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Sessão de 23 de Abril de 1849.

Presidiu — O Em.mo e Rev.mo Sr. Cardeal Patriarcha.

Secretarios — Os Srs. Simões Margiochi

V. de Gouvêa.

(Summario— Correspondencia — Ordem do dia. Parecer n.º 112 sobre a Proposição de Lei n.º 57, estabelecendo as aposentações da Magistratura judiciaria.)

Aberta a Sessão pouco antes -das duas horas da tarde, estando presentes 32 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão — Esteve presente o Sr. Ministro da Justiça. Mencionou-se a seguinte

Correspondencia.

1.º Um officio do Ministerio do Reino, participando que o Beija-Mão pelo Anniversario da Outhorga da Carta Constitucional da Monarchia, teria logar no Paço das Necessidades pela uma hora do dia 29 do corrente.

2.° Outro officio do Ministério da Guerra, enviando sanccionado um dos Authographos do Decreto de Côrtes Geraes, fixando a Força do Exercito para o anno economico de 1849 a 1850.

Remetteu-se para o Archivo.

Ordem do dia.

Parecer n.º 112 sobre a Proposição de Lei n.º 57, estabelecendo as aposentações da Magistratura judiciaria, cuja discussão começada a pag. 493, col. 2.º, proseguiu a 514, 1.ª — 520, 3.ª —548, 3.ª —562, 1.ª — e 572, 1.ª, versando directamente sobre a Proposta do Sr. Pereira de Magalhães (pag. 493, col. 4.ª) e a do Sr. V. de Sá (pag. 548, col. 4.ª) O Sr. Pereira de Magalhães — Sr. Presidente, sinto a maior satisfação em ter apresentado a minha Proposta, para que este Projecto voltasse á Commissão, não só para o addicionar com as provisões necessarias para as habilitações dos Delegados do Procurador Régio e candidatos á Magistratura judicial, como tambem pelo que diz respeito a accessos e promoções; porque, se eu não apresentára a minha Proposta, nem a Camara, nem eu, teriamos lido a satisfação de ouvir os eloquentissimos discursos de muitos dignissimos Membros da Commissão, nos quaes desenvolveram os principios mais luminosos não só sobre o assumpto especial deste Projecto, mas sobre toda a Administração Publica;, e sem a minha Proposta, este Projecto, que e de uma magnitude incalculavel, teria passado nesta Camara quasi imperceptivelmente. (O Sr. Fonseca Magalhães— Nada!)

Mas, Sr. Presidente, não ha satisfação completa, ou como diziam os nossos antigos — não ha gosto sem desgosto; porque, eu a par da satisfação que senti, pelos motivos que referi, tambem experimentei um grande desgosto, e foi o ver, que sendo apresentado algumas observações a este Projecto de Lei com a maior franqueza, com a maior sinceridade e com o maior desinteresse, vi as minhas observações todas, ou uma grande parte dellas, transtornadas naturalmente por não terem sido intendidas pelos D. Pares; experimentei desgosto, Sr. Presidente, porque tendo feito essas considerações sobre o Projecto com o fim unicamente, de que sahisse daqui esta obra a mais perfeita possivel, vi a maior parte das minhas considerações transtornadas, para sobre ellas se formarem argumentos, que na verdade eu gostei de ouvir pela sua doutrina, mas a que eu não tinha dado causa: ha com tudo nisto um facto inexplicavel.

Os illustres Membros da Commissão, que estão assentados ao pé de mim, não me intenderam, em quanto os Tachygraphos, que estão a maior distancia, intenderam me muito bem, porque, em abono da verdade, eu vi os meus pensamentos fielmente escriptos por elles; e da falta dos D. Pares me não terem intendido, resultou imputarem-me: primeiro, que eu taxava o Poder Judicial de absolutamente desorganisado, concluindo daqui que eu me oppunha ás aposentações dos Juizes; que as julgava desnecessarias ou mesmo que as não queria; porque até se chegou a dizer, que não podia deixar de haver da minha parte algum resentimento, por dizer o que tinha dito.

Sr. Presidente, eu nunca estudei discursos, não os faço, e tudo o que digo é aquillo que me occorre no momento; não tenho habilidade para fazer discursas, confesso o meu pouco geito para isso. Uma vez que quiz fazer e estudar um discurso, declaro que o principiei uma, duas e trez vezes, e a final não o pude levar a cabo: então póde bem ser, que nos meus improvisos diga algumas cousas que não quero dizer, e que as diga até muito mal; mas a convicção que tenho é, de que quando as digo é com toda a sinceridade, é a mesma com que me tenho pronunciado sobre o objecto que se discute. Todavia, Sr. Presidente, eu já poderia dizer que consegui um grande triumpho, porque vejo que a illustre Commissão está resolvida a alterar, ou a mudar a base deste Projecto no seu artigo 1.º, o que talvez não estivesse resolvida a fazer, se eu não apresentasse a minha Proposta; e ainda espero da illustre Commissão, quando tractarmos do Projecto na sua especialidade, que ha de admittir mais alguns aperfeiçoamentos: ao menos eu assim o espero da sua illustração,

Tambem não tenho já hoje a sustentar a minha Proposta; porque, tendo-se affirmado nesta Casa, como se affirmou, que o Sr. Ministro havia apresentado na outra Camara um Projecto tendente a regular, os accessos e promoções, não me parece conveniente que vamos aqui apresentar e discutir outro sobre o mesmo fim; e forçoso e por conseguinte esperar, que esse Projecto venha a esta Camara para aqui o approvarmos ou rejeitarmos, segundo a Camara intender: limitar-me-hei neste caso a rectificar algumas das minhas observações, porque não quero, não desejo e nem mesmo posso querer nem desejar, que me façam dizer aquillo que eu não disse, nem que me façam pensar aquillo que eu não pensei nem penso; porque terei talvez muitos defeitos, mas em principios faço sempre toda a diligencia para os ter verdadeiros; e então, repito —limitar-me-hei a algumas rectificações, respondendo aos argumentos que se fizeram ás minhas observações alteradas.

Sr. Presidente, eu nunca disse, nem o podia dizer, que o Poder Judicial estava desorganisado, porque depois de se lerem feito tres organisações, tres Reformas Judiciarias, seria eu ser muito falto de memoria para dizer, ou para querer aqui sustentar, que o Poder Judicial não estava organisado: está organisado, Sr. Presidente, e é por elle estar organisado talvez (ao menos eu assim o penso), que apparece no nosso estado um mal a que não é possivel dar remedio: eu me explico.

