O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1657

CAMARA DOS DIGNOS PARES

Discursos do digno par, o ex.mo sr. Costa Lobo, proferidos nas sessões de 6, 7 e 13 de maio, publicadas no Diario de Lisboa n.° 105 de 10, n.° 107 de 13, e n.º 112 de 18 do mesmo mez

Discursos pertencentes á sessão do dia 6 de maio O sr. Costa Lobo: — Eu peço licença para ponderar ao digno par, o sr. visconde de Chancelleiros, que tome em consideração o artigo 57.° do nosso regimento (leu o artigo 57.º do regimento da camara). A vista d'este artigo, nada me resta que responder. Parece que a minha proposta deve tomar o logar do projecto n'esta discussão, e ser discutida previamente, em conformidade com o que o artigo 57.° estatue.

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, eu não tenho interesse algum em que a minha proposta seja discutida anteriormente ao parecer da commissão. O regimento e a logica pedem que uma questão de adiamento se discuta antes da questão que se pretende adiar. V. ex.ª acaba de o confessar. Se a camara, na sua sabedoria, entende que a minha proposta se deve discutir conjunctamente com o parecer da commissão, faz uma excepção á disposição regimental, e torna-se necessaria uma dispensado regimento. E este ponto que eu desejo tornar saliente. Eu não me opponho a qualquer resolução que a camara entenda que deve tomar.

O sr. Costa Lobo: — Sr. presidente, estimei muito ouvir o illustre ministro antes de começar as minhas observações. O discurso que s. ex.ª acaba de pronunciar, confirma-me plenamente nas convicções que ha muito se tinham apossado do meu espirito.

Seria difficil encontrar um parlamento onde um ministro da fazenda ousasse apresentar-se no seu seio, com uma exposição financeira, como aquella que s. ex.ª acaba de nos fazer.

Sendo tão apuradas e graves as nossas circumstancias, ha um ministro que não duvida declarar que não tem procedido senão por meio de expedientes vagos e incertos, que não tem plano algum definido, que ha de nomear uma commissão externa, que ha de fazer um estudo mais detido e cabal... e apesar de tudo isto, conclue pedindo que lhe sejam votados 2.346:000000 réis de impostos! Estranha argumentação!

Estas reflexões affluiam ao meu espirito, emquanto ouvia o honrado ministro. S. ex.ª mesmo justificava com as suas palavras o adiamento por mim proposto. S. ex.ª confessava que a questão financeira não estava estudada;.e póde porventura entrar no espirito de alguem que se vote um imposto tão oneroso e vexatorio como este, sem um estudo completo e minucioso!?

Sr. presidente, quando abri o relatorio do sr. ministro, abri-o, não com o intuito de exercer sobre elle aquelle direito de apreciação que compete a cada um dos membros d'esta camara, mas com o fim de aprender no escripto de um estadista tão abalisado em conhecimentos financeiros, e com tão larga e brilhante experiencia dos negocios publicos. Fallo com sinceridade. Com a mesma sinceridade devo declarar que fiquei completamente desapontado.

As idéas do illustre ministro revestem-se de uma fórma tão vaga e incerta, apresentam tão rapidos e variados cambiantes, que quando se pensa ter apprehendido uma idéa, de repente ella se desvanece como o fumo que se mistura no ar, e encontra-se o leitor n'aquella triste situação em que Virgílio descreveu a Orpheu, desvairado pela perda de Eurydice, e abraçando-se em vão com uma sombra

Prensantem necquiquam umbras.

Como não quero que a camara acredite só na minha palavra, vou ter alguns trechos do relatorio do sr. ministro. Nem posso dispensar-me de discutir a questão financeira, porque nenhum imposto se póde considerar exclusivamente de per si, mas como um meio de remediar males superiores, ou de obter vantagens conhecidas. Olhado sómente em si, qualquer tributo, como gravame que é, seria necessariamente rejeitado. E mister investigar o systema financeiro, de que elle é um elemento.

