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Sessão de 19 de Abril de 1849.

Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios — Os Srs. Simões Margiochi

V. de Gouvêa.

(Summario — Correspondencia —Apresenta-se uma Representação da Sociedade Pharmaceutica Lusitana Com um Projecto de refórma no actual Regimento do Conselho de Saude, relativamente á Pharmacia, cuja Representação passou á Commissão de Administração publica— Ordem do dia, Proposição de Lei n.º 57 sobre as aposentações da Magistratura judiciaria—A Commissão de Marinha e Ultramar apresenta os Pareceres (n.ºs 115, 116 e 117) sobre as Proposições de Lei N.ºs 98, 99 e 100.)

Aberta a Sessão pouco antes das duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Concorreram os Sr.s Ministros dos Negocios do Reino, dos Negocios da Justiça, e dos Negocios Estrangeiros.

Mencionou-se a seguinte

Correspondencia.

1.º Um officio da Camara dos Srs. Deputados, enviando uma Proposição de Lei, authorisando o Governo a despender até 4:000,000 de réis para o principio da exploração geologica e mineralógica do Reino, e comprar um Hervario.

O Sr. Presidente—Parece-me que seja remettida a Proposição á Commissão de Instrucção publica.

O Sr. C. de Lavradio—A mim parecia-me conveniente, que essa Commissão ficasse authorisada a consultar, sobre o objecto da Proposição, á Commissão de Fazenda.

O Sr. D de Palmella—Eu peço que assim se resolva, e recommende a urgencia do parecer.

O Sr. Presidente—Então assim o proponho.

Foi remettida a Proposição á Commissão de Instrucção publica, podendo consultar a de Fazenda, e recommendada a urgencia do parecer.

2.° Outro officio da referida Camara dos Srs. Deputados, enviando uma Proposição de Lei, que altera o artigo 14.º § 9.º do Decreto de 12 de Novembro de 1845, que organisou o Exercito da India.

3.° Outro officio da mesma Camara, enviando uma Proposição de Lei, que admitte a despacho nas Provincias Ultramarinas o vinho e aguardente de producção nacional, com o unico direito de 1 por cento ad valorem.

Remettidas estas duas Proposições á Commissão de Marinha e Ultramar.

4.° Outro officio do D. Par V. da Graciosa, participando que imperiosos motivos o obrigam a recolher á sua casa na Provincia do Douro.

O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Está sobre a Mesa uma Representação da Sociedade Pharmaceutica Lusitana, propondo um Projecto de refórma no actual Regulamento do Conselho de Saude publica, na parte relativa á Pharmacia.

Remettida á Commissão de Administração publica.

O Sr. Presidente—Passamos á Ordem do dia, progredindo a discussão, na generalidade, do Parecer n.º 112 e a Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, que lhe é correlativa. Tem a palavra o Sr. T. de Sá da Bandeira.

Ordem do dia.

Parecer n.º 112 sobre a Proposição de Lei n.º 57, estabelecendo as aposentações da Magistratura judiciaria. Começando a discussão a pag. 493, col. 2.ª, continuou a pag. 514, col. 1.ª, e pag. 520, Col. 3.ª, juntamente com a Proposta, que lhe é correlativa, do Sr. Pereira de Magalhães, apresentada em 12 do corrente (pag. 493, col. 4.ª)

O Sr. V. de SÁ da Bandeira—Eu tinha hontem pedido a palavra, quando o D. Par o Sr. Felix Pereira se referiu aos Decretos publicados em 1837, que organisaram a Escóla Polytechnica e a Escóla do Exercito, nos quaes se estabeleceu que aquelles Lentes, que depois de vinte annos de serviço, se propozessem a continuar no magisterio, tivessem alem do vencimento do seu ordenado, mais um terço do mesmo ordenado.

Convém saber, que antes de publicados os ditos Decretos, os Lentes das Academias de Marinha, e de Fortificação, quando contavam vinte annos de serviço tinham direito á sua jubilação, com o ordenado por inteiro: tomou-se em conta essa circumstancia na nova organisação das Escólas, determinando-se que aquelles Lentes que tivessem vinte annos de serviço, e quizessem continuar no magisterio, vencessem Um terço mais do seu ordenado, e que aos trinta annos podessem ser jubilados com a totalidade do novo vencimento. Por este meio fazia-se a economia de se pagar durante dez annos o ensino por uma terça parte, do que custaria se fossem nomeados Professores novos. Aqui está o, que eu tinha a dizer sobre essas provisões dos Decretos de 1837.

Agora quanto á Lei em geral, accrescentarei alguma cousa ao que disseram os Srs. C. de Lavradio e Pereira de Magalhães, para fazer vêr os motivos porque me opponho ao Projecto na fórma em que se acha concebido; advertindo que desejo muito que haja justiça para todos, e que os Membros do Corpo judicial tenham as suas aposentações d'uma maneira regular e em harmonia com o que se faz n'outros serviços do Estado: por isso opponho-me a que se faça uma Lei especial para lhes dar um privilegio.

A Carta aboliu todos os privilegios; e entretanto no Projecto tem-se estabelecido para base das aposentações dos Juizes da primeira Instancia 0 ordenado de 600000 réis, que não existe por Lei, porque o ordenado legal é de 400$000 réis: alem disto acha-se no Projecto, que aos aposentados se de mais um terço do ordenado marcado, isto é 200$000 réis, o que tudo somma 500$000 réis; e ainda além disto quer o Projecto em um dos ultimos artigos, que estes vencimentos sejam pagos pelas respectivas Repartições quando se pagar aos Juizes effectivos. Nestas disposições ha tres privilegios: augmento de ordenado como base para a aposentação; augmento de um terço deste ordenado; e pagamento como em effectividade de Serviço. Nenhuns dos outros servidores do Estado aposentados, jubilados, ou reformados gosam de taes vantagens. Ora um privilegio exclusivo não póde ser approvado em vista da lettra clara da Carta Constitucional. Farei breves reflexões sobre algumas disposições do Projecto,

No seu 2.º artigo determina, que os Conselheiros do Tribunal Supremo de Justiça sejam aposentados com as honras de Conselheiro d'Estado. Em quanto existiu em Portugal o Poder absoluto, podia o Conselho d'Estado ser considerado como o primeiro Corpo politico do Paiz. Estabelecido porém o Governo-representativo, elle tornou-se um Corpo secundario. As Côrtes formam o primeiro Corpo do Estado e nellas tem precedencia a Camara dos Pares. O Tribunal Supremo de Justiça, occupando um dos quatro Poderes politicos reconhecidos pela Constituição, é superior em cathegoria ao Conselho d'Estado, que não é Poder politico, e por isso é um contrasenso, que aos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça se de, como recompensa, uma cousa de que não precisam pelas funcções que exercem.

Ha outra disposição, que eu tambem não sei como os D. Pares, que assignaram o Projecto, a poderam introduzir: é o artigo 18.°, pois determina-se no §. 6.º, que seja contado para a aposentação aos Magistrados, o tempo que serviram no Brasil, até que foi reconhecida a independeneia deste Imperio. Quer dizer, que Portugal ha de premiar os serviços prestados ao Brasil durante todo o tempo que decorreu" entre a insurreição daquelle Estado, até que o Governo Portuguez reconheceu a sua independeneia. Isto seria premiar serviços feitos por aquelles, que senão uniram aos defensores da unidade da Monarchia. Não sei pois como os D. Pares, Membros da Commissão, exararam esta clausula! Éde justiça contar para as aposentações o serviço prestado no Brasil, até que este Estado se declarou independente; mas é injusto contar o serviço feito desde a declaração da independencia até ao reconhecimento da independencia pelo Governo Portuguez.

Sr. Presidente, este Projecto, se passasse como está, daria causa a muitas promoções na Magistratura; porque, como os Juizes aposentados poderiam gosar de grandes vencimentos em suas casas sem fazer cousa alguma, sendo pagos como em effectividade, muitos delles haviam de aproveitar taes disposições; e = facilmente obteriam a aposentação, ainda que o exame sobre as habilitações para estas aposentações, haja de ser feito perante o Supremo Tribunal de Justiça, pois que isto não obstará ao patronato, ou á condescendencia de que as Juntas de Saude do Exercito, e Armada podem servir de exemplo;. pois que succede por vezes, que o Official que para se subtrahir ao Serviço, se dá por doente, a junta, por condescendencia e favor, o declara efectivamente muito doente. (Riso.) Se fôr approvado o Projecto, havemos de ter uma maior lista de Juizes aposentados que de effectivos, e ao mesmo tempo as promoções de novos Juizes para as Relações, e destas para o Supremo Tribunal de Justiça.

O D. Par, o Sr. Felix Pereira do Magalhães, propôz que este Projecto de Lei voltasse á Commissão de Legislação para o reconsiderar, e apresentar ao mesmo tempo um Projecto de habilitações e promoções. Isso seria bom para se ter um systema completo. Eu vou mandar para a Mesa outra Proposta, que ainda que não comprehende as mesmas partes, e que por isso poderá ser approvada pela Camara, ainda que seja rejeitada a Proposta do Sr. Pereira de Magalhães, Quanto ás habilitações farei algumas observações.

A Universidade de Coimbra dá todos os annos um muito maior numero de Bacharéis do que são necessarios para o Serviço. Por isso, como se apresenta um grande numero de Candidatos aos logares da Magistratura, o Estado está nas circumstancias de exigir destes mais habilitações. Hoje os Estudante da Faculdade de Direito devem seguir certos estudos nas Faculdades de Mathematica e de Philosophia, e matriculam-se nellas na classe de obrigados. V. Em.ª sabe que muitos delles nada estudam, e apezar disto são, pela maior parte, approvados, tendo os Lentes em consideração que os examinandas pertenciam á classe de obrigados. Acho que deve ser abolida a matricula de obrigado, e ficarem sómente subsistindo as de voluntario e de ordinario; e que é em uma destas classes que os Estudantes de Direito, devem frequentar dous annos, pelo menos, as Faculdades de Mathematica e de Philosophia. Eis a refórma nas habilitações que acho precisa por agora. Isto seria util para a Magistratura, porque teria augmento de saber nos seus novos Membros; e seria util para os proprios Bacharéis formados, que no caso de acharem preenchidos os logares de Juizes, do Ministerio Publico, e da Advocacia, poderiam seguir outra carreira, a que os seus estudos os constituiam aptos, como a de Engenheiros civis, de que ha muita falta neste Paiz; ou dedicarem os seus conhecimentos á Industria fabril ou agricola, com proveito para elles e para o Paiz. No estado actual dos estudos, um homem que sabe só Jurisprudência, senão se emprega no Ministerio Publico ou como Advogado, não tem modo de ganhar a vida; precisa de estar á espera de que vague algum logar, ou que haja alguma revolução para elle entrar.

