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SESSÃO DE 12 DE MAIO DE 1848.
Presidiu — O Em.mo e R.mo Sr. Cardeal Patriarcha.
Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.
M. de Ponte de Lima (Vice-Secretario).
ABERTA a Sessão pelas duas horas da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreram os Sr.s Ministro da Justiça, e da Marinha e Ultramar.
Mencionou-se a seguinte
CORRESPONDENCIA.
1.° Um Officio do Ministerio da Marinha, em additamento ao 13 de Abril, satisfazendo ao requerimento do D. Par, V. de Sá, apresentado em 5 daquelle mez, pag. 439, col. 2.ª
Os mappas juntos ao Officio passaram para o D. Par.
2.° Outro Officio do D. Par. Bispo de Viseu, participando, que por ter de passar á Provincia do Alem-Tejo, não podia concorrer ás Sessões.
O Sr. Secretario V. DE GOUVÊA — Está sobre a Mesa um requerimento do Prior, mais Dignidades, e Conegos da Collegiada da Villa de Barcellos, relativo ao Projecto de Lei, que está em discussão. A Camara resolverá se quer que se lêa, ou o destino que deva ter.
(Vozes — Lêa, lêa).
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Peço que se lêa. Tendo-se lido, disse
O Sr. PRESIDENTE — Poderá ficar sobre a Mesa.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Segundo pude perceber, o que se acaba de lêr é uma representação contra o Projecto de Lei, que nós estamos discutindo; e parece-me uma cousa muito séria, que estando nós discutindo um Projecto de Lei, quando se apresenta uma representação contra esse mesmo Projecto, a Camara não lhe dê consideração, mandando-a a uma Commissão, pois é este o methodo que se segue a respeito de todos os objectos, que merecem a attenção desta Camara: de contrario seria não fazer effectivo, ou despresar o direito de petição, direito este que tanto se deve respeitar, devendo esta Camara ser a primeira em dar o exemplo. Devemos sustentar este direito, embora depois a Camara decida como entender: por conseguinte, essa representação deve ser remettida a uma Commissão para esta dar a sua opinião, se for possivel, na mesma Sessão; e quando o caso seja de tal natureza, que precise de mais tempo, sobre estar-se-ha alguns dias na discussão do Projecto, a que a mesma representação se refere.
Lembrou-me fazer estas reflexões, não só em relação ao negocio, de que actualmente nos occupamos, mas relativamente ao principio que se deve seguir, sempre que se apresentem aqui quaesquer representações. No entanto V. Em.ª dará a estas reflexões a consideração que merecerem.
O Sr. PRESIDENTE — A pratica constantemente adoptada pela Mesa é mandar, com a annuencia da Camara, estas representações ás respectivas Commissões; mas esta representação é uma cópia de outra, que a Camara já recebeu em 1846, o que a Commissão dos Negocios Ecclesiasticos e de Instrucção Publica já teve em consideração, quando confeccionou o seu Parecer, a qual na discussão ha de dar as suas razões ácerca do ponderado nessa representação, e por isso entendeu a Mesa, que o melhor seria lêr-se, verem se as reflexões da representação, e combinarem-se com as provisões do Projecto, porque já alli se falla em Collegiadas insignes. Fica por tanto a representação sobre a Mesa, e os D. Pares farão as reflexões, que lhes parecerem convenientes (Apoiados).
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Á vista do que V. Em.ª acaba de expor, nada mais tenho a dizer, e dou-me por satisfeito.
A representação ficou sobre a Mesa.
Teve segunda leitura o requerimento do Sr. V. de Sá (pag. 645, col. 4.ª).
Foi approvado.
O Sr. MARGIOCHI — Sr. Presidente, pedi a palavra para ter a honra de apresentar á Camara um Projecto de Lei sobre a amortisação das Notas do Banco de Lisboa. Peço desculpa desta minha mania de apresentar Projectos de Lei, porque já com este é o terceiro, que nesta Sessão apresento á Camara; mas é esta uma mania como qualquer outra, e que não prejudica senão a quem a tem (Vozes — É muito louvavel).