O Governo Constitucional do Estado á uma machina composta de tres rodas: uma é o Poder Legislativo, outra • o Poder Judicial, e a outra é o Poder Executivo: ora se n'uma machina qualquer se concertar uma das rodas e se aperfeiçoar, deixando-se as outras em máo estado, segue-se que a machina não póde funccionar. O Poder Judicial foi organisado em 1834, 1836 e 1840; foi organisado perfeitamente; mas não se organisou o Poder Executivo, e daqui tem resultado o Poder Judicial ter muitas vezes invadido o Poder Executivo, assim como o Poder Legislativo, a cuja invasão nem um nem outro destes dous Poderes podem dar remedio; e ainda não ha muitos dias que nesta Camara disse um seu dignissimo Membro, que fóra Ministro de Estado por muito tempo, que propozera um Projecto de Lei ás Côrtes, o qual fóra approvado e sanccionado, mas que o Poder Judicial o não quizera executar; de maneira que tivera de vir ás Côrtes pedir que reformassem a Lei! Se o Poder Judicial póde não executar uma Lei, ou dizer que a não quer executar, considere-o a Camara. Veja-se bem que resultados póde ter este procedimento o facto que referi foi dito por um Membro desta Camara que já foi Ministro de Estado, facto que se passou achando-se elle nos Conselhos de Sua Magestade, e eis-aqui o que resulta do Poder Judicial estar organisado e os outros Poderes não o estarem. Eu podia referir outros factos de invasão do Poder Judicial, assim como >dos outros Poderes. Este mal existe, os factos que provam a sua existencia são notorios, as causas são conhecidas; mas o remedio não apparece!

Ora isto não é querer dizer, que eu não queria o Poder Judicial organisado: pelo contrario quero que seja bem organisado; mas tambem queria que os outros Poderes fossem organisados ao mesmo tempo, a fim de se dar o verdadeiro e indispensavel equilibrio aos Poderes do Estado; isto é, que a machina do Estado funccionasse perfeitamente. Este é o meu pensar, póde ser que esteja em erro, mas é isto o que eu vejo, a vejo mais ainda, porque vejo que o Poder Judicial, sendo independente e dizendo-se elle mesmo independente. esta sua independencia leva-o tão longe, que faz com que os outros Poderes do Estado não possam marchar com a harmonia, que convém que marche o Governo da Sociedade.

Sr. Presidente, eu quero que os Magistrados Judiciaes assim como todos os Empregados Públicos sejam "bem pagos, e tenham as suas reformas, aposentações e jubilações; ainda não dei provas algumas em contrario disto; e por esta occasião agradeço muito ao D. Par, que descubriu um Projecto que eu apresentei á Camara dos Senadores em 1840 sobre a organisação judicial no primeiro grau: agradeço-lhe muito, porque me não lembrara que linha feito tal Projecto, de maneira que até fiquei surpreendido quando o D. Par começou a argumentar com elle. O D. Par, fazendo delle aqui a sua leitura, disse que eu então era mais generoso do que me tinha mostrado agora sobre o Projecto que se discute: estimo isso muito, porque é a maior prova que me podia dar, d» que eu quero aposentações; de que quero que os Magistrados sejam bem pagos; e que as suas viuvas tenham alguma cousa: por conseguinte, esse Projecto foi o melhor documento que o D. Par aqui podia trazer a meu favor, uma vez que pretendia inculcar que eu era contrario ás aposentações dos Juizes.

Verdade é que o D. Par destacou algumas proposições pára habilmente censurar esse meu Projecto; mas, Sr. Presidente, tudo neste Mundo tem uma historia; aquelle Projecto tambem tem a sua historia particular, que eu não repito, porque não quero enfadar a Camara; mas sempre direi, que as circumstancias geraes que se davam em 1840 não são as mesmas que se dão em 1849; e que então, além dessas circumstancias geraes, davam se tambem circumstancias especiaes: as circumstancias porém tanto geraes como especiaes, mudaram inteiramente, são outras; porque se hoje se dessem as mesmas, eu nenhuma duvida teria em o sustentar em todas as suas partes e disposições, mesmo aquellas que o D. Par Ião habilmente destacou, chamando até a attenção da Camara sobre um trecho, em que, produziu uma certa hilaridade na Camara, censurando-me porque eu dava em certo caso a preferencia aos casados, quando é certo que sempre, por toda a nossa Legislação antiga, o casado sempre tivera uma certa preferencia nos Empregos publicos; e, em quanto aos Magistrados e officiaes de Justiça, a Lei exigia que fossem casados, obrigando-os até a casar dentro de um anno, e prohibindo ao Desembargo do Paço conceder-lhes dispensa.

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Sr. Presidente, eo creio que nem o D. Par nem ninguem quererá, que o pensamento humano esteja estacionario (Apoiados). Eu poderia ter aquellas idéas em 1840; mas serei obrigado a telas ainda passados tantos annos 1 (Apoiados.) Não é possivel; porque, o meu espirito tambem marcha: no entanto a verdade é, que o D. Par, quando notou que eu desse a preferencia aos casados, censurou que eu a não desse tambem aos viúvos; mas nesse momento occorreu-me á lembrança o que escrevera um homem de grande espirito do nosso Paiz, querendo censurar algumas disposições do Liv. 5.° das nossas Ordenações, e entre as reflexões que fazia encontrei eu uma em que muita graça lhe achei; porque, referindo-se a uma disposição da Ord. Liv. 5.º que impõe penas severas aquelle que dormisse com mulher casada, dizia elle — mas se elles não dormissem e estivessem sempre acordados? (Hilaridade.) E daqui concluirei eu como conclui o o D. Par, que quando se quer descer a certas miudezas, acontece o mesmo que aconteceu aos Redactores da Ordenação.

Sr. Presidente, se o D. Par queria vêr se o meu pensamento e espirito tinha feito progresso, podia examinar tambem um Projecto, que apresentei na Camara dos Senadores, sobre a responsabilidade dos Ministros, e sobre a formação do Senado em Tribunal de Justiça, e comparar esse trabalho com os Projecto? que, sobre os mesmos assumptos, apresentei á Camara de Pares, e veria como os primeiros foram muito melhorados pelos segundos. Quando em 1840 redigi o Projecto que apresentei ao Senado, suppuz que era na realidade uma obra perfeita a completa; quando porém a revi o anno passado para a propôr a esta Camara, conheci que tinha erros" de grande magnitude, que tive de emendar, e redigi outros Projectos, que talvez ainda não sejam perfeitos: por consequencia o meu pensamento é como o de todos, vai sempre em progresso, e a experiencia não ha duvida que deve servir de alguma cousa; mas deixemos isso, os tempos são outros, as circumstancias são differentes, e todo o homem deve conformar-se com o progresso que o tempo faz, e que a experiencia ensina.

