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CAMARA DOS DIGNOS PARES

Em virtude de resolução da camara dos dignos pares do reino, tomada em sessão de hoje, se publica o seguinte

Dignos pares do reino. — Os caixas geraes do contrato do tabaco, vendo no Diario de Lisboa o parecer apresentado a esta camara pelas illustres commissões reunidas ácerca do projecto da extincção do monopolio do tabaco, vem com toda a confiança no seu direito e na esclarecida justiça d'esta camara reclamar contra algumas das suas disposições, que julgam offensivas do seu direito de propriedade, e attentatorias da garantia que lhes concede o § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional.

Estabelece-se nos artigos 17.° e 19.° do referido parecer: Que o governo decretará a expropriação das bemfeitorias, das machinas e dos objectos moveis existentes na fabrica de Xabregas e destinados á fabricação dos tabacos, e bem assim de qualquer determinada porção d'este genero, de que os futuros contratadores indicarem a necessidade».

 mais formal e positiva invasão da propriedade dos reclamantes está manifestamente proposta n'estes artigos, e por tal modo, que a consideram illegal, inutil e injusta.

«E garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão será elle previamente indemnisado do valor della.»

Tal é a disposição terminante do § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional.

Pretende-se porém no parecer tirar aos reclamantes a sua propriedade sem fundamento algum do bem publico, sem verificação legal e Bem indemnisação prévia.

Em nenhum dos artigos do parecer se indica motivo do bem publico, que possa desculpar a expropriação proposta, e apenas no relatorio que o precede se diz que: «era preciso que as vantagens da liquidação do monopolio, das suas fabricas, da sua freguezia, etc.. se vendessem em proveito do thesouro».

Se o proveito do thesouro póde motivar a expropriação, acabou a garantia da propriedade particular.

Se o governo, para auferir lucros, póde lançar mão de qualquer propriedade, morreu este direito, que é a salvaguarda da fortuna e o motor da actividade dos cidadãos.

Nem a constituição, nem a consciencia universal, revelada nas leis de todos os paizes, admitte um tal pretexto para a invasão do direito de propriedade.

Só o bem publico póde auctorisar a expropriação: e o bem publico quer dizer na necessidade da propriedade particular para alguma precisão social» e não para lucros do thesouro.

E alem d'isto notavel que se pretenda expropriar os reclamantes de propriedade sua movei, que não está comprehendida em lei alguma patria, e que não é susceptivel de expropriação nas leis e praxes das nações cultas.

É principio inconcusso que ninguem póde ser privado da sua propriedade, Bem que se verifique legalmente a necessidade da expropriação, isto é, sem que primeiro se prove que de nenhuma outra fórma se póde satisfazer á necessidade publica, que a reclama.

Ora, o que se não verifica, nem se póde verificar, é que, para abastecer o mercado, se precisa que o tabaco seja picado, moído e peneirado por uma machina, e muito menos pela que pertence aos reclamantes. *

Por muitos annos foi abastecido de tabaco todo o reino, sem o emprego de uma machina, que não por necessidade, mas por uma conveniencia de economia, foi montada pelos arrematantes do contrato do tabaco dos doze annos.

Com que fundamento pois se pretende expropriar a machina dos reclamantes?

E igualmente injustificavel a expropriação de tabacos. Se continuar o monopolio, como se propõe no parecer, ou os contratadores futuros tem ou não tem generos para as necessidades do consumo. Se tem, é evidente que não ha a menor necessidade dos tabacos dos reclamantes, e por isso é manifestamente illegal a expropriação. Se não tem, seria o mais injustificavel dos attentados, se se pertendesse fazer um contrato para os arrematantes do monopolio venderem generos que lhes não pertencem. Crear se ha um monopolio de uma especie incomprehensivel, não ácerca de uma industria, mas de um genero que é propriedade especial dos reclamantes. Fingir-se ía uma concorrencia onde não havia senão uma expoliação.

Suppondo o consumo do tabaco uma necessidade igual á dos generos alimenticios, se houvesse absoluta carência de tabacos, impossibilidade de importação e recusa formal dos reclamantes a venderem-nos, poderia talvez justificar se a expropriação pela suprema lei da necessidade publica.

Mas longe d'isso os reclamantes compromettera-se desde já em concorrencia publica ao fornecimento geral de todos os tabacos da sua fabrica por preços não superiores ao regimento actual, pagando ao governo os direitos propostos no projecto.

Não se diga que os reclamantes pretendem estabelecer um monopolio de facto. Quem o estabelece de facto e de direito é o parecer das illustres commissões, que o prolongam não só por mais oito mezes, mas por tanto tempo mais quanto será necessario então, como seria agora, para se estabelecer a concorrencia, se a liberdade se estabelecesse desde já.

