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Relatorio, e Projecto de Lei apresentado na Sessão de 12 de Maio de 1848 pelo D. Par
Margiochi.
QUANDO se consideram os gravissimos males, que tem causado a circulação forçada das Notas do Banco de Lisboa; quando se observa a depreciação, que esta moeda tem produzido em muitas fortunas, e o modo porque este meio circulante tem affectado muitos interesses legitimos; facilmente se explicam os louvaveis desejos das pessoas, que teem lembrado diversos meios para remediar a depreciação deste papel-moeda. Para se estabelecer porém um juizo seguro, quanto ao modo de considerar este importantissimo objecto, e para se poder adoptar um meio proficuo para melhorar, ou extinguir o mal que se sente, será necessario seguir em suas phases o flagello do agio das Notas do Banco de Lisboa; conhecer os motivos que deram logar á adopção das diversas medidas que, no decurso de quasi dois annos, teem sido, debalde, promulgadas para atenuar este mal; examinar os factos, e recorrer a principios incontroversos de economia politica applicaveis a esta questão. Só por estes meios se poderá, talvez, conseguir a resolução de um problema economico que occupa muitos espiritos elevados e pensadores.
Em 22 de Maio de 1846, representou ao Governo a Direcção do Banco de Lisboa, que a agitação, em que se achava o paiz, tinha produzido uma affluencia de Notas ao Banco, que não havia sido possivel moderar, apesar de se terem empregado todos os meios imaginaveis para a diminuir, ou para lhe fazer face; de maneira, que era fóra de toda a dúvida, não poder o Banco deixar de suspender o pagamento de suas Notas.
A Direcção do Banco de Lisboa, allegando quanto tal acontecimento poderia tornar-se funestissimo para quasi todas as fortunas, pois que a maior parte dellas se achavam directa, ou indirectamente ligadas com o Banco; allegando possuir valores duplicadamente superiores a todo o seu debito, mas que não podiam ser de prompto realisados; pedia, que as Notas do Banco de Lisboa fossem recebidas, em todas as transacções e pagamentos da Fazenda e dos particulares, como moeda metalica, unicamente pelo tempo indispensavel para effectuar a realisação dos seus valores, o que talvez, dizia a Direcção, se poderia verificar no prazo de noventa dias.
O Governo, principal devedor do Banco, depois de mandar proceder aos exames e averiguações necessarias, concedeu, por Decreto de 23 de Maio de 1846, que o Banco suspendesse, por tempo de tres mezes, o pagamento geral das suas Notas, se antes desse prazo lhe não fosse possivel reassumir o mesmo pagamento. Ordenou que, durante este prazo, tivessem curso forçado as Notas do Banco de Lisboa, sendo recebidas pelo seu valor nominal, como dinheiro metalico, assim no pagamento de todas as contribuições e rendas publicas, como nas transacções entre particulares, com excepção das Letras de Cambio entre a Praça de Lisboa, e as Praças estrangeiras. E incumbio, finalmente, ao Tribunal do Thesouro Publico, fiscalisar a execução do mesmo Decreto, e encarregou o Tribunal de propôr as medidas, que julgasse opportunas sobre este objecto.
O Decreto de 23 de Maio, é um acontecimento notavel na historia economica deste paiz. A resolução do Governo tem sido censurada; mas é certo, que, qualquer outra resolução adoptada, traria tambem outras consequencias funestissimas para a nação. A medida adoptada pelo referido Decreto, sustenta-se com razões de moralidade, e de conveniencia, com relação a qualquer outra resolução que se tivesse seguido. A medida decretada pelo Governo, póde-se tambem defender com a authoridade de um notavel estadista, que tomára em 1797 igual resolução a respeito das Notas do Banco de Inglaterra, quando, em consequencia do panico que se manifestára, os cofres deste Estabelecimento iam ser esgotados dos ultimos capitaes destinados ao pagamento das Notas do Banco. Igual resolução tem sido, ultimamente, adoptada pelo Governo Francez, pelo Governo Belga, pelos Governos de alguns estados da Allemanha, e recentemente pelo Governo Pontificio.
Se considerarmos a importancia das Notas do Banco de Lisboa em circulação, quando se manifestou o panico, e a importancia dos depositos metalicos destinados a fazer face á emissão das mesmas Notas; parece que a Direcção do Banco de Lisboa fóra menos previdente na emissão do seu papel circulante, desviando-se das regras que se devem seguir sobre este objecto. Se notarmos, comtudo, a força dos abalos politicos que soffria
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O paiz, a intensidade do panico, e a posterior quebra do Banco de França, e de outros Bancos da Europa; reconhecer-se-ha, que mesmo quando a Direcção do Banco se não tivesse desviado dos principios, que deviam regular a emissão do sou papel circulante, teria, ainda assim, sido inevitavel a catastrophe deste Estabelecimento em tão extraordinarias, e criticas circumstancias.
O resultado da suspensão do pagamento das Notas do Banco de Lisboa, foi o seu immediato desconto, o qual nos primeiros dias depois da circulação forçada das Notas era, termo medio, de 100 réis por cada 4$800 réis, desconto que foi tendo successivo, e quasi periodico incremento, posto que, nos primeiros mezes da sua existencia, fossem trocadas, diariamente e ao par em moeda metalica, muitas Notas a particulares, e ao Governo, e fossem recolhidas ás Caixas daquelle Estabelecimento consideraveis importancias das suas Notas, empregando para isso a Direcção differentes meios; sendo um delles a obrigação que contrahio de pagar em metal, no fim de certo tempo, as Notas que se lhe levassem para capitalisar. Mas os effeitos de todas essas medidas, eram destruidos pela progressiva, e rapida decadencia do credito publico, e pelos fortes supprimentos em Notas que o Banco se via na necessidade de fazer ao Governo, ou a outrem.
Por Decreto de 20 de Julho de 1845, ordenou-se que as Letras de Cambio entre as diversas Praças commerciaes destes Reinos, e as estrangeiras fossem, como o eram já as da Praça de Lisboa, satisfeitas em moeda metallica.
Por Decreto de 3 de Agosto de 1846 foram creados tres Commissarios Regios para fiscalisar, por parte do Governo, junto da Direcção do Banco de Lisboa os actos da mesma Direcção; no mesmo Decreto se fixam as attribuições dos ditos Commissarios. Segundo consta do preambulo do referido Decreto, esta providencia foi adoptada em vista da Consulta do Tribunal do Thesouro Publico do 1.° de Agosto em que ponderava ser insufficiente, e inefficaz a fiscalisação, que se lhe incumbira pelo Decreto de 23 de Maio de 1846, pedindo a Sua Magestade que houvesse de providenciar sobre este gravo assumpto, sendo dispensado o mesmo Tribunal de continuar no exercicio de tal incumbencia.
Por Decreto de 20 de Agosto de 1846, ordenou-se, que as Notas do Banco de Lisboa continuassem a ter curso forçado por mais quarenta dias, pelo modo que se acima estabelecido. Este Decrete teve por fundamento a Representação da Direcção do mesmo Banco allegando que, apezar das providencias adoptadas para o restabelecimento do credito, e regular pagamento de suas Notas, não lhe fóra possivel obter, por então, tão interessante resultado, attento o curto espaço de tres mezes, estabelecido pelo Decreto de 23 de Maio para o curso forçado das mesmas Notas, pelo que pedia a Direcção se lhe concedesse, por mais algum tempo, a prorogação do curso forçado das Notas, como indispensavel á sua rehabilitação. O Governo, attendendo á informação dos Commissarios Regios, e ao Parecer do Tribunal do Thesouro Publico, deferiu á Representação da Direcção do Banco como fica indicado.
Por Decreto do 1.º de Outubro de 1846, foi prorogado, até 31 de Dezembro do mesmo anno, o curso forçado das Notas do Banco de Lisboa. Fundava-se o Governo, em que era conveniente tal medida, para evitar os graves prejuizos, que resultariam aos portadores das Notas, ao commercio em geral, e ás transacções particulares, se esta moeda fosse repentinamente retirada da circulação.
Tão notaveis eram as oscilações do valor das Notas do Banco de Lisboa! tão rapidamente iam perdendo o seu valor, que o commercio, em gera), rejeitava esta moeda das suas transacções!. Por Decreto de 14 de Novembro de 1846, foram estabelecidas penas com o fim de tornar effectiva a circulação das Notas do Banco de Lisboa, e incumbiu-se ás Authoridades Administrativas o * vigiar pela rigorosa execução do mesmo Decreto, a fim, dizia o preambulo do referido Decreto, de não ser illudida a saudavel, e necessaria providencia da circulação, das mesmas Notas, fazendo-se concertos, e avenças, com clausulas fraudulentas, para se haverem de exigir pagamentos em carta moeda, e assim se excluírem delles as mesmas Notas, chegando o abuso ao excesso de, em algumas lojas e mercados, se enjeitarem as mesmas Notas, e em outras lojas se abrirem preços diversos, segundo a qualidade intrínseca da moeda.
Por Decreto de 17 de Novembro de 1846, foram declaradas algumas das disposições penaes do citado Decreto de 14 de Novembro, a fim de algumas das disposições decretadas terem sómente execução quanto ás transacções feitas depois da publicação deste Decreto; annuindo, assim, o Governo ao que lhe haviam exposto varios negociantes nacionaes, e estrangeiros.. No Relatorio de 19 de Novembro de 1846, expunham os Ministros a Sua Magestade as diversas causas da crise politica, economica, commercial, e financeira em que se achava o paiz; e ponderavam, que nem os cuidados da guerra civil, em que ardia o paiz, nem os esforços pelo restabelecimento da paz, e da tranquilidade publica, os podia fazer esquecer de remediar, quanto possivel, os desastrosos effeitos da crise em que se achava a Nação.
Entendiam os Ministros, que era necessario determinar definitivamente o curso das Notas do Banco de Lisboa, até então provisorio, e que alargando-lhe o teu giro diminuiria consideravelmente o agio que, aliás, teriam. Expondo as circumstancias peculiares de diversos credores do Estado, e declarando terem considerado a lição da experiencia adquirida nas nações que melhor uso tinham feito dos estabelecimentos do Banco, submettiam á Alta Consideração de Sua Magestade, o Decreto da creação do Banco de Portugal, que foi sanccionado em 19 de Novembro de 1846,
pelo qual foram regulados os interesses de diversos credores do Estado, e de alguns Estabelecimentos de credito, sendo o Banco de Lisboa refundido no de Portugal.
