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CAMARA DOSJHGNOS PARES
EXTRACTO DA SESSÃO DE 25 DE JUNHO DE 1861
presidência do ex.m° sr. visconde de laborim vice-presidente
. . ¦,. (Visconde de Balsemão
Secretários: os dignos pares|D pedro Brito do Rio
(Assistiram os srs. ministros do reino, guerra, justiça e marinha).
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 28 dignos pares, declarou o ex.m° sr. presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente contra a qual não houve reclamação.
¦ O sr, secretario deu conta da seguinte correspondência:
Um officio da presidência da camará dos srs. deputados, enviando uma proposição que auctorisa o governo repetir a publicação da carta de lei dé 4 de abril ultimo, relativa aos bens das igrejas e corporações religiosas, com exclusão dos §§ 3.° a 8.° do artigo 1.°
Remettida á commissão ãe fazenãa.
-Do presidente do conselho de saúde publica do reino,
enviando para serem distribuídos pelos dignos pares cin-coènta exemplares da consulta do mesmo conselho dirigida ao governo, sobre o projecto de lei apresentado n'esta camará pelo digno par Francisco Simões Margiochi.
Manãaram-se distribuir. - O sr. Conde ãe Thomar:—Como acaba de entrar o sr. presidente do conselho, peço a palavra em occasião competente, para fazer uma pergunta sobre um negocio de bastante importância.
' O sr. Marquez ãe Vallaãa:—Eu também peço a palavra.
O sr. Presiãente:—Acha-se nos corredores d'esta casa, o novo digno par, o sr. José da Costa Sousa Pinto Basto, para tomar assento n'esta camará, nomeio portanto os srs. Braamcamp e Vellez Caldeira para o introduzirem na sala.
Senão introãuziâo com as formaliãaães do estylo, depois de ter prestado o juramento devião, tomou assento.
O sr. Presiãente ão Conselho (Marquez ãe Loulé):—Pede, por parte do governo, a urgência da proposta, vinda da outra casa do parlamento, que diz respeito á desamortisação dos bens ecclesiasticos. Deseja que o sr. presidente recom-mende este negocio á commissão a fim de que ella dê quanto antes o seu parecer.
O sr. Ministro ãa Marinha (Carlos Bento ãa Silva):— Mando para a mesa também, por parte do governo, um requerimento para que os dignos pares n'elle mencionados, os srs. conde de Linhares, director das contrucções navaes, é Franzini, membro do conselho supremo militar na secção de marinha, possam accumular querendo, as funcções legislativas com os cargos públicos que exercem fora d!esta camará (leu e é o seguinte).t
«Em conformidade com o disposto no artigo 3.° do acto addicional á carta constitucional da monarchia, o governo de Sua Magestade pede á camará dos dignos pares do reino ã necessária permissão para que os dignos pares do reino conde de Linhares, director das construcções navaes, e Marino Miguel Franzini, vogal do supremo tribunal de justiça militar na secção de marinha, possam accumular, querendo, as funcções legislativas com o exercicio d'aquelles empregos, dependentes do ministério da marinha, que oceupam em Lisboa. ' - ' : ; '
Secretaria d'estado dos negócios da marinha e ultramar, 25 de junho de 1861. = Carlos Bento ãa Silva.*
Foi cònceãiãa sem ãiscussão.
O sr. Conãe ãe Thomar: — Disse que tinha de dirigir uma pergunta muito importante ao governo, como ha pouco annunciou, e que versa sobre a observância da constituição do estado.
No Diário ãe Lisboa apparece hoje publicado um decreto, pelo qual é extincta a congregação das irmãs pobres, geralmente conhecidas pelo nome de irmãs de caridade. Não quer entrar agora na questão em si, porque lhe não parece occasião opportuna; mas não pódc deixar de perguntar ao sr. ministro"doTeino; *se, quando s. ex.a publicou este decreto, não julgou que fosse uma usurpação das at-tribuições legislativas; se entendeu que, publicando-o, não fazia nada mais do que exercer uma attribuição do poder executivo. Na opinião d'elle, orador, o decreto contravem á expressa disposição da lei de 14 de abril de 1819. Não lhe parece que o governo podesse estar auctorisado a dissolver esta corporação por mero acto do poder executivo, sem recorrer ao poder legislativo.