Sr. Presidente, disse-se e repetiu-se uma e muitas vezes e por differentes Oradores que faltaram nesta materia, que eu dissera que não havia necessidade de Lei d'aposentações. Eu não disse isto, mas sim — que não havia necessidade tão urgente, que nós não podessemos melhorar este Projecto do modo que eu propunha, e que aprova de não haver necessidade urgente era, que se estavam fazendo aposentações, e por consequencia já havia aposentações: e então podendo-se ellas fazer, e fazendo-se effectivamente, a necessidade não era urgente: por isto é que eu queria demonstrar, que não havia necessidade urgente do Projecto. Ora, alguns dos dignos Membros da Commissão disseram, que com effeito não havia Lei, e que era para tirar o arbitrio ao Poder Executivo, que se propozera este Projecto; mas outros D. Pares disseram que havia Lei, e citaram duas ou tres, me parece. Eu, quando fiz esta observação, de que não havia necessidade urgente, isto é, a tal ponto que não podessemos dispensar quinze ou vinte dias, para se fazerem no Projecto os melhoramentos que eu havia proposta; não sabia se havia Lei ou não, o que sabia era, que se faziam aposentações: agora tambem não sei se a ha ou não; porque, ouço dizer a uns que sim, e a outros que não; e então haja-a ou não, para mim é isso indifferente; mas o que se prova é, que a necessidade urgente não a havia, e o que eu desejava era, que os D. Pares, que me combateram, tivessem visto que eu só observava, que não havia necessidade urgente, e não que, absolutamente fallando, não havia necessidade alguma da Lei.

Sr. Presidente, disseram-se bellissimas cousas tanto sobre os pagamentos dos servidores do Estado, como sobre a antiga Magistratura. Os D. Pare» aproveitaram esta occasião para fazer a apologia da antiga e da nova Magistratura; e para exprimirem os votos que faziam para que todos os servidores do Estado fossem bem pagos: a isto nada tenho que responder senão, que uno os meus votos aos dos D. Pares. Quanto á antiga Magistratura, ella era uma Corporação, como são todas as outras em que ha bom e máo; houve excedentes Magistrados; mas não podia deixar de haver alguns mãos, e todavia eu não conheci os mãos, e só conheço os bons, pelos escriptos e pelas obras que deixaram; mas n'uma Corporação, seja ella qual fôr, grande ou pequena, não póde deixar do haver bom e máo: portanto, estamos de accôrdo. Eu tambem fiz sempre votos e faço, porque todos os servidores do Estado sejam pagos em dia com toda a exactidão, não só em quanto servem, mas depois de terem gasto as suas forças e a sua vida no Serviço publico: nisto não ha desaccôrdo nenhum entre nós.

Quiz dizer-se ou disse-se, que eu taxara este Projecto de retroactivo ao Decreto de 16 de Janeiro de 34! Sr. Presidente, isto á primeira vista Se conhece que ninguem o podia dizer, porque uma Lei revoga a outra, amplia-a, ou suspende-a; mas nunca póde ser retroactiva de outra: o que eu disse pois foi, que este Projecto dava a aposentação aos antigos Juizes triennaes, que nunca tiveram direito a ella, assim como a dava aos dos Tribunaes, mas que em quanto aos triennaes me parecia insolito, que se concedessem direitos que nunca obtiveram nem esperaram; e quanto aos Magistrados dos Tribunaes que estava providenciado no Decreto de 16 de Janeiro de 34, que concedia uma pensão a todos os Empregados das Repartições extinctas, no que estavam incluidos os Magistrados que pertenciam aos Tribunaes de Justiça, que se extinguiram; mas quando fallei em retroactividade não era com relação ao Decreto, mas sim com relação aos Juizes, que antes e depois do Decreto de 16 de Janeiro de 34 foram aposentados, nus quaes se dá por este Projecto a faculdade de requererem melhoramento da sua aposentação; porém isto negou-se-me, dizendo-se que tal não existia no Projecto; más eu assim o intendo, segundo a expressão do §. 4.° do artigo 18, que comtudo póde ser que não lenha a intelligencia que eu lhe dou. (Leu-o.) Ora eis-aqui está onde eu achava a retroactividade — quando já tiver obtido aposentação ou jubilação. (Tornou a lêr.) Eu intendo que retroactividade é tudo aquillo que regula o effeito para o passado. (O Sr. Fonseca Magalhães — E é isso?) Sim Senhor: pois um homem que já está aposentado, e que tem fixado o seu direito, vem depois uma Lei e dá-lhe outro direito, não tem effeito retroactivo? Tem, porque vai comprehender um homem cujos direitos já estão marcados e definidos.

Sr. Presidente, a minha Proposta deu tambem occasião, a que se desenvolvessem os principios em que se fundaram os Decretos de Dezembro de 34, e se fizessem os devidos elogios ao Supremo Tribunal de Justiça. Eu estimo muito ter dado occasião a que se justificassem aqui os fundamentos daquella Legislação: em quanto aos elogios feitos ao Supremo Tribunal de Justiça, na minha opinião eram escusados, porque creio que ninguem ha que deixe de reconhecer, que aquelle Tribunal está composto de Jurisconsultos distinctissimos, animados dos mais puros desejos de administrar justiça com toda a rectidão e imparcialidade. Eu offenderia até a modestia de alguns Membros desta Casa, que pertencem aquelle Tribunal, se quizesse fazer agora a apologia de um Tribunal aonde elles se sentam. Não tractarei disso.

Em quanto ás Leis de Dezembro, disse um D. Par, que nem sabia como aqui tinham vindo! Então é necessario que eu explique como vieram. Eu disse que a Reforma Judiciaria tendo já em si muitos defeitos, estes foram aggravados pelas Leis que posteriormente se fizeram, e trouxe como exemplo as Leis de Dezembro, a respeito das quaes havia um clamor geral, de que ellas tinham lançado uma grande perturbação na administração da Justiça; mas isso, declarei logo que não era opinião minha, porque a não tinha a tal respeito, por isso que como não frequento o Foro, não sou Advogado nem Juiz, e não as tendo executado nem applicado, não tinha tido necessidade de as conhecer nem deformar o meu juizo sobre ellas; mas o certo é que ha clamores; e como n'um áparte se me disse, que eram das pessoas que não intendiam do officio, eu disse que os tinha ouvido a Juizes e Advogados, e até me expliquei assim— ainda não ha muitos dias que um medisse, que (aliasse nesta Camara com os D. Pares Membros do Supremo Tribunal de Justiça, para ver se se remediavam os mãos effeitos dessas Leis: por tanto, como boato sei que se tem espalhado estas vozes: agora se teem fundamento não sei, nem eu hei-de ser o Juiz.

