O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1088

1088

CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

SESSÃO DE 25 DE ABRIL DE 1865

PRESIDENCIA DO EX.MO SR. CONDE DE CASTRO

VICE-PRESIDENTE

Secretarios, os dignos pares

Conde de Peniche

Mello e Carvalho

As tres horas e um quarto da tarde o sr. secretario conde de Peniche procedeu á chamada, e verificou a presença de 47 dignos pares.

O sr. Presidente: — Convido o digno par o sr. Mello e Carvalho a vir occupar o logar de secretario.

Está aberta a sessão.

(Assistia o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, marquez de Sá da Bandeira.)

Lida a acta da precedente sessão, julgou-se approvada na conformidade do regimento, por não haver observação em contrario.

Deu-se conta da seguinte correspondencia.

Um officio do ministerio da fazenda, remettendo, para serem distribuidos pelos dignos pares, sessenta exemplares do relatorio d'este ministerio, e respectivos documentos apresentados ás côrtes na actual sessão legislativa.

Dito do ministerio do reino, participando, para conhecimento da camara dos dignos pares, que no dia 29 de abril corrente, pela uma hora da tarde, haverá recepção em grande gala no real paço da Ajuda, por ser a anniversario da outorga da carta constitucional da monarchia.

Dito do secretario da academia real das sciencias, enviando oitenta bilhetes para a sessão solemne da mesma academia, no dia 30 do corrente, a fim de serem distribuidos pelos dignos pares. '

Dito da camara dos senhores deputados, enviando á camara dos dignos pares a proposição para ser auctorisada a camara municipal do Porto a contrahir um emprestimo de 300:000$000 réis, com applicação a diversas obras de interesse publico.

(Este officio foi remettido á commissão de administração publica.)

O sr. Presidente: — Antes de entrar na ordem do dia vae ler-se um officio que se acha sobre a mesa, assignado pelos dignos pares os srs. marquez de Niza e Rebello da Silva.

SS. ex.as depois dos sacrificios que têem feito para adiantar as obras da casa, resolveram pedir a sua escusa.

Vae ler-se este officio e a camara verá se ha motivos para 'se dar esta escusa aos illustres membros da commissão, ou se ss. ex.ªs devem continuar com o mesmo zêlo que até aqui têem empregado (apoiados).

Leu-se na mesa o officio.

O sr. Marquez de Vallada: — Pedira a palavra para observar que ha pendente uma discussão muito importante, e por isso a respeito do objecto a que se reportava o sr. presidente poucas palavras diria. Encontrava inconveniente em se conceder a escusa pedida; e se porventura os signatarios do officio insistirem n'ella, terá então de fazer uma proposta para que o ministerio das obras publicas seja encarregado de concluir as obras da sala da camara. Esta não faz obras. Os dignos pares do reino pronunciam discursos, juntam-se nas commissões, deliberam e consideram, mas como quer que fosse, tendo-se assim deliberado, a commissão foi nomeada para se encarregar d'esta tarefa espinhosa, de certo nas circumstancias actuaes, e no caso de que, de fórma alguma os alludidos cavalheiros não queiram ceder a este pedido, então, e talvez fosse o que se devera ter feito no principio, então peça-se ao ministerio das obras publicas que tome conta das obras.

Até mesmo presume o orador que ha um negocio, a respeito do qual não ha decisão. Trata da compra de uma propriedade do finado digno par, o sr. Faustino da Gama, e com aquella franqueza com que elle, orador, sempre falla, dirá que não ha precisão nenhuma da camara ter um parque. A idéa de um parque presuppõe a necessidade de jardineiros, guardas, emfim despezas sem as quaes se póde perfeitamente passar. O que se precisa é a conclusão da

Página 1089

1089

sala das sessões, e isto foi o que já se resolveu. N'este ponto alludiu o orador ao que se passou na sessão em que tal assumpto veiu á téla da discussão.

Junta seus votos aos que não podem deixar de dar os seus collegas para que os dignos pares, marquez de Niza e Rebello da Silva, desistam da demissão que apresentaram de membros da commissão executiva d'estas obras.

O sr. Braamcamp: — Sr. presidente, eu pedi a palavra para fazer de viva voz igual pedido ao que por escripto acabam de fazer os dignos pares Rebello da Silva e marquez de Niza. Eu desejo tambem pedir a minha exoneração de membro da commissão que foi nomeada por esta camara para dirigir as obras da sala das nossas sessões. Nada tenho a acrescentar á declaração que, com tanta lealdade, fizeram na ultima sessão os dignos pares signatarios d'aquelle requerimento, em referencia ao meu proceder no seio da mesma commissão. Ss. ex.ªs declararam que eu sempre pugnei pela limitação da despeza. Em vista d'isto e das occorrencias que tiveram logar, eu peço a minha exoneração.

O sr. Presidente: — Eu creio que não me expliquei bem; trata-se unicamente de ver se a camara ha de ou não aceitar a exoneração d'estes cavalheiros. O digno par marquez de Vallada entendeu que se deve fazer toda a diligencia para convencer os dignos pares marquez de Niza e Rebello da Silva para continuarem na commissão. Se a camara é d'esta mesma opinião tenha a bondade de o manifestar. Estes dignos e benemeritos cavalheiros são merecedores de todo o louvor pelo bom desempenho do negocio de que foram encarregados, fazendo sacrificios pelo espaço de seis mezes de inverno para presidirem á direcção dos trabalhos, a fim de levarem as obras ao ponto em que ellas se acham hoje. Por consequencia os dignos pares que são da opinião do digno par o sr. marquez de Vallada, isto é, que se não conceda a exoneração, tenham a bondade de se levantar.

Não foi aceita a exoneração.

O sr. Baldy: — Sr. presidente, na ante-penultima sessão pedi a palavra para rogar perante a camara ao digno par o sr. Rebello da Silva, me permitisse assignar o requerimento, que s. ex.ª e p digno par o sr. marquez de Niza, que não estava presente, faziam á camara, pedindo que os exonerasse da commissão de que faziam parte, encarregada de dirigir as obras da construcção da sala para as nossas sessões. Por motivos bem conhecidos fechou-se a sessão, pelo que não pude ir avante em meu proposito, nem agora posso depois da votação de hoje proceder por aquelle modo; mas a V. ex.ª e á camara peço me exonerem de vogal daquella commissão, porque ha incompatibilidade; eu não posso estar em Lisboa e Vizeu ao mesmo tempo.

No principio de agosto do anno passado fui para Vizeu, voltei á capital em novembro, terei este anno de voltar para Vizeu por ser commandante da 2.ª divisão militar; como posso n'estas circumstancias pertencer a uma commissão que, a meu ver, é conveniente permaneça em Lisboa?

Não é minha intenção com o que tenho dito, arredar de mim a responsabilidade que me pertence pelo que tenho feito; porque se não dei parecer nem conselho sobre tudo que se fez emquanto estive ausento, tudo approvei depois de haver chegado á capital; e pausadamente sem a menor reserva aceito pelas obras feitas toda a responsabilidade que possa caber aos meus collegas na commissão, os dignos pares os srs. marquez de Niza e Rebello da Silva.

(Entrou o sr. ministro das obras publicas.)

O sr. Braamcamp: — Sr. presidente, eu insisto n'este meu pedido, não porque queira por fórma alguma levantar amais leve idéa de censura aos membros da commissão executiva. Antes me comprazo em declarar que não seria possivel haver maior dedicação nem empregar-se maiores esforços do que têem sido empregados por ss. ex.ªs

No entanto, entendo que sendo esta commissão excepcional, e nem sequer daquellas especiaes de que o nosso regimento falla, não póde haver direito para me obrigar a esse encargo; e por consequencia pedia a V. ex.ª que submettesse á decisão da camara o meu requerimento.