Como ha um numero excessivo de Bacharéis em Direito e que por isso não podem ser empregados, perguntarei aos D. Pares que estão mais habilitados do que eu para resolver a questão — não seria conveniente que nas Cidades de Lisboa e Porto, e talvez em outras, para o futuro se exigisse a habilitação de Bacharel em Direito para os logares de Tabelliães? Estes logares são de muita importancia: a organisação deste serviço deve chamar a attenção do Corpo Legislativo. Os titulos de propriedade de muitas familias e Estabelecimentos, acham-se em poder dos Tabelliães em Livros pequenos, que pela morte dos seus possuidores passam de uns Cartórios para outros, e perdem-se ás vezes papeis de grande importancia. Deveria pois haver uma Repartição central deste serviço, estabelecida em Lisboa, com um Archivo geral, para o que se poderia applicar o edificio de Santa Engracia, cobrindo-o de ferro. Parece-me que uma parte dos Bacharéis em Direito, poderiam para o futuro ser empregados nos logares rendosos de Tabelliães das Cidades, o que ao mesmo tempo seria de conveniencia publica (Sussurro), A minha Proposta é a seguinte:

PROPOSTA.

Proponho que o Projecto Volte á Commissão, para que esta de accôrdo com a Commissão de Fazenda e de Administração Publica, o modifique de tal sorte, que, as suas disposições sejam communs ás aposentações, reformas ou jubilações, de todos os servidores do Estado qualquer que seja o ramo de Serviço em que se achem empregados; tomando-se para base do novo Projecto a Lei que regula as reformas dos Officiaes do Exercito, Abril 19. = =; Sá da Bandeira. E proseguiu, nas reformas dos Officiaes do Exercito de trinta e cinco annos de serviço para diante, dá-se a estes um augmento de soldo; mas por uma tarifa muito menor do que aquella por onde recebiam como effectivos; de trinta annos a refórma é com o soldo da patente, mas pela dita tarifa inferior; dez annos de serviço não dão direito a refórma. Pejo modo que proponho ha uma base, que ainda que seja modificada, póde servir para se fazer uma Lei geral para todos os servidores do Estado. É verdade que podem haver circumstancias especiaes, que seja necessario tomar em consideração: isso fará a excepção. Espero que os D. Pares, que assignaram o Projecto, não se opporão á Proposta que apresento, porque sendo conveniente para todos, não se poderá dizer que se procura fazer uma Lei especial em favor de uma classe,

O Sr. Presidente —- Vai lêr-se a Proposta do D. Par, e proporei se é admittida.

Foi admittida a Proposta.

O Sr. Presidente — Está admittida, e portanto entra em discussão a materia da Proposta que acabou de lêr-se juntamente com a da Ordem do Dia, e tem a palavra o Sr. V. da Granja Relator da Commissão.

O Sr. V. da Granja — Eu votei pela admissão da nova Proposta apresentada pelo D. Par o Sr. V. de Sá, porque desejo que na discussão deste Projecto se apresentem e admitiam todas as idéas, que possam esclarecer a materia; mas parece-me que podia dizer, que esta nova Proposta importa o mesmo que a outra do D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães, com a unica differença do apresentar certas bases sobre as quaes poderá trabalhar a Commissão (Apoiados.) Portanto, a idéa principal, parece-me que é a mesma em ambas as Propostas, visto que na primeira pedia-se tambem que o Projecto fosse remettido á Commissão de Legislação para o reconsiderar, e introduzir nelle as provisões que julgasse necessarias para regular as habilitações e accessos dos Juizes.

Quanto porém a esse ponto essencial das duas Propostas, que vem a ser a reconsideração do Projecto em que combinam ambos os D. Pares, pelo que eu pude ouvir ao D. Par, que acabou

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de fallar o que não seria tudo quanto disse, porque havia bastante sussurro na Sala; permitta-me S. Ex.ª dizer-lhe, que não apresentou razão alguma, alem daquellas, que já tinham dado os D. Pares o Sr. Pereira de Magalhães e C. de Lavradio, quando combateram o Parecer da Commissão; e até me parece que S. Ex.ª disse, que adoptava todos os seus argumentos; e se fez mais algumas reflexões foi em referencia a outros differentes objectos, que me parece não deviam ser tractados nesta occasião (Apoiados.). S. Ex.ª fez algum reparo sobre as aposentações dos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, é a respeito da graduação de Conselheiro de Estado que a estes concedia o Projecto, assim como a respeito de outras cousas que vem comprehendidas em differentes artigos do mesmo Projecto; mas permitta-me S. Ex.ª dizer-lhe, que isto é mais proprio para se tractar na discussão da especialidade, se esta chegar a ter logar; e parece-me que S. Ex.ª deveria reservar para essa occasião as objecções que apresenta agora, e que então serão devidamente apreciadas ou combatidas por meio de razões, que talvez satisfaçam a S. ex.ª

Passarei portanto a tractar da materia da Ordem do Dia, e confesso que tinha muitos desejos e sincera vontade de responder ao D. Par o Sr. Pereira de Magalhães, para ver se me era possivel combater as razões produzidas pelo D. Par, auctor da Proposta, e se tinha a fortuna de poder destruir os argumentos, que S. Ex.ª produziu nos seus improvisos, porque na verdade o D. Par improvisou em tudo quanto disse, e S. Ex.ª assim mesmo o declarou; mas na verdade receio tomar sobre mim essa tarefa, não só pelas minhas poucas forças, que certamente não são bastantes para combater um adversario tão respeitavel; mas tambem porque receio me succeda o mesmo, que da outra vez succedeu com os meus apontamentos, que tive a desgraça de achar errados, e dahi resulte que vá combater castellos no ar, ou tenha a infelicidade de responder a cousas que S. Ex.ª não disse. Por isso, como sei que alguns dos meus illustres Collegas da Commissão já tem pedido a palavra, e hão de mais cabalmente responder ao D. Par; intendo que me posso dispensar desta tarefa, e ainda assim me fica bem pezado trabalho, que é responder ao D. Par o Sr. C. de Lavradio.

O D. Par a quem particularmente me refiro, começou por declarar, que não combatia a doutrina em geral do Projecto, e que nem approvava nem reprovava o mesmo Projecto: mas que exigia algumas explicações, que podessem destruir a força dos argumentos apresentados pelo D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães, contra os quaes ainda não tinha ouvido produzir razão alguma que os destruísse. Eu peço a S. Ex.ª, que quando me referir ás observações e palavras do seu discurso, me queira corrigir se não fôr exacto; porque não quero deixar de o ser, e desde outro dia fiquei desconfiado da exactidão dos meus apontamentos.

A primeira declaração que S. Ex.ª exigio, era relativa ao accrescimo de despeza que considera haver, uma vez que seja approvado o Projecto de Lei que está em discussão; despeza que S. Ex.ª, assim como o Sr. Pereira de Magalhães, disse montava a centenares de contos de réis; e se a minha memoria me não engana, ouvi fallar em mais de 500:000$000. Sr. Presidente, o D. Par por esta occasião pedio, que se lhe dissesse em quanto importava o accrescimo de despeza, que havia respeitar se fosse approvado este Projecto de Lei. A esta pergunta respondo — não sei — e duvido que haja alguem que o saiba; porque para isso seria necessario adivinhar as intenções de todos os Magistrados, para poder saber os que queriam e podiam ser aposentados em virtude dista Lei; mas o que posso dizer e affirmar com certeza ao D. Par, é que conforme as provisões que estão consignadas no Projecto, ainda que houvessem de ser concedidas aposentações a to dos os Magistrados judiciaes e do Ministerio Publico, tanto do Continente de Portugal como das Ilhas Adjacentes, não chegaria a muito mais de um terço dos taes 500;000$000 em que tão exageradamente se avaliou essa despeza; e como S. Ex.ª costuma muitas vezes fazer perguntas, não levará a mal que eu tambem faça uma, sendo-me licito perguntar-lhe — S. Ex.ª sabe quanto importam os ordenados de todos os Magistrados judiciaes e Ministerio Publico? (O Sr. C. de Lavradio— Está no Orçamento, não posso responder agora.) Pois eu digo a V. Ex.ª, porque tive o trabalho de consultar o Orçamento: importam os ordenados de todos os Magistrados do Reino e das Ilhas Adjacentes em 178:900$000 réis. Ora agora digo eu....

O Sr. C. de Lavradio — V. Ex.ª dá licença que eu faça uma pequena observação? Não fui eu que fixei aquella somma, nem o podia fazer (O Sr. V. da Granja — Eu não disse que foi V. Ex.ª) Mas parece-me que V. Ex.ª disse, que eu tinha apresentado a cifra de 500:000$000, quando eu não a podia apresentar,

O Sr. V. da Granja — Eu disse que V. Ex.ª tinha exaggerado muito o calculo, e que o Sr. Pereira de Magalhães tinha declarado e ainda ha pouco acaba de dizer aqui n'um áparte, que esta somma passaria de 500:000000. Como isto são objectos de cifras, parece-me que não póde haver contestação e não se poderá pagar, que 177:000$000 pouco excede á terça parte de 500:000$000. Esta hypothese porém alem de absurda é impossivel; e o D. Par, que faz aquelle calculo, se não quizesse improvisar podia fazel-o melhor, combinando a importancia dos ordenados dos actuaes Magistrados com as disposições que se consignam no Projecto.

No Projecto determina-se que o ordenado por inteiro não póde ser concedido em nenhuma das classes dos Magistrados, sem terem, o maximo, trinta annos de serviço, alem de outras circumstancias que juntamente se exigem; e sendo tudo isto necessario para ter direito ás aposentações; perguntarei ao D. Par — quantos serão os Magistrados que poderão ser aposentados? No Supremo Tribunal de Justiça, parece-me que é aonde os poderia haver; mas lá mesmo ha alguns que ainda não tem os trinta annos de serviço; nas Relações muito menos; e nos Juizes de Primeira Instancia e Delegados nenhum; e eis-aqui está em quem se cifra todos os calculos de despezas, exaggerados de proposito para censurar o Projecto, e para mostrar que delle resulta a enorme quantia de 500:000$000! Eu julgo, que se for approvado o Projecto com algumas alterações, que a Commissão está resolvida a fazer na especialidade, e que consistem em restabelecer a condição dos sessenta annos de idade, que vinha na Proposta originaria do Governo; talvez toda a cifra de 500:000$000 se reduza a 10 ou 12;000$000! o que será muito facil de verificar. Mas, Sr. Presidente, ou sejam 10:000$000, ou 20, ou 30:000$000, parece-me que esse accrescimo da despeza não devia fazer tanto pezo ao D. Par, á vista da doutrina que S. ex.ª expendeu e com a qual muito me conformo.

O D. Par disse —que o principio da aposentação era justo e santo, como ninguem podia duvidar, e devia ser applicado não só á classe dos Magistrados Judiciaes, mas tambem a todas as classes de Servidores do Estalo. Esta doutrina parece-me que não póde ser contestada; e a todos que tem servido não se deve negar uma fatia de pão para se alimentarem na sua avançada idade, e que aliás lhe é devida como uma remuneração dos serviços que prestaram (O Sr. C. de Lavradio— Apoiado); assim como é tambem muito conveniente, que os Empregados Públicos possam contar com essa recompensa, para lhes poder servir de estimulo no desempenho dos seus deveres (Apoiados.) Por tanto, esta doutrina é justa e santa, e se ella é exacta e os principios não se podem contestar, é forçoso sujeitar á consequencia que delles resulta, e a consequencia immediata é ser necessario que hajam as aposentações, porque a Justiça e a conveniencia do Estado o exijem (Apoiados.) Isto é que não tem duvida nenhuma, embora dahi venha algum accrescimo de despeza.