Sr. Presidente, por occasião desta discussão, eu muito de proposito lancei alguns pensamentos bons ou mãos, mas pensamentos que eu tinha concebido, e que algumas vezes apresento em publico, ou para me esclarecer, ou para ver se elles são bem fundados; porque neste caso podem ir calando de modo em maior numero de pessoas, até que reconhecidos por muitos chegue a final o dia em que a nossa organisação social possa ser melhorada convenientemente. Disse eu, Sr. Presidente, que não achava que as sentenças do Poder Judicial podessem ter aquella authoridade, aquella respeitabilidade, e aquella certeza moral, que devem ter os litigantes, de que a sentença é justa, mesmo as que lhes são adversas, e que isto provinha de se ver, que pelo actual systema, um só Juiz julgava em primeira Instancia, e que na segunda Instancia, que é a suprema e ultima, uma sentença póde ser dada por tres Juizes, acontecendo que revogando muitas vezes a da primeira fica uma causa julgada por tres Juizes!

Disse eu mais, Sr. Presidente, que lamentava que no Supremo Tribunal de Justiça se julgasse tambem com tres Juizes, e que a minha opinião era, que uma vez que havia um Juiz na primeira Instancia, que fossem necessarios cinco ou sete na segunda, e que no Supremo Tribunal de Justiça fossem nove ou onze, porque, é principio certo, que quanto maior fôr o numero de Juizes, maior certeza terão as partes de que a sentença é justa: isto é um pensamento meu, mas não originariamente meu, isto é corrente entre todos os Escriptores (O Sr. V. de Algés—É verdade), é mesmo o principio em que assenta a organisação do Poder Judiciario em França, que póde ser modêlo a todas as Nações; porque, lá julgando tres Juizes na primeira Instancia, (não teem lá senão Tribunaes collectivos e Juizes collectivos a julgar), tem sete Juizes na segunda Instancia, e ha onze ou quatorze no Tribunal de Cassação, que é mesmo por aquelle principio que acabei de inculcar, principio que esperava que os D. Pares combatessem, mas não o combateram, e apenas um D. Par disse, que as nossas circumstancias não permittiam augmentar o numero de Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, e que talvez eu mesmo não votasse pelo augmento, se aqui viesse uma Proposta nesse sentido, ao que eu respondi n'um aparte—que votava—e vou explicar porque. Mas antes de me explicar direi, que o D. Par a quem me refiro, respondeu ao meu aparte—que ainda ha pouco tempo, quando se tractou materia analoga nesta Camara, que se votou contra, e talvez eu votasse contra. Eu votei contra, o que parece uma contradicção, mas votei contra, e vou dar tambem a razão.

Sr. Presidente, se aqui viesse um Ministerio que dissesse—quero vinte ou trinta Juízes para o Supremo Tribunal de Justiça—eu votava contra, mas se viesse aqui um Ministerio com um Projecto de organisação do Poder Judiciario, em que estivessem regulados os votos dos Juizes em todas as Instancias, debaixo do principio que eu estabeleci, e pedisse com este fim augmento de Juizes para julgarem nos Tribunaes tanto da Relação como do Supremo Tribunal de Justiça; eu votava por elles, porque faço os votos mais fervorosos, para que o Poder Judiciario seja convenientemente organisado, e para que as suas sentenças tenham a authoridade que deve ter a cousa julgada, que é sagrada. Ora. esta questão não foi a que veio a esta Camara: uma questão isolada, isto é, se o Decreto feito pela Dictadura, augmentando o numero de Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, havia deter força de Lei ou não; era uma medida inteiramente isolada, de accrescentar ou não tres Juizes ao Supremo Tribunal de Justiça; era verdadeiramente já uma questão pessoal. A Camara decidiu na sua sabedoria, e muito bem, e eu votei com a maioria, para que não subsistisse o Decreto; e quanto aos Juizes que lá estavam despachados, que se deixassem estar. Eu votei assim, e não contrariei os meus principios, porque era uma medida inteiramente isolada, que era accrescentar mais tres ou quatro Juizes; e porque era uma medida que apenas appareceu em publico, levantou se um clamor geral contra ella, pelas circumstancias em que foi adoptada; e ainda me lembra muito bem, que sahindo de minha casa, sem saber da publicação daquelle Decreto, indo eu no Largo das duas Igrejas, encontrei um sujeito que me disse—o Porto vai caír e a paz vai restabelecer-se. Como eu não sabia nada, perguntei-lhe o que havia de novo, e elle respondeu-me—é porque o Ministro da Justiça acaba de mandar para o Exercito um reforço importante; são quatro Juizes, que despachou para o Supremo Tribunal de Justiça!! Bem se vê que um Decreto feito em taes circumstancias, havia de produzir estas e outras graças! Seriam muito necessarios aquelles quatro Juizes; mas as circumstancias em que foram despachados foram muito mal avaliadas! Eu o que desejo, Sr. Presidente, é que se estabeleçam os verdadeiros principios; e se os julgamentos do Poder Judicial viessem a estes principios, não tinha duvida em augmentar os Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, porque o Poder Judicial bem organisado e independente, é a maior garantia para a vida, propriedade e segurança dos Cidadãos.

Que seria da França no meio das suas revoluções, se o seu Poder Judicial não estivesse tão bem organisado? Não temos nós visto, em menos de vinte annos, ter o Poder Judicial, pela sua independencia, salvado a França de muitas calamidades? Qual ha de ser o Portuguez que não ha de querer, que o nosso Poder Judicial se estabeleça como em França? Eu pela minha parte, todas as vezes que o Governo olhar para isto verdadeiramente, e quizer revesti-lo das verdadeiras garantias, para que elle tenha a verdadeira independencia e habilidade, e pago de modo a cumprir as suas obrigações, o que é necessario para bem desempenhar um emprego qualquer, quanto mais um tão importante como eu considero o de um Juiz; intendo que todo o dinheiro é pouco, e neste ponto não sigo o systema francez, que é que elles sejam pagos parcamente. (O Sr Duarte Leitão — É verdade.)