O objecto de que se tracta é grave, e em qualquer paiz civilisado era objecto para ser tractado n'um livro em folio. Eu, com tudo, apesar de conhecer que tal assumpto devia ser tractado mais extensamente, não tive tempo para assim o fazer, porque para isso apenas tive poucas horas. Limitei-me pois, quanto era possivel, para tractar deste negocio, apresenta-lo-hei com a clareza que me for possivel; e passarei a lêr o Relatorio, que precede o meu Projecto (Leu-o). (1)
O Projecto é mui simples. Como ouço dizer que a receita e a despeza publica serão reguladas no Orçamento do anno economico futuro, de modo que desappareça o deficit, ainda quando se admitia, pelo seu valor nominal, uma moeda fraca nos rendimentos publicos, o que deve causar, ainda que sejam excluidos certos rendimentos, uma perda de oitocentos contos de réis em metal para o Estado, pelo menos entendi que, conservado o estado actual do meio circulante, poderemos destinar parte desses oitocentos contos de réis, que devem sobrar, para a amortisação das Notas do Banco de Lisboa (Leu o Projecto).
A leitura do Relatorio, apresentado pelo D. Par, foi ouvida com toda a attenção, e repetidos apoiados.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — Sr. Presidente: a Camara acaba de vêr que o D. Par se entregou a um arduo trabalho em que devia consumir muito tempo: — apresentou-nos um precioso relatorio, que antecede o Projecto de Lei, sobre materia muito grave. Na leitura houve certas interrupções, talvez porque ainda lhe não tivesse podido dar a ordem e perfeição que deseja; mas não fique esta Camara nem o publico privados das noções que póde alcançar do estudo de um documento em que se tracta de um modo historico e critico o assumpto mais vital deste Paiz: o credito publico. Nesta peça, que me parece de grande merecimento, vê-se que ha muito em que meditar; e muito desengano para alguns com séria instrucção para todos.
Peço pois, que, conjunctamente com o Projecto de Lei, seja impresso na sua integra o relatorio de D. Par, do modo que S. Ex.ª tencionou apresenta-lo á Camara, isto é, na ordem que ainda não tinha podido receber do seu habil auctor: nem a Camara nem o publico devem ser privados de tão util documento.
O Sr. PRESIDENTE — Na fórma do nosso Regimento, o Projecto e Relatorio deviam ser remettidos á Commissão de Fazenda, mas eu pergunto se a Camara quererá, que sejam impressos no Diario do Governo.
Resolvendo-se pela impressão no Diario, remetteu-se o Projecto á Commissão de Fazenda.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — O Governo ha dias recebeu de Coimbra uma Representação com 400 e tantas assignaturas, relativa a certas occorrencias, que tiveram logar naquella cidade; e o Sr. Ministro da Justiça disse depois — que se tinham mandado reconhecer as assignaturas. Desejava saber se effectivamente se reconheceram, e se o Governo recebêra uma outra Representação, com mais de 200 assignaturas, que servia de additamento á primeira, a qual tambem enviei ao Sr. Presidente do Conselho.
Peço por conseguinte ao Sr. Ministro da Justiça, que me diga o que tem havido sobre este objecto.
O Sr. MINISTRO DA JUSTIÇA — O Requerimento já voltou com informação do Delegado do Procurador Regio daquella cidade, o qual chamou os Tabelliães na fórma que se lhe ordenára, e estes reconheceram a maior parte das assignaturas, porque houve mui pequena porção que deixaram de reconhecer; e logo que chegou, a recebeu o Sr. Presidente do Conselho, que a apresentou em Conselho de Ministros, para se ouvir o seu parecer. O Sr. Presidente do Conselho tambem recebeu uma outra Representação com uma porção de assignaturas; mas esta era em sentido contrario da primeira; isto é, era uma Representação, na qual se agradecia ás Authoridades de Coimbra, as medidas que haviam tomado.
O Sr. V. DE SÁ DA BANDEIRA — Nesta parte estou satisfeito.