Ora, a respeito da despeza disse o D. Par que este Projecto era uma decepção; porque, se se não pagava aos Empregados que estão servindo, como é que se havia de ir pagar aos que nenhum serviço faziam? É verdade que aos Empregados que servem senão paga, é uma verdade que desgraçadamente todos nós sabemos e sentimos; mas não é de esperar que esta desgraça do Paiz seja permanente; sem duvida algum remedio se lhe ha de dar; e Deos nos livre de que assim não aconteça. Mas se nenhum remedio se lhe poder dar, então o argumento do D. Par prova de mais: prova que não podendo nós pagar aos Empregados que são indispensaveis para o Serviço publico de qualquer Estado livre e independente, então nós deixaremos de ser Nação. Todavia S. Ex.ª não quererá nem espera que isto aconteça, e nem eu o espero, porque nós temos recursos sufficientes para existirmos como Nação, e pagarmos aos servidores do Estado; e como tenho fé em que isso aconteça, espero que o D. Par não quererá que estes Magistrados judiciaes, que Icem consumido a sua vida e arruinado sua a saude por effeito de um assiduo e difficil trabalho, ao menos tenham a esperança, de que no ultimo quartel da sua vida possam subsistir e ter meios de alimentar suas familias: deixe-lhes ao menos essa esperança, que é o ultimo recurso dos desgraçados.

S. Ex.ª, impugnando, não o principio, mas a fórma destas aposentações, disse — pois que motivo ha, para que as disposições deste Projecto se não ponham em harmonia, com as que estão estabelecidas a respeito de outras classes de Funccionarios? (O Sr. C. de Lavradio — Se S. Ex.ª me dá licença eu explico o que disse.) Estimo até isso muito.

O Sr. C. de Lavradio — Eu disse, que as pro visões deste Projecto não estavam «in harmonia com o estado da nossa Fazenda. E a respeito das outras classes de Funccionarios disse que — as sentava se devia revêr a Legislação relativamente a essas outras Repartições, a fim de que pozessemos em harmonia umas com as outras, e todas em harmonia com as forças do nosso estado financeiro.

O Sr. V. da Granja — Ainda bem que S. Ex.ª se explicou para eu ter occasião de dizer, que não pretendo impugnar que se tracte de revêr a Legislação, que ha ácerca de reformas nas outras classes de servidores do Estado; nem que eu julgue essa Legislação boa e perfeita, a ponto de que não seja necessario revela e examina-la; mas o que é verdade é, que quanto a harmonisar este Projecto com essa Legislação que actualmente existe, a Commissão nesta parte satisfez aos desejos do D. Par; e se S. Ex.ª se quizesse dar ao trabalho de examinar a Legislação que eu já n'outra occasião citei, veria que a Commissão collocou em muito peiores circumstancias os Magistrados judiciaes, do que não estão os Lentes da Universidade de Coimbra, os da Escóla Polytechnica os do Ensino mutuo, e os Empregados da Bibliotheca Publica, aos quaes se concederam muito mais vantagens; e quem examinar e comparar com attenção as disposições daquellas Leis, cuja perfeição não defendo, com as do Projecto que nos occupa, ha de achar que a Commissão, apesar de composta de Magistrados, deu provas decisivas da sua imparcialidade.

Sr. Presidente, vou a um outro ponto sobre que se exigiram esclarecimentos, e vem a ser — sobre a necessidade de habilitações, dizendo-se que esta Lei deveria ter vindo acompanhada da Lei de habilitações, ou para melhor dizer —que a Lei de habilitações devia ter precedido á Lei das aposentações; e nesta parte não tractarei de responder ás reflexões do D. Par, porque S. Ex.ª concorda por fim com a opinião da Commissão de que podia vir ou deixar de vir neste Projecto

Todavia 0 D. Par disse— mas as habilitações como actualmente existem são defeituosas, e é preciso serem outras melhores! E depois S. Ex.ª exigiu para os Magistrados judiciaes taes habilitações, que, a fallar a verdade, era impossivel realisar-se uma tal Lei; o se della estivesse dependente a das aposentações, eu declaro que nunca teriamos taes aposentações, porque as qualidades e especialidades, que S. Ex.ª exigia para a nomeação de um Juiz, não sei eu como Sa poderiam reunir no mesmo individuo! S. Ex.ª exige alem do estudo e da sciencia a moralidade, etc...; não quer que um individuo, só porque é Bacharel formado em Direito, ou Delegado, seja candidato nos logares da Magistratura. Ora eu suppunha, que fóra desta classe não podia haver candidato a Juiz, salvo se o D. Par quer que seja um Theologo, Medico, Militar, ou Mathematico; mas até hoje não sei que tenha havido, ou possa haver uma classe mais propria para a Magistratura judicial, do que a dos Bacharéis formados em Direito, que em todos os Paizes foi sempre o viveiro de todas as Magistraturas judiciaes.

Agora a respeito de moralidade, não sei que S. Ex.ª mais exija, alem do que consta das informações da Universidade; a não querer talvez que se estabeleçam Seminários juridicos, assim como ha Seminários ecclesiasticos, onde aprendam em vida commum, e por certos livros, as maximas e doutrinas, que os livrem da geral corrupção dos costumes e dos vicios do Século.

Sr. Presidente, sobre este ponto de habilitações, creio eu que já alguns D. Pares teem pedido a palavra para responderem a S. Ex.ª: não direi por conseguinte mais nada, porque estou certo de que outros D. Pares o farão muito melhor do que eu. Concluo votando pela rejeição de ambas as Propostas de adiamento que estão em discussão.

O Sr. Serpa Machado — Sr. Presidente, este Projecto tem a sua origem na Camara electiva, alem de outra origem mais remota, e lá deixou os seus pais naturaes e legitimos: como porém elles o não acompanharam a esta Camara para o defenderem, aqui encontrou os illustres Membros da Commissão de Legislação, tão competentes na materia, que levantaram a sua voz em defeza de suas provisões

Este Projecto pois não é filho de pais incógnitos, encontrou nesta Camara, por assim dizer, pais adoptivos. Approvado já n'uma Camara Legislativa, passado a outra, e aqui discutido, não me parecia a mim que fosse muito rasoavel o fazer-se parar agora a sua marcha. Sendo tão illustrados os seus defensores nesta Camara, parecerá talvez imprudencia da minha parte, que eu fosse tocar com mãos profanas, por assim dizer, n'um objecto que está debaixo da tutela de tão conspicuos Oradores. Aconteceu porém, que um D. Par, apresentando uma Proposta de adiamento ao Projecto, e combatendo-o indirectamente (e logo depois directamente), pretendeu mostrar que as bases em que se fundava eram falsas, e dando como razão, para sustentar o adiamento, a necessidade de um Projecto de Lei de habilitações para bem se exercer o cargo de Magistrado judicial, defeito que attribuiu á falta de instrucção publica; e a mim, como Membro do Magistério, cumpre-me dizer alguma cousa como provocado, a prol da Instrucção, o que me será desculpavel.

Como Membro de uma Corporação scientifica, que como todas a? Instituições humanas tem alguns defeitos, não deixarei de reconhece-los; mas de fenderei o ponto que se quer combater: isto é, a falta de habilitações nos Bacharéis formados em Direito. O D. Par que combateu o Projecto indirectamente, propondo o seu adiamento, levantou uma especie de poeira ou fumo, que foi cegar as vistas prespicazes de alguns Membros desta Camara, introduzindo mais este incidente da falta de Instrucção publica, que, a fallar a verdade, não tem para aqui o melhor logar. Vejo-me por conseguinte obrigado a responder a este incidente com mais especialidade, depois de o fazer aos outros argumentos mais apropriados, mas de facil solução

Um dos argumentos que se produziram em contrario, foi a enorme despeza que causariam essas aposentações, o que era muito attendivel á vista da nossa falta de meios. Já se mostrou evidentemente, que essa despeza será mui pequena, e que certamente foi exaggerada a verba, que se disse seria destinada a essas aposentações; e posto que sejam muito más as circumstancias em que hoje nos achamos, comtudo a primeira cousa que deve tractar quem governa, é de saber qual é a despeza que é necessario satisfazer; porque, reconhecida a sua necessidade é forçoso lançar mão dos meios, com os quaes possa fizer face a essa despeza; não se diga que isto não póde ser; porque, afim de que uma Nação exista, é preciso ter recursos, aliás não é Nação..1 Economia publica é muito differente da domestica, disseram Diderot o D'Alembert: naquella ha sempre recursos. No entanto, quando se pretende combater uma ou outra medida, uma vez que esta envolva em si alguma despeza, apresenta-se logo a falta de meios! Mas esta despeza é pequena, e nós temos meios para lhe fazermos face: devemos dar um passo de valentia, é verdade, mas nós havemos de ter meios e havemos de ter recursos: os meios não os obteremos nós tractando de abrir novas fontes da nossa riqueza, mas sim estagnando o sorvedouro que é a principal absorpção das nossas riquezas é seccando esse sorvedouro da agiotagem (Apoia dos) onde se consomem as grandes rendas do Estado (Apoiados). É necessario pois, que haja um Governo que annulle de todo e para sempre esse phantasma da agiotagem, que por toda a parte nos persegue, já acobertada com o nome de Companhias, mais ou menos anómalas, já com outros muitos pretextos, com que constantemente a agiotagem se adorna para nos illudir (Apoiados) Evitemos pois todas essas operações chamadas mixtas; desprezemos esses meios que se teem em pregado, e que a força das necessidades tem introduzido, porque a Nação achar-se-ha com recursos para satisfazer á suas verdadeiras precisões (Apoiados).

Um outro argumento produziu o D. Par e vem ser — que, este Projecto deveria ter vindo mais amplo, comprehendendo-se nelle as provisões para se regularem as habilitações, bem como as promoções e accessos da mesma Magistratura. Sr. Presidente, as habilitações e promoções para a Magistratura não são de certo cousas ociosas; mas visto que se trouxe uma allegoria para se sustentar esta -doutrina, de que um edificio senão devia começar pelo telhado, não tendo ainda construido os andares inferiores; ser-me-ha permittido que eu tambem use d'allegoria: primeiro dizendo, que ás vezes é conveniente formar o telhado, para a coberto delle se poder trabalhar no interior; segundo, comparando o adiamento deste Projecto á parada, que fizesse um viajante, o qual depois de ter sahido de sua casa, e de lêr feito uns poucos de dias de jornada, caminhando muitas legoas, quando estivesse, apoz todas estas fadigas, quasi a chegar ao ponto a que s« dirigia, parasse a pouca distancia e mandasse dizer a outros individuos, que elle sabia se dirigiam Cambem aquelle sitio, que viessem porque elle alli estava parado, para depois chegarem todos juntos ao ponto desejado; porque, certamente dar-se-ha o mesmo para com este Projecto, que depois de ter vindo da outra Camara, onde fóra discutido e approvado, passou a esta, que dando-lhe a consideração que elle merece, fe-lo examinar por uma Commissão, que o aperfeiçoou, e agora que o discutimos, no fim de tanto tempo de trabalhos, quer-se adia-lo! Eu, afiliar a verdade, não posso concordar com similhante opinião. Demais: esta ligação de materias não e tal, que dependa dos outros Projectos. Um esculptor, quando quizer fazer uma estatua, se deixar de menos um braço, ou uma perna, elle não faz a estatua perfeita e acabada; mas se não fizer o pedestal, ou o nicho onde a ha de collocar, nem por isso a estatua deixa de fazer-se com perfeição e proveito. Quando se tractou das habilitações, disse-se que a simples qualidade de Bacharel não era sufficiente habilitação: então aonde se acharão os Magistrados e o seu viveiro? Tambem se não achou capacidade nos Advogados: não sei como isto se póde dizer. Não veem em toda a parte, em todas as Nações civilisadas, que no corpo dos Advogados é aonde tem apparecido os melhores Juizes? Tem sido elles sempre os melhores Magistrados. Mas porque apparecem Advogados maus, porque apparecem rabolas, segue-se que não hajam Jurisconsultos habeis? O que são os Delegados senão Advogados? Ainda que advoguem por parte da Nação, tambem exercem a advocacia.