Eu, Sr. Presidente, assisti a uma Sessão da Camara dos Deputados de França, quando se tractava de um objecto similhante a este, sendo Ministro da Justiça o venerando Mr. Dupont de L'Eure: propunha se o augmento dos ordenados dos Juizes, e o Ministro levantou-se e disse — não faça a Camara tal, porque a maior corôa de gloria da nossa Magistratura é a modestia dos seus ordenados. A nossa Magistratura faz a admiração de toda a Europa, convém conserva-la em toda a pureza. Levantou-se então o respeitavel Mr. Dupin (ainé), que nesse tempo era ainda simples Advogado, e fez os maiores elogios á Magistratura franceza, o maior que podia ser, e o maior elogio que um Advogado póde fazer á Magistratura fez Mr. Dupin (ainé), que exclamou — Eu sou Advogado ha trinta annos, tenho advogado em muitas causas, tenho ganho e perdido muitas; mas posso certificar á Camara, á Nação franceza, e ao Mundo todo, que das sentenças nas causas civeis não tenho a fazer a menor queixa de injustiça dos Juizes. Isto disse um Advogado; e os D. Pares que são Juizes sabem, que os Advogados nem sempre estão dispostos a fazer elogios aos Juizes. (Apoiados.) Mr. Dupin (ainé) continuando o seu discurso disse — em quanto ás causas crimes não digo nada, porque ahi a Politica tem ás vezes muita influencia; mas nas causas civeis tenho ganho e perdido muitas, e não posso apontar um só exemplo de injustiça: proferidas as sentenças contra os meus clientes, eu mesmo reconhecia que eu era o que não tinha razão. Poucas Nações da Europa poderão ter esta gloria! Repito com tudo — que a respeito dos ordenados não sigo o systema francez, que intende que o Magistrado é muito mais respeitavel pela mediocridade do seu ordenado; porque disse Mr. Dupont de L'Eure — o grande ordenado não é que faz a independencia do Magistrado, é a sua moralidade, porque se anão tiver, quanto mais tiver mais gasta, e as necessidades são sempre as mesmas, e por conseguinte subsistem as causas corruptoras da sua independencia. Ainda que isto assim seja, eu quero que os nossos Juizes, alem da moralidade, tenham bons ordenados para poderem supprir as suas necessidades; porque tranquillisado o seu espirito com a certeza dos meios de subsistencia, podem dedica-lo com muito proveito ao desempenho das funcções do seu difficil cargo.

Sr. Presidente, eu disse que queria que no Supremo Tribunal de Justiça houvesse só uma Secção civil, e que não houvessem duas, porque a missão do Supremo Tribunal de Justiça não é outra, senão fazer com que as Leis sejam sempre applicadas de um e do mesmo modo, por todos os Juizes e Tribunaes de Justiça: a sua missão não é outra; e neste sentido disse eu — não é grão de jurisdicção, nem é Instancia; nada tem com a prova dos autos, pertencendo o seu exame e avaliação aos Juizes de primeira e segunda Instancia: manter sempre a uniformidade na applicação das Leis são as attribuições do Supremo Tribunal de Justiça; e então disse eu —

como se póde manter esta uniformidade com duas Secções, podendo uma ter uma opinião, e outra lêr outra, o que eu creio acontece algumas vezes? Disse que a existencia de uma só Secção está nos principios, que as duas não o está; disse — que no Tribunal de Cassação de França ha só uma Secção civil: um dos D. Pares porém disseque naquelle Tribunal havia tambem a Camara de Requetes; e referiu-se á discussão que presentemente tem havido na Assembléa Nacional de França sobre refórma judiciaria, que se está agora neste momento discutindo; e referiu a grande contenda que houve quando se tractou do Supremo Tribunal do Justiça, e da extincção desta Camara de Requetes: contenda grande entre o Governo e a Commissão de Legislação, que deu um parecer contrario ao que o Ministerio sustenta, e ao que sustentou Mr. Dupin (ainé) Procurador Geral no Tribunal de Cassação; e eu disse ao D. Par, em um áparte —isso não vai avante. S. Ex.ª respondendo a este aparte disse — vai, já se votou, e estou sempre em dia. Então devo agora explicar o que eu queria dizer, e já quasi se verifica o que eu profetisei no principio da discussão daquelle Projecto, e o que disse ao D. Par no acarte.

Todos sabem que a actual Assembléa Nacional de França não gostou da eleição do Presidente: o seu candidato era outro, e quando vio eleito o actual Presidente não gostou, e muito menos gostou ainda do Ministerio que elle nomeou, ao qual tentou desde logo ver se por uma votação fazia demittir, e nomear outro; mas como pela Constituição se impôz responsabilidade ao Presidente da Republica e ao Ministerio (ha lá duas responsabilidades); o Presidente com os Ministros intenderam, que qualquer votação da Camara contra o Ministerio não o fazia dimittir, quando continuasse a merecer a confiança do Presidente responsavel. Verificou-se o caso previsto; o Ministerio apresentou-se pedindo a sua dimissão ao Presidente; elle intendendo que o bem publico exigia a continuação do Ministerio, declarou que, apesar da opposição da Assembléa, o Ministerio continuasse debaixo da responsabilidade delle Presidente, e continuou. A Assembléa vendo que, empregados estes meios, não póde chegar ao seu fim, não perde occasião alguma de fazer votações contra a opinião dos Ministros.

Tracta-se do Orçamento, é clamor geral em França que se tem cortado despezas taes, que desorganisara todos os Serviços; os Ministros oppõe-se a estes côrtes; a Assembléa não os attende, vota contra a opinião delles. Tracta-se da refórma judicial, porque os Republicanos de 24 de Fevereiro, que achavam pequena a área dos differentes ramos administrativos, para si, e para se collocarem nelles, quizeram tambem reformar o Poder Judiciario á sua vontade, a fim de entrarem nelle, e declaram que a inamobilidade dos Juizes era contra os principios republicanos. Declarou-se assim, e passados os primeiros momentos viram-se os gravissimos males, que poderiam vir á França de desorganisar o seu Poder Judiciario, que estava muito bem organisado. Era comtudo forçoso propôr, e propôz-se effectivamente um Projecto de Lei sobre este objecto, a Commissão apresentou o seu Parecer; mas com tal mistura de idéas e de pensamentos, que em parte satisfaziam aos Republicanos de Fevereiro, e em parte sustentando a organisação existente, deixavam comtudo um arbitrio ao Governo para poder fizer novos despachos, a fim de satisfazer algumas ambições. Na discussão deste Projecto, o Governo, e os amigos da Ordem, tem formado uma certa alliança, e grandes diligencias tem feito, para que não vá avante o Projecto. Com relação ao Tribunal de cassação, a Commissão propóz a extincção da Secção ou Camara des Requetes, não só como desnecessaria, mas até como impropria da dignidade do Tribunal, e da sua administração da Justiça, porque as funcções desta Camara são examinar se os recursos interpostos são competentes e legaes; se na sua interposição se guardaram as formalidades legaes; se estão munidos dos documentos necessarios; e está nas suas attribuições negar a apresentação dos recursos ao Tribunal, quando por qualquer daquelles motivos intende, que o Tribunal não póde tomar conhecimento delles.....

