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CAMARA DOS DIGNOS PARES.

EXTRACTO DA SESSÃO DE 22 DE JUNHO.

PRESIDENCIA DO EXMO. SR. VISCONDE DE LABORIM,

VICE-PRESIDENTE.

Secretarios, os Conde da Louza,

D. João.

(Presentes os Srs. Ministros, do Reino e da Marinha.)

As duas e um quarto da tarde, estando reunido numero legal, declarou-se aberta a sessão, e leu-se a acta da antecedente, que foi approvada sem reclamação.

Deu-se conta da seguinte correspondencia: Um officio do Ministerio da Guerra accusando a recepção de outro desta Camara em que se lhe annunciava a instalação da Mesa desta Camara para a presente sessão. Para a secretaria.

- do mesmo Ministerio, remettendo os authographos dos Decretos das Côrtes Geraes n.ºs 68 e 70.

Para o archivo.

- do Ministerio das Obras Publicas enviando

80 exemplares da conta da gerencia daquelle Ministerio, respectiva ao anno economico findo em 30 de Junho de 1856.

Mandaram-se distribuir,

O Sr. Ministro da Marinha mandou para a Mesa duas propostas (para accumulações das funcções do pariato com empregos civis), uma do Ministério a seu cargo, e outra do Ministerio das Obras Publicas. São as seguintes:

«Peço á Camara dos Dignos Pares do Reino, que na conformidade do artigo 3.° do Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia permitia que o Digno Par Visconde de Villa-nova de Ourem possa accumular, querendo, o exercicio das funcções legislativas com o do emprego, que exerce, de Vogal do Conselho Ultramarino. Secretaria de Estado dos Negocios da Marinha e Ultramar, 22 de Junho de 1858. = Sá da Bandeira.»

«Estando o Governo auctorisado pelo artigo 3.º do Acto Addicional, para pedir ás Camaras que em casos de urgente necessidade, permittam aos seus membros que accumulem o exercicio do serviço publico com as funcções legislativas, se assim quizerem, são, nesta conformidade requesitados á Camara dos Dignos Pares do Reino, por se dar effectivamente ocaso indicado, os seguintes Srs.: Visconde da Luz, Director Geral das Obras Publicas; Joaquim Larcher, Director Geral do Commercio é Industria; José Feliciano da Silva Costa, Membro do Conselho das Obras Publicas; Marquez de Ficalho, e José Maria Eugenio de Almeida, Membros do Conselho do Commercio; Francisco Simões Margiochi, Membro da Commissão, Central da Estatística do Reino. Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, 22 de Junho de 1858. = Carlos Bento da Silva.»

Foram approvadas.

O Sr. Conde da Taipa — Sr. Presidente, pedi a palavra antes da ordem do dia, para provocar uma conversação dentro desta Camara, sobre alguns artigos que tem ultimamente apparecido em alguns jornaes impressos nesta capital, pela circumstancia de se ter introduzido em Portugal a instituição das irmãs da caridade; e por vergonha da imprensa algum desses artigos até é obsceno! Cumpre portanto, Sr. Presidente, justificára nação portugueza, perante o mundo civilisado, e mostrar que ella não está tão selvagem como alguns dos periodicos que se imprimem na cidade de Lisboa. De todos os accessorios da religião não ha nenhum a quem a civilisação moderna lenha prestado mais testemunhos de gratidão, do que a instituição das irmãs de caridade; e sem vergonha o não digo! No mesmo dia em que punham em cima da minha mesa o jornal = O Portuguez = de domingo 20 de Junho, com o seu artigo obsceno a respeito desta respeitavel instituição, chegava tambem do paquete inglez o jornal= Ilustração ingleza = com o retrato e um artigo necrologico de uma dessas santas mulheres, a irmã Rosalia, que o redactor inglez protestante, e de crença differente, conclue do modo seguinte: No dia 9 de Fevereiro teve logar o funeral da irmã Rosalia, e foi um brilhante testimunho do podér que a caridade christã exerce sobre o genero humano; milhares daquelles a quem ella chamava seus filhos, acompanharam os seus restos mortaes ao cemiterio do Monte Calvário, e todo París rico e pobre se juntou na expressão de um sincero sentimento pela sua morte. Comparem os Dignos Pares o Portuguez de domingo 20 de Junho, com a Ilustração ingleza de 29 de Maio; comparem-n'o com os elogios que fizeram os jornaes francezes e inglezes ás irmãs deste instituto, que pela occasião da guerra da Crimea foram para os acampamentos dos exercitos, exporem-se á peste, á fome e á guerra, para tractarem dos doentes e dos feridos, com uma abnegação que o sentimento religioso só póde dar, e que lhe mereceu o respeito e gratidão daquelles heroicos soldados. Comparem-n'o com a solicitude com que os turcos as receberam em Constantinopla dando-lhe o sultão uma subvenção para se estabelecerem nos seus estados. Mas não, não o comparem os Dignos Pares com cousa nenhuma, porque elle é incomparavel.