Por occasião de fallar-se no Magistério, disse-se que os Estudantes não tiram das Escólas senão, corrupção e ignorancia; e disse-se inconsideradamente que não havia Mestres que ensinassem, que não haviam discipulos que soubessem aprender. Disse-se mais: que a corrupção e immoralidade tinham a sua sede -na Escóla da Instrucção superior. Um D. Par a quem eu respeito muito, quando tracta de sustentar as suas opiniões, vai buscar factos desfigurados, e tirar delles consequencias para sustentar a sua argumentação; mas eu espero delle que concordará, em que as suas proposições foram menos justas e vagas, e affrontaram um Corpo inteiro tanto desta Capital, como da Universidade de Coimbra.

Os argumentos do D. Par tambem não convencem, quando disse que entrou em uma Escóla desta Cidade, e o Professor pronunciára muitos despropósitos, e que ao saír dissera ao discipulo que se esquecesse do que ouvira. Concordo em que assim fosse; mas tirar daqui argumento para todos os outros que elle não ouviu, não me parece justo.

A respeito da Universidade de Coimbra, eu não preciso de ir muito longe para mostrar a sua illustração: basta lembrar os nomes de alguns Professores, que ainda alcançaram os nossos primeiros annos — José Monteiro da Rocha, sabio Mathematico; Pascoal José de Mello, celebre Jurisconsulto; Antonio Ribeiro dos Santos, cujas obras ineditas ha pouco se imprimiram com grande credito do seu Auctor, alem das outras obras sobre Poesia e Litteratura; Ricardo Raymundo Nogueira; João Pedro Ribeiro: alem destes, Felix de Avellar Brotero; Manoel Joaquim Barjona, que tem um filho, herdeiro dos seus talentos, com que illustra a Medicina; Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato, meu honrado amigo e do D. Par, tambem homem muito conhecido. Tambem não posso deixar de fallar com respeito de muitos que actualmente vivem — Manoel Antonio da Rocha, que apresentou o seu Compendio de Direito; Bazilio Alberto, cujas lições sobre Direito criminal foram dadas a luz por seus Discípulos; alem destes o Auctor de Obras de Economia Politica, cujo merecimento não tracto de encarecer, para não parecer suspeito, por parente e preceptor; Vicente Ferrer, que foi colher o melhor das Doutrinas filosóficas aos sabios Escriptores allemães; Francisco Duarte Nazareth tambem escreveu decentemente sobre a Pratica Criminal; o D. Par fallecido Fr. Francisco de S. Luiz, que as Letras sempre deplorarão; o D. Par Arcebispo de Braga; e muitos outros que seria longo memorar, como Pedro Norberto, J. José de Mello, e varios, que tem illustrado mais ou menos as sciencias que professam, aos quaes me refiro, não para fazer a apologia da Universidade, mas para defeza da sua dignidade offendida.

Se eu não receasse offender a modestia do D. Par que está presidindo a esta Camara, diria que elle deixou na sua longa carreira do Magistério impressões tão duradouras do seu saber e virtudes, que jamais se poderão apagar.

Em conclusão: sobre este objecto digo, que para conhecer os defeitos da Universidade de Coimbra, era necessario ter sido alli Discípulo, e Mestre, para poder avaliar o estado do Ensine»

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publico; porque, as informações que vem podem ser pouco exactas. Eu não torno culpa a quem enuncia proposições pouco correctas pelas informações que lhe dão. Agora quanto á immoralidade, ella é geral; o nosso seculo é disso uma prova; e podemos dizer com o Historiador romano —Corruptíssima republica; mas não me admira, se a comparar com as épocas passadas. Ainda estará na lembrança de muitos, que alli houve o celebre rancho da Carqueija, que obrigou o Governo a expurgar dalli alguns homens dissolutos e maus: ainda no meu tempo eu vi sahir uns poucos de mancebos desacreditados, com grilhões aos pés em carroças de malfeitores; mas taes successos não tem comparação alguma com o tempo actual: alguns excessos se tem praticado; mas não admira em tempos de commoções politicas, que tem agitado todo o Reino. A moralidade é muito facil de se estabelecer: empreguem-se todos os meios para evitar o contrario; mas não venha a esta Camara uma proposição tão lata, tão injusta, em que chama á Instrucção Superior um charco de ignorancia e de immoralidade. Estou certo de que o D. Par, por falta de informações exactas e imparciaes avançou proposições, que não são (permitta-se-me o dizê-lo) verdadeiras, e tem alguma cousa de injustas. Não lhe faço com tudo outra censura mais, que o ter-se fiado em mãos informadores, e dou-lhe occasião a que explique o seu pensamento, porque quem abunda tanto em luzes não póde menoscabar aquelles que as solicitam e professam.

O Sr. V. de Algés — Sr. Presidente, nunca foi tão verdadeiro o receio de fazer soar a minha voz nesta Camara, como na presente occasião! E muitos são os motivos que justificam este meu receio— a difficuldade do objecto em si, quando sómente se tractasse da materia, que se contém no Projecto em discussão; a generalidade a que esta se elevou, pelas Propostas que alguns dos D. Pares teem mandado para a Mesa; e sobre tudo haverem foliado ácerca desta importante doutrina algumas capacidades, ás quaes eu não posso chegar, e de quem fico a grande distancia, cujos nomes como tributo de respeito convém referir, e são os Srs. V. da Granja, V. de Laborim. Serpa Machado, Pereira de Magalhães, C. de Lavradio, e V. de Sá; tudo isto poderosamente concorre para o justo receio que tenho de fallar em materia tão grave, e com taes circumstancias tomar sobre meus hombros uma tarefa que não poderei desempenhar, como desejo; mas parece-me que hei de justificar o motivo por que a despeito de todas estas difficuldades, e fundados receios, eu ousei pedir a palavra, e tomar parte nesta discussão.

Sr. Presidente, póde dizer-se que, sem sahir da ordem, é occasião de fallar nesta Camara em todos os objectos que dizem respeito ao Poder Judicial, Magistratura nacional e estrangeira, seu pessoal, organisação, regulamentos, e garantias; despeza do Projecto, excesso era sua doutrina e provisões, defficiencias e contradições, tudo se adduziu, não sei com que fundamento, e procedencia; mas é certo que não ha um só ponto do ramo do Serviço judicial, que não tenha sido trazido á discussão! E eu que me empenho na tarefa de responder a tudo quanto se produziu, tenho que pedir á Camara me conceda toda a sua indulgencia, visto que por circumstancias especiaes, que refirirei, me incumbe tractar da materia deste Projecto como couber nas minhas forças, e limitada intelligencia; e conto que a Camara ha de desculpar o desalinho de minhas idéas, pela difficuldade de responder a todos os argumentos que se apresentaram, e pela ordem em que foram produzidos, e cujas respostas veem a ser forçadas ao methodo, com que foi combatido o Projecto.

Sr. Presidente, a origem deste Projecto foi já manifestada a esta Camara pelo D. Par, meu antigo e particular amigo o Sr. V. de Laborim, a quem de novo me refiro. Não era pois necessario de maneira nenhuma declarar, ou ratificar o que S. Ex.ª disse; porque, tudo que o D. Par diz em qualquer occasião, e sobre qualquer objecto, tem a ratificação nas suas proprias expressões ou proposições; nem eu podia fallar da materia com mais conhecimento de causa do que S. Ex.ª, o que não é dirigir-lhe lisonja, mas sim tributar homenagem á justiça e á verdade. Ha porém uma circumstancia especial que me faz convencer da conveniencia de referir-me ao que disse S. Ex.ª, e vem a ser, que fui eu que concebi a necessidade deste Projecto, e por isso vou referir-me minuciosamente á sua origem e historia.

Intendi eu, Sr. Presidente, quando tive a honra de ser pela primeira vez chamado aos Conselhos de Sua Magestade, que tendo-se me confiado a direcção do Ministerio dos Negocios Ecclesiasticos e de Justiça, era necessario trazer ao Parlamento todos os Projectos organicos do Poder Judicial, porque pelas circumstancias politicas, que são a todos notorias ainda não teria havido talvez a opportunidade de os fazer, pois que os meus antecessores eram por certo mais intendidos, e mais capazes de conceber e desenvolver aquelle trabalho, do que eu; mas certamente por taes circumstancias é que o não tinham podido emprehender e concluir. Para confeccionar pois esses Projectos não só reconheci a minha insufficiencia, mas convenci-me, como ainda o estou, de que ha certos objectos, como este, que não podem ser convenientemente desenvolvidos semente pela capacidade de um homem, e muito menos do Ministro sobre quem pesam tantos cuidados e obrigações, e que era preciso chamar algumas das intelligencias superiores, e especiaes sobre os respectivos objectos, para lhes incumbir essa tarefa: por isso tractei em observancia destes principios e regras, que tenho como verdadeiras, de me rodear dessas capacidades. Não podia chamar todas, porque felizmente ha mais do que aquellas que foi preciso convocar (Apoiados), e isso honra o Paiz em geral, e em particular o ramo da Magistratura; mas é certo que chamei das especialidades mais dignas e mais consummadas nos conhecimentos theoricos e praticos da Jurisprudência; e foram o Sr. V. de Laborim, o Juiz que então era da Relação, e hoje está no Supremo Tribunal de Justiça, José Manoel de Almeida e Araujo Corrêa de Lacerda, o Procurador Geral da Corôa, que então era, e hoje é, e o céo permitia que o possa continuar a ser (Muitos apoiados), porque é um Magistrado, que não deshonro individuo algum dizendo, que não póde ser substituido com igualdade de conveniencia para o Serviço (Muitos apoiados); chamei, digo, um digno Magistrado, o Ajudante que era então, e hoje é Procurador Geral da Fazenda, Joaquim José da Costa e Simas, muito conhecido nesta Capital pelas suas luzes, intelligencia, e modo estudioso a que corresponde o resultado com que costuma desempenhar as incumbencias de que é encarregado (Apoiados). Mas fiquei eu aqui, Sr. Presidente? Não senhor, chamei mais dois ornamentos do Foro portuguez, que são os Srs. Abel Maria Jordão de Paiva Manso, e José Maria da Costa Silveira da Motta (Apoiados). Com estes ornamentos da Jurisprudência portugueza confeccionei eu esses Projectos, e digo que com elles concorri na confecção dos trabalhos, porque tambem intendo que grande erro commette o Ministro da Corôa, que incumbe a um individuo, ou Corpo collectivo, qualquer obra, ou trabalho, e não assiste á sua discussão desde, o principio até ao fim, porque não póde bem conhecer e avaliar os motivos e conveniencias das provisões que se adoptam, segundo as idéas dos seus auctores (Apoiados).