A Camara des Requetes póde talvez assimilhar-se á Commissão de Petições desta Camara, cujas attribuições são examinar as Petições das Partes, e distribui-las pelas respectivas Commissões quando as Representações são em fórma, ou mandar que se restituam ás Partes, quando intende que não merecem consideração da Camara: a Camara des Requetes do Tribunal de cassação é quasi a mesma cousa. Os impugnadores da existencia ou continuação desta Secção argumentaram, que, de, via ser extincta, porque julgava do direito das Partes, sem que o Tribunal fosse ouvido. Estes, Sr. Presidente, é que foram os argumentos, que apresentaram nos seus discursos os Oradores, que sustentaram a Proposta para a extincção da Camara des Requetes. Entretanto, esta doutrina foi impugnada pelo Ministro da Justiça, Presidente do Conselho, e por Mr. Dupin, que mostrou, com a estatistica referida por um dos D. Pares, os ser; viços que a referida Camara prestará era todos os tempos á boa administração da Justiça; porque se não existisse esta Camara, o Tribunal teria julgar do mais o grande numero de recursos, que referiu o D. Par, e que a Camara rejeitou: não obstante estas e outras ponderações, o Parecer da Commissão foi approvado contra a opinião do Governo.

Ora eu disse no aparte ao D. Par, quando alludiu a esta votação — isso não vai avante; e disse-o, Sr. Presidente, porque os symptomas que eu tinha eram, de que aquelle projecto nunca se, ria convertido em Lei; e pelo que posteriormente se tem passado na sua discussão, parece-me que não me enganei, nem me engano se assim o pensar; porque, o Projecto, segundo as votações já feitas, é no intender dos Membros mais sensatos da Assembléa Nacional de França, verdadeira

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mente desorganisador; e comtudo os reformadores de 24 de Fevereiro tem feito o que podem para vencerem a sua doutrina, e alcançarem votações contra o Ministerio; o que não obstante, a discussão daquelle Projecto vai de tal modo demorada, que de certo não chega o curto tempo, que a Assembléa Nacional tem de existencia, para ser convertido em Lei, e é este o empenho do Ministerio, e o dos amigos da Ordem; porque se elle chegar a ser sanccionado, a Magistratura soffre muito, porque altera toda a ordem em que existe hoje, a qual é fundada em certos principios; e alterada a ordem alteram se os principios. Eis aqui está, Sr. Presidente. porque eu disse que não ia avante esta organisação.

Sr. Presidente, parece-me ter rectificado as observações que eu tinha feito, quando fiz a Proposta que se discute, e respondido ás principaes objecções que se me fizeram, e de que eu tomei apontamentos. Este assumpto tem sido tão bem tractado e tão largamente, que a Camara deve estar de certo cançada, e é necessario que acabe; e eu vou concorrer pela minha parte, para que acabe; por que assim como lhe dei causa com a minha Proposta, justo é que seja eu o que lhe ponha o desejado termo.

Quando eu offereci a minha Proposta, foi por que entendi, que uma vez que se tractava do pessoal do Poder Judiciario, seria bom (e esse era o meu desideratum) que se completasse a sua organisação, tractando-se conjunctamente nas habilitações e das promoções. É o que se está fazendo actualmente na Assembléa Nacional de França, onde se discute um Projecto de Lei, que contém tudo quanto eu queria que este nosso contivesse, como são as habilitações, accessos e aposentações. Eu desejava que a Commissão o addiccionasse com estas duas partes, e com todas aquellas provisões, que tendessem ao seu melhoramento. Mas, Sr. Presidente, uma vez que, depois que eu apresentei a minha Proposta, se disse, que o Sr. Ministro da Justiça já tinha apresentado na outra Camara um Projecto, que comprehende parte do que eu propuz; eu não devo então insistir nessa parte da Proposta (Apoiados). Ora, não insistindo em uma parte, tambem não devo insistir na outra, e sim esperar que esse Projecto venha a esta Camara, não tendo pois duvida de retirar a minha Proposta, se a Camara m'o consentir (Apoiados repetidos). Reservando-me, Sr. Presidente, para na discussão especial das provisões do actual Projecto, apresentar as alterações, que intendo convenientes fazer-lhe, espero que a Commissão as tome na devida consideração.

Peço portanto a V. Em.ª, que queira propôr á Camara se consente, que eu retire a minha Proposta, reservando-me, como já disse, para na especialidade fazer as emendas, que eu intender que podem concorrer, para que o Projecto saia o mais perfeito e completo que seja possivel (Apoiados).

O Sr. V. nu Laborim — Sr. Presidente, peço a palavra sobre a ordem, para um Requerimento.

O Sr. Presidente — Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. V. de Laborim — O nosso Regimento, no artigo 41.° determina, que as discussões na generalidade versem sobre o principio, espirito e opportunidade da materia. Está visto pois, que se nós tivessemos seguido o nosso Regimento á risca, a questão não teria sahido fóra da ordem; mas é forçoso confessar que temos estado fera della (Apoiados). Todavia, a discussão não foi inutil: longe disso, porque ella tem sido illustrada, e póde-se dizer até, que quasi estão discutidos os artigos do Projecto em toda a sua especialidade: neste caso pedia a V. Em.ª, que se dignasse de consultar a Camara, se na presença destas minhas razões julga, que a materia está sufficientemente discutida na generalidade. Espero que a Camara aunuirá ao meu pedido, mesmo porque me fará a justiça de acreditar, que eu não sou muito habituado a fazer estes requerimentos (Apoiados).

O Sr. Presidente — Não ha mais ninguem inscripto. A primeira cousa que vou pôr á votação é o requerimento do D. Par o Sr. Feliz Pereira de Magalhães, para. que a Camara consinta que retire a sua Proposta; seguidamente a do D. Par Visconde de Sá; depois se se julga a materia discutida na Sua generalidade, como propôz o D. Par o Sr. V. de Laborim.