Sr. Presidente, não é só concorrendo com os outros dois ramos do Poder legislativo, na confecção das Leis que esta Camara póde e deve trabalhar para o progresso e civilisação neste paiz; não é só interpellando os Ministros sobre a gerencia dos negocios publicos; mas é do dever dos poderes constitucionaes esclarecer o publico nos negocios de interesse nacional, por meio de proclamações, conversações dentro das Camaras legislativas, ou outros meios que estejam ao seu alcance, sobre tudo quando em nome da liberdade se querem propalar doutrinas absurdas e anti-sociaes, como por exemplo, que a liberdade é incompativel com as praticas e as doutrinas religiosas.

Sr. Presidente, ha aqui e em toda a Europa, um partido composto de fosseis do seculo dezoito, imbuídos das idéas anacrónicas que precederam a revolução franceza, resistindo cabeçudos á evidencia da philosophia moderna, para quem a liberdade é a irreligião e o dever de todo o liberal, atacar a religião em todas as suas praticas, em todas as suas formas e em todos os seus accessorios.

Sr. Presidente a revolução franceza foi feita pelo espirito irreligioso; a alta sociedade franceza, nos tempos que precederam a revolução, fazia gala de escarnecer os principios religiosos, os philosophos do seculo dezoito acompanhavam as suas utopias politicas com sarcasmos á religião; o espirito de Voltaire reinava no paço de Versailles como entre as classes mais humildes; faziam-se sedições no paço para fazer representar as comedias do Beaumarchais, ao que repugnava a consciencia de Luiz 16, e o bom do Rei tinha que ceder á coterie de seu irmão Carlos 10; foi neste estado de opinião que rebentou a revolução franceza. Mas o que aconteceu á liberdade depois de se ter prostrado diante da Deosa da Razão? Deu-se por muito feliz de vêr a espada e o liberalismo de Napoleão suplantar a espada e o liberalismo da guilhotina: vejam-se ainda hoje em França os effeitos dessa revolução, e a impossibilidade de governar liberalmente com liberdade de imprensa e liberdade de discussão. Mas se olharmos para Inglaterra tambem lá veremos uma revolução, revolução que primeiro mudou a fórma do governo em Inglaterra e depois a dinastia reinante, que tambem levou um Rei ao cadafalso, mas que por esforços successivos e nunca interrompidos creou a ordem de cousas hoje estabelecidas em Inglaterra aonde os principios de liberdade estão em tal applicação pratica que fazem honra ao genero humano. Mas a revolução ingleza foi feita debaixo da pressão de escrupulos religiosos, e o espirito religioso é respeitado em Inglaterra sem interrupção, e defendido por todos os inglezes ciosos das suas liberdades desde esse tempo até hoje como um dos principios da sua liberdade. Essa grande nação a que chamâmos os Estados-Unidos, cujo progresso espanta o mundo, foi fundada por fanáticos religiosos; o seu primeiro governo, ao menos em muitas partes foi o governo religioso: as congregações eram as Igrejas particulares que elles estabeleciam que tinham o governo civil, aonde ainda hoje o espirito religioso é tão dominador, que um operario que se atreva a trabalhar ao domingo perde os freguezes na segunda-feira seguinte, e é nesse paiz que a liberdade não tem regra, é illimitada, aonde só se tem podido pôr em pratica as utopias politicas dos philosophos junto ás praticas do fanatismo exaltado dos camp mectings e dos revivais. E os nossos liberaes cabeçudos teem medo que uma duzia de clerigos, confessores ou capellães da irmãs da caridade, venham destruir a liberdade a Portugal. Pobre liberdade portugueza, se meia duzia de padres lhe podem obstar, se meia duzia de padres fazem tremer pela liberdade os nossos liberaes puritanos.

Mas, Sr. Presidente, o caso é muito serio; o Instituto, que estes jornaes querem desacreditar, é uma das primeiras necessidades do paiz; é a educação das mulheres das classes pobres, que falta absolutamente neste paiz; é a educação da mulher, de que depende em grande parte a educação da familia, e a sociedade compõe-se da reunião das familias. Dar á mulher a instrucção conveniente, a habilidade para o trabalho, e o habito de trabalhar desde os primeiros annos é uma necessidade social em que pensam todos os paizes, e cuja falta se faz sentir, principalmente nas cidades grandes, e nas populações urbanas. O Governo, que tem protegido este estabelecimento nascente, e de primeira necessidade, espero que empregue toda a sua solicitude para lhe dar um desenvolvimento tal que possa desde já principiar uma escóla normal que, dentro em pouco tempo, possa fornecer mestras para todos os estabelecimentos de educação que por ahi ha, e em bem má organisação, mas que se podem tornar grandes estabelecimentos de educação; e póde o Governo acreditar que, dentro em pouco tempo, ha de vêr o estabelecimento tão popular, e tão acreditado, como o quereriam vêr desacreditado os auctores dos artigos a que alludi (apoiados).