Pede portanto ao sr. ministro que lhe diga, como pede mostrar que cabe nas attribuições do poder executivo promulgar o decreto que hoje vem publicado no Diário ãe
Lisboa, com data de 22 de junho de 1861. Depois da resposta de s. ex.a fará mais algumas observações, para o que pede se lhe continue a palavra, r .
O sr. Presiãente,ão Conselho:—Respondeu que o governo não só se julgou auctorisado, mas até com a obrigação de tomar esta medida; porquanto o decreto com força de lei de 14 de abril foi derogádo pelo dé 9 de agosto de Í833, que também tem força de lei, e que prohibe a existência no reino de congregações religiosas que reconheçam a auctoridade de prelados maiores.
O sr. Conãe ãe Thomar: — Não destruiu inteiramente o governo, com a resposta que acaba de dar, as duvidas do orador. Parece-lhe que o actual procedimento do governo está em contradicção com o dos últimos dias da legislatura passada. Então o governo considerava o decreto de 14 de abril de 1819 ainda existente e com força de lei, e tanto que, para remover as difficuldades em que'se achava com os homens do seu partido, sobre a questão das irmãs da caridade, julgou devia apresentar na outra casa um projecto de lei para a reorganisação do instituto, e n'um dos artigos d'esse projecto ainda considerava com força de lei esse decreto do governo absoluto; e foi por isso que s. ex.a tratou de reforçar a doação, que por esse decreto era feita aquella instituição, desamortisando-a e invertendo as apólices em titulos da divida publica actual.
Ora, se quando s. ex.a tratava de reorganisar esse instituto, o considerava existindo em virtude de uma lei, é claro que não pôde agora, por mero acto do poder executivo, tomar uma medida de tanta importância, como esta que adoptou.
A camará ouviu ler os artigos d'este projecto a que se refere, que de mais a mais tem uma particularidade; osr. ministro não se contentou em o apresentar na camará dos srs. 'deputados, onde tinha de exercer a sua iniciativa como ministro da coroa, mas publicou-o na parte official da secretaria dos negócios do reino, para que tivessem toda a au-thenticidade, e quanta força fosse possivel, as disposições que se continham no referido projecto de lei, já submettido ao corpo legislativo. Cousa bem extraordinária e contra os estylos do nosso paiz. Um projecto de lei apresentado ás cortes, publicado no Diário ãe Lisboa como parte official, é uma verdadeira novidade.
Tornando ao assumpto; parece-lhe que, tendo o governo tido o pensamento da reorganisação d'esta instituição, tendo considerado com força de lei o decreto do governo absoluto de 14 de abril de 1819, não pôde agora, visto que essa sociedade existe em virtude d'esse decreto, extingui-la por um mero decreto do poder executivo. Mas o sr. ministro diz agora que o governo julgava extincto esse instituto por effeito do decreto de 9 de agosto de 1833; então se já estava extincto, que necessidade havia de publicar este decreto para o extinguir? Nada mais havia a fazer do que applicar a lei. Isto parece que não admitte a menor duvida. (O sr. Ministro ão Reino: — Peço a palavra.)
O instituto portuguez das irmãs da caridade existe ou não? Se existe, não era um decreto do poder executivo que podia extingui-lo. Se não existe, era dar andamento ao projecto que na ultima sessão foi apresentado pelo governo para a organisação do instituto; e em tal caso o decreto é um pleonasmo.
O que parece é que o governo mudou de opinião, e não se surprehende de que tivesse mudado de opinião, porque agora vê que todos os elogios, que no projecto de lei se faziam a esta instituição de S. Vicente de Paulo, desappare-cem agora pela publicação do decreto.