O sr. Conde de Thomar (sobre a ordem): — Sr. presidente, a camara acaba de tomar uma resolução ácerca do pedido que por escripto deram dois dignos membros da commissão, e eu pedia agora a V. ex.ª que consultasse a camara sobre a resolução que toma a respeito do pedido dos dignos pares os srs. Braamcamp e Baldy.

Consultada a camara, decidiu da mesma fórma que antecedentemente.

O sr. Presidente: — Passâmos á

ORDEM DO DIA

continuação da discussão do parecer n.° 6 da commissão especial, relativamente as manifestações militares E concessão da medalha ao general lobo d’avila

O sr. Presidente do Conselho e Ministro da Guerra (Marquez de Sá de Bandeira) (sobre a ordem): — Sr. presidente, parece-me que esta questão terminará depois da leitura d'esta portaria.

Leu e é do teor seguinte:

«Mando Sua Magestade, El-Rei, pela secretaria d'estado dos negocios da guerra, communicar ao supremo conselho de justiça militar, que ficam de nenhum effeito, as disposições contidas na portaria, que em data de 28 de outubro ultimo lhe foi expedida, explicando o § 5.° do artigo 4.° do decreto de 2 de outubro de 1863, com respeito á contagem do tempo de serviço sem nota, exigido para a concessão da medalha militar; devendo em consequencia ser dado pleno cumprimento e. liberal execução ao que dispõe o § supracitado.

Paço, em 22 de abril de 1865. = Marquez de Sá da Bandeira.

O sr. Presidente: — Fica sobre a mesa.

O sr. Conde de Thomar: — Sr. presidente, as doutrinas e os principios que desenvolveu o nobre ministro da guerra, na ultima vez que fallou sobre este objecto, estão perfeitamente de accordo com as doutrinas e principios que se acham exarados no parecer da commissão, mas s. ex.ª disse que não obstante serem essas as suas doutrinas, entendia que algumas pessoas julgavam na melhor boa fé sobre este ponto que elle não era assás claro, e suppunham assim muito necessario que uma lei regulasse esta materia devidamente. Foi seguramente para se conseguir esse fim que s. ex.ª mandou para a mesa a sua proposta, convidando a commissão a apresentar um projecto de lei n'este sentido. Ora, concordo com o nobre presidente do conselho em que é conveniente, para resolver quaesquer duvidas que possam apparecer sobre este objecto, que uma lei regule esta materia; mas não posso concordar em que seja a commissão que deva apresentar esse projecto porque este deve ter a sua origem no governo (apoiados). É um objecto puramente militar, e para elle é muito competente o nobre ministro da guerra. Se essa lei, apresentada por s. ex.ª, vier em conformidade com as doutrinas que s. ex.ª aqui apontou no seu discurso, deve ter o assentimento geral da camara.

N'estes termos pois devo declarar á camara que não posso approvar a proposta que convidou a commissão a apresentar este projecto, e desejo que o sr. ministro da guerra o apresente (apoiados).

Quanto á segunda parte, postas as cousas no antigo estado, em virtude da portaria que acaba de ser lida, não ha logar para continuarmos a discutir, e o que devemos unicamente é votar o parecer da commissão (apoiados).

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, eu desejava saber quaes são os oradores que ha já inscriptos.

(Entraram os srs. ministros do reino e da fazenda.)

O sr. Presidente: — Não ha ninguem inscripto.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, parece-me que se acha inscripto o digno par marquez de Vallada e eu.

O sr. Presidente: — Relativamente ao dia de hoje não ha mais ninguem; agora em relação á ultima sessão póde ser.

O sr. Silva Cabral: — Sr. presidente, o digno par marquez de Vallada já lhe coube duas vezes a palavra, e se ainda não fallou foi porque desejava que este negocio fosse tratado na presença do sr. duque de Loulé, então presidente do conselho. Já se vê que se alguem tem a palavra é o digno par o sr. marquez de Vallada, a quem pertence de jure proprio.

O sr. Presidente: — Parece-me que seria mais regular fazer-se uma nova inscripção.

O sr. Moraes Carvalho: — Sr. presidente, o parecer estava dado anteriormente para ordem do dia, e tinha pedido a palavra o digno par marquez de Vallada, e eu depois d'elle; s. ex.ª porém não quiz usar d'ella na ausencia do sr. presidente do conselho. Foi s. ex.ª convidado para vir aqui; e a camara decidiu que sem a sua comparencia não começasse a discussão. Por consequencia os termos a seguir é dar-se a palavra ao digno par marquez de Vallada e depois a mim. Na mesa devem existir esses apontamentos. Pela minha parte declaro que não cedo da palavra e, se é necessario, a peço de novo.

O sr. Presidente — Não estão bem claros os apontamentos.

O sr. Moraes Carvalho: — Pois eu peço a palavra em todo o caso.

Eu, sr. presidente, não quero de fórma alguma tirar a palavra ao sr. marquez de Vallada, que primeiro estava inscripto.

O sr. Presidente: — Visto o sr. marquez de Vallada não impugnar tem a palavra o digno par, o sr. Moraes Carvalho.

O sr. Moraes Carvalho: — N'esse caso usarei da palavra, e a camara verá que eu não podia deixar de usar d'ella.

Sr. presidente, quando n'esta camara se discutiu a moção do digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, materia identica áquella que agora nos occupa, eu tive a honra de entrar nessa discussão, mas infelizmente algumas das minhas palavras, talvez por mal enunciadas, foram mal entendidas; e um digno par que se me seguiu na tribuna, o sr. Ferrão, tratou-me com bastante acrimonia, solicitando-me a dar explicações; repto que aceitei n'essa mesma occasião pedindo a palavra. Um outro digno par, o sr. conde d’Avila, mandando para a mesa a sua proposta, que deu origem ao parecer que esta em discussão, entendeu igualmente que eu devia explicar as minhas palavras. Houve porém' uma grande differença na maneira por que me trataram estes dois cavalheiros; o segundo, interpretando favoravelmente as minhas phrases, me tratou com toda a civilidade; o primeiro, sinto d'alma dize-lo, interpretando-as sinistramente, tratou-me com toda a severidade, chegando a dizer, que o meu discurso tinha sido um sophysma continuado, e que isso era devido a eu sustentar uma causa manifestamente injusta, contra os dictames do meu coração e da minha rasão; que s. ex.ª, sr. presidente, combatesse as minhas asserções, que demonstrasse os meus erros e que me esmagasse debaixo do peso da sua dialéctica, estava no seu direito, nada mais natural e mais louvavel; mas que s. ex.ª quizesse profundar o intimo da minha consciencia e devassar, as minhas intenções, é direito que Deus reservou para si, e não concedeu ao misero mortal.

Sr. presidente, vinte e cinco annos da minha vida foram dados ao exercicio da nobre profissão de advogado, e nunca me encarreguei de uma causa, sem que um exame previo me fizesse persuadir que ella era justa e se documentos posteriores vinham convencer-me de que me tinha illudido, logo a abandonava; não era portanto agora, no ultimo quartel da vida, e no seio do parlamento, que deslisando do trilho sempre seguido, eu havia de vir defender uma causa injusta contra os dictames da minha consciencia. Já vê a. camara, que eu tinha necessidade de me explicar; vou portanto dar as explicações pedidas, o que farei no decurso das considerações que vou formular sobre o parecer que se acha em discussão.