O citado Decreto de 19 de Novembro, alem de outras providencias, fixou em 5.000:000$000 réis a importancia das Notas do Banco de Lisboa, incluindo nesta somma a emissão de Notas de 2$400 réis, e de 1$200 réis, regulada segundo as conveniencias da circulação. Estabeleceu que as mesmas Notas fossem recebidas em todo o Continente do Reino, como moeda corrente, pelo seu valor nominal, na totalidade dos pagamentos, até 30 de Junho de 1847; desde esse dia até 31 de Dezembro de 1848, em dois terços; e desde este dia até serem amortisadas, em metade. Estabeleceu que o Banco de Portugal amortisaria por mez, a começar de Janeiro de 1847, 18:000$000 réis de Notas do Banco de Lisboa. E ordenou que os titulos das Notas do Banco de Lisboa capitalisadas, poderiam ser pagos pelo Banco de Portugal, em Notas do Banco de Lisboa, nas épocas em que era permittido aos possuidores receberem a sua importancia nesta especie.
A fim de se darem garantias publicas do exacto cumprimento das disposições, do Decreto de 19 de Novembro de 1846, pelas quaes se fixou em cinco mil contos de réis a somma das Notas do Banco de Lisboa, que poderiam circular em todo o continente do Reino, sugeitas á amortisação de desoito contos de réis por mez; determinou-se, por Decreto de 21 de Novembro de 1846: 1.º Que uma Commissão, composta de tres Membros, examinasse no Banco de Portugal os registos e documentos, por onde devia constar a creação, emissão, e amortisação das Notas do Banco de Lisboa; para o que a Direcção do Banco de Portugal franquearia todos os elementos, e prestaria todos os esclarecimentos necessarios á mesma Commissão.
2.° Que a referida Commissão separasse, no Banco de Portugal, a somma de Notas necessaria para completar, com as que estivessem na circulação a quantia de cinco mil contos de réis; devendo inutilisar e remetter todas as outras á Junta do Credito Publico, para alli serem amortisadas.
3.º Que a mesma Commissão remetteria á Junta do Credito Publico todas as chapas que tivessem servido para a creação das Notas do Banco de Lisboa.
4.º Que as Notas de 2400 réis, e de 1200 réis, que podiam ser comprehendidas na quantia de Notas do Banco de Lisboa, fixada em cinco mil contos de réis, não seriam emittidas sem um sello especial, posto na Junta do Credito Publico, aonde se entregaria igual somma em Notas do Banco de Lisboa inutilisadas para se amortisarem.
5.° Que, no dia 15 de cada mez, o Banco de Portugal enviaria á Junta do Credito Publico desoito contos de réis de Notas do Banco de Lisboa, inutilisadas, para se proceder á sua amortisação.
Por Decreto de 24 de Novembro de 1846, foi regulado o modo, porque as Authoridades Administrativas deveriam proceder em execução do Decreto de 14 do mesmo mez, na parte era que, especialmente, lhes incumbia vigiar pela rigorosa observancia deste Decreto.
No Relatorio do 1.* de Fevereiro de 1847, expunham os Ministros que, como em virtude do Decreto de 19 de Novembro de 1846, todos eram obrigados a receber as Notas do Banco de Lisboa, no continente do Reino; como era de justiça que o mesmo Poder publico, que decretou esta obrigação garantiste a outra de amortisar as ditas Notas; como nenhuma duvida podia haver em se constituir o Estado devedor ao Publico da importancia das Notas do Banco de Lisboa, quando o Banco de Portugal lhe era credor por sommas muito superiores; como, em fim, era de grandissimo interesse nacional que as Notas do Banco de Lisboa, a que se dera curso forçado, tivessem o maior credito possivel: entendiam os Ministros, que essas Notas deveriam ser garantidas, simultaneamente, pelo Estado, e pelo Banco de Portugal; e por isso propunham a Sua Magestade o seguinte:
1.° Que as Notas do Banco de Lisboa, fixadas na quantia de 5.000:000$000 de réis, pelo Decreto de 19 de Novembro de 1846, representassem, conjunctamente, divida do Estado, e do Banco de Portugal.
2.º Que a amortisação das Notas do Banco de Lisboa, que devia ser effectuada pelo Banco de Portugal, era garantida pelo Estado.
3.° Que se por qualquer circumstancia o Estado amortisasse alguma quantia de Notas do Banco de Lisboa, essa quantia seria encontrada nas dividas do Estado ao Banco de Portugal.
4.º Que, até ao dia 30 de Abril de 1847, todas as Notas do Banco de Lisboa seriam selladas na Junta do Credito Publico com um sello especial.
5.° Que, desde o dia 30 de Abril, não seriam recebidas, nas Repartições da Fazenda Publica, as Notas do Banco de Lisboa, que não tivessem o referido sello; e que ninguem seria obrigado a recebe-las como moeda corrente.
6.° Que o Banco de Portugal receberia as Notas do Banco de Lisboa, que lhe fossem entregues, e daria por ellas, immediatamente, outras já selladas.
7.º Que a Junta do Credito Publico publicaria as quantias de Notas do Banco de Lisboa, que fizesse sellar.
Taes são as disposições do Decreto do 1.º de Fevereiro de 1847.
O prazo fixado, pelo referido Decreto, para sellar as Notas do Banco de Lisboa, foi posteriormente prorogado por determinações ulteriores.
O excessivo preço a que tinha chegado o desconto das Notas do Banco de Lisboa, desconto que era em 10 de Março de 1847 de 1$440 réis por cada Nota de 4$800 réis, e que tornava impossivel ao Governo prover ás mais urgentes necessidades
do serviço publico, levou os Ministros de Sua Magestade, a declarar; no seu Relatorio de 10 do mesmo mez, que era urgentissimo recorrer a todas as providencias imaginaveis capazes de atenuar tão horrivel flagello; porque tinham sido ineficazes as disposições do Decreto de 19 de Novembro de 1846, que estabeleceu o Banco de Portugal; Decreto pelo qual haviam concebido as mais lisongeiras esperanças de vêr regulado officio circulante do paiz.
Expunham os Ministros, que a experiencia de poucos mezes os viera convencer, que as medidas adoptadas para atenuar o progressivo augmento do agio das Notas, longe de preencherem o seu fim, eram, pelo contrario, insufficientes e inefficazes; que se tornava da mais urgente necessidade dar todo o impulso, e desenvolvimento aos preceitos, consignados no Decreto do 10 de Fevereiro do mesmo anno, e que por isso tinham concordado na conveniencia de se adoptarem, desde logo, algumas medidas, que julgavam de inquestionavel vantagem, tanto para levar a effeito as disposições do mesmo Decreto, como para diminuir os gravissimos males da situação, que a este respeito tão violentos e oppressivos estavam sendo ao paiz; que o importante fim, que tinham em vista, era restabelecer, quanto antes, a circulação metalica, diminuindo por uma forte, e successiva amortisação das Notas do Banco de Lisboa, os prejuizos e estorvos, que a depreciação dellas estava causando ao commercio, e á Nação; declaravam finalmente ter ouvido, sobre as medidas que propunham a Sua Magestade, o parecer de pessoas competentes, e consultado a opinião de uma numerosa Assembléa do Banco de Portugal, que acabava de lhes prestar unanime assentimento, na parte em que tendiam a alterar algumas disposições do Decreto de 19 de Novembro o que não duvidavam por tanto propôr á Approvação de Sua Magestade o seguinte:
1.° Que as Notas do Banco de Lisboa, a contar do 1.° d'Abril em diante, só fossem recebidas como moeda corrente, pelo seu valor nominal, em metade de todos os pagamentos do Estado, e entre os particulares, ficando salvas as obrigações activas, e passivas do Banco de Portugal, derivadas de transacções com o Banco de Lisboa, e com a Companhia Confiança Nacional; e as transacções celebradas, até a data da publicação do mesmo Decreto, com expressa clausula de pagamento em certas e determinadas especies de moeda, para as quaes continuava a vigorar o que estava estipulado.
2.º Que se elevasse a 50:000$000 réis mensaes, a amortisação das Notas do Banco de Lisboa, fixada em 18:000$000 réis por mez, conforme o artigo 21 do Decreto de 19 de Novembro de 1846.
3.º Que se authorisasse a Junta do Credito Publico a crear 2.400.000$000 réis em Inscripções com coupons de divida interna fundada, com o vencimento do juro de 5 por cento ao anuo, pago por uma consignação de 108:000$000 réis, deduzida dos rendimentos da competencia do Thesouro, que se arrecadassem na Alfandega Grande de Lisboa, desde o 1.° de Julho desse anno em diante.
4.º Que fosse incumbida a mesma Junta da venda das ditas Inscripções, com exclusiva applicação do seu producto á amortisação das Notas do Banco de Lisboa.
5.° Que se entregassem ao Banco de Portugal as Notas recebidas por effeito desta operação, depois de trancadas e averbadas, resgatando a Junta, nesse acto, uma quantia equivalente ao valor nominal das referidas Notas em Apolices, ou Inscripções, das que o Banco conservava em seu poder, como penhor, e hypotheca dos supprimentos feitos ao Governo em 1835,
6.º Que se determinasse finalmente á Junta, que procedesse successivamente á venda destas Inscripções, para que o seu producto fosse do mesmo modo applicado á amortisação das Notas do Banco de Lisboa.
Taes são as providencias mais essenciaes, que foram promulgadas pelo Decreto de 10 de Marco de 1847.
Por Decreto de 9 d'Abril de 1847, mandou-se proceder á venda, por meio de uma grande Loteria Nacional, de parte das Inscripções, e Apolices da divida fundada, em que tinha de operar-se a amortisação das Notas do Banco de Lisboa, estabelecida pelo Decreto de 10 de Março do mesmo anno, sendo o fim da Loteria facilitar as disposições deste Decreto. Os premios dos Bilhetes desta Loteria importavam em 2.400.000$000 réis, pagos nas referidas Apolices, ou Inscripções. A venda dos Bilhetes era encarregada á Junta do Credito Publico, á qual pelo mesmo Decreto, se davam instrucções para a execução do que lhe era incumbido: e se lhe permittia fazer certo abatimento no preço dos Bilhetes, quando fossem comprados em certas porções
Por Decreto de 5 de Junho de 1847, se providenciou sobre o modo de levar a effeito o disposto no Decreto de 10 de Março do mesmo anno, que elevou a 50:000$000 réis mensaes, a amortisação das Notas do Banco de Portugal, devendo, para esse fim, a Junta do Credito Publico entregar, mensalmente, ao Banco de Portugal a quantia de 32:000$000 réis em Notas do Banco de Lisboa, deduzidos do producto da venda de 2:400:000$ de réis, das Inscripções que fóra authorisada a crear pelo Decreto de 10 de Março do mesmo anno. Ordenou-se, que a referida quantia em Notas seria trocada, no acto da entrega,.por uma igual quantia em Inscripções das que o Banco possuia, como penhor dos adiantamentos, por elle, feitos ao Governo em 1835. Determinou-se que os referidos 32:000$000, e os 18:000$000 réis, que o Banco era, pelo Decreto de 19 de Novembro de 1846, obrigado a amortisar mensalmente, fossem todos os mezes entregues á Junta do Credito Publico, a fim de serem effectivamente amortisados. Determinou-se, finalmente, que as Inscripções que por tal motivo se entregassem á Junta do Credito Publico, fossem guardadas nos cofres desta Repartição, para serem opportunamente applicadas ao pagamento dos premios da Loteria Nacional, estabelecida pelo Decreto de 9 de Abril de 1847.