Os tabacos de rolo, cigarros, folha picada, charutos e tabaco em pó, que constituem mais de tres quartas partes do valor do monopolio, são generos de facil e prompta fabricação. A concorrencia nestes generos principiaria desde logo, e talvez antes de dois mezes seria completa. O rapé o unico genero cuja fabricação é mais morosa, mas antes de 1 de janeiro a concorrencia teria todo o desenvolvimento.

As illustres commissões que parece se preoccuparam com a falta da concorrencia no estado actual das cousas, estabelecem o monopolio que é a negação de toda a concorrencia, deixaram o assumpto no mesmo estado, transferindo apenas a situação de hoje para 1 de janeiro.

Então as mesmas difficuldades a vencer, o mesmo espaço para a concorrencia se estabelecer, de modo que nada preveniram. Perdem-se oito mezes, perda que não se justifica, desde que se quer estabelecer a liberdade. A permissão dos depositos na alfandega nada ou quasi nada adianta a fabricação. Os reclamantes não podem calcular o alcance de similhantes previsões. O governo pelo projecto de liberdade para já, não soffre na receita publica, porque cobra desde logo os direitos que a lei estabelece, não retarda por oito mezes o estabelecimento da liberdade, não attenta contra o direito de propriedade de pessoa alguma, e livra-se do inqualificavel arbitrio de vender em proveito do thesouro sonhados direitos que tem por base unicamente a venda dos tabacos, que não são do thesouro, mas dos reclamantes.

Para se tornar mais sensivel o ataque directo feito n'este parecer, exclusivamente á propriedade dos reclamantes, basta notar-se que permitte a todos os cidadãos armazenar na alfandega grande d'esta cidade quaesquer tabacos em folha, em rolo ou manipulados.

A propriedade d'estes tabacos é garantida a seus donos, só aos reclamantes é negado este direito, permittindo-se que lhes tirem o que é d'elles...

Ainda mais a expropriação fica dependente da indicação dos futuros contratadores, isto é, das pessoas que têem mais interesse na extincção dos depositos dos tabacos dos reclamantes para lhes impossibilitar a concorrencia da epocha em que ella possa existir.

Se não fosse, como fica demonstrado, tão injusto o projecto ácerca da expropriação, era completamente insustentavel na fórma como estabelece a indemnisação.

Nas expropriações a carta determina a indemnisação previa; o parecer porém desprezando a constituição, substitue este preceito por um deposito e por uma caução dada sem ser perante os expropriados, e sem seu consentimento.

A indemnisação previa significa o pagamento do justo preço da cousa expropriada, alem da estimação que as leis fixam na quinta parte d'este preço. O parecer toma por base do deposito e caução com que substituiu a indemnisação previa, o preço por que os reclamantes compraram a machina e os tabacos aos contratadores dos doze annos!

Existia ao tempo desta acquisição o regimen do monopolio do tabaco, e os antigos contratadores tinham forçosamente de vender a machina e os generos aos reclamantes, se os não quizessem inutilisar ou exporta-los.

N'estas circumstancias venderam a machina e accessorios por menos de metade do seu custo.

Hoje porém que se vae inaugurar o systema da liberdade, a machina tem mais subido valor, porque póde ser applicada por qualquer ao fabrico do tabaco.

Nesse tempo os tabacos valiam muito menos do que hoje em todos os mercados do mundo, porque é bem sabida a influencia que no preço deste genero tem tido a guerra dos Estados Unidos.

N'essa epocha os arrematantes, findo o seu contrato, tinham só os reclamantes por compradores dos generos que lhes sobejavam, se os não quizessem exportar; hoje têem diante de si, alem do direito de 03 exportar, a liberdade que lhes abre um vasto mercado aos seus tabacos, que por velhos mais valor têem.

Assim no parecer, a indemnisação previa da carta é substituida por um deposito ou caução de muito menos valor, do que a propriedade que se pretende expropriar; de corte que os reclamantes são condemnados não só a soffrerem uma expropriação illegal, mas a serem privados do pagamento previo e proporcionado que a constituição lhe a garante.

Os reclamantes poderiam ponderar muitas outras rasões que não escaparão á alta sabedoria da camara, mas estão convencidos de que têem dito bastante, para que a camara dos dignos pares do reino se digne manter-lhes o seu indisputável direito de propriedade, pelo qual solemnemente protestam.

Lisboa, 20 de abril de 1864. = Antonio José de Andrade = Francisco José da Silva Torres = José Ribeiro da Cunha = Manuel Antonio de Seixas. = E R. M.ce

Secretaria da camara dos dignos pares do reino, em 20 de abril de 1864. — Diogo Augusto de Castro Constando.