Sr. presidente, tres pontos examinou a illustre commissão, e das premissas que estabeleceu tirou tres conclusões: a primeira é que as manifestações militares collectivas não podem ser admittidas, segundo o espirito da legislação patria e das nações cultas; a segunda é que a concessão da medalha de comportamento exemplar ao' general o sr. Lobo d'Avila feriu os decretos de 2 de outubro de 1863 e 22 de agosto de 1864; e a terceira consiste em dizer, que um decreto só por outro decreto se póde revogar, e que o segundo deve vir acompanhado das mesmas solemnidades do primeiro. Passarei agora a fazer algumas considerações sobre este ponto: diz em primeiro logar a commissão, que as manifestações collectivas dos militares são vedadas ao exercito, e que não devem ser consentidas; mas nota-se logo uma circumstancia bem digna de menção; os dignos pares que fizeram acres accusações ao sr. general Passos por não ter reprimido e castigado essas manifestações, todos elles se referiram á ordem do dia de 26 de julho de 1811, á de 15 de maio de 1841, e ao decreto de 30 de setembro de 1856, e ahi é que elles foram buscar a base para a sua argumentação; mas a commissão começa por dizer que prescinde de apreciar esses documentos, porque os julga ociosos; se elles estabelecessem uma base da qual o commissão podesse tirar a desejada conclusão, não havia prescindir d'elles; e a commissão, composta de homens habilitadissimos e cujos conhecimentos todos reconhecem, não havia prescindir de fórma nenhuma d'esses documentos se n'elles encontrasse disposição clara applicavel ao caso; mas, pelo contrario, ella taxou-os de ociosos e não os apreciou; não me cumpre por consequencia hoje occupar-me de um objecto de que a commissão não se quiz occupar, e tratarei unicamente dos fundamentos que ella apresentou.

Diz ella, sr. presidente, que as legislações das nações civilisadas, principalmente da Inglaterra, Belgica, Prussia e Hespanha, apresentam como principio de disciplina a prohibição das manifestações collectivas.

Sr. presidente, se a commissão tratasse uma questão de jure constituendo eu achava muito justo o appello ás legislações estrangeiras, mas como estamos tratando uma questão de jure constituto não posso approvar similhante proceder. Sr. presidente, a carta constitucional, tratando dos direitos civis e politicos dos cidadãos portuguezes, no artigo 145.°, § 1.°, estabelece que nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer ou deixar de fazer cousa alguma senão em virtude da lei. No § 10.° do mesmo artigo diz que ninguem poderá ser sentenciado senão em virtude de uma lei anterior; e o codigo penal, no artigo 5.º, diz: «Nenhum facto, ou consista em acção ou em omissão, póde julgar-se criminoso, sem que uma lei anterior o qualifique como tal». E no artigo 16.°, fallando positivamente dos crimes militares, diz: «São crimes militares os factos que offendem directamente a disciplina do exercito ou da marinha, e que a lei militar qualifica e manda punir como violação do dever militar, etc...»

O sr. Ferrão: — Peço a palavra.

Ora, sr. presidente, perguntarei eu que lei é esta de que falla a carta constitucional e o codigo penal? É uma lei feita com o concurso dos dois ramos do poder legislativo, e sanccionada pelo monarcha; é uma lei patria, e este requesito não têem as legislações das nações estrangeiras. Alem d'isto, a carta de lei de 9 de outubro de 1841, diz que as leis não podem ter execução sem que sejam publicadas na folha official, e só passados tres dias na côrte e quinze nos outros pontos do reino é que póde ter força e execução; ora, perguntarei eu, quando é que essas legislações das nações cultas foram publicadas entre nós? Ainda mais, o regulamento do supremo conselho de justiça militar, no seu artigo 11.0, impõe ao juiz relator referir a lei que se deve applicar á especie. Eu sinto não ver presente o illustre magistrado que exerce essas funcções «aquelle tribunal, porque lhe queria perguntar se algum dia citou uma lei estrangeira para por ella ser punido um cidadão portuguez e portanto permitta a illustre commissão que eu não possa admittir o appello que fez para a legislação das nações cultas e civilisadas, que só é admissivel numa questão de jure constituendo, para a qual vejo inclinados os animos, segundo o que ha pouco disse o sr. conde do Thomar.

Sr. presidente, a illustre commissão não se esqueceu de soccorrer-se ao artigo 115.° da carta constitucional, que diz: «A força militar é essencialmente obediente», faltou-lhe unicamente demonstrar que as felicitações dos militares, dirigidas aos seus superiores, eram um acto de desobediencia. Mas ainda ha outra circumstancia, sr. presidente," é que este artigo estabelece um preceito geral, que só podia ser applicado depois de regulamentado por meio de uma lei; e não se diga que isto é um expediente de argumentação, é um preceito da mesma carta; porque a illustre commissão, pouco abaixo do artigo 115.°, podia encontrar o artigo 117.°, que diz: «Uma ordenança especial, regulará a organisação do exercito, suas promoções, soldos e disciplina, assim como da força naval».

Se pois uma ordenança especial era necessaria para regular a disciplina do exercito, n'ella é que se devem determinar todos os casos e assim se fez, pois que a lei de 14 de julho de 1856 auctorisou o governo a fazer o regulamento disciplinar, e elle appareceu em decreto de 30 de setembro do mesmo anno; n'elle vem mencionados os casos em que deve recaír penalidade, e ahi n'um capitulo que trata das transgressões de disciplina, vejo que se condemnam facto de um inferior, dizer mal do seu superior, mas não vejo condemnado, o facto de um inferior dizer bem do seu superior nem isso se pode concluir por analogia.

Sr. presidente, a illustre commissão numa phrase concisa e eloquente, diz que a letra não mata o espirito; pa-

Página 1090

1090

rece-me ver n'isto uma confissão de que não ha letra expressa que prohiba taes manifestações, porque se a houvesse, a commissão de certo não recorreria a este argumento, pois é principio por todos sabido e reconhecido que as leis criminaes, aquellas em que se impõe penas, não podem ter uma interpretação ampliativa. Isto, sr. presidente, tambem não é materia nova, é principio juridico da velha e nova monarchia. O tribunal que tinha a seu cargo a interpretação das leis disse, no assento de 14 de maio de 1754, o seguinte: «Se assentou que a lei, como era penal, se não podia estender a caso não comprehendido na sua prohibição»; e no assento de 8 de agosto de 1758 disse: «Por ser outrosim o negocio de materia penal que não admitte por direito extensão».

Já se vê por consequencia que em materia penal não póde haver argumentos de analogia, mas isto que estava na legislação antiga tambem existe na moderna. O codigo penal no artigo 18.° diz: «Não é admissivel a analogia ou inducção por paridade, ou maioria de rasão para qualificar qualquer facto como crime».

A vista d'isto eu não posso de fórma alguma compartilhar a opinião da illustre commissão, dizendo que a letra não mata o espirito, quero dizer que não admitto em materia penal ampliação alguma da lei, nem o regulamento disciplinar fundamenta o argumento de analogia.

Porém, acrescentou-se e formou-se o argumento de que os elogios muitas vezes se convertem em vituperios, e que as manifestações militares ainda que pareçam muito simples, podem dar muitas vezes logar a abusos. N'este ponto estou de accordo com a illustre commissão; porém, a minha questão é se as manifestações estão prohibidas: eu entendo que o não estão, mas tambem entendo que o devem ser, e para esse fim conte a commissão e a camara com o meu fraco apoio.

Porém, sr. presidente, o remedio que se apresenta n'este parecer, isto é, o estabelecimento do principio que a illustre commissão propõe é insufficiente e inefficaz para o fim que se pretende. É insufficiente, sr. presidente, porque a nobre commissão se referiu unicamente ás manifestações collectivas dos militares; e perguntarei eu, não se dará o mesmo perigo nas manifestações singulares? Será mais perigoso para a tranquillidade publica uma manifestação collectiva assignada por cem militares, do que sem manifestações singulares assignadas pelos mesmos cem militares? (Apoiados.) Não serão as consequencias as mesmas? De certo que o são.