Qual é pois em primeiro logar a apreciação que o digno ministro possa fazer sobre a nossa situação financeira?

Essa apreciação envolve dois juizos: o primeiro, sobre o procedimento que até hoje se tem seguido; o segundo, sobre aquelle que convem seguir para o futuro. Ouçamos o relatorio (leu).

Vem primeiro a costumada imprecação contra o deficit, e derramam-se, como é de etiqueta, algumas lagrimas sentidas sobre as miserias da nossa fazenda. Depois continua s. ex.ª: «Só o convencimento dos grandes recursos nacionaes, etc.». São as consolações que devidamente se seguem ao reconhecimento da desgraça. S. ex.ª não faltou a um apice das formalidades que n'este caso é uso seguir no parlamento, principalmente da parte dos oradores ministeriaes.

Segue-se agora o seu julgamento sobre os actos do passado. «Não é o desperdicio nem o desconcerto das nossas finanças que tem produzido este estado de cousas... A nossa transformação politica e economica leva já mais de trinta annos e ainda não esta completa. Este periodo, que é pequeno para a vida das nações, é grande para a geração que vae passando, e que, tendo lançado á terra a semente de grandes melhoramentos, nem de todos póde colher o fructo. D'estes factos nasce por um lado o desequilibrio do nosso orçamento, e por outro a repugnancia ao pagamento de novas contribuições. Parece que a idéa dominante, sem que ninguem publicamente a manifeste, consiste em deixar ás gerações futuras, com os beneficios da civilisação que lhes legamos, os encargos de que foi causa. Este raciocinio que póde ter alguma plausibilidade dentro de certos limites, é, alem d'elles, evidentemente absurdo... A organisação das finanças é uma questão do presente e do futuro, e debaixo d'este ponto de vista sóbe de gravidade. Se formos continuando no systema de pedir ao credito para pagar o credito, iremos no plano inclinado, que leva ao cataclysmo, e nenhum homem que ame a sua patria póde querer tomar a minima parte que seja na responsabilidade de tão desastrosa politica.»

(O orador leu por inteiro estes differentes periodos do relatorio.)

Se porventura ha n'este relatorio alguma outra passagem que elucide ou complete o pensamento do Sr. ministro, eu peço a s. ex.ª que m'a indique e que me corrija, porque não desejo que nem de leve se supponha que eu pretendo alterar ou mutilar as suas idéas ou as suas palavras.

Pensa pois a. ex.ª que não tem havido desconcerto nem esbanjamento nas nossas finanças. Bem esta. É uma opinião, pouco justificavel, mas, que se, comprehende. Mas não se passam muitos periodos, e 8. ex.ª anathematisa o systema que temos seguido, de pedir ao credito para pagar o credito, declara que similhante systema é um plano inclinado que nos, leva ao cataclysmo, e patrioticamente protesta que nenhum homem que ame a sua patria póde querer tomar a minima parte na responsabilidade de tão desastrosa politica. l;,

Então onde estamos nós? Em que ficâmos? Que pensa B. ex.ª.? Pois esse systema que leva ao cataclysmo, não é desconcertado nem esbanjador? Pois essa politica, abominavel para o bom patriota, não é uma politica desconcertada nem esbanjadora?

Estas proposições inconciliáveis fazem-me lembrar d'aquelles celebres oráculos de Delphos, que eram por tal fórma amphibologicos, que sempre se podiam entender na affirmativa ou na negativa. Cada um os interpretava conforme queria.

Depois pergunto eu: qual deve ser a norma do nosso procedimento para o futuro? Por um lado o sr. ministro reconhece que em vão se appella para o augmento progressivo dos rendimentos publicos, a despeza augmenta mais do que elles, e a situação do thesouro é cada vez mais precaria. Parece não lhe agradar a idéa de legar exclusivamente ás gerações futuras o encargo da civilisação. Mas logo conclue que esse raciocinio, que póde ter alguma plausibilidade dentro de certos limites, é, alem d'elles, evidentemente absurdo.