O Sr. Ministro da Justiça — Sr. Presidente, eu fazia tenção de pedir licença á Camara para dizer alguma cousa sobre a generalidade do Projecto, ou antes para dar algumas explicações, e fazer breves observações sobre pontos que se tocaram na discussão, muito illustrada pelos discursos tão eloquentes de alguns dos Jurisconsultos muito distinctos que tem assento nesta Camara. Conheço que ella está cançada, e que eu não poderia facilmente conciliar a sua attenção: reservo-me portanto para offerecer algumas considerações na discussão da especialidade, quando lá se chegar (Apoiados).

A Camara consentia em que o Sr. Pereira de Magalhães retirasse a sua Proposta.

A Proposta do Sr. V. de Sá da Bandeira foi rejeitada. -

Passando-se livremente a offerecer á votação a generalidade, léo se:

Parecer n.º 112.

Senhores: A Commissão de Legislação examinou, e por mais de uma vez discutiu, com séria attenção, o Projecto de Lei approvado na Camara dos Senhores Deputados, que tem por objecto regular a aposentação dos Magistrados Judiciaes e do Ministerio Publico.

A materia deste Projecto havia sido originariamente submettida á consideração do Parlamento, na Sessão de 1813, em uma Proposta do Governo apresentada á Camara dos Senhores Deputados, a qual, sendo remettida á Commissão respectiva, foi por ella reduzida a Projecto de Lei, com algumas alterações em que o respectivo Ministro concordou; tendo, porém, terminado aquella Legislatura sem que fosse completamente approvado o dito Projecto, caducou este; mas na Sessão passada, tendo sido renovada a iniciativa, a mesma Commissão, adoptando a sua doutrina, foi o mesmo Projecto discutido e approvado, sem alteração alguma, nos mesmos termos em que havia sido redigido na Legislatura anterior.

A necessidade e conveniencia de regular as aposentações dos Magistrados Judiciaes e do Ministerio Publico é evidente, e foi unanimemente reconhecida pelos Membros da Commissão, os quaes não menos reconhecem que, achando-se esta materia definida com relação a outras classes de servidores do Estado, a quem, debaixo do titulo de jubilação e de refórma, que equivale á aposentação, são concedidas differentes prerogativas e vantagens, seria injusto, e até absurdo, que iguaes vantagens fossem negadas á classe dos Juizes, quando estes formam parte de um dos Poderes Políticos do Estado, a quem a Lei Fundamental attribue a qualidade essencial de independencia, a qual será sempre illusoria em quanto as promoções, accessos, e todos os direitos que devem competir aos Juízes, não estiverem claramente definidos na Lei, e fóra do arbitrio do Poder Executivo.

Com estes fundamentos a Commissão não hesitou em adoptar o pensamento do Projecto na sua generalidade, e não menos adoptou a maior parte das disposições nelle comprehendidas: julgou, porém, que devia alterar algumas dellas, e substituir outras pela doutrina comprehendida na Proposta originaria do Governo, por lhe parecer esta menos complicada, e mais conforme aos principios de justiça, combinados com as disposições que por differentes Leis tem sido adoptadas a respeito de outras classes de empregados.

A Commissão julgou tambem, que devia aproveitar esta occasião para reparar, da maneira possivel, a injustiça que tem soffrido alguns empregados da antiga Magistratura Judicial, os quaes, sem facto proprio, e só por effeito da organisação da nova Magistratura, ficaram della excluidos, vendo por esse modo cortada a sua carreira, em que muitos haviam prestado valiosos serviços.

Debaixo destes principios, e em vista dos esclarecimentos fornecidos pelo Sr. Ministro da Justiça, que foi convidado para assistir e tomar parte nas conferencias da Commissão, redigiu esta, e tem a honra de submetter á approvação da Camara o seguinte Projecto de Lei. Foi approvada a generalidade. O Sr. Presidente — Não sei se a Camara quererá passar agora á discussão da especialidade do Projecto, ou se quer discutir estes Projectos que tambem se deram para Ordem do dia, e que talvez não terão grande discussão (Apoiados). Bem. A Camara quererá agora antes passar á discussão da generalidade do Parecer n.º 115 sobre o Projecto n.º 98.

Parecer n.º 115 sobre a Proposição de Lei n.º 98

relativa a sentenças condemnatorias de pena capital proferidas em Macáo, Solor e Timor, as quaes não serão executadas sem preceder recurso para a Relação do Estado, e resolução do Poder Moderador.

Parecer n.º 115.

A Commissão de Marinha desta Camara, tendo examinado o Projecto de Lei n.º 98, vindo da Camara dos Srs. Deputados, para que as sentenças condemnatorias de pena capital, proferidas pelas Juntas de Justiça da Provincia de Macáo, Solor e Timor, ainda mesmo nos casos de morte de Chim, não poderão ser executadas, sem que tenha precedido o recurso para a Relação do Estado, e resolução do Poder Moderador, communicada ao Governador da Provincia pelo respectivo Ministro; é de opinião que este Projecto está em harmonia com os principios constitucionaes, e que portanto não deve offerecer obstaculo a admissão desta doutrina, e como tal deve ser adoptado.

Sala da Commissão, aos 19 de Abril de 1849. — Sá da Bandeira = D. Manoel de Portugal e Castro = C. de Linhares, Relator,

Approvada a generalidade.

O Sr. Presidente — Passa-se á discussão na especialidade, começando pelo artigo 1.* Proposição de Lei n.º 98.

Artigo 1.* Depois da publicação desta Lei, as sentenças condemnatorias da pena capital, proferidas pela Junta de Justiça da Provincia de Macáo, Solor e Timor, ainda mesmo nos casos de morte de Chim, não poderão ser executadas, sem que tenha precedido o recurso para a Relação do Estado, e resolução do Poder Moderador, communicada ao Governador da Provincia pelo respectivo Ministerio.

O Sr. V. de Sá da Bandeira — Eu intendo que este Projecto deve passar tal qual como está, ainda que, no meu modo de pensar, elle não era preciso; porque, segundo a Legislação geral, nenhuma sentença de pena capital póde ser executada sem ser consultado o Poder Moderador: todavia, como alguns Governadores daquellas Possessões teem feito executar sentenças capitães sem consultarem o Poder Moderador, nenhum inconveniente acho em que passe este Projecto de Lei.

Votes—Votos. Votos.