Por conseguinte se querem chegar a um mesmo fim, é necessario prohibir todas as manifestações quer ellas sejam collectivas quer singulares, exceptuando só aquellas que disserem respeito a direitos ou interesses do requerente.

Demonstrarei agora que o meio é inefficaz.

Supponhamos que o principio estabelecido pela illustre commissão é approvado por poucos, por muitos votos, ou por unanimidade da camara, áparte a respeitabilidade dos membros da commissão que assignaram o parecer, e dos dignos pares que votarem por elle, o que se terá conseguido? Teremos estabelecida uma these, um principio didáctico, um principio doutrinal; mas um principio sem força coerciva, um principio que a ninguem obriga. Se se quer portanto o fim, empreguem-se os meios, e os meios é estabelecer o principio por meio de uma lei.

Sr. presidente, a rasão do homem, quando não é convencida com argumentos, de ordinario não se avassalla com votos; mas a rasão do cidadão subjeita-se á lei, e a isso nos conduz um dilema ou não temos lei sobre o objecto ou a temos; se a não temos é necessario que se faça, e se a temos, é ella tão pouco clara, que o illustre presidente do conselho, no gabinete transacto, estava em desharmonia com O seu collega, o sr. marquez de Sá, o qual com toda a franqueza que o distingue, disse que entrava no ministerio sustentando as suas doutrinas, que, segundo a sua opinião, as manifestações collectivas dos militares eram prohibidas pela lei; mas que reconhecia que esta não era clara, e que isso justificava a opinião dos que sustentavam o contrario; havendo pois necessidade de uma interpretação authentica, esta só se póde fazer por meio de uma lei.

O sr. conde de Thomar disse ha pouco que rejeitava a proposta do illustre ministro da guerra para a commissão apresentar um projecto de lei n'esse sentido; a meu ver o voto de s. ex.ª é justo, porque o sr. marquez de Sá, que tem na sua mão a iniciativa que a carta lhe confere, não carece que a commissão formule uma proposta; e por consequencia o sr. conde de Thomar fez muito bem em declinar em nome da commissão esse encargo. Ora, se ha divergencia de opiniões, é necessario evidentemente formular uma lei que interprete bem este ponto.

Sr. presidente, devo dizer que entendo que a illustre commissão encarou a questão como de jure constituto, e n'este sentido formulou a sua conclusão. Quando se encetou esta questão o sr. Sebastião José de Carvalho entendeu-o da mesma fórma; mas o sr. duque de Loulé entendeu-o de modo differente. As palavras da commissão não são bem' explicitas, e não dizem com clareza se estabelecem o principio da inhibição como direito constituido ou como direito a constituir. Se o estabeleceu como adoptavel para constituir direito, não tenho duvida em approvar o parecer da commissão n'esta parte; se o estabeleceu considerando que era direito constituido, então não a posso acompanhar.

Passando agora ao segundo ponto, diz a commissão: «A proposta e a concessão da medalha de comportamento exemplar, concedida ao general o sr. Lobo d'Avila, feriu os decretos de 2 de outubro de 1863 e de 22 de agosto de 1864».

Sr. presidente, n'esta parte fui increpado pelo digno par o sr. Ferrão, porque eu, segundo s. ex.ª, tinha defendido uma causa que não era justa! As arguições de s. ex.ª responde a illustre commissão; é ella, não sou eu, que responde ao digno par. A illustre commissão veiu justificar o meu procedimento n'esta defeza, como eu vou demonstrar.

Sr. presidente, eis-aqui as palavras com que eu abri o meu primeiro discurso (leu). Eis-aqui esta, sr. presidente, o que baseou as minhas reflexões; foram os documentos que me forneceram o sr. ex-ministro da guerra e o sr. Sebastião José de Carvalho; eram os mesmos em que se fundou o supremo conselho de justiça militar para formular a consulta favoravel á concessão da medalha de comportamento exemplar ao referido general; eram portanto documentos que baseavam uma justa' defeza. Os documentos que fallavam na prisão do general vieram á camara posteriormente. O primeiro que appareceu citou o digno par o sr. Sebastião José de Carvalho quando estava a responder-me, e no meio do seu discurso disse s. ex.ª que n'aquelle momento recebêra da mesa o documento que fallava da prisão do general Lobo d'Avila.

Sr. presidente, como podia eu apreciar documentos, de que não tinha noticia, documentos que até então não tinham sido presentes á camara, e que tambem não tinham sido presentes ao supremo conselho de justiça militar? Se este julgou justo conceder aquella medalha que o governo concedeu, a medalha de prata, de comportamento exemplar, e eu defendi a justiça do comportamento do governo guiando-me unicamente por esses documentos que tinham sido presentes ao supremo conselho de justiça militar, seria isso motivo para ser arguido pelo digno par de que defendi uma causa manifestamente injusta? Podia eu apreciar os documentos que vieram depois á discussão? Poderá, porém, perguntar-me alguem: — á vista d'esses documentos, agora qual é a sua opinião? Eu respondo em duas palavras. Como nunca fui advogado de causas injustas; e como agora apparecem documentos que provam que com effeito os primeiros não eram a expressão da verdade em toda a sua pureza, eu associo-me ao parecer da illustre commissão.

Sr. presidente, o digno par, o sr. Sebastião José de Carvalho, que não sei se esta presente, mas como não vou dizer nada offensivo a s. ex.ª posso continuar, s. ex.ª apostrophou os pares que tinham tomado parte na defeza do ex-ministro da guerra, o sr. general Passos, de alguma fórma estranhou o seu silencio, e desafiou-os para entrar no combate, esquecendo-se que eu n'essa occasião me achava já inscripto, e que s. ex.ª estava embargando a voz de todos com os seus pedidos de palavra sobre a ordem sem deixar fallar aquelles que a tinham sobre a materia; mas o digno par cheio de orgulho exclamou: — «Venham ver, esses dignos pares, o parecer da illustre commissão, na qual acharão a apotheose de todas as minhas doutrinas, a rectificação de todos os meus argumentos, e a condemnação de todos aquelles que elles tinham estabelecido».

Doce illusão, sr. presidente, de uma alma juvenil, de uma alma esperançosa e enthusiastica! S. ex.ª com o fito na gloria não viu senão o louvor n'aquillo mesmo onde estava a censura.

Sr. presidente, tendo eu dito no meu primeiro discurso que a portaria de 28 de outubro de 1864 não tinha referencia alguma ao facto da concessão da medalha, respondeu-me o sr. Sebastião José de Carvalho n'estes termos: que o digno par perguntara tambem que tinha com a questão a portaria de 28 de outubro de 1864? Cabia-lhe responder que tinha muito e que o provava, note bem, com o documento que acaba de receber da mesa, e no qual se lia a nota da prisão do general Lobo d'Avila em nota que o inhibia de ser condecorado com a medalha militar, se a disposição do regulamento de 22 de agosto de 1864 não tivesse sido revogada pela citada portaria.

Eis-aqui um dos seus argumentos. Não sou eu que respondo a s. ex.ª, é a illustre commissão, nada menos que em dois trechos; em um refere-se á portaria e diz: não parece á commissão que fosse dictada (a portaria) para o caso particular do general proposto, como mostrará com os factos. Mais abaixo diz: de todos estes documentos colhe-se com evidencia que durando a prisão do general Lobo d'Avila dezoito dias continuos... nem o § unico do decreto de 2 de outubro, nem a portaria de 28 de outubro permittiam que elle fosse proposto para a medalha de comportamento exemplar e condecorado com ella; porque o primeiro exclue-o expressamente e a segunda não lhe é applicavel.

Eu havia sustentado que não me parecia haver na portaria allusão ao facto, o sr. Sebastião José de Carvalho insistiu que sim, a illustre commissão é quem responde a s. ex.ª não sou eu.