Por Edital de 14 de Junho de 1847, annunciou a Junta do Credito Publico a venda dos Bilhetes da Loteria, decretada em 9 de Abril do mesmo anno, publicou o plano da mesma Loteria, e outras instrucções necessarias para conhecimento, e direcção do publico. Annunciava tambem a junta, que a extracção da Loteria deveria principiar no dia 21 de Outubro do mesmo anno.
Era 15 de Junho de 1847, era o desconto medio das Notas do Banco de Lisboa de 1850 réis por cada moeda, proximamente. No Relatorio desse dia declararam os Ministros a Sua Magestade que, depois de uma serie de medidas adoptadas, no decurso de mais de um anno, com o importante fim de diminuir o agio das Notas do Banco de Lisboa, lhes era summamente doloroso vêr, que tantos esforços, e diligencias não tinham sido capazes de evitar a continuação de um flagello, que estava causando ao Paiz enormissimos males, e sacrificios. Que quando consideravam, que a admissão das Notas do Banco de Lisboa, ainda mesmo em parte dos pagamentos que se cobravam nas Alfandegas destes Rainos, tinham essencialmente alterado o systema regulador da Pauta das mesmas Alfandegas, e produzido um gravissimo prejuizo ao commercio, e á industria do Paiz; quando se recordavam que uma grande parte da receita do Estado se estava consumindo no desconto de Notas do Banco de Lisboa, para serem convertidas em moeda metalica, a fim de se pagarem as despezas urgentissimas do serviço publico, só realisaveis nesta especie; quando observavam, que tão enorme sacrificio, calculado pelo tempo decorrido desde 23 de Maio de 1846 até então, subia a mais da 1.000:000$000 de réis, sem contar o que teriam produzido as operações de alguns cofres secundarios, de que ainda não havia conhecimento; quando, finalmente, reconheciam, que tão extraordinario, e exorbitante desfalque devia, necessariamente, affectar os interesses dos contribuintes, os dos diversos credores do Estado, e os da causa publica em geral; por taes razões, diziam os Ministros, no citado Relatorio, que não podiam deixar de expor que julgavam que a suprema Lei da necessidade, baseada na da salvação publica, reclamava novas, e efficazes providencias para salvar o Paiz de tão calamitoso estado de cousas; que tendo a gravidade do mal excluido, ha tempos, da maior parte dos pagamentos provenientes de transacções commerciaes, convencionadas a prasos, as Notas do Banco de Lisboa, com o fim de poderem os interessados mais seguramente fixar seus lucros, sem o risco a que, aliás, os exporia a continúa oscilação do preço das referidas Notas, não se devia receiar que a medida, proposta, produzisse alteração no gyro commercial, por ser geralmente sabido, que a esphera da circulação das mesmas Notas, abrangia mais consideravelmente as transacções, e pagamentos de conta do Estado, e por conseguinte as dos particulares, que com o mesmo estavam em immediata relação, e contacto.
Por tão imperiosas razões, ordenou-se por Decreto de 15 de Junho de 1847, que desde o 1.° de Julho de 1847, inclusivè, em diante fossem as Notas do Banco de Lisboa, apenas recebidas, como moeda corrente pelo seu valor nominal, n'um terço de todos os pagamentos por conta do Estado, e entre particulares; devendo os dois terços restantes ser satisfeitos em moeda metalica; ficando salvas desta disposição as excepções citadas do Decreto de 10 de Março de 1847. Além dos differentes meios decretados para a amortisação das Notas do Banco de Lisboa, foram pelo referido Decreto de 15 de Junho, applicados para a sobredita amortisação: 1.° o producto do rendimento do imposto das transmissões da propriedade, que se arrendasse do 1.º de Julho proximo em diante — 2.º o que produzisse a venda de todos os bens, direitos, e acções, pertencentes á Fazenda Nacional, que estivessem na fruição, e posse de donatarios vitalicios, a cuja venda se deveria immediatamente proceder.
Tendo sido presente a Sua Magestade a representação da Assembléa extraordinaria do Banco de Portugal, datada de 26 de Junho de 1847, em que se queixava dos gravames que tinham resultado aquelle Estabelecimento, de varias medidas governativas, adoptadas, depois da publicação do Decreto de 19 de Novembro de 1846, ácerca do curso, e da amortisação das Notas do Banco de Lisboa; e era que pedia, pelos motivos e fundamentos por ella expostos, que se revogasse o Decreto de 15 de Junho ultimo, na parte em que deu differente destino a diversos bens, que estavam consignados ao fundo especial de amortisação, e era que se ordenou que, do 1.° de Julho em diante, fossem as referidas Notas admittidas tão sómente n'um terço dos pagamentos: pedindo a mesma Assembléa se restabelecesse, sobre estes objectos, a Legislação anterior. E Tomando a Mesma Augusta Senhora em consideração este importante assumpto, depois de competentemente examinado debaixo de diversos pontos de vista; considerando ter a experiencia manifestado, não se ter podido diminuir o agio das Notas, continuando a sua depreciação, a causar a desgraça publica, e a obrigar o Governo a sacrificar um terço da receita do Estado, para conseguir metal, com que satisfizesse ao pagamento de diversas despezas da guerra, e de outras, só realisaveis nesta especie; Attendendo e que da continuação de similhante "estado de cousas, forçosamente resultaria ver-se o Governo, em breve tempo, completamente exhausto de recursos, para fazer face a outras despezas, que não fossem as do Exercito, e da Armada, e ainda estas com grandissima difficuldade, pelo enorme desfalque de uma parte da receita publica, consumida no desconto das referidas Notas; Resolveu Sua Magestade A Rainha por diversas razões ponderadas, que em taes circumstancias não podia ter logar o que a Assem
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bléa extraordinaria do Banco de Portugal, pertendia na sua mencionada representação de 26 de Junho; o que lhe mandou participar por Portaria de 11 de Agosto de 1847.
Por Decreto de 11 de Setembro de 1847, ordenou-se, que ficassem sem effeito. as disposições do Decreto de 15 de Junho do mesmo anno, na parte em que mandavam receber as Notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal, sómente n'um terço de todos os pagamentos por conta do Estado, e entre particulares, sem prejuizo dos contractos que se houvessem celebrado, ficando, por este modo, em execução o disposto no Decreto de 10 de Março, em que se ordenava, que as referidas Notas fossem admittidas na metade dos sobreditos pagamentos.
As disposições do Decreto de 11 de Setembro tiveram por fundamento:
1.° Os pareceres de viva voz do Tribunal do Thesouro Publico, do Conselheiro Procurador Geral da Corôa, de muitos negociantes, e de muitas pessoas entendidas na materia, como se diz no mesmo Decreto.
2.° A representação de 26 de Agosto do 1847 da Assembléa extraordinaria do Banco de Portugal, que solicitava a medida adoptada pelo Decreto de 11 de Setembro, fundando as suas razões em argumentos derivados das estipulações do seu contracto. Ponderava, que a experiencia do passado não podia servir de argumento, quando era certo, que as circumstancias extraordinarias da época decorrida (desde que se deu curso forçado ás Notas), não podiam deixar de annullar o effeito das medidas adoptadas para melhorar o credito das Notas. Expunha, que não eram occorrencias ordinarias a guerra civil que devastou o paiz; as emissões mui quantiosas de Notas; a venda forçada de grandes sommas dellas para occorrer ás despezas da guerra; a sahida de fortes porções de moeda metalica para as Provincias; e o descredito geral, e especial, que necessariamente devia resultar de tantas alterações no curso das Notas. Ponderava, que a procura das Notas para metade dos pagamentos seria superior á procura de Notas para um terço; e que a consequencia necessaria, seria uma diminuição mui consideravel no agio, desapparecendo em grande parte o mal geral, e o prejuizo do Thesouro; que bastaria passar o agio de 1$800 réis a 1$200 réis por moeda, para que o prejuizo na metade não fosse maior do que o prejuizo no terço. Acreditava, que o restabelecimento da ordem publica, nas Provincias, havia contribuir muito para o melhoramento do credito das Notas, pela maior área que deviam ter para a sua circulação. Expunha que, ainda quando as Notas estivessem de facto limitadas a certa ordem de transacções, e não entrassem na circulação geral, sempre a somma das Notas necessarias para essas transaceões seria maior, se entrassem • em metade dos pagamentos do que entrando só em um terço. Notava, que destruindo-se o receio, de que as Notas ficassem sem curso, a repugnancia de as receber iria progressivamente diminuindo. Affirmava que, restabelecido o pagamento por metades, a Direcção do Banco de Portugal abriria os descontos ao commercio, e á industria, que aliás continuariam as classes productoras a ficar privadas do soccorro do Banco, o qual não poderia apromptar as sommas metalicas necessarias para fazer descontos com dous terços nesta especie.
3.° O Tribunal do Thesouro Publico, em consulta do 1.º de Setembro de 1847 (assignada pela maioria dos Conselheiros Vogaes), e de accordo com o Conselheiro Procurador Geral da Fazenda, era de parecer, que deviam ser abrogadas as disposições do Decreto de 15 de Junho, na parte em que alteraram o cabimento das Notas do Banco de Lisboa no pagamento de diversas obrigações. O Tribunal considerava este objecto debaixo de dous pontos de vista. O primeiro em relação ao direito, que resultava do pacto celebrado entre o Governo, e o Banco de Portugal, firmando a sua opinião em razões juridicas deduzidas do principio de direito — que as convenções, legalmente celebradas entre partes não podiam ser alteradas sem o concurso, e o assentimento das mesmas partes. O segundo modo por que o Tribunal considerava este objecto, era debaixo do ponto de vista economico. Ponderava, que o credito publico resultava, em geral, da confiança no exacto cumprimento das obrigações contrahidas, e que faltando este primeiro fundamento do credito publico, sobrevinha a desconfiança sempre fatal, e se obstruía o caminho mais proprio para conduzir ao alcance dos publicos interesses. Observava, que se houver receio, de que se alterem as regras estabelecidas para o curso, e o cabimento das Notas, se for problematica a duração do seu curso, e o quantum do cabimento das Notas nos pagamentos, o receio da grande depreciação, pela instabilidade dos principios, nem aconselhará a conservação das Notas em poder do grande possuidor, nem a especulação do procura-las no mercado aguardando melhor futuro; resultando, assim, a desproporção entre a offerta e a procura, com a necessaria consequencia do augmento do agio. Julgava, que nenhuma conveniencia resultaria em restringir a circulação das Notas, e por isso o seu emprego em relação aos que teem de receber as Notas em pagamento, porque o maior agio no terço havia equivaler, senão augmentar, ao menor agio na metade.