Com estes ornamentos do Foro portuguez trabalhei pois, não dias nem semanas, mas sim muitos mezes, durando cada Sessão oito e mais horas (Apoiados); e o D. Par que concorria em minha casa com os outros Collegas a fazer-me a honra de | assistir a essas conferencias o dirá particularmente (O Sr. V. de Laborim — Apoiado). E com effeito vou tendo a honra e satisfação de ver adoptados por todas as Administrações de 185-3 em diante, os Projectos organicos elaborados nessa Commissão, porque mesmo nenhuns outros desta natureza se tem apresentado, e um dos que sahiram daquella Commissão foi este das aposentações dos Magistrados judiciaes, que depois de longas discussões e alvitres da Commissão, que o confeccionou, pois que só desejava adoptar o que fosse preferivel; é com pequenas alterações aquelle que hoje se offerece á discussão desta Camara, depois de ser approvado em duas Sessões de diversas Legislaturas da Camara electiva.

Sr. Presidente, na origem deste Projecto, com excepção do Presidente da Commissão, ha uma razão de authoridade tal, que devia servir, não para se adoptarem sem exame, sem critica, e sem muito cuidado as doutrinas que resultaram dos trabalhos daquella Commissão, porque com quanto acreditados os seus Membros pelos conhecimentos theoricos e praticos, que todos lhes reconhecem, são homens, e como taes sujeitos a errar; mas para o estudar a fundo, e cançar sobre elle a attenção, reconhecendo que por ser obra de intendimentos superiores e especiaes sobre a materia, se lhe não devia metter mão profana, sem estar primeiramente bem seguro da competencia de o fazer, e de resolver melhor sobre as doutrinas que alli se apresentam (Apoiados); ainda era necessario prestar homenagem ás capacidades da Camara electiva, e em diversas Legislaturas, sendo a primeira quando eu tinha a honra de ser Ministro da Justiça, e em ambas as Sessões o Projecto não foi combatido, mas approvado com leves modificações.

Apesar porém de tudo isto tem o Projecto encontrado nesta Camara uma grande e forte opposição, especialmente do D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães, que mandando para a Mesa uma Proposta de adiamento do Projecto, pretendeu que elle voltasse á Commissão para os effeitos constantes da mesma Proposta; e como na continuação do meu discurso terei provavelmente de me occupar dos argumentos de S. Ex.ª, preciso antes de começar, fazer a solemne e verdadeira declaração, de que tudo quanto eu disser é só com respeito á doutrina e materia, que S. Ex.ª tractou, e a que simplesmente me referirei; porque, quanto ás opiniões do D. Par, ao seu interesse pelo bem publico, á sua capacidade e justiça, que sempre deseja mais que tudo ver triumphar; faço-lhe inteira protestação de que reconheço em S. Ex.ª todos esses dotes e qualidades, ficando assim prevenido S. Ex.ª e a Camara, de que contrariando as doutrinas do D. Par, não deixo de! o respeitar, tendo em vista a sua illustração e competencia para tractar tanto desta como de outras quaesquer materias.

Sr. Presidente, o D. Par propôz que o Projecto voltasse á Commissão para o fim de o addicionar com a materia, que diz respeito ás habilitações e ás promoções da Magistratura judicial; e parece-me que já aqui ha alguma cousa de novidade. Pois, Sr. Presidente, incumbe-se a qualquer Commissão uma tarefa em abstracto?! Se o Projecto de aposentações, de que se tracta, tem alguma cousa de deficiente quanto ás mesmas aposentações, ou a outro ramo de serviço que com aquelle tenha estreita ligação, formule o D. Par esse ou esses additamentos, mande-os para a Mesa, a fim de que, se forem admittidos e não poderem comtudo ser considerados nesta discussão sem irem á Commissão, vão lá effectivamente, para então a Commissão propôr o que lhe parecer, depois de bem estudar o seu objecto; mas em abstracto dizer que apresente a Commissão uma Lei de habilitações, e outra de accessos e promoções para a Magistratura judicial, sem se darem os principios e bases que se querem ver desenvolvidas; isto é novo (Apoiados): pelo menos a pratica não é tomar uma Commissão a iniciativa sobre objectos encommendados, nem obriga-la a estabelecer bases, principalmente quando já examinou um Projecto de Lei, e intendeu que estava completo. Mas o D. Par, ouvindo os argumentos que se apresentaram por parte de alguns Oradores, membros da Commissão de Legislação, que Combateram as suas idéas, com respeito á sua Proposta de adiamento, desenvolveu então o seu pensamento, não em sentido contrario ao Projecto que está em discussão, porque o D. Par disse que apenas tinha de passagem censurado o Projecto, chamando-lhe deficiente, e não monstruoso, como a muitos D. Pares pareceu ouvir, o que o D. Par affirmou ser inexacto; mas tão sómente para sustentar a sua Proposta de adiamento. S. Ex.ª pois nada disse no seu primeiro discurso contra o Projecto, porque só lhe notava a deficiencia que os seus additamentos preenchiam, a saber — regras de. habilitações e de promoções; mas S. Ex.ª tornou a fallar, e procurou então combater o Projecto, no que cahiu em manifesta contradicção com a sua simples Proposta de addicionamento! Repugna propôr simplesmente addicionamentos a um Projecto, que se diz não prestar em todas as suas partes (Apoiados); mas como o D. Par se empenhou em o demonstrar, eu pretendo responder-lhe, e passo a ver se posso consegui-lo.

Disse S. Ex.ª — Não ha habilitações, e as que por ventura existem não prestam, porque um Bacharel sahido da Universidade mal póde ir exercer convenientemente o cargo de Delegado; e por esta occasião referiu-se S. Ex.ª ao antigo costume, que era a regra então estabelecida de se exigir a pratica do fôro por dous annos para poder ser (note-se bem) não Delegado, mas sim Juiz. (Apoiados.) Agora, já que S. Ex.ª veio com os dons annos de pratica de fôro que habilitavam o Bacharel para ser Juiz, invectivando o systema actual de sahir da Universidade para Delegado qualquer Bacharel formado, ficando no fim de seis mezes candidato á Magistratura, permitta-me S. Ex.ª que eu lhe faça ver por convicção minha (e creio que commum opinião), que o actual systema dá mais garantias, que os dous annos de pratica para ser Juiz. Todos nós sabemos o que era essa condição, que se reduzia a uma certidão graciosa de como tal Bacharel tinha praticado dous annos (Apoiados); mas o caso é que com isto ficava-se habilitado, não para ir aos Auditórios advogar os direitos de Paulo ou Sancho, o meum, ou suum, mas sim para julgar e decidir os direitos individuaes, ou de propriedade! (Apoiados.)

Disse o D. Par—Mas agora o que se exige para ser Delegado é sómente o ser Bacharel formado pela Universidade de Coimbra. E que mais quer o D. Par? Para que ha de ter maior tyrocinio o que vai desempenhar as funcções de Delegado? Não me parece que seja preciso mais, e eu não pretendo addicionar cousa alguma, ao que disse competentemente o Sr. Serpa Machado ácerca dos estudos da Universidade: se acaso ha alli alguma pratica menos justa e menos louvavel quanto ao arbitrio dos Lentes sobre informações, e se circumstancias particulares me não inhibissem de entrar nesse campo, eu mostraria que algumas ha: é comtudo forçoso reconhecer, que para os Estudantes que pretendem applicar-se, ensina-se actualmente na Universidade de Coimbra com muito mais vantagem do que em outro tempo. (Apoiados.) As Disciplinas que alli se ensinam são hoje muito mais desenvolvidas e aperfeiçoadas do que o eram em tempos mais remotos da Universidade; tem havido proveitosa alteração das Cadeiras de ensino, e bem intendida selecção de doutrinas e muito tem augmentado a illustração que alli se adquire, e por consequencia as habilitações. Não se diga por tanto, que os Estudantes que se applicam e estudam venham hoje menos habilitados da Universidade, do que vinham em outro tempo: muito pelo contrario. (Apoiados.)

Sr. Presidente, se não é o Bacharel, formado na Universidade apto para defender nos Auditórios, por parte do Ministerio Publico, as causas da Fazenda Publica, quem o ha de ser? Sr. Presidente, quem ha de ir advogar essas causas? Algum Juiz, algum Advogado antigo? Mas com que ordenado? E attenda-se bem, a que o Delegado tem o Procurador Régio, que sobre elle vela como seu superior, e é responsavel para com o Governo pelo serviço do Delegado. É com tudo certo, que para o emprego de Delegado do Procurador Régio deve haver a mais escrupulosa escolha, e permittam os Srs. Ministros que eu lhes assevere, que commettem um grande erro quando despacham Bacharéis para Delegados, sem attenderem ás informações e documentos, pelos quaes se devam convencer, de que elles são capazes de convenientemente defender todas as diversas causas do Ministerio Publico; mas quando os Ministros não despacharem por empenhos, e fizerem a sua obrigação, escolhendo para Delegados os Bacharéis, que alem das informações da Universidade, merecerem a reputação de habeis e estudiosos, pois que V. Em.ª e toda a Camara sabe, que geralmente são reconhecidos os bons Estudantes; e havendo alem desta principal garantia a de incumbir ao Procurador Régio a vigilancia sobre o serviço de seus Delegados, do que resulta a obrigação de representar ao Governo contra aquelles que não cumprem com as obrigações do seu cargo, afim de serem substituidos por outros que saibam preencher os seus deveres; ficará providenciado, como convém, tudo que pertence ao importante ramo do serviço, que prestara os Delegados do Procurador Régio.