Quaes são porém esses limites? Qual é o principio superior que, na opinião de s. ex.ª, deve regular o homem publico na demarcação das despezas do estado? Qual é a idéa dominadora que deve presidir ás nossas deliberações n'esta questão fundamental? Qual o fanal que nos deve alumiar por entre estas proposições encontradas? Qual deve ser, n'uma palavra, a regra do nosso futuro procedimento? O digno ministro não diz cousa alguma por onde possamos rastejar sequer o seu pensamento; limita-se a expor esses dois principios contrarios.

Na verdade, sr. presidente, essa é a maneira por que o illustre ministro procede, sempre nas suas exposições. Vale a pena, conhecer esse methodo que s. ex.ª costuma sempre adoptar.

Para declarar as suas idéas sobre qualquer assumpto, o sr. ministro faz invariavelmente o seguinte. Estabelece duas proposições contrarias; faz concessões a uma e restricções á outra; procura diluir esta n'aquella; e por via das excepções, das restricções, das combinações e das fusões, forma uma doutrina vaga, incerta, amphibologica, camaleonica, amoldavel a todos os conceitos, que não póde propriamente, pela sua natureza vaporosa, ser combatida, mas de que se não póde deduzir nenhuma idéa precisa, nenhum resultado pratico.

Este modo de proceder é commodo e vantajoso. Fica por esta fórma o honrado ministro mais invulnerável do que Achilles. Se lhe impugnam uma das suas proposições, responde immediatamente com a que está juxtaposta. Tome-se por exemplo o que s. ex.ª diz a respeito das economias (leu).

As economias são boas e são más. Quando duas forças de igual intensidade se entrechocam; mutuamente se annullam. E o que n'este caso acontece. E o mesmo relatorio que confessa que se por um lado se fizeram economias, por outro lado se augmentaram as despezas (leu). Resultado e vantagem nenhuma.

Ora, sr. presidente, eu confesso que em questões de fazenda sou avesso a essa neblina ondeante em que o relatorio evapora as suas idéas. O vaporoso dá graciosidade á poesia, mas não tem cabimento em questões financeiras, que se traduzem pela fórma secca e pronunciada dos algarismos. E necessario ter idéas definidas em assumptos d'esta ordem. É necessario sabermos p fim a que nos dirigimos e o caminho que temos a seguir. E necessario a cada passo da nossa derrota, tomar a latitude e a longitude para não encontrarmos ao cabo o cataclysmo de que falla o illustre ministro.

De todos os males porém que affligem a fazenda publica, o mais grave é essa deficiencia excessiva, habitual e chronica dos rendimentos do estado, o deficit, triste legado que os annos se traspassam successivamente com progressivo augmento.

E opinião conteste de toda a nação, que a sua extincção é uma necessidade impreterivel. Que pensa o honrado ministro a este respeito? Qual é o seu plano para levar a cabo esta empreza?

Para cobrir uma parte d'esse deficit s. ex.ª adoptou um expediente muito simples, por cuja invenção, por mais propenso que se seja aos enthusiasmos encomiasticos, lhe não póde caber grande gloria. Elevou a 40 por cento o imposto de viação nas contribuições predial, pessoal, industrial e de registo; a 50 por cento na decima de juros; a 20 por cento nos direitos de mercê, matriculas e cartas. Elevou igualmente o imposto de sêllo. Em tudo isto não houve mais que uma simples addição arithmetica.

Em seguida capitalisou algumas despezas reduzindo os encargos annuaes do estado ao pagamento dos pesos, mas elevando por esta fórma a sua divida.

Depois lembrou, como s. ex.ª acaba de dizer, o imposto de consumo. Podia lembrar qualquer outra cousa, mas lembrou este na fórma em que se acha, e que vae apremar quasi exclusivamente a classe proletaria (apoiados).