligirem os castigos corporaes. Quando na marcha do systema representativo não tivermos precedentes, é regular que recorramos aquelles paizes, aonde desde muito tempo existem estas formas de governo. Por tanto, as observações do D. Par nesta parte ficam respondidas.

Outra objecção do D. Par é, que esta Camara tem muitas cousas em que se occupar, como são os objectos de Fazenda: — isso é verdade; mas tambem o é que nós temos muito poucas Sessões, e por isso nós podemos occupar-nos destas materias sem prejudicar as outras. Além de que, Sr. Presidente, o objecto é de tal importancia, que ainda mesmo que fosse necessario preterir outros negocios para discutir este, a Camara devia faze-lo.

O Sr. C. de Thomar — Eu pedi a palavra unicamente para dizer, que voto pelo Parecer da Commissão, nem é possivel deixar de o adoptar, visto que esta questão foi apresentada no Parlamento: — e declaro que confiando muito nas luzes e no talento dos D. Pares que apoiam a Proposta, estou resolvido a votar nelles para comporem a Commissão, porque desejo que sejam Suas Ex.ªs quem nos diga em resultado dos seus exames e averiguações, quaes são as verdadeiras necessidades do Paiz. Voto portanto pelo Parecer em discussão.

O Sr. Serpa Machado — O primeiro D. Par que combateu as minhas idéas, valendo-se da sua natural habilidade, e ingenua sagacidade e talento, que todos lhe reconhecem, quiz fazer persuadir, lançando o odioso na propozição contraria, que eu tractava de empregar meios para obstar ao desejo do D. Par auctor da Proposta. Mas, Sr. Presidente, não é assim, nem se segue que por eu achar que o methodo proposto pelo D. Par, não é efficaz, não se segue digo, que eu não queira os fins, quando justos, legaes e exequiveis: o que eu combato é o meio lembrado, não sendo intenção minha o evitar que se tracte desta materia, mas quero que a Camara se occupe della por um modo que produza effeito, e não por um modo que eu conheço não preenche o seu fim.

Além de que, Sr. Presidente, se eu visse que o auctor da Proposta não possuia tantos conhecimentos como o D. Par, para fazer uma Proposta regular, talvez a minha opinião fosse outra; mas é necessario dizer-se que S. Ex.ª por si, com o talento que todos lhe reconhecem; com os conhecimentos que tem do Paiz, da Carta Constitucional, e da observancia della, podia digo apresentar já quaesquer meios de melhor se conseguir o fim proposto, muito embora o fizesse para serem depois remettidos a uma Commissão e examinados por ella; - mas trazer á Camara á sua Proposta concebida vagamente, isso é que eu entendo ser inutil, e do que senão tirará resultado nenhum.

Se o desejo do D. Par, apresentando esta proposta, é o pretender com isto que se faça reforma na Carta Constitucional, observarei que tal não é possivel fazer-se nesta Camara, antes que na outra se proponha a reforma; porque todos sabem que objectos desta natureza pertencem á Camara dos Srs. Deputados aonde elles teem a iniciativa: e na presença disto é claro que nem o D. Par, nem a Commissão podem apresentar considerações para a reforma da Carta, porque nos não pertence a nós segundo a mesma Carta. Logo debaixo deste ponto de vista, tambem eu acho ser esta materia de inconveniencia e inutilidade.

Disse o D. Par, que em Inglaterra se praticava isto mesmo: perdoe S. Ex.ª que eu lhe diga o que por certo não ignora, e é, que segundo a constituição Ingleza, o Parlamento tem uma omnipotencia politica e parlamentar, e por isso póde crear estas Commissões de inquerito, e fazer até com que essas funcções se exerçam fóra da Camara: mas nós não temos nem a omnipotencia parlamentar, nem a omnipotencia politica: logo o exemplo não póde convencer-nos da sua observancia.

Em quanto a dizer-se que é difficil, mas que é possivel colherem-se os desejados esclarecimentos, respondo que no estado em que actualmente se acha a Nação, eu não vejo que seja muito possivel interpretar bem essa opinião publica: além de que, não é este o meio porque esse conhecimento se póde obter; nem é esta a occasião competente de isso se poder fazer. Parece-me pois, Sr. Presidente, que ficam subsistindo as razões que eu apresentei, e direi mais aos D. Pares, que depois de ter a Commissão trazido aqui os seus planos de reformas, e as suas idéas sobre a interpretação da opinião publica, nós havemos de ficar depois, como estavamos antes.

Sr. Presidente, de que nós carecemos não é de conhecer ou interpretar a opinião publica: carecemos sim, que se de uma boa execução á Carta