Emquanto ao segundo ponto, estou portanto de accordo com o parecer da illustre commissão e com a conclusão que ella tirou fundada nos novos documentos que appareceram. Passarei ao terceiro ponto.

Sr. presidente, um decreto, diz a illustre commissão, só deve ser revogado por outro decreto, passando o segundo pelas mesmas formalidades que o primeiro, isto é, com o mesmo numero de assignaturas.

Sr. presidente, quando pela primeira vez fallei, disse eu, e repito hoje, que para a responsabilidade dos ministros,! pelos actos que praticam, pouco importa que assignem um decreto ou uma portaria, pois que a responsabilidade é sempre a mesma. Eu referi-me a um artigo da carta que diz que a ordem do rei seja verbal ou escripta, não inhibe os ministros d'essa responsabilidade. Acrescentei mais, que a questão da portaria revogar o decreto, havendo immensos precedentes, era para mim uma questão de menor valia nas actuaes circumstancias; para mim a questão principal, era a do motivo que se dava a esse facto, era a da moralidade. Se a portaria tivesse tido por motivo os desejos do ministro favorecer um amigo, affrontando a opinião publica e calcando aos pés a moralidade, este procedimento seria indigno, esta é que era a grave accusação, esta era para mim a ponderosa e principal questão, tambem disse que muitas vezes se tinham revogado por portarias decretos e até leis; mas o que ninguem me ouviu dizer foi que este facto fosse regular; entretanto como tenho de fazer algumas considerações a este respeito, para que ninguem interprete as minhas palavras n'um sentido diverso daquelle que eu quero fazer significar, vou assentar primeiro quaes são os meus principios a respeito d'esta questão. Em pouco divirjo dos que a illustre commissão apresentou.

Sr. presidente, eu quando mencionei a opinião de Borges Carneiro, não digo bem, quando me referi a Borges Carneiro/ não mencionando a sua opinião, mas dizendo que elle já constatava a existencia de portarias e avisos estabelecendo regras geraes, revogando decretos e leis, lembra-me ter dito que a doutrina de portarias revogar leis era um paradoxo. Tambem, se bem me recordo, porque não estive presente nessa sessão, o sr. Rebello da Silva confirmou a mesma ousa. (Interrupção do sr. Rebello da Silva que se não ouvi). Aceito o testemunho do digno par, pois eu não estive presente n'essa sessão. Agora acrescentarei que revogar uma lei por uma portaria é uma inconstitucionalidade e um crime. É uma inconstitucionalidade, porque é a invasão do poder executivo nas attribuições do poder legislativo, e é um crime, porque como tal esta determinado no codigo penal no artigo 301.° Revogar um decreto por uma portaria é um acto irregular, e póde-se dizer mesmo que é um acto de menos consideração para com o monarcha; mas não existe a invasão do podér executivo nas attribuições do poder legislativo, não existe a criminalidade, porque não ha nenhum artigo do codigo que crimine o facto. Direi tambem que não só um decreto póde ser revogado por outro, como muitas vezes se tem feito, mas tambem por uma lei. A lei tem mais força que um decreto, temos muitos factos d'estes na nossa legislação.

Portarias podem ser revogadas por outras portarias, e até por decretos e por leis, até mesmo indirectamente quando n'elles ou n'ellas se estabelecem doutrina contraria á das portarias. Assentadas estas bases, farei agora as poucas considerações que tenho a fazer.

Sr. presidente, a differença que acabo de estabelecer, entre a revogação de leis, e a revogação de decretos por portarias, acha-se nos nossos escriptores, e mesmo Borges Carneiro, que no fim da nota do § 6.°, termina dizendo: «Comtudo muitas vezes n'isto se procedeu mais de facto que de direito, especialmente quando se passaram avisos contrarios ás leis, ou que as alteraram».

O sr. Silva Ferrão nos seus excellentes commentarios ao codigo penal, diz no artigo 301.° = os empregados que exercem em qualquer ramo do executivo alguma direcção, commando, ou governo superior, são os que podem estar mais no caso de abusar da sua força ou auctoridade, para ultrapassar as suas attribuições, usurpando as do podér legislativo, constituindo preceitos ou theses geraes de natureza legislativa por meio dos seus decretos, portarias, editaes, ordens do dia ou regulamentos =. Refere-se em tudo ás invasões do executivo nas attribuições do legislativo, e nem uma só palavra diz a respeito da revogação de decretos por portarias; e tendo tantas vezes nos seus commentarios arguido as omissões do codigo, aqui não diz cousa alguma a tal respeito.

Continua s. ex.ª dizendo = entre estes empregados sobressaem como cabeças, como chefes na ordem do funccionalismo os ministros d'estado, e são os que infelizmente estão na posse de commetter impunemente este delicto =.

Que contraste! O digno par como escriptor nota que se tem praticado muitas vezes o facto de se revogarem por meio de portarias e decretos as leis do reino, que esses factos são verdadeiros delictos; e s. ex.ª que tem uma cadeira no parlamento nunca levantou a sua voz para estygmatisar esse procedimento, para fulminar esses delictos; mas veiu levanta-la contra o sr. ex-ministro da guerra, que commetteu um erro, commetteu uma irregularidade, mas não commetteu um delicto!

Portarias é uma entidade não conhecida pela carta, disse o digno par; a carta não trata de portarias, mas trata de decretos, instrucções ou regulamentos para a boa organisação das leis. E isto o que dispõe o artigo 75.° no § 12.°, e acrescentou s. ex.ª que determinando esse mesmo artigo da carta que o Rei era o chefe do poder executivo, que o exercia pelos seus ministros, aquelles decretos e regulamentos deviam ter a assignatura regia; assignatura que não era uma simples chancella.

Não sei se estas serão as proprias palavras de s. ex.ª, o que porém me parece é que foi neste sentido que fallou. Ora, eu vou responder ao digno par.

Sr. presidente, uma fatalidade persegue a humanidade, e é aquella de que fallam os moralistas: lançamos ao esquecimento os defeitos proprios, e trazemos sempre diante dos olhos os alheios.

Uma outra fatalidade persegue os homens publicos que têem a felicidade ou infelicidade de se sentarem naquellas cadeiras; quando sáem do poder parece que bebem agua do Lethes, e esquecem-se de tudo quanto praticaram como ministros.

A carta desconhece as portarias, diz s. ex.ª; os artigos d'ella e as leis devem ser reguladas por decretos, estes devem ter a assignatura do Rei, e esta não é méra chancella; pois bem, note-se o que vou dizer. O mesmo artigo 75.° da carta determina no § 2.° que pertence ao poder executivo a nomeação dos bispos e o provimento de todos os beneficios ecclesiasticos; julgou-se conveniente regular o concurso para os beneficios ecclesiasticos, e esse regulamento foi feito por portaria de 30 de agosto de 1847, sendo a portaria que o estabeleceu assignada unicamente pelo digno par, o sr. Ferrão, então ministro da justiça! O mesmo artigo no § 4.° diz que é outra attribuição do executivo prover os empregos civis e politicos; julgou-se conveniente regular o provimento dos officios de justiça, e esse regula-

Página 1091

1091

mento appareceu na portaria de 2 de setembro de 1847, assignada tambem simplesmente pelo digno par, o sr. Ferrão!

Um decreto de 25 de agosto de 1845, assignado pelo digno par, o sr. Silva Cabral, e referendado pela Senhora D. Maria II, muito chorada Rainha, diz no § 3.°:

«Os juizes de direito de 1.ª instancia, que forem transferidos, deixarão de vencer o ordenado por inteiro nas comarcas d'onde saírem, e começarão a vence-lo nas comarcas para onde passarem desde a data dos decretos por que forem transferidos.»