Sr. Presidente, continuou o D. Par, asseverando, que o systema sobre o serviço dos Delegados estava pessimamente estabelecido, porque os seus ordenados eram muito diminutos, e porque se lhes diz que advoguem, não sendo elles pessoas competentes para o fazer, visto que se acham n'um circulo de Cidadãos, aos quaes todos os dias estão fazendo vexações pelas execuções fiscaes que contra elles promovem! Sr. Presidente, os Delegados não podem advogar, isto é exacto; mas sabe V. Em.ª e a Camara porque elles não podem advogar? É por uma causa inteiramente diversa da que produz o D. Par; é porque não lhes resta tempo nenhum para o fazerem, se quizerem cumprir com as soas obrigações. (Apoiados.) Um Delegado, em Lisboa, nas circumstancias em que hoje estão todos os ramos do Serviço publico (e logo lá irei) se quizer fazer a sua obrigação, não lhe sobeja tempo para nenhuma outra cousa, e eu poderia provar que alguns desses Delegados, mesmo sem terem a seu cargo as Causas por abuso de liberdade de Imprensa, teem tanto que fazer nos outros objectos de sua competencia, principalmente sobre os de Fazenda, que raro será que alguem os encontre nos espectaculos publicos, e nos divertimentos, que são proprios da mocidade; mas quem os procurar mesmo em qualquer hora da noite, ha de acha-los no seu escriptorio: por tanto não se diga, que os Delegados na Capital não advogam pelas relações em que estão com os Cidadãos, mas sim porque não tem tempo para isso. (Apoiados.) O Delegado na Capital, se fôr bom e acreditado Jurisconsulto, ha de ser procurado para advogar, e em Lisboa alguns tem havido, como o Sr. Alvim, que bastantes Causas defendeu no Foro; mas fazia-o com grande sacrificio da sua saude para satisfazer aos seus deveres como Delegado, aos quaes nunca faltou. Nas Provincias são mui diversas as circumstancias dos Delegados, porque alem de não haver processos sobre abusos de liberdade de Imprensa, é o serviço muito menos pesado, e estes creio eu que podem tomar a defeza das Causas de muitos Cidadãos, sem que obste o fundamento produzido pelo D Par, como passo a demonstrar.

A principal acção do Delegado é accusar nas Causas crimes; e estamos nós em tal estado de devassidão, que os crimes sejam tantos, que comprehendam a maxima parte dos Cidadãos de cada Comarca, de maneira que os Delegados não possam advogar por faltarem pessoas, cujos interesses hajam de promover nos Auditórios? Além disto, os crimes são, em regra, commettidos por individuos das classes mais inferiores da Sociedade, e é entre as superiores que de ordinario se ventilam as questões que reclamam o officio de Advogado. Tambem tracta o Delegado das acções da Fazenda do Estado; mas versara estas, na sua generalidade, sobre revindicações de propriedades, e outros objectos, que digam respeito á maior parte dos Cidadãos de cada Comarca? Não, senhores: as Causas de Fazenda que promove o Delegado são quasi sempre as que provém do pessimo systema de lançamento e cobrança dos tributos directos (Apoiados); mas ainda é para observar, que lá fóra vão muito mais raras estas causas; e se vinte ou trinta contribuintes não pagam os conhecimentos das collectas, e por isso a Justiça os executa, a respeito de todos os outros não se dá essa circumstancia, e dentro desse circulo hão de haver direitos e pretenções que dêem materia para tractar de muitas causas, se os Delegados souberem e quizerem advogar. Parece-me portanto haver demonstrado, que não procede o argumento adduzido pelo D. Par.

Disse mais S. Ex.ª, que havia gritos contra os Juizes Ordinários e Sub-Delegados do Procurador Régio (Apoiados). Sr. Presidente, não ha ninguem que menos approve a instituição dos Juizes Ordinários do que eu, e que reconheça que os Cidadãos que o D. Par appellidou — de jaqueta — não são os mais proprios para exercerem as funcções do Serviço publico que a Lei lhes incumbe; porém estas observações do D. Par estão em manifesta contradicção com os seus proprios principios; por quanto, havendo S. Ex.ª impugnado o Projecto em discussão por ser muito dispendioso, e até por isso combate a contemplação dos Magistrados Judiciaes antigos; como é que pretende alterar a actual organisação judicial quanto aos Juizes Ordinários, e Sub-Delegados do Procurador Régio, o que produziria grande augmento de despeza com a creação de novos Juizes de Direito, e Delegados, que todos venceriam ordenados pelos Cofres do Estado?! Pois não quer o D. Par as convenientes aposentações dos Juizes, parque custam dinheiro, (e muito na imaginação do D. Par) e quer a alteração do systema judicial no ponto referido, do que ha de resultar muito maior despeza? Eu, no que espero que a Camara me apoie, é que não posso annuir á doutrina do D. Par, já porque esta não é a occasião opportuna de reformar a actual organisação e systema judicial, já porque não temos meios sufficientes para o incremento de despeza, a que nos conduziria a idéa do D. Par, a não ser que S. Ex.ª espere que nos venha prestes algum ouro da Califórnia! (Apoiado).

Mas, Sr. Presidente, o negocio é de muita difficuldade; dizer mal das instituições é muito facil; e venha a primeira contra a qual se não tenham levantado clamores: das proprias doutrinas de Jesus Cristo, das obras mais santas e moraes; de tudo se tem dito mal; mas o caso é fazê-lo melhor, e substituir com maior vantagem isso que se combate (Muitos apoiados). Que ha defeitos na instituição judicial; que é necessario remedia-los; estou de accôrdo com o D. Par mas é tambem necessario que se remedêem lenta e progressivamente, e com perfeito conhecimento de causa daquillo que se revoga, e do que se lhes substitue. Peço porém licença ao D. Par para lhe observar, que de entre os differentes ramos do Serviço publico, que necessitam de emenda, e refórma, é o judicial aquelle que talvez menos careça desta providencia. S. Ex.ª ha de por força concordar comigo, em que se tem defeitos o nosso systema judicial ha com tudo sobre trabalhos de pessoas muito habeis e competentes uma organisação, e fórma de processo, com todas as garantias necessarias, tanto no civil como no crime: faltam os Códigos, e verdade; mas essa obra é difficil, até porque deve ser optima em vista do objecto, e dos modelos; mas em relação aos outros ramos do Serviço, repito, o judicial não está mal estabelecido, e com as observações que o tempo offerecer iremos aperfeiçoando o que fôr possivel (Apoiadas). Vamos agora ás habilitações dos individuos, que pretendam entrar para este santuario da Justiça, a Magistratura Judicial.

Diz o D. Par, que não prestam aquellas que se acham estabelecidas; mas na opinião do D. Par, eram essas mesmas habilitações muito boas em

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1840, e aquillo quê é mau em 1849 já não podia ser bom em 1840! Os principios e regras da Jurisprudência não tem feito differença essencial no decurso deste pequeno periodo: não ha uma época de illuminismo atai respeito, que transtornasse as cousas, e mudasse as idéas que lhes são proprias; mas quereria o D. Par em 1840 o, que combate hoje? Olá se queria! S. Ex *, como Membro da Camara dos Senadores, apresentou em 1840 um Projecto de que o titulo era talvez mais importante do que as provisões que nelle se continham, pois que se denominava — Lei organica — e a Camara lia de permittir que eu leia alguns trechos ou §§. do mesmo Projecto — Sapientis est mutare amsilium— S. Ex.ª agora mudou de opinião, porque no seu Projecto lá estão estabelecidas estas habilitações que combate agora!—O Projecto foi apresentado á Camara pelo D. Par, e veio publicado no Diario do Governo com a Sessão da Camara dos Senadores de 20 de Junho de 1840; eu tenho este Projecto na mão, porque me foi officialmente distribuido pela Secretaria de Estado da Justiça, antes de abertas as Camaras, em consequencia de se haver creado unta Commissão de que eu tive a honra de ser Membro, e de ter por Collegas os Sr.s — actual Ministro da Justiça — C. de Thomar — Duarte Leitão — Simas — e Pereira de Mello. Distribuiram-se por esta Commissão todos os Projectos que tinha havido sobre a organisação da Magistratura, e entre elles veio este, de que foi auctor o D. Par, e que eu examinei se linha sido publicado, e achei que estava impresso no Diario em que vem a Sessão de 20 de Junho de 1840 e fóra apresentado pelo D. Par na Camara dos Senadores: é por tanto um documento que está no dominio publico, e de que eu posso servir-me nos meus argumentos.

Em primeiro logar observarei que no Projecto do D. Par creavam-se os logares de Juizes de Direito Substitutos, e por consequencia muito se augmentava a despeza neste ramo do Serviço publico, e o D. Par combale agora o Projecto das aposentações pelo incremento da despeza!

Em 1840 já as nossas finanças estavam muito más, e o deficit accumulado data de muitos annos anteriores a 1840; o modo de occorrer a este deficit accumulado, e ao que accrescia em cada anno já não era facil, nem jamais se obteve esse desideratum; e nisto parece-me que sou justo, porque entro tambem com o meu contingente, visto que tive a honra de estar nos Conselhos de Sua Magestade, e me cabe parte da responsabilidade, porque o Ministerio é solidario. Quanto á agiotagem em que fallou o D. Par o Sr. Serpa Machado, e disse, que matava e devorava tudo, isto é exacto; mas eu peço que bem nos intendamos: o primeiro movel desta agiotagem tem sido o Governo, porque são as más Administrações que criam a agiotagem, e lhe fortalecem a existencia (Apoiados). Mas isto não é só defeito das Administrações, é consequencia do concurso de circumstancias que tem collocado todas as Administrações na precisão de dar vida, e se servirem da agiotagem; e para sahir della de repente é necessario, ou o ouro da Califórnia, ou algum Governo tão illustrado, que sem esse auxilio faça o milagre; mas duvido muito e com boa razão e fundamento, de que isto esteja prestes a acontecer Vamos porém ao Projecto do D. Par.

Quanto ás habilitações: (leu) la estão pois adoptadas as habilitações que a Lei já então designava, e as que ainda hoje se acham em vigor. No artigo 18.º e 19.º daquelle Projecto diz-se, que os legares vagos de Juizes de Direito seriam providos: primeiro, nos Delegados do Procurador Régio despachados antes da Reforma Judiciaria de 1837; e segundo, nos Candidatos legaes á Magistratura em conformidade com o disposto na mesma Reforma. Esta era a Lei de então, e é ainda a de hoje, porque não são outras as habilitações, que se exigem para entrar na carreira da Magistratura Judicial; e o D. Par apresentou isto em 1840 como uma medida nova, quando a Legislação daquelle tempo a estabelecia; e hoje combate os mesmos principios e regras que adoptava e propunha no seu Projecto em 1840!