O Sr. Marquez de Ficalho expôz que em vista do eloquente e verdadeiramente liberal discurso do Sr. Conde da Taipa, talvez o mais eloquente que lhe tenha ouvido, seria da sua parte atrevimento dizer alguma cousa mais sobre este objecto; mas tem necessidade de fazer uma declaração. Lembra-se de que n'um dos artigos do Portuguez se disse que as irmãs da caridade, francezas, não vieram a Lisboa, na occasião da peste, e que em quanto houve perigo se não appresentaram. Ve-se obrigado a dizer, pedindo desculpa aos Dignos Pares do emprego de tão dura expressão que esta asserção é mentira. Se lhe provarem o contrario, dará as precisas satisfações, tanto naquella casa em qualidade de Par do Reino, e como fóra, na qualidade de homem.

As irmãs da caridade francezas, entraram em sua casa quando sua prosada não estava doente, e seria faltar nesta occasião ao seu dever se não fizesse tão leal declaração. Trataram na com tamanho excesso de carinho e affeição, que só iguaes os póde haver no verdadeiro amor materno!

Quando pois leu o artigo a que se referia fóra sua primeira lembrança querelar do jornal, reunir asna familia, caminharam todos a pé até aos tribunaes, para jurarem no santuario das leis que taes asserções eram uma falsidade. E porque não levara a effeito similhante resolução? Porque se lhe recordou que ellas só queriam neste mundo soffrimento, que só esperam o premio da sua muita virtude da mão de Deos, e não do reconhecimento dos homens. Assim o processo não tem logar, porque ellas entendem que não podem ser processadas neste mundo!

Ainda hoje elle orador leu o ultimo numero do Portuguez a que se alude agora, e verdadeiramente lastima que taes liberaes se mostrem possuídos de um falso medo pela instituição que moralisando a humanidade, e dando tão altos exemplos de amor por ella, não contem em si outros fundamentos que não sejam os dignos de a fazer amar.

Pede desculpa á Camara de se ter occupado deste objecto depois de o ouvir tractado tão competentemente pelo Digno Par o Sr. Conde da Taipa.

O Sr. Marquez de Vallada—Os defensores da verdade registam mais um triumpho do principio santo que defendem no campo da liberdade manejando as armas da justiça.

À provocação grosseira que partiu do campo da calumnia respondeu-se do campo da verdade de maneira tal que os calumniadores mais uma vez foram apresentados ao publico taes quaes são. Os applausos que receberam as palavras dos oradores que me precederam são uma prova da verdade que avanço.

Nada carecia eu de accrescentar ao que tão brilhantemente se expuzera se um dever a que me não é dado faltar me não chamasse tambem á arena do debate, para fazer em pleno senado certas declarações, ás quaes a illustração da Camara dará todo o valor que ellas merecem.

Estou auctorisado pelo Sr. Patriarcha de Lisboa para declarar em seu nome, que as irmãs da caridade, e os padres lazaristas que as acompanham, estão sujeitos á sua jurisdicção, tendo-se já apresentado ao venerando Prelado para na sua presença fazerem acto de submissão, estando apenas sujeitos ao Seu Geral no que toca á sua economia domestica.

O venerando Prelado auctorisou-me para fazer esta declaração se porventura esta questão fosse aqui trazida em occasião que S. Ex.ª Rev.ma não estivesse presente, pois que estando presente elle mesmo a faria.

Fique-se pois sabendo que as prerogativas do Prelado não foram menospresadas, e que a sua auctoridade não foi desacatada.

É pois digno de serio reparo tanto zêlo de certos homens, para que os direitos do episcopado sejam respeitados. Seria peregrino que o nosso Prelado se queixasse de que as suas prerogativas eram desacatadas, pelo simples facto de se fundar entre nós o instituto das irmãs da caridade, quando este instituto floresce em todos os paizes da christandade aonde ha Bispos, sem que nenhum ainda se queixasse de que a sua auctoridade episcopal fosse por esse facto menosprezada.

Estava reservado para o nosso paiz, que uns poucos de escriptores ignorantes viessem deshonrar a imprensa, insultar a respeitabilidade do publico, e affrontar dest'arte todas as Leis do pudor e da decencia, desfigurando os factos, e procurando desvirtuar uma instituição que é o allivio da humanidade e a gloria da religião.