Dois annos depois esta disposição foi essencialmente alterada por uma portaria assignada pelo digno par o sr. Ferrão. Como é que s. ex.ª revogou por uma portaria um decreto assignado pela soberana!

Perguntarei a s. ex.ª essa regia assignatura seria uma mera chancella? Será s. ex.ª competente para estygmatisar os actos, de que deu o exemplo? Que fatalidade!

Alem d'estes factos existem muitos outros da mesma natureza que não tenho necessidade de mencionar, e até porque, não quero que alguem confunda a enumeração d'elles com as minhas convicções; por consequencia, abandonando o campo dos factos, passarei ao campo das doutrinas. Entrando n'esse campo que é o que ensinam os mestres da sciencia? Se consulto esse grande escriptor Beijamin Constant, vejo dizer elle no seu curso de politica constitucional, que, como no systema representativo os ministros são os unicos responsaveis por todos os actos do poder executivo, só elles os devem assignar, e acrescenta separe-se dos actos dos ministros a assignatura do rei para que a responsabilidade seja mais real, e a inviolabilidade mais sagrada por aqui se vê que elle não exige para taes actos senão a assignatura dos ministros, e não a do rei: se consulto o nosso grande escriptor Silvestre Pinheiro, vejo dizer elle que, como pela carta o poder executivo é entregue ao rei que o exerce pelos seus ministros, todos os actos d'esse poder devem ter a assignatura do rei e do respectivo ministro, sem o que o acto é meramente particular, sem força nem caracter de documento publico.

Aqui tem a camara opiniões inteiramente diversas, e eu não sigo uma nem outra; ligo-me unicamente ás palavras do artigo 102.° da carta que diz:

«Os ministros d'estado referendarão ou assignarão todos os actos do poder executivo», o que bem demonstra que ha actos que elles referendam, e outros que elles assignam; referendam os que tem a regia assignatura, assignam os que a não tem.

Não se diga pois, sr. presidente, que a assignatura do rei é uma mera chancella, pelo contrario, entendo que no systema constitucional os ministros têem unicamente a responsabilidade dos actos governativos, mas não podem conservar-se no poder sem o concurso de duas circumstancias: uma é o apoio do parlamento, e outra a confiança da corôa. O apoio do parlamento conquista-se tomando larga iniciativa nas propostas de lei, bem como pelos discursos e doutrinas; a confiança da corôa conquista-se pela opinião que um monarcha deve fazer dos seus ministros no manejo dos negocios graves do estado, que por isso mesmo devem ser decidido na sua presença.

Mr. de Chateaubriand no seu Tratado da monarchia segundo a carta, diz que no systema constitucional quando o monarcha veja que um dos seus ministros quer praticar um acto contrario aos interesses do povo, deve deixa-lo praticar esse acto; porque depois o ministro cáe, é substituido por outro, e a medida é revogada. Longe de nós esta doutrina. Benjamin Constant, pelo contrario, diz que o rei, em tal caso, deve demittir immediatamente o ministro para que o povo não soffra as consequencias dos seus erros; eis-aqui a meu ver a verdadeira doutrina, e que prova a necessidade de serem os negocios graves da governança decididos perante o monarcha.

Ora, sr. presidente, o que eu desejava era que se determinasse quaes os objectos que devem ser decididos por decretos, e os que devem ser decididos por portarias. Em a nossa legislação vemos muitas vezes negocios gravissimos regulados por uma portaria. É sobre este ponto que eu chamo a attenção dos poderes publicos, para que se obste a esta irregularidade existente.

Concluirei agora declarando que emquanto ao primeiro principio estabelecido pela illustre commissão, concordo com o parecer se ella declarar que o consignou como principio que deve estabelecer-se por lei; não sendo assim, se ella considera que existe lei clara, e que se dispensa qualquer outra, então voto contra.

Emquanto ao segundo ponto ou conclusão conformo-me com o parecer.

E pelo que respeita ao terceiro, direi que, comquanto esteja tambem de accordo com o parecer da commissão, e vote por elle, entendo todavia que em vez de nos occuparmos com uma questão de fórma, era melhor que se definisse por lei aquillo que deve ser objecto de um decreto ou que deve ser objecto de uma portaria.

Pedirei agora aos dignos pares que me responderem que, quando vejam que as minhas asserções são erroneas as combatam, mas que por dever e direito de reciprocidade pelo menos respeitem as minhas intenções (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Ministro do Reino (Silva Sanches): — Mandou para a mesa a proposta, ou antes requerimento, para o digno par, o sr. Sousa Azevedo, poder accumular, querendo, as funcções de par com as que exerce fóra d'esta camara.

Foi approvado.

O sr. S. J. de Carvalho (sobre a ordem): — Desejava que V..ex.ª me informasse' se esta conjunctamente em discussão com o parecer da commissão, a proposta mandada para a mesa pelo sr. marquez de Sá.

O sr. Secretario: — Esta,.

O Orador: — N'esse caso parecia-me que o debate se devia restringir hoje á proposta do sr. marquez de Sá. Agora se s. ex.ª retirar a sua proposta, e mesmo se declarar que ha de apresentar um projecto de lei em que se consignem os principios estabelecidos no parecer da commissão, parece-me que a discussão esta finda (apoiados). Por isto desejava que o nobre marquez se explicasse a este respeito.

O sr. Marquez de Sá da Bandeira: — Para melhor e mais regularmente caminharem os trabalhos, eu peço para retirar a minha proposta (apoiados). Depois apresentarei a conveniente proposta de lei sobre este assumpto na outra camara.

Consultada a camara sobre se permittia que s. ex.ª retirasse a sua proposta, assim se resolveu.

O sr. Ferrão: — Não poderei agora seguir o digno par, o sr. Moraes Carvalho, em todo o seu discurso, apresentando algumas reflexões, pelas quaes poderia mostrar que não me conformo com a maior parte das suas considerações, mormente no que respeita aos actos da minha vida publica. Limitar-me-hei unicamente a dar ao digno par uma satisfação, e a dizer algumas poucas palavras mais.

Em primeiro logar, sr. presidente, direi que não me accusa a consciencia de ter tratado o digno par com severidade, nem tão pouco de haver querido penetrar nas suas intenções.

Desde 1842 que tenho pratica do parlamento. Como deputado ou como par do reino nunca ouvi que algum dos membros das duas camaras se desse por offendido de se qualificar a sua argumentação de sophisma.

Creio que esta palavra é muito licita; entendo mesmo que é a unica que se deve empregar para exprimir o pensamento que qualifica uma argumentação de falsa. Póde esta ser logicamente falsa e tornar-se como tal, sem de modo nenhum offender a pessoa a quem nos dirigimos, nem entrar nas suas intenções.

Eu não disse que o digno par quiz sophismar, disse que caiu n'um sophisma ou que a sua argumentação foi um sophisma, e de que ella o foi acaba de nos dar o mesmo digno par uma prova na primeira parte do seu discurso. A sua argumentação foi um completo sophisma, em que caiu involuntariamente, e sem duvida na melhor boa fé.

S. ex.ª empregou o sophisma da confusão. Eu distingo aquillo que o digno par confunde. Tenho para mim, e sei que pensam da mesma fórma jurisconsultos muito dignos, que se deve distinguir a materia disciplinar da materia criminal.

Ora todos os argumentos 4° digno par foram baseados nos principios que regulam a materia criminal, emquanto que a questão é toda de materia disciplinar (apoiados).

A nossa questão não é de materia criminal. Temos uma lei disciplinar; a ella se referiram os oradores que tomaram parte na discussão; a ella me referi quando fallei sobre o assumpto; e a ella se refere o mesmo codigo penal, cujos artigos o digno par compulsou. É essa lei disciplinar que regula para a questão. Os principios que regem na applicação das penas disciplinares são muito diversos dos que regem na applicação das penas criminaes.