Sr. Presidente, o Decreto n.º 24 de 16 de Maio de 1832, foi o primeiro assento desta disposição; estabeleceu-se que os Delegados do Procurador Régio fossem os primeiros com direito a entrar nos logares de Juizes; e a Reforma Judiciaria de 1837, seguida na Legislação posterior a tal respeito, deixando salvos os direitos adquiridos por aquelles Delegados, adoptou outro systema de candidaturas a respeito dos Delegados do Procurador Régio. Em quanto houver Delegados de primeira ordem, isto é, dos estabelecidos pelo Decreto de 16 de Maio, o Governo não póde prover n'outros os logares de Juizes de Direito, que vagarem; e só depois destes nos Candidatos legaes á Magistratura, na conformidade mesmo da Lei que citou o D. Par no seu Projecto, que é o §. 2.º do artigo 14.° da Nova Reforma, e são os Delegados que tiverem seis mezes de exercicio, e os Sub-Delegados que tiverem um anno: por consequencia, parece evidente que o D. Par, se acha comprehendido na maior contradicção comsigo mesmo; por quanto, dizendo que não queria as aposentações sem que houvesse uma Lei de habilitações, observa-se que quando tractou no seu Projecto de estabelecer as habilitações que se deviam exigir a respeito dos Candidatos á Magistratura, não procurou outras, mas designou aquellas mesmas que hoje existem; e apesar de S. Ex.ª haver mostrado nesta discussão dar preferencia ao systema antigo de se exigir o exercicio de Advogado por dois annos, é digno de reparo, que no seu Projecto artigo 19.º (leu) preferisse a esta antiga disposição os Candidatos legaes com os seis mezes, ou um anno de serviço na Delegacia! De sorte, que, sendo o systema actual, e o de 1840 que era o mesmo, de menor vantagem, com tudo> S. Ex.ª com o poder na mão, visto que propunha uma Lei organica, não classificou primeiro o Serviço de Advogado por dois annos, e deu preferencia aos que tivessem seis mezes de exercicio de Delegados, ou um anno de Sub-Delegados, sendo Bacharéis formados! Por tanto parece-me ter demonstrado, que as habilitações que se exigem em 1849 são as mesmas que se achavam estabelecidas em 1840; e que quando S. Ex.ª nesse anno tomou a tarefa de apresentar uma base geral e systema complecto a respeito da Magistratura Judicial, mas que intitulou sómente dos Juizes de Direito, propôz o mesmo que estava decretado, e que hoje se acha em vigor, permittindo o D. Par que lhe diga, que desde 1840 até 1849 não vejo que haja motivo para S. Ex.ª haver mudado de principios quanto á organisação da Magistratura, e das respectivas habilitações; se porém mudou, se tem outras idéas, manifeste-as, e em presença dellas entraremos na devida discussão.

Mas, continuou o D. Par, eu tambem queria que se addicionasse ao Projecto o que ¦ diz respeito a accessos e promoções — accessos e promoções! Pois isto não está já regulado? E quando não o estivesse, era na Lei das aposentações que cabia tractar dos accessos e promoções na Magistratura judicial?! Acham-se estabelecidas as regras para que os Bacharéis em Direito possam ser Delegados do Procurador Régio; está tambem determinada a classe de Delegados que tem preferencia para os logares de Juiz de Direito; e agora daqui por diante é que é preciso estabelecerem-se os accessos e promoções entre os Juizes; mas isto pertence á Lei de antiguidades; e faltará esta Lei? O Sr. Ministro da Justiça apresentou de proximo na Camara dos Srs. Deputados o respectivo Projecto, o qual é um daquelles organicos que elaborou a Commissão a que tive a honra de presidir em 1843: por conseguinte, nessa Lei é que se ha de marcar o accesso ou promoção dos Juizes, que deverá certamente regular-se segundo a antiguidade de cada um. Verdade é que o D. Par no seu Projecto de 1840 tambem inseria capitules, que diziam respeito a regras sobre accessos e promoções; mas visto que esta cadeira é similhante á do confessionario, onde se deve fallar com toda a exactidão, permitta-se-me que diga, que o Projecto do D. Par foi examinado pela Commissão a que eu pertencia, e que ella julgou não poder adoptar nenhuma de suas provisões.

O D. Par estabelecia para os accessos e promoções dos Magistrados o meio de concurso, o qual deveria ser com antecedencia annunciado no Diario do Governo, e segundo elle designar-se de entre os candidatos aquelle, que devesse ser preferido para o logar vago. Porém, Sr. Presidente, para accessos e promoções não ha concursos nem exames, e tão sómente a regra das antiguidades, e depois de assim classificados os Juizes nomear aquelle que, segundo essa mesma regra, for o primeiro a quem pertença ir occupar o logar vago; de maneira que, segundo a minha opinião, quando vagar qualquer logar, o Ministro não deve intervir em cousa nenhuma sobre a promoção do immediato. mas acceitar no seu gabinete das mãos do respectivo Official da Secretaria o Decreto com a nomeação daquelle a quem competir ser despachado: este é que é o verdadeiro concurso, e a mais sólida garantia dos direitos dos Juízes, e dos publicos interesses, e não estar o Official da Secretaria a perguntar ao Ministro, quem quer que se nomêe, como que possa, ou deva haver arbitrio em despachos n'uma carreira de serviço, em que devem estar classificadas as antiguidades de todos os Juizes! Se o Ministro perguntar ao Official da Secretaria, quem mandou lavrar o Decreto da nomeação do Juiz para o logar vago, deve responder-lhe — que a Lei. É pois necessaria a Lei das antiguidades dos Juizes, e que regule não só as dos Juizes de primeira Instancia, mas tambem dos de Segunda Instancia, ou Relações, e dos do Supremo Tribunal de Justiça.

Ora, o D. Par tambem propunha pelo seu Projecto, que em igualdade de circumstancias, concorrendo um candidato casado com outro solteiro, se desse a preferencia ao casado! Tudo isto prova quanto é difficil escolher as melhores provisões para um Projecto de organisação judicial! S. Ex.ª quando julgou preferir o casado ao solteiro remontou-se certamente aos tempos dos seus estudos da Universidade, lembrando-se do Direito Romano, e dos privilegios que por elle eram concedidos aos Cidadãos, que tinham certo numero de filhos, porque se intendia que assim concorria para o augmento da riqueza da Nação; mas o D. Par, estabelecendo a preferencia para o casado, abandonou o viuvo, embora este tivesse filhos legitimos; e assim destruiu o verdadeiro fundamento, que provavelmente teve em vista, quando estabeleceu aquella provisão, que não póde sustentar-se com analogia e exemplo do que se acha nas nossas Leis antigas sobre o requisito de ser casado para exercer certos empregos: são outros os tempos, e cumpre ao Legislador ter era vista os costumes e as circumstancias quando tracta de confeccionar a Lei. Sr. Presidente, eu fiz esta observação com respeito ao que naquelle Projecto estabelecia o D. Par, para mostrar a difficuldade que se encontra nesta materia, e que quanto mais se pretende profunda-la, maiores obstaculos se encontram.

O mesmo D. Par, não só nas duas Sessões antecedentes. exclamou contra a falta de organisação do Poder Judicial, (isto é na!Tcrça e Quarta feira) mas ainda n'uma Sessão, que não vai muito remota, e que tão celebre foi pelo objecto de que nella se tractou, a que deu logar o Requerimento do Sr. C. de Farrobo, disse (e eu o ouvi da Tribuna) que sentia não se achar então presente o Sr. Ministro da Justiça, porque queria chamar a attenção de S. Ex.ª para o estado desorganisador em que estão todos os ramos do serviço da Magistratura; que desde 1832 differentes provisões se tinham adoptado; mas que o caos e a desordem (por estas ou outras palavras) era o que de entre tudo sobresahia!. E concluiu S. Ex.ª estabelecendo a proposição, de que não havia nenhum Portuguez dentro e fóra desta Casa, que não reconhecesse a necessidade extrema e urgentissima de se reformar o systema Judicial. Eu logo fiz tenção de aproveitar a primeira occasião opportuna que apparecesse, para defender a minha Administração quando fui Ministro da Justiça pelo espaço de quasi dous annos e para defender tambem a dos Ministros da Justiça que tem havido até hoje.

Sr. Presidente, de todos os ramos do Serviço publico é forçoso reconhecer, que o unico que tem organisação e que para ser em tudo completa só depende de serem approvados alguns Projectos de Lei apresentados ao Parlamento, é esse que S. Ex.ª pretende mostrar que existe na maior confusão e desordem! Eu já tive occasião de observar que ha Lei que regula o modo das habilitações para ser Delegado, e para ser Juiz de Direito: na Camara dos Srs. Deputados apresentou ha pouco o Sr. Ministro da Justiça dous Projectos de Lei, elaborados pela Commissão, a que me tenho referido, sendo um sobre antiguidades dos Juizes de toda a Magistratura, e outro sobre a -classificação das Comarcas, da qual inteiramente depende a boa execução da Lei, que já existe sobre a transferencia dos Juizes de Direito de primeira Instancia. Tambem existe já sanccionada a Lei dos Conselhos Disciplinares: temos a ultima Reforma Judiciaria; e eis aqui está o mau estado do ramo do Serviço judicial! Mas admira a facilidade com que se diz—taes Leis são más, são pessimas, e é preciso revoga las! Um clamor geral se levanta contra taes Leis! E depois desta exclamação, alguem nesta Camara a contrariou, e o mesmo D. Par confessou então ingenuamente, que nunca havia lido essas Leis, e que dizia que geralmente se levantavam clamores contra ellas, porque os tinha ouvido mesmo a alguns Juizes!... É preciso Sr. Presidente, que haja muita prudencia em se usar destes adverbios, que acabam em — mente, visto que tanto se abusa da sua verdadeira significação. Pois porque dous ou tres homens, e talvez interessados no objecto, avançam certa proposição, deverá logo concluir-se que todos geralmente o dizem e assim o pensam? Que é opinião geral e inconcussa? Mas infelizmente muitos se preoccupam, offuscam a sua aliás illustrada comprehensão, e adoptam sem exame, e emprego de bom criterio, o que outros dizem, sabe Deos porque, e para que fim!

Tambem o D. Par disse, que se havia escripto contra as Leis de Dezembro de 1843; porém S. Ex.ª, creio eu, deveria ser o ultimo a prestar attenção a esses e outros escriptos, pois que, se elles valessem, S. Ex.ª seria victima delles por pertencer a um Estabelecimento sobre o qual não ha dia nenhum, em que se não accumulem graves censuras por differentes pennas, e por diversos estylos! Estou certo de que o D. Par ha de defender-se, sem duvida nenhuma, e rebater competentemente todas essas asserções e imputações que se lhe fazem; mas em quanto o não fizer colheriam os argumentos contra o D; Par, pelo principio que S. Ex.ª pretende estabelecer. Da principal Lei de 1843, a de 19 de Dezembro, e sobre o serviço pessoal da Magistratura, eu terei occasião de fallar n'outra parte do meu discurso, e por agora concluo observando, que o D. Par só elevou a sua voz contra o ramo do Serviço Publico, que está melhor organisado, esquecendo-se do administrativo, do fiscal, e do militar de terra e mar, que todos carecem de reformas radicaes, e de todos mais a reclama a organisação da Fazenda, sobre a qual tantas vezes tenho chamado a attenção desta Camara, e sei que mesmo S. Ex.ª tem documentos que provam evidentemente esta minha proposição, pois que hoje me fez ver alguns a lai respeito! Necessita-se porém de estabelecer algumas provisões no Serviço Judicial? Não o duvido; mas emende-se onde fôr preciso, e não queiramos que se vá fazer uma refórma geral e inconveniente em todo aquelle Serviço Publico; não avancemos proposições taes, como a de que é necessario, por assim dizer, annullar ou revogar toda a Organisação Judicial, todas as Leis que formam o systema, e constituir outro novo e differente! Lá iremos a essas reformas parcelares, que a experiencia e a madura reflexão aconselham, e não caminhemos com precipitação em objectos de tão grande importancia e consequencia.