Estava reservada para o nosso paiz esta vergonha, mas diga-se a verdade, e para honra da verdade proclame-se bem alto desta tribuna: este systema de insulto grosseiro, de calumnia atroz e desabrida, esse systema de combater com uma lingoagem torpe e indecente, não é a partilha de um partido mas sim de uns poucos de homens desvairados, que se chamam falsamente progressistas e liberaes, e que attentam constantemente contra a liberdade, e sobre tudo contra a mais santa, a mais preciosa das liberdades—a liberdade religiosa.

Os amigos da imprensa, para honra dessa instituição, repelliram o insulto que se faz com taes artigos, e tão indecentes, á santidade da instituição. Os nobres Pares que me precederam desaffrontaram a verdade com enthusiasmo, e combateram o erro com valentia—honra lhes seja.

Sei que os Srs. Ministros teem mostrado os melhores desejos para que este instituto floresça entre nós; louvo-os disso, e peço-lhes que continuem nesta parte a trilhar o mesmo caminho que encetaram, para honra sua e do paiz; mas peço ao Sr. Ministro do Reino que mande examinar se por ventura são verdadeiras as accusações contidas no Jornal O Portuguez, contra as irmãs da caridade, que estão á testa do asylo da Ajuda, porque eu hei de pedir a SS. Ex.ª, que declarem em pleno Parlamento o que ha a este respeito, para honra da verdade, para confusão da calumnia, e para desengano de todos.

O Sr. Conde do Sobral não póde juntar uma palavra mais ao elogio das irmãs de caridade, porque os tres Dignos Pares que o precederam o fizeram com tanta verdade e tão bem, que não lhe resta mais a accrescentar. Uma vez, porém, que se fallou neste objecto, precisa explicar á Camara uma sua declaração, que no dia seguinte tinha de apparecer nos periodicos, explicação que servirá de evitar que se diga foi suscitada pela presente discussão.

Tendo-lhe dito alguem, ser voz geral que elle orador tinha grande influencia nos artigos que se publicavam no Portuguez, dirigira uma carta ao redactor, narrando-lhe tal voz, e pedindo-lhe que no jornal seguinte apresentasse a prova da falsidade de tal dito. Se lhe tivesse constado, no caso de influir, que similhante artigo se publicaria no jornal de domingo, fallando em termos tão improprios, calumniosos e indecentes rias irmãs da caridade francezas, teria feito por obstar a similhante publicação, não influindo porém naquelle periodico, e tendo lido tão improprio contexto de falsidades, fechára aquelle numero na sua gaveta com receio de que o vissem as senhoras de sua casa.

O Sr. Conde da Ponte expõe que na occasião em que appareceram alguns artigos menos verdadeiros em relação ao estabelecimento de Ajuda, a direcção de que elle Digno Par tem a honra de ser secretario, se reuniu e decidiu, que em vista da ignobilidade do facto, era mais honesto não responder aos folicularios, e patentear aquelle estabelecimento a todas as pessoas que o quizessem vêr e examinar, o que póde ter logar durante certas horas do dia. Effectivamente ainda ninguem foi vêr aquelle estabelecimento que não encontrasse alli o maior aceio e a melhor ordem; e está convencido elle orador, que as pessoas que escrevem e dizem mal daquelle estabelecimento são as que não teem ido visital-o, nem querem lá ir.

Refere o mesmo orador que alguem o aconselhara a enviar bilhete a essas pessoas para procederem em conformidade com uma conscienciosa inspecção occular; porém da sua parte não concordara com esse conselho, não só pela idéa de que seria rebaixar a dignidade de uma consciencia forte de que se ha procedido com caridade para com os infelizes que tristes circumstancias levaram a serem recolhidos, mas igualmente porque do facto do convite adduziriam mal intencionados que se prevenira propositadamente a sua visita, quando os intentos são franquear o estabelecimento a todos que o desejem visitar (apoiados). Por isso espera que em um dos seguintes dias appareça nos jornaes o aviso da direcção, designando para esse fim só dois ou tres dias da semana, e hora determinada, por não ser possivel, segundo as melhores indicações disciplinares, que um estabelecimento de educação se franqueie todos os dias e a todas as horas a qualquer pessoa que se apresente.

Passando a fallar dos 300$000 réis com que se dão dotadas as irmãs da caridade, dirá que a verba foi avultada; o que ellas percebem são 300 francos, ou 4$500 réis mensaes. Ha na Ajuda nove irmãs da caridade, seis francezas e tres portuguezas; ha igualmente um excessivo numero de orphãos assim distribuidos: no da Ajuda, 170; na rua de S. José, 20; no collegio do