Observou que a camará dos pares tem obrigação de velar pela observância da constituiçãs; não pôde por isso elle orador deixar de fazer reparo em que o governo, na presença das cortes, quando se pôde resolver uma questão que tem oceupado o governo por muitas vezes, obrigando-o a publicar diversas medidas contradictorias e todas inexequíveis, faça uma publicação d'estas. Cuidou talvez ter com ella cortado o nó gorãio. Como na outra casa do parlamento se apresentou uma emenda ao projecto de resposta ao discurso do throno, em que se convidava o governo a proceder com energia e actividade contra a reacção religiosa, e receiando-se o governo de que essa emenda podesse ter o assentimento da camai a, julgou que com este decreto, extinguindo uma corporação que o governo diz que já não existe, conseguia remover ,o perigo.
O nobre orador julga ter cumprido o seu dever no que disse, e ter mostrado que ha de pugnar pelos direitos do parlamento sempre que lhe parecer que o governo exorbita das attribuições próprias, usurpando direitos que só pertencem ao corpo colegisllativo. Alem d'isso entende que o governo praticou um acto impolitico e de desconsideração para com o corpo legislativo, resolvendo por um decreto uma questão que já lhe estava affecta pelo próprio governo; pois era o actual sr. presidente do conselho, era o actual ministério, que tinha submettido ao poder legislativo a resolução d'este negocio.
Disse que não mandava proposta para a mesa, porque não sabe se um objecto destes, em que o governo na presença das cortes usurpa as attribuições do poder legislativo, poderá ser objecto de uma aceusação ao ministério; pois na verdade este é um caso nunca visto! O governo podia na ausência das cortes e n'um caso urgentíssimo assumir a si a responsabilidade de publicar uma medida de tal ordem, e apresentar-te depois ao parlamento e pedir para ser julgado; declarar-se réu, e pedir um bill de in-demnidade; mas achando-se as cortes reunidas, e estando affecta á sua decisão esta questão, julgar-se o governo auctorisado, contra os seus precedentes, contra os seus próprios actos, a resolve-la pr si só... não entende que seja muito constitucional.
Disse que se limitava a estas poucas observações; que
a camará e o corpo legislativo, a nação inteira emfim, as avaliarão e decidirão em que conta deve ser tido este governo. ¦ • ....... ....
O sr. Presiãente ão Conselho:—Não pôde deixar de ad-mirar-se por ver que uma intelligencia tão elevada, como a do digno par conde de Thomar, proferisse n'este recinto as palavras que acaba de ouvir! Trata-se porventura de legislar? Não, trata-se de dar execução ao decreto de 9 de agosto de 1833 (apoiados). O governo pela medida, que acaba de publicar hoje, não entendeu annullar o decreto de 14 de abril de 1819; nem quiz faze-lo. O seu fim único foi dar execução a outro, decreto, que também tem força de lei. O governo tem a consciência de que todos os homens despreoceupados, que examinarem o decreto que acaba de publicar-se, hão.de reconhecer que elle não exorbitou, nem invadiu as attribuições do poder legislativo, porque esta medida não importa outra cousa mais, como já disse, do que a execução do decreto de 9 de agosto de 1833, a que o digno par conde de Thomar não se referiu, nem deu attenção nenhuma no discurso que acabou de proferir. Esse decreto prohibe que n'este reino haja corporações religiosas que reconheçam á auctoridade dos prelados maiores. Eis o facto que se dá com relação á questão sujeita.