4. O Conselheiro Procurador Geral da Corôa, na sua resposta fiscal de 8 de Setembro, conformando-se com a maioria dos Conselheiros Vogaes do Tribunal do Thesouro Publico, sustentava a necessidade de restabelecer a circulação das Notas do Banco de Lisboa por metades, fundando-se em argumentos juridicos deduzidos das obrigações, encargos, e vantagens reciprocas, estipuladas entre o Governo, e o Banco de Portugal. Considerava vantajosa a medida, que se adoptasse para o restabelecimento do curso das Notas por metade, por differentes razões economicas. Observava este Magistrado que eram duas as causas, de
que dependia o valor da moeda-papel, que não tinha nenhum valor intrinseco — a confiança publica na sua amortisação, e no seu pagamento, sendo esta a principal, e a busca no mercado para satisfazer as necessidades da circulação, de sorte que, permanecendo o mesmo gráo de confiança, e a mesma seguridade de reembolso, esta moeda subiria, ou desceria de valor, segundo fosse mais ou menos procurada para ser empregada nas transacções. Expunha, que a falta de execução de uma promessa, por parte do Governo, tornava mui duvidoso o cumprimento de todas as outras, porque o exemplo, nesse ponto, era contagioso: e que — a circumstancia de. ter sido limitado o curso das Notas, não podia deixar de levantar graves duvidas, e incertezas — e de produzir vivas inquietações, e receios da suppressão total do curso das mesmas Notas. Considerava, que eram tão grandes os males provenientes da introducção desta moeda-papel, que não podia deixar de ser mui forte, e geral o desejo, e a propensão para acabar com ella; que se não se reconhecesse a obrigação de cumprir o contracto, feito com o Banco, para a circulação das Notas, e que se esta circumstancia não fosse considerada com força bastante, para obstar a que parcialmente se retirasse esta moeda da circulação, haveria fundamento para temer, que viesse a ser adoptada essa medida sem prompta e segura amortisação, o que destruiria quasi todo o valor das Notas nas mãos dos possuidores, que as receberam, obrigados pela força da Lei, e na fé da authoridade publica, que lhes assegurava o curso desta moeda; e que de todos estes receios, e incertezas havia, necessariamente, nascer o descredito, e a depreciação deste meio circulante, e por effeito desse descredito subir o desconto, que ainda mais se augmentava pela reducção do emprego das Notas, tendo só cabimento na terça parte dos pagamentos; porque a affluencia ao mercado de maior numero dellas, visto não servirem nas transações, havia fazer subir o seu agio. Declarava, que podiam os effeitos da medida reclamada ser neutralisados por outras causas; mas que o mal seria então muito maior, se dadas essas causas permanecesse em vigor o Decreto de 15 de Junho. Reconhecia, finalmente, os graves inconvenientes que resultavam de qualquer alteração no meio circulante, e que a mudança implorada não devia ser concedida, se fosse voluntaria; mas que lhe parecia necessaria para manter a fé dos contractos, sem a qual não podia haver credito publico.
Taes são, em resumo, as razões em que se fundou o Governo para restabelecer o curso das Notas do Banco de Lisboa, em metade dos pagamentos.
Por Decreto de 18 de Outubro de 1847, determinou-se que se prorogasse, por mais seis mezes, o prazo pára a extracção da Loteria, decretada em 9 de Abril do mesmo anno, por não se ter podido verificar a venda de sufficiente numero de Bilhetes da mesma Loteria.
Por Decreto de 9 de Dezembro de 1847, se declarou que, visto não se ter podido verificar a venda de sufficiente numero de Bilhetes para se proceder á extracção da Loteria, que se determinara por Decreto de 9 de Abril do mesmo anno, com o fim de amortisar uma grande porção de Notas do Banco de Lisboa; se effectuasse a dita Loteria em tres series, conforme o plano junto ao referido Decreto de 9 de Dezembro; no qual se determinava igualmente; que os Bilhetes podessem ser comprados com as cedulas dos Empregados Publicos, e com os recibos notados dos militares de vencimentos posteriores ao mez de Abril de 1847; devendo as mesmas cedulas ser recebidas pelo seu valor nominal, com o augmento de dez por cento, e com os mesmos abatimentos estabelecidos pelo Decreto de 9 de Abril, em favor dos que comprassem certas porções de Bilhetes. As cedulas assim obtidas pela Junta do Credito Publico, deveriam ser conservadas, pela mesma Junta, até á época em que se verificasse o pagamento dellas.
Em Relatorio de 9 de Dezembro de 1847, expunham os Ministros a Sua Magestade, que uma grande calamidade pública affligia o paiz, o qual reclamava o mais prompto remedio da Maternal Solicitude da Mesma Augusta Senhora.
Expunham, que a depreciação das Notas do Banco de Lisboa admissiveis, pelo seu valor nominal, em melado dos pagamentos, offendia os mais vitaes interesses do Thesouro, e da Sociedade; que desta depreciação provinha diminuir consideravelmente a receita pelos direitos de importação e de exportação, estabelecidos para as Alfandegas; que tendo taes direitos sido fixados por uma Lei especial, a Pauta Geral das mesmas Alfandegas, sómente por outra Lei especial podiam ser modificados, ou diminuídos; que uma das bases essenciaes, sobre que assentavam as disposições da mesma Pauta era, como alli se declarava, o auxilio possivel á industria nacional; que os referidos direitos haviam sido calculados por modo tal, que não só constituissem a melhor, e mais importante fonte do rendimento do Estado, mas que se tornassem protectores da industria interna, facilitando a concorrencia, e o consumo dos seus productos; mas que o excessivo agio das Notas do Banco de Lisboa, produzindo uma quita, ou beneficio em taes direitos, destruia aquella base, e contrariava a intenção, e o fim do legislador.
Expunham, que da depreciação das Notas do Banco de Lisboa, provinha uma grande quebra nos rendimentos que constituiam, por Leis especiaes, a dotação da Junta do Credito Publico que a receita em Notas, realisada pela Junta do Credito Publico, com applicação aos juros da divida interna consolidada, era despendida nas mesmas Notas, sem desfalque, e sómente em prejuiso dos portadores das respectivas Apolices, ou Inscripções, que soffriam, assim, alem da deducção de uma decima, uma outra deducção de maior vulto; que a respeito dos juros da divida externa fundada, não podendo as remessas para Londres ser feitas senão em moeda metalica, era muito consideravel a diminuição, que tinha a mesma Junta nas suas rendas; diminuição que, diziam os Ministros, era calculada, segundo dados officiaes que existiam, na somma aproximada de 400:000$000 de réis annuaes; do que, necessariamente, devia resultar grave descredito, e desfalque á Junta do Credito Publico, alem da desigualdade, que appareceria nos pagamentos dos juros pagos aos credores de uma e outra divida.
Expunham ser muito maior o prejuiso, que o Thesouro soffria pelo desconto, que era forçado a fazer de Notas do Banco de Lisboa; porque sendo uma grande parte das despezas do Estado (com excepção dos soldos, dos ordenados, e das pensões) pagas em metal como prets, ferias, despezas de obras publicas, fornecimentos dos Arsenaes, fornecimentos do Exercito, e outras do material do serviço, pagas em dinheiro forte, provinha dahi a necessidade de ser reduzida a um valor real uma parte consideravel da receita publica, verificada pelo seu representativo nominal. Notavam, que nem resultaria vantagem de se contractarem, sem designação de moeda, algumas das referidas despezas; porque na difficuldade e na falta de concorrencia para contractos feitos por tal fórma, attenta a differença do agio, ou desconto das Notas, e a fluctuação, e a incerteza desse agio, tinha o Governo encontrado maiores inconvenientes, e risco de maiores prejuizos, pois que os contractadores, ou escaciavam, ou propunham exorbitantes preços, que os cubrissem de quaesquer eventualidades.
Expunham, que não era menos attendivel o mal gravissimo, que a depreciação das Notas do Banco de Lisboa produzia na situação dos servidores do Estado, com offensa das Leis, e da utilidade publica; que os ordenados da maior parte dos Empregados eram quasi insuficientes, e sómente lhes poderiam ministrar uma parca subsistencia, quando lhes fossem, não interrompida, mas integralmente pagos; que seria pois, quando, sobre a imposição da decima, e em vista dos saltos, das capitalisações, e de um atraso de seis, oito, dez, e mais mezes, tivessem os servidores do Estado de receber metade dos seus vencimentos nas depreciadas Notas do Banco de Lisboa? Ponderavam, que naquellas circumstancias não podiam vêr, com indifferença, a reducção que continuariam a soffrer os Empregados Publicos no pagamento de metade dos seus vencimentos, em uma moeda depreciadissima; que não podiam contemplar, impassíveis, a infracção, posto que indirecta, de todas as Leis especiaes, em que se consideraram os serviços de cada uma das Repartições publicas, e em que se estabeleceram ordenados em relação a esses serviços, tendo as mesmas Leis declarado nesses ordenados, não só a natureza de alimentos, mas ainda a da justa, e devida recompensa dos mesmos serviços.
Expunham a difficuldade de se poder organisar o Orçamento da receita, e da despeza do Estado pela depreciação, e oscilação do valor das Notas do Banco de Lisboa; por ter o Governo de deduzir da receita, ou de carregar na despeza a importancia do desconto das referidas Notas, o que augmentaria o deficit do Orçamento, e traria, por consequencia, a necessidade de o preencher com novos sacrificios, que a Nação mal poderia supportar, nem se atreveriam a propôr.
Expunham, que se abstinham de ponderar, extensamente os damnos, que da depreciação das Notas do Banco de Lisboa resultavam ás classes dos Pensionistas do Estado, e nesta Capital á Camara Municipal de Lisboa, á Santa Casa da Misericordia, á Casa Pia, e ao Hospital de S. José, directa, ou indirectamente interessados na integridade dos rendimentos das Alfandegas do Terreiro, e das Sete Casas.