Não se argumente pois com Os principios do direito criminal, que não vem nada para aqui.

Em materia disciplinar, disse eu no meu discurso, e a isto não me respondeu o digno par, não é preciso, não é essencial que os casos estejam expressos: procede-se por analogia (apoiados), e no regulamento disciplinar auctorisado por uma lei de 1856 comprehendem-se os casos não especificados, e por isso disse eu então, e o repito agora, o digno par tem perdido o seu tempo na sua argumentação.

Temos lei. Para os casos não especificados temos a analogia de direito, expressamente auctorisadas na lei de 18 de agosto de 1769, e nos estatutos da universidade de Coimbra, que s. ex.ª muito bem conhece, e temos especialmente, para o caso, o regulamento disciplinar do exercito, que mandam proceder de igual para igual, de similhante para similhante.

Portanto não se diga aqui que tratamos de direito a constituir; tratámos de direito constituido.

Sr. presidente, contento-me com o grande argumento estabelecido pela commissão especial, e firmado na carta constitucional da monarchia, contento-me com o principio fundamental de que a força militar é essencialmente obediente. Se a força militar é essencialmente obediente, não póde fazer demonstrações collectivas, porque para que estas possam ter logar, é preciso que lhes preceda deliberação, iniciativa e voto, e isto não póde dar-se, quando as condições são desiguaes de individuo para individuo.

A carta determina que a força armada é essencialmente obediente, e é n'este principio que se funda o principio derivativo da disciplina do exercito, e as consequencias logicas que foram traduzidas nas disposições da lei e regulamento disciplinar.

Em materia de penalidade, disse eu, quando aqui tratei esta questão, é que se não permitte imposição alguma pratica sem lei que a auctorise, seja a casos crimes, seja a casos disciplinares; mas esta proposição absoluta falha quando se trata da applicação das leis disciplinares, pois que em toda a parte se reconhece que é impossivel definir ou enunciar os casos, um por um, que devem ser reprimidos.

Em materia disciplinar são esses casos reduzidos a uma these geral, á qual se vão sujeitar depois as diversas e muito variadas hypotheses que n'ella se comprehendem. Na lei disciplinar dos juizes, por exemplo, diz-se que serão reprimidos todos os actos que, posto não criminosos, offendam a dignidade da magistratura. Dignidade, é uma palavra vaga, o mais vaga que é possivel; entretanto n'essa lei se acham estabelecidas as penas, com quanto ahi se não vejam especificados os casos a que devem ser applicadas. O mesmo acontece no regulamento militar. N'elle se prohibe

em these geral toda a infracção da disciplina, comprehendidos os casos não mencionados; assim como se prohibem todas as reclamações collectivas, e se bem que não se tenha dado o nome de reclamação ás manifestações a que se alludiu na discussão, é certo comtudo que os nomes não influem na essencia das cousas.

Pelo que diz respeito á proposta do sr. marquez de Sá, foi ella retirada, por isso nada direi; mas se não fosse retirada teria de combate-la, pois, coherente com os meus principios, julgo desnecessario que se faça uma lei, quando d'ella não carecemos. Não era tal proposta senão um meio indirecto de inutilisar a discussão encetada n'esta casa. Nós não precisâmos de lei n'este assumpto, porque temos direito constituido. Mas diz-se — ha duvidas. Para mim não as ha. Este é o meu direito, não será verdadeiro, mas é o meu.

Ora tenho que dar tambem uma satisfação ao digno par o sr. Silva Cabral, que por eu dizer, que quem dissesse que sabia direito mentia, me tratou com bastante dureza, com bastante severidade.

O sr. Moraes Carvalho: — Peço a palavra para explicações.

O Orador: — Digo e repito, sr. presidente, que quem disser que sabe direito mente. Mas eu mentirei se disser que não sei direito, que o digno par o não sabe, e que o sr. Moraes Carvalho igualmente o não sabe; isto são duas asserções distinctas.

Eu, descendo ao intimo da minha consciencia, digo que sei menos direito que uns, que sei tanto como outros, e que sei mais do que alguns.

Tenho assim a consciencia de que sei direito; mas tambem tenho a consciencia de que muitos jurisconsultos sabem muito mais do que eu, mormente, em muitas especialidades que não tenha estudado.

No que disse pois não fiz censura nem aos meus mestres, nem aos juizes que applicam a lei do paiz. Nem essa asserção que é de verdade incontestavel, e que não foi de falsa modestia que aqui proferi, me parece que possa prejudicar-me, pelo menos ainda não me faltaram os clientes; o que me falta são as forças para poder trabalhar.

O sr. Silva Cabral: — Isso estimámos nós muito. O Orador: — Para explicar melhor todo o meu pensamento lembrei-me aqui contar uma historia entre um tio e um sobrinho. O tio arguia o sobrinho de se jactar de saber direito, e este reconhecia que a jactância era mal cabida, mas acrescentava: «todavia, meu bom tio, quando me considero entendo que não sei direito, mas quando me comparo entendo que o sei».

O sr. Marquez de Vallada: — Princiou dizendo, que poucas palavras diria, por não desejar tomar tempo á camara.

Pedira a palavra no ultimo dia em que se discutiu a moção do sr. Sebastião José de Carvalho, e tinha-a pedido na occasião em que o digno par o sr. Silva Cabral invocara o nome auctorisado de Platão. Pediu portanto a palavra, porque sentiu' que uma auctoridade prestante, um nome augusto da sciencia, podesse servir de escudo e de defeza para actos, que elle orador, julgava envolverem um aggravo á santidade dos principios. Hoje porém esta questão póde considerar-se completamente acabada, depois da declaração feita pelo sr. presidente do conselho, o nobre marquez de Sá; e comtudo não póde o orador deixar de se admirar do que ouviu ao digno par o sr. Moraes Carvalho.

«Não tinhamos lei, e se porventura se trata de constituir direito, de prefeito accordo estou com os dignos pares; mas se se trata de censurar um ministro como tendo attentado contra a santidade das leis e contra a disciplina, então de maneira nenhuma posso estar de accordo comvosco.»

O sr. Moraes Carvalho: — Não foi isso que eu disse.

O Orador: — È o que se conclue, proseguiu o orador. Se V. ex.ª tomou a defeza do acto do sr. general Ferreira Passos, se declarou n'esta camara que as manifestações militares não podiam de maneira nenhuma ser consideradas como um attentado contra as leis de disciplina, segue-se como consequencia legitima, necessaria e logica, que V. ex.ª entendeu que não havia lei que condemnasse essas manifestações.

O digno par (continua ainda o orador) referiu-se tambem á carta, e disse: «A carta não trata de similhante assumpto »; a carta contém um certo numero de theses, que depois são desenvolvidas pelas leis, que traduzem os principios que ella consigna e encerra.

Pois, sr. presidente, póde alguem duvidar, não direi só em face da carta, que o digno par pretendeu citar contra nós, mas em face do regulamento de 15 de setembro de 1856, que são prohidas as manifestações militares? Pois não se diz ali que são prohibidos todos os actos que possam transtornar a boa ordem, ainda que não sejam expressos n'esse mesmo regulamento? Pois não tem esse regulamento força de lei? Mas, sr. presidente, quando esse regulamento não tivesse sido publicado, bastava unicamente aquelle grande principio da carta, de que a força militar é essencialmente obediente, porque se conclue logo logicamente que a força militar não póde tomar parte em qualquer manifestação.