O sr. Ministro ãa Justiça (Moraes Carvalho):—O decreto de 14 de abril de 1819 admittiu a corporação das irmãs de caridade em Portugal, para se reger conforme o estatuto de S. Vicente de Paulo: decreto esse que deve ser considerado com força de lei. Succedeu porém que um decreto posterior, o de 9 de agosto de 1833, positivamente determinou que em Portugal não podesse haver corporações que não fossem sujeitas aos ordinários; e estabeleceu o principio de que, se porventura houvesse corporações que se negassem a cumprir esta determinação, deixariam por esse facto de existir. Pergunta-se agora, se as irmãs da caridade, que viviam em communidade, estavam regulares e em conformidade com o que estatue o decreto de 9 de agosto de 1833? Ninguém dirá que estavam. Antes d'aquelle decreto estavam sujeitas á congregação de Rilhafolles, mas depois que esta foi extincta, não se encontra ninguém a quem ellas prestassem obediência. Sabe se que em 1838 requereram ao em.™0 patriarcha de Lisboa, que as recebesse á sua obediência, e lhes prestasse protecção, pedido este que por elle foi attendido; e assim ficaram por espaço de dezenove annos, sem que este estado fosse perturbado. Em 1857 algumas associações pediram, seguramente com as melhores intenções, que se permittisse a admissão n'este reino de algumas irmãs da caridade. Foram ouvidas sobre este pedido as auctoridades competentes, e entre, ellas o em.mo patriarcha, que disse podiam sê-lo, com tanto que não vivessem em communidade. Mas depois appareceu aqui o padre Etienne, e esse fez com que ellas requeressem a s. em.a pedindo-lhe consentisse em que fossem consideradas como-corporação, pedido este que s. em." logo deferiu, sem reparar que esse seu consentimento era dado contra a legislação existente: e o padre Etienne, apenas obteve estes seus desejos, partiu immediatamente para Paris, porque estavam preenchidos os fins que tinha em vista. Foi este o estado em que o governo achou as cousas: e officiando ao em.m0 patriarcha sobre este negocio, vendo este que o que estava feito era contrario ao que estatue a legislação vigente, deu as suas' ordens para que se cumprisse a lei. (O sr. Conãe ãe Thomar:—Teve ordem expressa para proceder assim.) Perdoe o digno par que eu lhe diga, que não é assim: não é exacto isso. A verdade é, que tanto o em.™ patriarcha de Lisboa, que o é actualmente, como o seu antecessor, pensavam do mesmo modo sobre este assumpto.
Acrescentou que o fallecido muitas vezes tinha manifestado a sua opinião por escripto n'esta conformidade (apoiados). Que o decreto em vigor é o de 9 de agosto de 1833, e hoje o governo o que faz é dar-lhe execução, como é do seu dever (apoiaãos).
Disse que o digno par o sr. conde de Thomar julgou achar uma espécie de contradicção entre o decreto hoje publicado, e o facto de se ter apresentado na sessão passada á camará dos srs. deputados um projecto para a reorganisação da corporação das irmãs de caridade em Portugal, ao que passava a responder observando que o governo quer essa reorganisação; mas que isso nào tem nada com a existente corporação das irmãs, porque esta não podia continuar a existir pelo modo illegal em que o estava. E porque esta ê extincta, segue-se que não possa haver entre nós a instituição das irmãs da caridade? Não, e sem querer entrar agora n'essa questão, não só porque a occasião não é própria para o fazer, mas também e principalmente porque entende que ella deve ser tratada com detenção por meio de uma interpellação, á qual o governo responderá vindo preparado para isso, limita-se a dizer que o decreto de 9 de agosto de 1833 entende o governo que é applicavel ás irmãs de caridade, apesar das raeões que adduziu hoje, e já noutra occasião em que este objecto foi tratado n'esta camará, o digno par o sr. conde de Thomar. (O sr. Conãe de Thomar: — Mas não se me respondeu então). Pois quando essa questão aqui vier, eu me encarregarei de mostrar ao digno par que está em erro.
Notou que s. ex.a fizera uma allusão ao voto em separado de um membro da commissão da resposta ao discurso da coroa da camará dos srs. deputados, e acrescentara que foi em vista d'este facto que o governo se resolveu a publicar o decreto de 22 do corrente mez. Não é isso exacto, porque a verdade é (e pôde affirma-lo ao digno par) que ha muito tempo que esta resolução foi tomada pelo governo, muito antes de se apresentar a resposta ao discurso do tbrono; a data do decreto publicado hoje não influe nada, porque o accordo já estava tomado pelo governo. Este não tratou de legislar, nem era capaz de invadir as attribuições dos outros poderes; o governo só tratou de fazer cumprir o de-