Expunham, que quando se estabeleceu, pela primeira vez, o curso forçado das Notas do Banco de Lisboa, era mui modico o seu agio; que sempre que, por Decretos posteriores, se tolerou, e sustentou o mesmo curso forçado, foi na intenção, e na esperança, de que as Notas se tornariam meio circulante com agio tal, que facilitasse o seu ingresso em todas, ou na maior parte das transacções, donde se achavam excluidas de facto; que de se consentir a admissão das Notas pelo seu valor nominal, sómente, resultava beneficio aos devedores da Fazenda Publica por tributos, rendas, ou contractos, aos despachantes nas Alfandegas, e aos que vivem de negocio de cambios, e de descontos, os quaes todos eram interessados em impedir, que o agio descesse, por ser da maioria delle que lhes vinha melhoria de lucros.
Expunham, que na impossibilidade do Banco de Lisboa não ter podido trocar as suas Notas por metaes, em tanta parte quanta era a quantidade das mesmas Notas existentes na circulação, e que visto ter-se aggravado mais a situação do Banco, pelas importantes sommas que, nas referidas Notas, foi obrigado a emprestar ao Governo, quando mais carecia de as receber, e de as amortisar, e não ter sido possivel rehabilitar o credito do Banco pagando-lhe a Nação o que lhe estava devendo; pelo contexto do artigo 45.º do Decreto de 19 de Novembro de 1846 se mostrava, que o fim principal da sua determinação fóra dar firmeza ás disposições decretadas. Ponderavam, que não careciam de resolução affirmativa dos interessados no Banco, para se adoptarem as medidas que propunham, das quaes não resultava prejuizo, offensa, ou obrigação alguma nova, que peiorasse a situação deste Estabelecimento.
Expunham que, como Ministros, tinham obrigação de promover a execução de todas as Leis, de dar protecção a todos os direitos, e interesses legitimamente fundados; e portanto, mesmo na collisão da escolha dos seus mais sagrados deveres, na presença da causa publica, propunham á Real Sancção de Sua Magestade as provisões contidas no Decreto de 9 de Dezembro de 1847, ficando salva qualquer indemnisação, ou contemplação! por parto da Nação, em favor do Banco de Portugal, por qualquer prejuizo que podesse demonstrar resultar-lhe das medidas, que propunham.
Taes são as razões principaes, que motivaram as disposições do Decreto de 9 de Dezembro de 1847, em que se determinou, que todas as contribuições directas, rendas de contractos, direitos, impostos, juros, e outros rendimentos de qualquer natureza que fossem, se cobrariam do dia 20 de Dezembro de 1847, inclusivè, metade em moeda metalica, e metade em Notas do Banco de Lisboa pelo seu valor effectivo no mercado; em que se estabeleceu, que todos os pagamentos feitos de conta do Estado, do citado dia em diante, seriam realisados pela mesma fórma, com excepção dos já annunciados, ou começados, e das transacções entre particulares, Bancos, ou Companhias; e com excepção quanto ao modo da venda dos Bilhetes da Loteria, authorisada pelo Decreto de 9 de Abril de 1847, e dos Bilhetes admissiveis nos rendimentos das Alfandegas. Pelo mesmo Decreto de 9 de Dezembro, se ordenou finalmente, que se publicaria, em todas as segundas feiras, o valor pelo qual deveriam ser recebidas as Notas do Banco de Lisboa nas estações publicas, e o valor porque deveriam ser dadas em pagamento durante a semana.
Por Portaria de 12 de Janeiro de 1848, se ordenou ás repartições fiscaes que, quando em execução o Decreto de 9 de Dezembro de 1847, acontecesse não haver Notas do Banco de Lisboa nas localidades aonde se houvessem de realisar pagamentos ao Estado, ou ser o valor das mesmas Notas superior, ao que tivesse sido fixado pelo Governo, se permittisse que os pagamentos feitos ao Estado, nessas localidades, podessem verificar-se em moeda metalica.
Tendo sido demorados em alguns cofres dos Districtos Administrativos, ou não lendo começado os pagamentos, ordenados, a varias classes de credores do Estado; pelo motivo de não existir, nos mesmos cofres, a somma em Notas do Banco de Lisboa, correspondente á metade desses pagamentos; havendo, aliás, o metal sufficiente para a totalidade delles: e accrescendo que produziria grande prejuizo a compra de Notas em taes localidades pelo maior valor, que geralmente alli tinham comparado com o que era fixado pelos annuncios publicos do Ministerio da Fazenda: ordenou-se, por Portaria do mesmo Ministerio de 17 de Janeiro de 1848, que dando-se as referidas circumstancias se cumpram as ordens de pagamento, entregando-se aos interessados, em metal, a parte que por similhante causa não poder dar-se em Notas do Banco de Lisboa.
Por Decreto de 19 de Janeiro de 1818, se determinou, que a Junta do Credito Publico sobrestivesse na execução do Decreto de 9 de Dezembro de 1847, sómente pelo que respeitava ao modo da venda dos Bilhetes da Loteria Nacional em titulos de vencimentos dos Empregados Publicos, e dos Militares, por lêr ficado, em consequencia de tal permissão, suspensa de facto a venda dos mesmos Bilhetes em Notas do Banco de Lisboa.
Por Portaria de 22 de Abril de 1848, do Ministerio dos Negocios da Fazenda, se ordenou á Junta do Credito Publico, que não tivesse logar em 30 de Abril a extracção da Loteria para a amortisação das Notas do Banco de Lisboa; visto achar-se dependente da approvação das Côrtes uma proposta do Governo para uma Loteria Nacional.
Poderia lêr exposto o que se determinou, por differentes Decretos, para as Notas do Banco de Lisboa serem recebidas pelo seu valor nominal no todo ou em parte das contribuições publicas de algumas localidades; quando as disposições geraes, que regulavam a circulação das Notas eram outras. Fundavam-se essas disposições especiaes, na impossibilidade em que estiveram os povos de contribuir, em tempo, com o que deviam, por estarem occupadas por forças sublevadas, as localidades da sua residencia, ou por não poderem de outro modo pagar o que deviam ao Estado. Poderia ter, igualmente, exposto outras providencias de uma importancia secundaria, até chegarmos ao presente, em que a importancia das Notas do Banco de Lisboa, existentes na circulação, é calculada em quatro mil e duzentos contos de réis, pouco mais ou menos; e em que o valor nominal de 4$800 réis, em Notas do Banco de Lisboa, vale 2$200 réis, em moeda de prata, ou ouro. Mas, no que expuz, julgo ter apresentado os acontecimentos mais notaveis, e as diversas vicissitudes, que teem tido a circulação das Notas, como moeda fraca.
Vimos nascer este papel-moeda no meio dos tumultos populares, quando as paixões pareciam querer despedaçar todos os vinculos sociaes: oxalá, que o vejamos morrer no meio da paz; não nas mãos dos particulares, que as receberam, coagidos pela força publica; mas nas mãos do Governo, que deve tornar effectiva a sua amortisação. Vimos a authoridade publica sempre solicita, em querer acertar sobre este objecto, já quando consultava, já quando decidia. Vimos o Governo, depois de uma serie de medidas, debalde, adoptadas para restabelecer, ou para melhorar o credito das Notas do Banco de Lisboa, chegar a resolver o problema da maxima circulação possivel com a minima perda para o Estado, Oxalá, que as providencias, que regulam a circulação das Notas, em relação ao Governo, se fizessem, ou se façam extensivas aos particulares, a quem fôr possivel fazer tal concessão, sem offensa, nem quebra de contractos celebrados.
Acceitando as razões tendentes a demonstrar a conveniencia de ampliar a esphera da circulação das Notas do Banco de Lisboa, para o util fim de diminuir o seu agio; razões que estão ponderadas, segundo os principios inconcusos da sciencia, na referida representação de 2 de Agosto de 1847 da Assembléa extraordinaria do Banco de Portugal; na Consultado 1.° de Setembro de 1847 do Tribunal do Thesouro Publico, com o accordo do Conselheiro Procurador Geral da Fazenda; e finalmente na Resposta Fiscal de 8 do mesmo mez do Conselheiro Procurador Geral da Corôa; nenhuma medida posso propôr, ou poderia adoptar,
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actualmente, no sentido do restringir a circulação das Notas, a não ser a da amortisação das mesmas Notas, verificadas certas circumstancias. Tendo em consideração as referidas razões, parece, que as disposições do Decreto de 9 de Dezembro de 18-17, mandando admittir as No-las do Banco de Lisboa em metade dos pagamentos, pelo seu valor effectivo, devem ser conservadas; porque longe de concorrerem para a depreciação deste papel-moeda, devem produzir o effeito contrario, ou melhorar o seu credito. Por isso que, pelas disposições deste Decreto se alarga a área da circulação das' mesmas Notas entrando, geralmente, nos pagamentos uma importancia em Notas superior, actualmente, á metade de taes pagamentos; segue-se que a depreciação deste papel-moeda não deve ser attribuida á fórma, porque são realisados os referidos pagamentos, mas sim a causas collateraes, e ao estado deploravel do credito publico, aggravado, e quasi anniquillado pela falta do cumprimento de muitas promessas, e obrigações contrahidas pelo Governo, taes, por exemplo — como a alteração frequente do meio circulante — a suspensão da amortisação de 32:000$000 réis mensaes, em Notas, que foi decretada — não se terem verificado as Loterias, a que se mandára proceder — não se terem satisfeito os pagamentos, estabelecidos para a successiva amortisação das Acções do Fundo de Amortisação — não se terem realisado, regularmente, os pagamentos dos juros da divida consolidada — não se terem, regularmente, satisfeito as metades dos vencimentos dos servidores, e dos Pensionistas do Estado —e outras causas que não referirei, todas conducentes a affectar o credito publico, a destruir a esperança, e o machinismo em que se funda o credito.
Queremos, sinceramente, melhorar o credito das Notas do Banco de Lisboa? Estabeleçamos-lhes uma amortisação forte e effectiva, na qual se acredite. Não façamos novas alterações quanto ao modo, e importancia em que as Notas devem entrar nos pagamentos. Não adoptemos medida alguma que augmente os clamores dos que se queixam das incessantes, e frequentes alterações, que tem tido o meio circulante. Rejeitemos toda a medida tendente a restringir a circulação das Notas. Não façamos inovações inopportunas, e perigosas. Melhoremos o credito publico.