Sr. presidente, os partidos revolucionarios desde as mais remotas eras tem procurado desvirtuar a classe da magistratura e a militar. A primeira procuram tirar-lhe a independencia, porque lhe pésa que se possam contrariar os seus nefastos projectos. Á classe militar, briosa por excellencia, que esta sempre prompta para defender no campo da batalha os santos principios da ordem, salvo as rarissimas vezes que se tem desvairado, dirigem-se tambem os tiros dos revolucionarios, porque lhes não póde convir; procuram então desvirtua-la e lançar-lhe a zizania e a discordia. Devem portanto os homens progressistas e conservadores pugnar quanto em suas forças couber, para que a classe da

Página 1092

1092

magistratura conserve a sua independencia, e a militar todo o seu brio e força. E é isto que nós sustentámos quando entendemos que não convem que os militares façam manifestações, embora contendo elogio a alguem, porque tambem podem envolver censura a outrem.

Sr. presidente, desde o momento em que se admitte uma manifestação collectiva, desde esse momento...

O sr. Baldy: — Peço a palavra.

O Orador: — Infelizmente estou certo que o digno par pediu a palavra para me combater, e sinto-o, porque tenho por s. ex.ª a maior consideração.

O sr. Baldy: — E só para dar uma explicação.

O Orador: — Sr. presidente, desde que se admitte a manifestação em louvor, ha de admittir-se a que censure.

Não vejo aqui o sr. general Passos, lamento que não esteja presente, porque o seu desapparecimento faz-me acreditar que a responsabilidade ministerial não é nada, e quando chegamos a pratica desapparece inteiramente. Desde o momento em que são demittidos os ministros, vão para suas casas, e nunca mais apparecem. E ao sr. ministro do reino, que n'esta parte não póde merecer censura, pedia que apresentasse um projecto de lei que determine a maneira de tornar effectiva a responsabilidade dos ministros, empregando para isso exforços iguaes aos que se fizeram no parlamento brazileiro.

Aonde esta a responsabilidade do sr. general Passos? S. ex.ª desappareceu, e o sr. duque de Loulé, que era o presidente do conselho nunca explicou os motivos por que elle saíu; disseram-nos depois que tinha adoecido; mas não creio que ainda esteja doente, e nem por isso o vejo presente aqui para receber os elogios ou antes as censuras, que eu entendo que elle merece pelo acto de que nos occupâmos. Sr. presidente, desde o momento em que os ministros desapparecerem, ninguem quer a responsabilidade dos seus actos, e aprova esta em que sr. duque de Loulé não a quiz, porque esteve callado em toda a discussão.

A estes actuaes ministros tambem não posso pedir a responsabilidade d'este acto, tanto mais que o illustre marquez de Sá declarou que estava de accordo com as nossas idéas. N'esta parte não tenho senão a louvar-me na opinião de s. ex.ª, porque já me preveniu na discussão, dizendo que era um principio sabido, recebido e respeitado em todos os paizes, ser a força militar essencialmente obediente em beneficio do paiz e da propria força militar.

Mas agora o que peço ao sr. marquez de Sá é que, alem daquellas medidas que nos prometteu, tome tambem sobre si o encargo de apresentar uma lei de responsabilidade dos ministros; porque sendo s. ex.ª eminentemente liberal e progressista, ha de reconhecer commigo que é uma das principaes condições da conservação do systema representativo, a responsabilidade dos ministros, porque nós estamos cansados de promessas, que nunca se cumprem, de palavras sem sentido, e o povo já crê pouco nos homens politicos e n'esta formação continua de ministerios, e só acredita que os ministros promettem muito antes de ir para o governo, e depois só fazem o que lhes parece. É por consequencia necessario que os ministros mais progressistas, como os srs. marquez de Sá e conde d'A vila, tomem sobre os seus hombros o encargo de apresentar a lei de responsabilidade ministerial, para que ninguem mais lamente a falta de um ministro, como eu agora lamento a ausencia do sr. general Passos, para responder pelo seu procedimento n'este assumpto em discussão.

Sr. presidente, eu approvo o parecer da commissão, mas não posso deixar de fazer algumas considerações com referencia ao digno par, o sr. Silva Cabral.

Continuou depois o orador expondo ser uma cousa a lei escripta e outra a rasão e a justiça, como base e fundamento da lei; isto já o orador dissera no parlamento, lembrando uma auctoridade a que se podia soccorrer, a auctoridade respeitabilissima em philosophia de direito, esse primeiro escriptor Straus. E não foi só a isto que se limitou, passou em revista outros auctores, tanto da escola antiga como da escola moderna; em todos encontrou o mesmo principio fundamental das leis, fazendo ver que se deviam respeitar sempre as leis, porque ellas não eram um simples contrato social como pretendia Rosseau. Do mesmo modo entende que o principio fundamental da obediencia da força é essencialmente necessario; mas emfim o que elle, orador, não queria, não devia, nem podia deixar de declarar, vinha a ser que approvava o parecer em discussão, estimando muito que elle seja triumphantemente sustentado pelo digno par o sr. Ferrão, a quem todos muito gostam de ouvir, n'esta e n'outras circumstancias, por ser um ornamento da tribuna parlamentar, distincto escriptor e eximio jurisconsulto.

O sr. Baldy: — Explicou as suas opiniões sobre as manifestações militares, inclinando-se a que o governo não carece para estes casos de nova lei; e terminou fazendo algumas considerações sobre a prisão do general Lobo d'Avila, a qual se passou irregularmente na sua opinião.'

O sr. Silva Cabral: — Peço a palavra sobre a materia, e, se me não chegar, peço-a para uma explicação.

O Orador: — Declarou approvar em these o parecer da commissão, não cabendo comtudo censura aos officiaes da artilheria, porque similhantes factos se tem tolerado.

O sr. Ministro da Guerra: — Effectivamente tem-se dado alguns casos em que a auctoridade judicial, e outras, têem procurado ingerir-se nos negocios militares, fundando-se em certos artigos do codigo, os quaes não me lembra agora; mas todas as vezes que isso tem vindo ao conhecimento do ministro da guerra tem resistido a essa pretensão: entretanto parece que será necessario tomar alguma medida legislativa, que esclareça bem esta questão, nos casos em que a auctoridade judicial faça capturar algum individuo militar, de maneira que se não dê logar a conflictos, como já tem acontecido.

Não posso agora dizer alguma cousa mais, porque não estava para isso prevenido.

Vozes: — Deu a hora; deu a hora.

O sr. Presidente: — A sessão seguinte será ámanhã, 26, e continuará a mesma ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram mais de cinco horas.

Relação dos dignos pares que estiveram presentes na sessão de 25 de abril de 1865

Ex.mos srs. Conde de Castro.

Marquez de Ficalho.

Marquez de Fronteira.

Marquez de Sá da Bandeira.

Marquez de Vallada.

Conde de Alva.

Conde de Avilez.

Conde de Bretiandos.

Conde de Fonte Nova.

Conde de Linhares

Conde de Paraty.

Conde de Peniche.

Conde de Santa Maria.

Conde de Rio Maior.

Conde de Samodães.

Conde de Thomar.

Conde de Torres Novas.

Visconde de Benagazil.

Visconde de Fornos de Algodres.

Visconde de Ribamar.

Visconde de Soares Franco.

Visconde de Villa Maior.

Barão de Foscôa.

Moraes Carvalho.

Mello e Carvalho.

Mello e Saldanha.

Antonio Luiz de Seabra.

Rebello de Carvalho.

Sequeira Pinto.

Silva Ferrão.

Simões Margiochi.

Moraes Pessanha.

Joaquim Antonio de Aguiar.

Braamcamp.

Silva Cabral.

Pinto Basto.

Reis e Vasconcellos.

José Maria Baldy.

Rebello da Silva.

Castro Guimarães.

Vellez Caldeira.

Canto e Castro.

Sebastião José de Carvalho.

Vicente Ferrer Neto Paiva.

Entraram durante a sessão:

Ex.mos srs. Conde d'Avila.

Julio Gomes da Silva Sanches.

Duque de Loulé.

Vaz Preto Geraldes.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×