Sr. Presidente, tambem se disse que não era necessaria a Lei das aposentações dos Magistrados Judiciaes. O Sr. Presidente, pois não haverá necessidade desta Lei de aposentações? De duas uma: ou se combale este Projecto porque em geral não é necessaria Lei de aposentações, ou porque esta já existe; mas Lei de aposentações não me dirá o D. Par que haja, a não querer referir-se á Lei de 12 de Novembro de 1822; mas se a esta se refere S. Ex.ª ha de concordar comigo, em que essa Lei não abrange todos os ramos do Serviço Publico Judicial, nem alli se acham definidas as regras necessarias para poderem ser applicadas a todos os Empregados do Poder Judicial: logo dá-se a primeira parte da alternativa, isto é, que não é necessaria a Lei de aposentações; Mas não será necessaria esta Lei? Não se quererá deixar a esses infelizes, que consagraram toda a sua vida ao arduo e difficil serviço da Administração de Justiça, uma fatia de pão para a poderem gosar no ultimo periodo de sua vida, e talvez já no tempo das suas afflicções e padecimentos? Sr. Presidente, é necessaria a Lei das aposentações e é indispensavel que se estabeleçam regras fixas e determinadas, pelas quaes se decrete a aposentação: eu não quero que isto fique ao arbitrio de ninguem, não Sr. não quero que a Consulta do Supremo Tribunal de Justiça seja fundada em que tal individuo soffrera muito na emigração, padecera em prisões, etc.... o que eu quero é que se estabeleçam regras infalliveis, secundo as quaes a Consulta deva ser baseada.

Mas, disse tambem o D. Par, que não era possivel tractar-se da Lei das aposentações, sem que primeiro tenhamos a das habilitações, porque conforme forem as habilitações que se exigirem, assim serão as aposentações. (O Sr. Pereira de Magalhães— Apoiado). Não sei como é possivel, que a base de uma Lei de aposentações dependa dada habilitações! Pois porque para ser Delegado ou Juiz se careça de taes ou taes habilitações, assim ha de variar a base e a prescripção sobre aposentações? Em que dependerá uma da outra providencia? A Lei das habilitações tem por fim a garantia para bem se desempenhar o Serviço; e aí Lei das aposentações tem por fim assegurar ao Magistrado, que com prestimo e zêlo cumpriu os seus deveres, - de que no fim da sua carreira; quando os padecimentos ou provecta idade o impossibilitarem de continuar no exercicio do seu cargo, terá ao menos um bocado de pão para comer no centro de sua familia, no remanso da paz e do socego. Sr. Presidente, combateu-se o principio da diuturnidade do serviço, e com quanto isto pertença mais á especialidade do Projecto, eu vou responder ao D. Par. É o infandum Reginajubes; mas não ha remedio, tenho de ir outra vez consultar o mesmo Projecto organico do D. Par.

Sr. Presidente, consultemos outra vez o Projecto do D. Par. Quer V. Em.ª saber como sei estabelecia nelle o principio da diuturnidade do Serviço? Não eram vinte nem trinta annos, não, Senhor, quinze annos apenas de exercicio de Juiz já dava direito ao individuo, que estivesse nesse caso: eu o mostro á Camara, lendo o que, o Projecto do D. Par contém a este respeito nos artigos 33.* e 34.° e seus oito §§. (Leu-ot). Eu chamo a attenção do D. Par o Sr. C. de Lavradio, porque S. Ex.ª tambem combateu o Projecto em discussão, com o fundamento, que anteriormente se produzira, de custar muito dinheiro; mas eu peço a S. Ex.ª que attenda ao Projecto que estou lendo, apresentado no Senado pelo D. Par, e então Senador, o Sr. Felix Pereira de Magalhães, o qual contém a provisão, de que tendo qualquer Juiz quinze annos de serviço, ficava com direito a perceber não só o ordenado por inteiro, porém mais um terço do mesmo ordenado a titulo de aposentação! Diz mais o Projecto do D. Par, que tambem poderiam ser aposentados com causa justa e provada; porém não se assignam as bases ou condições desta causa, e eis aqui está a arbitrio, que não comporia uma Lei desta natureza. Peço tambem já Camara que attenda a que o Projecto do D. Par não ficava só na concessão do ordenado por inteiro, e mais um terço; não, Senhores, vem nelle tambem estabelecidas pensões para as viuvas dos Juizes, e com sobrevivencia para as suas filhas e filhos. Eu leio o respectivo artigo para melhor conhecimento da Camara. (Leu-o). Depois destas importantes concessões vem o D. Par á nossa base, á base do Projecto em discussão, isto é, aos trinta annos de Ser, viço, em cujo caso lhes dá S. Ex.ª o seguinte — honras de Conselheiros do Supremo Tribunal de; Justiça, e ordenado de Juizes de Relação. (Leu). Observe a Camara que isto é para os Juizes de Direito de Primeira Instancia, que tiverem trinta annos de Serviço; e nós pelo nosso Projecto só concedemos estas vantagens aos Juizes de Direito de Segunda Instancia, que tiverem trinta annos de Serviço. (Apoiados). Por tanto, Sr. Presidente, parece-me que mal podia censurar-se este Projecto em discussão por excessivo nas suas disposições, e mal podia tambem caber-lhe a censura que o D. Par lhe irrogou, havendo sido muito mais generoso no seu Projecto, como tenho feito ver pela leitura da sua doutrina.

Devo por esta occasião declarar, que eu não combato o Projecto do D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães, por estabelecer algumas, vantagens a favor das familias dos Juizes, que morrerem, tendo servido bem, e por certo espaço de tempo; eu intendo ser de Justiça tal provisão; tenho muita consideração, e respeito muito os Magistrados Judiciaes; consagro veneração aos meus maiores d'essa classe; e ainda conservo a minha beca.com quanto já não faça parte da Magistratura. É verdade que em 1833, quando instaurada a Perfeitura de Lisboa, fui exonerado de Intendente Geral da Policia, requeri pertencer a ella; mas o respectivo Ministro que então era da Justiça não me attendeu: nesse tempo com difficuldade era despachado quem não se tivesse expatriado e pegado em armas; mas com quanto não pertença á Magistratura Judicial, devo advogar os seus legitimos interesses até por que já fiz parte della.

Sr. Presidente, a verdade é, que na Commissão de Legislação se intendeu, que a Justiça reclamava a concessão de algumas pensões ás familias dos Magistrados fallecidos em certas circumstancias, quanto ao tempo e modo, mas intendeu-se que não era, esta a opportunidade de estabelecer taes provisões, attento o estado de nossas finanças, e mesmo para não acontecer com este Projecto das aposentações o que se conta do cão da fabula — querer-se muito e perder-se tudo. Mas se a agiotagem acabar, como mostrou desejar um D. Par, e todos desejam; se a prosperidade vier, então não haverá duvida de contemplar as viuva» e as filhas desses individuos, que tiverem prestado serviços taes ao Estado.

A hora está quasi a dar, e eu vou preencher o tempo que falla com algumas observações geraes analogas ao objecto, deixando o resto do meu discurso, que ainda não está em metade, para a Sessão seguinte, se a Camara me permittir (Apoiado.)

Sr. Presidente, a Magistratura portugueza actual é pobre, e está desconsiderada. (Muitos, apoiadas.) Não tira as vantagens que devia colher, e que exigem as suas habilitações, a necessidade da sua applicação e trabalho, e o seu soffrimento: digo-o assim, Sr. Presidente, por que os Magistrados Judiciaes teem cá neste Mundo, uma sentença infallivel com uma alternativa, que lhes hade ser sempre fatal. O Magistrado nu hade ser victima do seu estudo, applicação e modo de

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vida, para ter o bom nome e reputação, que o «eu caracter exige, o a consequencia será a natural de assim viver; ou pelo contrario será mal acreditado e desconceituado por todos, que ainda é muito peior. (Apoiado.) E qual e o interesse que tira actualmente o Magistrado? Elle tem um insignificante ordenado em relação ás suas circumstancias e posição, em que se acha collocado na Sociedade. (Apoiados.) Já não fallo de receber só a terça parte do seu ordenado, porque lhe não pagam mais actualmente, eu quero mesmo considerar que lho pagam por inteiro; esse mesmo não é' o sufficiente, nem aquelle que deveria dar-se-lhe para viver com alguma decencia, e com independencia. (Apoiados.) E o que deixa elle quando fecha os olhos? Não tem absolutamente nada, e deixa frequentes vezes a sua familia na miseria e na indigencia! Sabe Deos, se para salvar a alguma dessas familias da indigencia, eu a respeito de um homem que não estava morto, mas estava entrevado, eu, digo. me desviei da rigorosa. applicação da Lei! Castiguem-me. se por isso o mereço. Eu pretendi e obtive, que o Sr. Carlos Honorio de Gouvêa Durão não morresse a pedir esmola: quiz livral-o disso (Apoiados geraes), porque vi que elle e a sua familia jaziam em um estado de desgraça muito grande, e então inventei uma Commissão do Serviço, de que o encarreguei, para que elle podesse assim receber o seu ordenado de Ministro d'Estado Honorário, e não morresse de fume. {Vozes — Fez muito bem — Apoiados.)

Tenho mostrado, Sr. Presidente, o que teem os Magistrados actuaes; mas o que tinham os Magistrados antigos? Tinham um morgado immenso nos despachos e mercês concedidas a seus filhos, alem de outros proveitos que lhes resultavam da sua posição. Um Desembargador do Paço, se tinha filhos formados em Direito, despachava o primeiro delles para Desembargador do Porto, o segundo para primeiro Banco, o terceiro para Correcção ordinaria, e todos os outros para segunda Instancia! E o que tinham mais? Senhorios de terra, e Commendas de lotação. Os Conselheiros da Fazenda, da Mesa da Consciência e Ordens; do Senado da Camara, e muitos outros tinham similhantes vantagens; e hoje, Sr. Presidente, o que teem os Magistrados destas cathegorias?. Não teem nada. (Apoiados.)

Vou pois concluir, porque a hora acaba de dar; dizendo que a lembrança do D. Par o Sr. Felix Pereira de Magalhães era justa mas não estava bem calculada, nem por agora é opportuna (Apoiados); e quem contraria o Projecto em discussão, não devia em 1840 partir falla tão larga para os Empregados da administração judicial.

Sr. Presidente, como ainda me resta bastante que dizer, eu peço licença para continuar ámanhã o meu discurso. (Apoiados.)

O Sr. Presidente: — Antes de se fechar a Sessão tem a palavra o D. Par o Sr. C. de Linhares, pela haver pedido para lêr Pareceres de Commissão.

O Sr. C. de Linhares— Por parte da Commissão de Marinha e Ultramar passo a lêr tres Pareceres (n.ºs 115, 116 e 117), sendo o primeiro sobre a Proposição de Lei n.º 98, 99 e 100.

Mandaram-te imprimir (»). - O Sr. V. de Laborim — Eu peço a V. Em.ª queira rogar aos D. Pares, que concorram á Sessão mais cedo. porque sempre principia muito tarde.

O Sr. Presidente — Amanhã haverá Sessão, e convido os D. Pares a concorrerem pela uma hora: prosegue a discussão da mesma: Proposição juntamente com as duas Propostas que lhe são relativas. Está fechada a Sessão—Eram pouco mais de quatro horas da tarde.

Repartição de Redacção das Sessões da Camara, em 25 de Abril de 1849 = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição

José Joaquim Ribeiro e Silva.

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