Queremos melhorar o Credito Publico? Regulemos a receita do Estado em harmonia com a indispensavel despeza publica. Para isso, nem convirá adoptar meios paliativos, nem deixar proseguir o deficit em seus estragos. Melhoremos a percepção, e a fiscalisação dos rendimentos publicos. Abroguemos impostos, que se oppõem ao desenvolvimento do commercio, e da industria, e que paralysam a vida social da Nação. Concorramos por substituir esses impostos abolidos por outros, que terminem com os vicios e a immoralidade inherente ao systema de alguns dos nossos impostos directos; pelo qual o pobre é, muitas vezes, collectado mais fortemente do que o rico; pelo qual alguem, que tendo um rendimento superior a 4:000$000 réis, paga de decima 3$000 réis; pelo qual se notam immensos abusos desta naturesa. Promovamos, finalmente, esses melhoramentos materiaes, e intellectuaes de que a Nação carece. Esforcemo-nos por conservar a ordem publica, e para o conseguir não provoquemos o descontentamento, e a anarchia, sacrificando os interesses geraes a conveniencias particulares. Não irritemos os animos mostrando-nos parciaes, ou parecendo que o somos em favor de algumas classes. Allega-se, que restabelecido o pagamento das Notas do Banco de Lisboa pelo seu valor nominal, em uma quarta parte dos pagamentos, será ampliada a esphera de circulação das mesmas Notas, entrando estas em muitos pagamentos de que actualmente são repelidas. Pelo que respeita aos pagamentos feitos ao Estado, ou por conta delle, a asserção é diametralmente opposta aos factos; e pelo que respeita aos contractos entre particulares, ou senão hão de fazer taes contractos, ou com melhor razão serão excluidas delles as Notas, por mais severas que sejam as penas contra similhante infracção das Leis estabelecidas. Se notarmos, que uma Letra de cambio descontada, com uma quarta parto em Notas, quando estas valiam 2$400 réis, e descontada com o juro de 6 por cento ao anno, ou de meio por cento ao mez, póde dar uma perda de 3 porcento ao mez, eu de 36 por cento no anno (se no acto do pagamento o agio das Notas for de 2$700) reconheceremos que serão impossiveis estas; contras transacções do commercio. Não se poderá sustentar a probabilidade da transacção, allegando o que se passava quando circulava o extincto papel-moeda do Governo, porque o agio desse papel era menos sugeito a oscilações, quer esta circumstancia proviesse de não se ter alterado o seu cabimento nos pagamentos, quer fosse devida aos grandes intervalos de paz, de que então gosou o Paiz; quer á maior estabilidade dos Governos, á amortisação que se fazia desse papel-moeda, e á melhoria do Credito Publico, durante diversos periodos da existencia desta moeda.
Os que impugnam, como prejudicial ao credito ias Notas do Banco de Lisboa, a admissão dellas pelo seu valor effectivo, fundam-se, principalmente, em que tendo o Governo fixado em réis 2$400, por exemplo, o valor com que hão de ser recebidas durante a semana, será do interesse dos que tiverem de fazer pagamentos, depreciar este papel-moeda: a fim de o comprarem, por exemplo, por 2$200 réis, conseguindo assim um lucro de 200 réis em cada moeda nominal. Se a pessoa que tem de fazer algum pagamento, possue as Notas de que precisa para esse fim, nenhum interesse terá em depreciar o valor dellas. Se pelo contrario as não possue, ou as possuo em uma importancia inferior á somma de que carece, lerá interesse em as comprar mais depreciadas. Mas' no primeiro destes casos não as poderá depreciar pela venda, porque as não tem; no segundo caso se tiver, por exemplo 1:000$ réis e carecer de 4:000$000 réis, os effeitos da depreciação que tentasse, vendendo 1:000$000 réis, seriam destruidos pela compra dos 4:000$ réis de que necessitava. Assim, por nenhuma theoria rasoavel se póde sustentar a opinião, dos que consideram a medida das Notas serem recebidas pelo seu valor effectivo, como uma das causas do seu crescido agio, a não ser que se queira allegar com panicos espalhados para similhantes especulações, ou com outras causas desconhecidas dos que não são da profissão.
Mas, acceitando o argumento, se o facto existe, ou se é possivel tal manejo, terá igualmente logar quando as Notas forem recebidas pelo Estado, segundo o seu valor nominal, porque subsistem as mesmas, ou maiores razões de conveniencia e de lucro para quem tiver de fazer pagamentos, pois que será tanto maior o ganho quanto for menor o valor porque comprar as Notas. Ma, como, neste caso, a depreciação póde ter logar até certo ponto, segundo os desejos do pagador, segue-se que existe uma razão fortissima, para que senão estabeleça" o curso das Notas pelo seu valor nominal, porque serão interessados na depreciação dellas, os que tiverem de fazer pagamentos, e delles depende a depreciação das Notas até certo ponto; ficando o Estado sendo a victima de taes manejos, e sem ter correctivo que o indemnise das perdas, que soffrer por um excessivo agio.
Allega-se que as disposições, pelos quaes se mandaram admittir as Notas do Banca de Lisboa com um valor fixado pelo Governo, tornam impossivel o melhoramento do credito desta moeda; e fazem com que o seu agio vá sendo progressivamente maior do que o fixado pelo Governo. As theorias estão em opposição com tal argumento, e os factos occorridos na Cidade do Porto desmentem a asserção, confirmando os principios theoricos.
Sabe-se que na Alfandega do Porto tem sido realisados, por mais de uma vez, diversos pagamentos em metal, em consequencia das Notas terem um valor superior ao estabelecido pelo Governo.
Mas contra o que fica demonstrado, pertende-se, como por instincto, que restabelecido o curso das Notas pelo seu valor nominal, o credito dellas deverá melhorar a ponto de ser o seu agio de 25 por cento, ou de 1$200 réis em cada moeda. Contra esta opinião, opponho o facto do que se passou ha pouco com os bilhetes, admissiveis em uma sexta parte dos rendimentos das Alfandegas. Apesar destes bilhetes serem admittidos no pagamento dos direitos, como moeda metalica, em 16 de Abril ultimo valiam 68 em metal, isto é tinham um agio, ou desconto de 32 por cento. O publico não podia ignorar, em vista das contas publicadas pela Thesouraria Geral do Ministerio da Fazenda, que a importancia dos bilhetes que andavam ' em circulação não podia exceder a 122:000$000 réis. O publico devia saber, que a amortisação destes bilhetes é diaria, e successiva, e que portanto em tres mezes, pouco mais ou menos, estariam completamente amortisados. Compare-se a insignificante importancia desses bilhetes, com a das Notas em circulação; considere-se a rapidez da amortisação daquelles titulos, com qualquer que seja possivel estabelecer ás Notas, e ver-se-ha, se no estado actual do Credito Publico, não seria possivel que as Notas, admittidas em uma quarta parte dos rendimentos publicos, tivessem sómente o desconto de 25 por cento.
Um outro motivo se apresenta, contra a conveniencia de admittir nos pagamentos uma parte em Notas do Banco de Lisboa, pelo seu valor nominal. Ou as Notas não melhoram o seu credito, e continúa, ou se aggrava o seu excessivo agio ou melhoram sensivelmente como se affirma. No primeiro destes casos, podem ser postos fóra da concorrencia no mercado, diversos productos do industria nacional, que carecem de direitos protectores para poderem aperfeiçoar-se, e concorrer com outros da industria estrangeira. No segundo caso, se o agio das Notas vier a melhorar consideravelmente, e fôr estabelecido um direito addicional nas Alfandegas para a amortisação das Notas, a importancia total dos direitos fiscaes poderá sertão excessiva, que seja incentivo para o contrabando, do que resultará, alem de um desfalque para o Thesouro não poder o commerciante, que tiver pago os direitos fiscaes, vender os seus productos em concorrencia com as mercadorias introduzidas por contrabando, que nesta hypothese será excessivo.
Admittidas as Notas, pelo seu valor nominal, em uma parte dos pagamentos, os generos, ou mercadorias importadas, serão carregados ao consumidor do paiz por um preço superior aquelle pelo qual lhes seriam vendidos, se os pagamentos forem feitos em moeda de um valor fixo. Na impossibilidade de se poder calcular o valor da moeda, com que o paiz tem de pagar os generos importados, vista a oscilação do meio circulante, o preço delles será calculado o mais subido possivel, para salvar as perdas resultantes de qualquer oscilação maior que possam ter as Notas, admittidas pelo seu valor nominal em parte dos pagamentos.
Allega-se contra as provisões, que mandaram admittir nos pagamentos as Notas do Banco de Lisboa pelo seu valor effectivo, dizendo-se, que taes provisões dão a esta moeda um caracter de mercadoria. Mas será este argumento causa sufficiente para alterar o meio circulante? Ignora-se, por acaso, que com razões plausiveis se sustenta, que a moeda metalica é uma mercadoria? E se tal opinião parece fundada a respeito da moeda forte, não o será com mais razão a respeito de uma moeda fraca, cujo valor varia, ou póde variar a cada instante? Não valerão taes razões a respeito de uma moeda, que se não póde trocar ao par? Serão improcedentes taes razões a respeito de uma moeda, que se compra, ou vende por maior ou menor preço no mercado, conforme as necessidades das transacções, ou segundo as probabilidades da alta, ou da baixa no seu valor? Será tal razão, motivo sufficiente para se fazer uma revolução no systema do meio circulante de um paiz?
Se a substituição da moeda forte pela moeda fraca, produz sempre um transtorno na riqueza publica, e a perda de muitas fortunas, alem dos males subsequentes que traz comsigo tal inovação; se mesmo a reversão de um systema de meio circulante composto, no todo, ou em parte, de moeda fraca para o systema circulante metalico, é muitas vezes causa de muitas fallencias, e destruidor de muitas fortunas; seria possivel que se annuisse á substituição do systema de meio circulante actual, por outro em se admittisse pelo valor nominal uma moeda fraca, e fictícia? Tal complacencia, se a houvesse; não poderia indicar, que se abrigava o pensamento reservado de fazer uma emissão de papel-moeda, e que se pretendia habituar o publico aos soffrimentos de um tal flagello?