Approvado o artigo 1.º

Art. 2.° Fica revogado e paragrapho sexto do Alvará de 26 de Março de 1803, e toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 3 de Abril de 1849. = (Com a assignatura da Presidencia da Camara.)

Approvado.

O Sr. Presidente—Vai-se passar á discussão do Parecer n.º 116 sobre o Projecto n.º 99.

Parecer n.º 116 sobre a Proposição de Lei n.° 99, fixando a Força de, mar para o anno economico de 1849 para 1850.

O Sr. C. de Linhares—Eu pedi a palavra para lembrar a V. Em.ª e á Camara, que seria muito conveniente que o Sr. Ministro da Marinha viesse assistir á discussão deste Projecto, porque a sua presença realmente torna-se necessaria.

O Sr. Presidente — O D. Par o Sr. C. de Linhares pede que se delira a discussão deste Projecto até que o Sr. Ministro da Marinha esteja presente: por conseguinte, passa-se á discussão de outro, caso que a Camara nisto convenha. (Apoiados.)

O Sr. C. de Linhares — Eu pedi a presença do Sr. Ministro da Marinha, porque S. Ex.ª póde ter mais conhecimentos para entrar na discussão deste Projecto, porque a Commissão apenas se guiou pelo Orçamento da Marinha.

O Sr. Presidente — Sou informado, de que o Sr. Ministro da Marinha está doente, motivo pelo qual não póde vir assistir a esta discussão.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Este Projecto tracta da fixação da Força de Mar, é por isso muito conveniente que o Sr. Ministro da Marinha venha assistir á sua discussão, porque é esta a occasião de se fallar sobre este e outros objectos que lhe são relativos. Podemos pois passar a discutir o outro Projecto dado para Ordem do dia, tanto mais que elle se poderá approvar sem grande discussão.

O Sr. Presidente—Vou consultar a Camara sobre a Proposta do D. Par o Sr. C. de Linhares; isto é, que se adie este Projecto de Lei até estar presente o Sr. Ministro da Marinha.

Approvado.

O Sr. Presidente—Vai lêr-se o Parecer n.º 117 sobre o Projecto n.º 100. Parecer n.º 117 sobre a Proposição de Lei n.º 100, estabelecendo a distribuição de macas nos navios do Estado, ás praças de guarnição, que nelles não tiverem alojamentos fixos.

Parecer n.º 117.

Á Commissão de Marinha, desta Camara, tendo examinado o Projecto de Lei n.º 100, vindo da Camara dos Sr.s Deputados; é de parecer, que sendo o seu objecto a distribuição de macas ás praças de guarnição, que não tiverem alojamentos fixos, regulando as condições desta distribuição, não contém materia que offereça objecção a ser admittido tal qual se acha, e que deve ser approvado pela Camara.

Sala da Commissão, aos 19 de Abril de 1849. = Sá da Bandeira = D. Manoel de Portugal e Castro = C. de Linhares, Relator.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Parece-me que este Projecto de Lei não é necessario, por isso que a providencia que nelle se ordena está nas attribuições do Governo (Apoiados). A fallar a verdade, é digno de attenção, que o Governo esteja a apresentar Projectos de Lei sobre cousas tão insignificantes, ao mesmo tempo que está pedindo votos de confiança os mais amplos.

No entanto, como se tracta de melhorar a Sorte dos marinheiros, nenhuma duvida tenho em votar pelo Projecto.

Approvada a generalidade.

Proposição de Lei n.º 100.

Art. 1.º Ás praças de guarnição em Navios do Estado, que não tiverem alojamentos fixos, será distribuida gratuitamente maca para seu uso, e mais indicações do serviço.

Art. 2.º A praça que extraviar maca, ou que, por falta sua, concorrer para que ella se inutilise, se descontará em seus vencimentos a importancia primitiva da mesma maca.

§. unico. O pagamento da maca extraviada, ou inutilisada, não exime a praça, que para isso concorrer, do castigo correccional, em que, segundo as circumstancias, possa ter incorrido.

Art. 3.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.

Palacio das Côrtes, em 3 de Abril de 1849. = (Com a assignatura da Presidencia da Camara.)

Approvada a especialidade.

O Sr. Presidente—Vou mencionar os nomes dos D. Pares, que hão deformar a Deputação para no dia 29 ir comprimentar a Suas Magestades pelo Anniversario da Outhórga da Carta Constitucional da Monarchia Além do Sr. Presidente, os Sr.s Secretario Margiochi, Pereira Coutinho, Pereira de Magalhães, Tavares de Almeida, Silva Carvalho, Duarte Leitão, Serpa Machado, Fonseca Magalhães, Mello Breyner, D. da Terceira, e M. de Castello Melhor.

O Sr. Fonseca Magalhães — Pedia a V. Em.ª que tivesse a bondade de dar para Ordem do dia da primeira Sessão o Parecer n.° 118 sobre o Projecto n.º 104, tendente a authorisar o Governo a mandar proceder á exploração geologica e mineralógica do Reino, objecto, quanto a mim, muito interessante, e que pouca ou nenhuma discussão terá.

O Sr. V. de SÁ da Bandeira — Peço tambem a V. Em.ª, que dê para Ordem do dia o Parecer n.º 119 sobre o Projecto n.º 105 relativo á importação dos nossos vinhos e agoardentes nas Provincias Ultramarinas.

O Sr. Silva Carvalho — Eu tambem desejo muito, que se tracte desse Projecto relativo a promover o consumo dos nossos vinhos e agoardentes, cuja producção faz uma das nossas principaes riquezas, principalmente nas Provincias do Douro e Minho, e cuja falta de consumo tem produzido na riqueza publica grande diminuição, como todos reconhecem e sentem: quereria pois que o Sr. Ministro da Fazenda houvesse de vir assistir á discussão deste Projecto: S. Ex.ª já assistiu á sua discussão na outra Camara, e poder-nos-ha dar todos os esclarecimentos, que por ventura se possam exigir.

O Sr. Presidente — A Camara não quererá agora entrar em discussão da especialidade do Projecto sobre aposentações Fores — Nada;Nada.

O Sr. Presidente—A hora está a dar, portanto passo a levantar á Sessão. A primeira terá logar ámanhã, e a Ordem do dia, os Projectos n.º 104 e 105, e havendo tempo, o de que tractamos hoje, sobre as aposentações. Está fechada a Sessão — Eram quasi quatro horas da tarde.

Repartição de Redacção das Sessões da Camara, em 1.° de Maio de 1849. = O Sub-Director da Secretaria, Chefe da dita Repartição

José Joaquim Ribeiro e Silva.

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