Seria possivel, que esta Camara approvasse um Projecto, que se lhe offerecesse, no qual se mandassem admittir nos rendimentos publicos, pelo seu valor nominal, as Notas do Banco de Lisboa, ainda que fosse em uma quarta parte, e se fizessem excepções a respeito de certos rendimentos? Attento o estado depreciado das Notas, similhante alteração, no meio circulante, privaria o Estado de 800:000$000 réis annuaes em metal. E posto se allegasse, que a perda se tornava menos sensivel porque algumas despezas seriam satisfeitas tambem com uma parte de moeda fraca, não poderiam essas despezas ser reduzidas, se fossem, aliás, pagas em moeda forte? Se o Governo apossado em parte dos rendimentos da Junta do Credito Publico, não póde pagar em cada dous mezes mais, do que a metade dos vencimentos de um mez, quando muito, aos servidores, e pensionistas do Estado, a consequencia infallivel seria, que privado de uma parte importante da sua receita, não pagaria mais do que metade do vencimento de um mez em cada tres mezes, sendo essa metade paga, em parte, com um papel-moeda depreciado, e sem compensação alguma para as perdas do seu agio. Considerado o estado de penuaria do Thesouro Publico, e o descredito geral privar o Governe de recursos tão avultados em relação á sua despeza, seria pô-lo dependente da agiotagem. Seria privar o Governo da independencia em que deve estar para o constituir subdito da agiotagem. Seria condemna-lo á escravidão de duros Senhores. Seria pô-lo na dura necessidade de sacrificar os rendimentos publicos, e acceitar condições onerosas da usura, para satisfazer ás mais urgentes necessidades do serviço publico, lançando-o assim em um abysmo insondavel. Seria aggravar a difficil situação do Governo, que, pela carencia absoluta de meios, se vê na dura necessidade de faltar ao pagamento das mais sagradas obrigações, e de não prover com meios ás mais urgentes despezas publicas.
Allega-se contra o systema actual, a complicação que resulta para a contabilidade publica: Mas, quem affirmará, que os Empregados existentes, ou ainda reduzido em parte o seu numero, não podem fazer uma escripturação regular? Não será possivel melhorar o systema da contabilidade publica, simplificando muitas das suas praticas? Para se simplificar a contabilidade publica, será necessario alterar o meio circulante, e restabelecer nos pagamentos a admissão das Notas p»lo seu valor nominal? Se a perda que resulta desta medida, é equivalente a réis 800:000$000, segue-se que o melhoramento da contabilidade custará dous milhões de crusados, e será mui cara similhante perfeição. Se a razão allegada fosse attendivel, poder-se-hia dizer, que não se sabe melhorar, e simplificar a escripturação, senão destruindo um systema de meio circulante.
Para se demonstrar a necessidade de alterar o systema de meio circulante actual, allega-se, que as disposições que regulam esta materia são obscuras, e dão logar a repetidas demandas. Mas não mostrarão estes factos, se existem como acredito, antes a necessidade de uma Lei declaratoria, ou a precisão de novas disposições legislativas? Porque, a Lei que regulou o meio circulante do Paiz não previo todas, ou parte das hypotheses, será logica a conclusão que se quer tirar — que é necessario alterar o systema do meio circulante? Não mostraria similhante argumento, que quem não sabe, ou não quer melhorar, pertende sahir das difficuldades destruindo o que, aliás, deveria aperfeiçoar?
Um outro argumento apresentam os que desejam, que as Notas do Banco de Lisboa continuem a ter curso forçado. Allegam a falta do meio circulante metalico, que é necessario para as transacções; commerciaes do Paiz. Não impugno a circulação das Notas pelo systema actual, visto não haver modo prompto de as retirar da circulação, sem annullar completamente o seu depreciado valor; mas nego, que faltem os metaes necessarios para a circulação. O desapparecimento da moeda metalica não significa a sua falta, mas indica a desconfiança publica. A falta do meio circulante metalico, é a consequencia da existencia de uma moeda fraca, que repelle da circulação a moeda forte.. As transacções commerciaes são, em geral, feitas em moeda metalica: assim o argumento é improcedente. ¦ A venda dos papeis de credito é realisada em moeda fraca; mas esta circumstancia não indica a falta de especies metalicas, é a consequencia do pouco credito desses papeis: esta circumstancia não demonstra a falta de moeda metalica; mas indica a superabundancia desses titulos no mercado. Mas, admittindo a falta de moeda metalica, como é que se pertende tirar, desta circumstancia, a conclusão da conveniencia de que nos pagamentos, em que actualmente teem cabimento metade da sua importancia em moeda metalica, deverão entrar tres quartas partes em especies metalicas? Como é que se tira a conclusão, de diminuir nos pagamentos o cabimento da moeda fraca?
Tem-se lembrado impor ao Banco de Portugal a obrigação de capitalisar as Notas do Banco de Lisboa, que lhe forem apresentadas. Com que direito se poderia impor aquelle estabelecimento similhante obrigação? Quando, ou em que convenção acceitou o Banco de Portugal este encargo? Não seria similhante obrigação irrita, e nulla, pela falta do assentimento expresso do mesmo Banco? Tem-se aconselhado, que o juro das Notas assim capitilisadas, seria de 4 por cento, pago em tres quartas partes com moeda metalica, e a quarta parte restante em Notas do Banco de Lisboa. Mas, suppondo que o Banco de Portugal acceitava esta obrigação, ha por ventura probabilidade, de que alguem se preste a fazer similhante transacção, quando, ainda supposta uma reducção de 40 por cento nos juros da divida consolidada, e admittida tal fórma de pagamento no nosso systema de meio circulante, as Notas empregadas na compra da fundos da divida interna produzem um rendimento superior a 6 por cento? quando as Notas reduzidas a moeda metalica, empregada em titulos da divida externa, attendendo ao estado do cambio, produzem um juro de 7 por cento aproximadamente pago em metal? não haveria na transacção de tal capitalisação os mesmos riscos, e as mesmas eventualidades, quanto á diminuição, ou augmento do capital real, e effectivo das Notas, visto que as Notas estão sujeitas á mesma, ou a maior oscilação de valor, do que a divida publica consolidada? Haverá alem disso confiança nas promessas do Banco de Portugal, quando está viva a lembrança do modo porque pagou os juros, e as Notas capitalitadas pelo Banco de Lisboa? Tal clausula seria pois uma pura illusão.
Não vedes esse espectro pálido da miseria, essas victimas dos nossos desvarios financeiros, que vos pedem remedio para seus longos soffrimentos? Não vedes esses militares illustres a quem deveis a liberdade, e uma elevada posição social, que esperam pelo cumprimento dos pactos com elles celebrados? Não vedes esses Magistrados, que proclamaes independentes, sujeitos á dependencia que traz a miseria?. Não vedes o. commerciante, o fabricante, e o artista, que esperam medidas com que possam melhorar o seu estado, augmentando a riqueza publica? E seria possivel que, em resposta a tantas, e tão variadas esperanças de melhoramento, désseis ao Paiz, pelo modo que se pertende, o flagello. de uma moeda fraca para contemplar a implacavel avidez de poucos? Não vedes que uma Lei para fazer acceitar, pelo valor nominal, uma moeda depreciadissima, não poderia receber a sancção moral, podendo ser attribuida a pensamentos menos nobres? Não persentis uma influencia nociva, mas frenetica e audaz, que dominaria alguns poderes politicos do Estado, privando nós o Governa dos recursos, que lhe são indispensaveis?
Se é veridica a asserção (e eu me congratulo), de que no anno economico futuro se equilibrará a receita com a despeza, podendo o Estado alienar 800:000$000 réis em metal pela alteração do meio circulante; é evidente que, conservado o estado actual desse meio, poder-se-ha estabelecer uma outra especie de amortisação para as Notas do Banco de Lisboa. Porque, note-se, só no caso de se verificar um excesso de receita publica sobre a despeza, é que tal amortisação póde ser conveniente, aliás, qualquer amortisação de Notas seria uma pura decepção, visto que obrigaria o Governo a recorrer a meios onerosos, e destruidores do credito publico, para satisfazer os encargos do Estado. Melhorar-se-ia o credito parcial das Notas, mas desacreditar-se-iam outros valores. A amortisação, neste caso, seria como o remedio que curasse uma molestia, aggravando outra de que resultasse a morte.. Fundado pois em um estado financeiro tão prospero, quanto inesperado; contando, vista a authoridade dos que o affirmam, com um estado financeiro, em que o Governo poderá prescindir, pelo menos, de 800:000$000 réis em moeda metalica; querendo ser com elle generoso, dando-lhe parte dessa quantia para occorrer a algumas despezas e ventuaes, e imprevistas; tenho a honra de offerecer á Camara o seguinte:
projecto de lei.
Artigo 1.° O Governo entregará no fim década mez, durante o anno economico de mil oitocentos quarenta e oito a mil oitocentos quarenta e nove, ao Banco de Portugal uma quantia, em Notas do Banco de Lisboa, equivalente ao valor real, e effectivo de quarenta contos de réis em metal.
§. unico. Estas Notas serão encontradas pelo seu valor nominal, nos emprestimos feitos ao Estado pelo Banco de Lisboa, antes do dia 23 de Maio de 1846. O Governo declarará ao Banco de Portugal, como fôr mais conveniente, qual o emprestimo, ou parte de emprestimo que quer amortisar.
Art. 2.º As Notas tiradas da circulação, em virtude do disposto no artigo antecedente, serão entregues á Junta do Credito Publico pela Direcção do Banco de Portugal, a fim de serem inutilisadas, e amortisadas.
Art. 3.º Os penhores que o Governo poder resgatar, em virtude do disposto no artigo, primeiro desta Lei, serão vendidos em Notas do Banco de Lisboa, para serem extraordinariamente amortisadas.
Art. 4.° As disposições desta Lei não prejudicam quaesquer outros meios de amortisação estabelecidos, ou que se estabelecerem, com o fim de retirar da circulação as Notas do Banco de Lisboa.
Art. 5.° Fica revogada a Legislação em contrario.
Sala da Camara dos Pares, 12 de Maio de 1848.
= Francisco Simões Margiochi.
Senhores. — Venho offerecer á vossa illustrada deliberação um Projecto de Lei, que me parece reunir as qualidades de necessario, util, o justo.
Não cançarei a vossa attenção com uma longa
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e enfeitada demonstração destas qualidades, porque além da confiança que eu tenho e devo ter na illustração da Camara, accresce-me a convicção de que essa demonstração resulta, á primeira vista, da simples e rapida leitura das provisões do Projecto, e d'uma pouca de reflexão sobre o estado financeiro do Paiz.
Não quero porém occultar-vos a causa immediata da confecção do Projecto. Promettera-nos o Governo no discurso da Corôa, e pouco depois, o Sr. Ministro da Fazenda, no relatorio do Ministerio a seu cargo, apresentar differentes medidas, pelas quaes se podesse conseguir a extincção do deficit, e o arranjo definitivo das nossas finanças.
Foram com effeito apresentados muitos e variados Projectos, que tenho lido com a reflectida meditação, que demanda um objecto de tanta transcendencia: e sem querer agora avaliar em detalhe a sua utilidade, não posso deixar de dizer (sem que nisto entre intenção, ou espirito de opposição, ou offença) que todos elles me parecem, uns de curto alcance, outros oppostos ao fim, que se pertende alcançar, e nenhum de interesse vital, e decisivo para a extincção do deficit, para o cumprimento de obrigações solemnemente contrahidas, e para o arranjamento definitivo das finanças.
Sobre tudo me surprehenderam as propostas relativas á Junta do Credito Publico, as quaes em vez de sustentarem, e augmentarem por novas garantias o credito daquelle importantissimo Estabelecimento, tem produzido maior desconfiança, e descredito. E como não havia de assim accontecer, quando ao mesmo tempo que se reconhece que a Junta não póde com tamanho encargo, se pretende onera-la com outros novos?
Que outra cousa se poderia esperar das providencias apresentadas, quando todas ellas sacrificam a mais sagrada de todas as propriedades, impondo um desigual e pesadissimo encargo aos possuidores de titulos de divida fundada, sem os compensar com uma garantia, ou com uma esperança conhecidamente realisavel?
É comtudo, por mais desgraçado que seja o nosso estado, a occasião é a mais adquada para salvar aquelle Estabelecimento, decretando desde já uma amortisação quantiosa — constante — successiva, e de modo algum onerosa.
O seu decretamento fará procurar com empenho o emprego dos titulos: com esta procura o seu valor cresce; o que habilitará o Governo a mandar vender por sua conta e a troco de Notas (que deve amortisar) os milhares de contos de Inscripções que tem no Banco como penhor.
A estes titulos proporciona-se-lhes um emprego solido; e sómente os fóros, que vem no orçamento no valor de 180 contos de rendimento, e que por isso representam um capital de 3:600 contos, hão de fazer amortisar 7:200 a 8:000 contos de titulos, o que importa nos encargos da Junta uma diminuição de 400 contos de juros. — Ajuizai do resto.
Tal é o fim unico do projecto que tenho a honra de apresentar-vos. — O remedio do mal ha de sahir do mesmo mal. O descredito, e a desconfiança são um grande mal, e eu pertendo converte-los em grande bem.
O projecto é pois de occasião. — É necessario e util, porque ha de diminuir em grande escala, como já indiquei, os encargos da Junta do Credito, e preencher o vacuo produzido pela amortisação, e depreciamento das Notas do Banco, com uma moeda de nova especie. — É justo, porque se por uma parte os possuidores dos titulos soffrem com a já proposta reducção do rendimento, recebem uma indemnisação no augmento do valor do seu capital, consequencia natural do projecto. — Tem finalmente o cunho da moralidade, porque a Nação paga de real a real por meio de troca, uma divida sagrada.
D'ante-mão ouso contar com o apoio da Camara em objecto tão vital; não para que o subscreva, mas para que o medite — corrija — reforme — ou addite, como entender, na sua alta sabedoria, que seja mais util ao Paiz.
PROJECTO DE LEI.
Artigo 1.º Todos os fóros, censos, e pensões pertencentes á Fazenda Nacional serão vendidos em hasta publica por titulos de divida fundada interna ou externa, os quaes serão recebidos pelo seu valor nominal.
§. 1.º É permittida a remissão dos fóros, censos, e pensões pelos mesmos titulos e valor; porém aos foreiros, censoarios, e pensionarios sómente é permittida a remissão sendo effectuada em acto de praça, como direito de opção.
Art. 2.º O preço pelo qual se ha de abrir a praça será a importancia de vinte annos de foro, censo, ou pensão; e quando sejam em generos, liquidar-se-ha a sua importancia pela tarifa das Camaras das localidades.
Art. 3.° É permittida a denuncia de todos os foros, censos, e pensões sonegados á Fazenda Nacional para todos os effeitos que as Leis do Reino o concedem ás denuncias dos bens vinculados com as seguintes modificações:
§. 1.º Os foros, censos, e pensões denunciados serão vendidos em praça nos termos do artigo 1.º
§. 2.° Os foreiros denunciados poderão remir apesar da denuncia, no tempo, e pelo modo designado no §. unico do artigo 1.°, excepto quanto ao valor dos titulos, que sómente lhes serão recebidos no valor de 80 por cento.
§. 3.º Os titulos recebidos pela compra ou remissão serão averbados vitaliciamente aos denunciantes.
Art. 4.º Os bens doados a donatarios vitalicios de qualquer natureza serão vendidos pelos mesmos titulos mencionados no artigo 1.º
§. 1.° Os donatarios serão preferidos, tanto por tanto, na compra dos bens, e fazendo a necessaria declaração no acto da entrega do ramo.
§. 2.º Dos titulos recebidos como preço destas vendas serão averbados vitaliciamente ao donatario tantos quantos sejam necessarios para produzir um rendimento igual áquelle que o donatario recebia dos bens doados, liquidando-se a sua importancia pelo 5.º que elle pagava á Fazenda Nacional.
Art. 5.º Serão immediatamente vendidos os bens de raiz pertencentes ás Communidades Religiosas de qualquer denominação, pelo modo determinado no artigo 1.°
§. 1.º Dos titulos recebidos pela compra destes bens, serão averbados a favor das Preladas dos respectivos Conventos tantos quantos sejam necessarios para dar a cada Religiosa 480 réis por dia, e produzir um rendimento sufficiente para conservação do Convento, fabrica da Igreja, decencia do culto, e ordenado do Capellão Confessor.
§. 2.º Os Conventos que não tiverem bens de raiz, ou que tendo-os, não chegarem os titulos por elles recebidos a produzir o rendimento necessario aos fins designados no §. antecedente, ser-lhes-ha inteirado esse rendimento com os titulos recebidos pela venda dos bens de outros Conventos.
§. 3.º A morte de qualquer Religiosa faz cessar a recepção do juro correspondente á prestação, e os titulos respectivos serão remettidos á Junta do Credito.
Art. 6.º São admittidas na compra dos bens mencionados nesta Lei as acções sobre o fundo de amortisação creado pelo Decreto de 19 de Novembro de 1846.
§. 4.º As acções que vencem juro serão admittidas na totalidade do preço: as que o não vencem em a metade.
Art. 7.º Se o preço das arrematações não chegar a cem mil réis, e os arrematantes ou foreiros que pertenderem remir, quizerem entregar um titulo daquelle valor, ser-lhe-ha admittido, uma vez que os arrematantes cedam a favor da Fazenda Nacional o excesso do titulo sobre o preço.
Art. 8.º Os juros que tiverem vencido os titulos entregues pelas pessoas que comprarem, ou remirem, cedem em beneficio da Fazenda Nacional.
Art. 9.º As vendas e remissões feitas em consequencia desta Lei, ficam isentas de qualquer imposto, ou emolumento.
Art. 10.° As disposições da presente Lei são applicaveis ás vendas de bens por virtude de execução fiscal, excepto quanto á isenção da siza, a qual será paga, quando o possa ser, nos mesmos titulos.
Art. 11.º Os titulos recebidos pelas compras, e remissões, e que excederem aquelles que por esta Lei ficam tendo uma applicação especial e temporaria, serão amortisados por meio da queima pela Junta do Credito.
Art. 12.º É authorisado o Governo para de accordo com a respectiva Authoridade Ecclesiastica proceder á commutação dos encargos pios de todos os vinculos, e Capellas do Reino e Ilhas, e pelo modo seguinte:
§ 1.º Em cada um dos referidos vinculos e Capellas ficará reduzido o encargo pio a uma missa annual de esmola de 480 réis.
§. 2.º Os Administradores dos vinculos e Capellas entrarão nos Cofres da Junta do Credito com a importancia dos demais encargos, a qual será empregada pela referida Junta na compra e amortisação da divida a seu cargo.
§. 3.º Desta importancia tirará a Junta 10 por cento, os quaes serão applicados para o Hospital de S. José, ficando por este modo substituido por um rendimento certo, o eventual que lhe pertence pelo não cumprimento dos encargos não cumpridos.
Art. 13.° Aos Juizes de Direito ficará competindo a tomada das contas annuaes aos administradores dos Vinculos e Capellas, competindo-lhe por este trabalho os emolumentos dos antigos Provedores.
Art. 14.° Logo que fôr amortisada metade da divida interna, será religiosamente cumprida a letra dos titulos existentes em todas as suas disposições.
Art. 15.° As fianças, que devem prestar os Thesoureiros, Recebedores, e outros quaesquer gerentes de dinheiros publicos, serão em titulos de divida fundada interna ou externa, na seguinte proporção.
§. 1.° Se a responsabilidade do gerente fôr de 3:000$000 réis, a fiança será de 6:000$000 réis em titulos.
§. 2.° Estes titulos serão depositados nos cofres da Junta.
§. 3.° O gerente não poderá receber os juros do segundo semestre de qualquer anno, sem que tenha prestado contas da gerencia desse anno, e se mostrar quite com a Fazenda Nacional.
§. 4.° Quando se verifique alcance, o qual deve ser participado á Junta, procederá esta á amortisação de tantos titulos dos depositados, quantos sejam necessarios para pagamento do alcance.
§. 5.° Os titulos que se amortisarem serão recebidos no valor de 50 por cento.
Art. 16.° Todas as pessoas encarregadas por Lei de entregar, ou pagar á Junta do Credito as quantias votadas, para a sua dotação, ficam sujeitas, no caso de falta, á queréla de furto, nos termos da Ord. L. 5.° T. 60 §. 8.º
§. 1.° A queréla poderá ser dada por qualquer possuidor de titulos de divida fundada.
§. 2.° A Junta publicará no Diario do Governo a falta de entrega ou pagamento no dia immediato áquelle em que se tiver verificado. — O Diario - só por si constitue o corpo de delicto.
Art. 17.° A pronuncia suspenderá os vencimentos ao Empregado, de que fôr querelado, e a sentença condemnatoria lhe imporá necessariamente a pena de demissão, e de incapacidade perpetua para servir emprego de qualquer natureza, isto sem prejuizo das mais penas crimes determinadas por Lei.
§. 1.° Estas mesmas penas, excepto a de demissão, serão applicadas aos accusados, que não forem Empregados Publicos.
§. 2.° As sentenças de absolvição ou condemnação serão publicadas no Diario do Governo.
Art. 18.º O Governo fará immediatamente os regulamentos necessarios para a execução desta Lei, e dará annualmente ás Côrtes conta detalhada do seu resultado.
Art. 19.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da Camara, 11 de Maio de 1848. = José da Silva Carvalho.