Agora desejára saber, qual tinha sido o resultado das informações obtidas pelo Governo, ácerca da participação telegraphica, e do officio confidencial, que o Sr. Presidente do Conselho lêra nesta Camara, em que a Authoridade Civil dizia — que na cidade de Coimbra se tinham dado vivas á Republica, tendo os Estudantes tomado parte neste facto. Estará o Sr. Ministro habilitado para dizer se essa participação era, ou não verdadeira? (O Sr. Ministro da Justiça — Por ora não o estou.) Pois como o não está, responder-me-ha em outra occasião.
Como está presente o Sr. Ministro da Marinha e Ultramar, que disse achar-se habilitado para responder á minha interpellação, aproveitarei a occasião para a fazer agora.
Primeiramente é preciso, que S. Ex.ª saiba, que todas as vezes que tracto de questões ultramarinas, fallo sem o menor espirito de partido,
(1) Está publicado, assim como o Projecto no Diario do Governo a pag. 590, col. 3.ª
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e sómente com o fim de procurar, que se faça algum melhoramento no modo de administrar aquellas Provincias. De algumas dellas póde dizer-se, que teem feito algum progresso; mas de outras, como são as do continente africano, essas estão era geral muito mal, o que eu attribuo ao trafico da escravatura, que é o cancro que as róe, não as deixando prosperar. Eu desejaria ouvir. S. Ex.ª sobre o que tenha occorrido ácerca deste trafico, e se effectivamente se tem reprimido, se tem havido vigilancia quanto a Bissau e Cachcu; mas de S. Thomé e Principe, Angola e Moçambique; n'uma palavra, o que destes ultimos annos tiver acontecido de mais importante a tal respeito.
Em 1844 por um Decreto, instituiu-se em Angola um tribunal, que havia julgar as presas dos navios negreiros, e este tribunal, chamado de presas, tem direito de julgar sobre o casco, separe-lho, e petrechos dos navios suspeitos de traficarem em escravatura, em quanto que o mestre, e a tripulação, são julgados pelo Juiz de Direito. Tem pois occorrido varias vezes, que em quanto o tribunal de presas, tendo condemnado o casco, apparelhos, e o tem feito vender em hasta publica, o Juiz de Direito tem absolvido o mestre e tripulação, o que é uma anomalia, e tem dado logar a reclamações desgovernos estrangeiros com quem não temos tractados, como per exemplo, com o governo do Brasil, quando os nossos cruzadores teem feito presas fóra dos mares de Angola, ainda que pelo tractado de 1817 com Inglaterra, reservamos o nosso direito sobre a costa ao norte d'Angola, que comprehende Ambriz, a foz do Zaire, Cabinda, e Molerobo. No entanto, aquelle governo reclama contra a validade de taes presas, e eu estimaria, que o Sr. Ministro quizesse dar algumas informações sobre este objecto. -
Desejava tambem saber, qual é o valor orçado das reclamações brasileiras por este motivo, e se se tem dado depois de S. Ex.ª estar no Ministerio algumas novas providencias, que possam tender, não digo a fazer desapparecer o trafico da escravatura, mas ao menos a faze-lo diminuir.
A outra pergunta é relativa a um Decreto, que li ha poucos dias no Diario do Governo, pelo qual se creou uma commissão, que proponha o meio de se supprimir a escravidão nas colonias portuguezas. Desejava pois saber, se S. Ex.ª, ou o Governo, tem já alguma idéa sobre a maneira de se poder conseguir esta suppressão, o que talvez não poderá ser logo, mas dentro em um prazo de tempo, mais ou menos longo. Por esta occasião direi, que acabo de receber dois mappas mais, que mandou S. Ex.ª, dos escravos que existem em Quilimane, Moçambique, e em Cacheu. Eu tinha pedido mappas, ha quatro, ou cinco annos, do numero de escravos existentes em todas as colonias: talvez estejam na Secretaria d'Estado respectiva, os que ainda não foram remettídos a esta Camara, e que lá tenham esquecido entre outros papeis. O que deu causa ao pedido destes mappas, fui um Projecto assignado pelos Srs. Duque de Palmella, e Conde de Lavradio, e por mim, para a suppressão da escravidão do Estado da India, e em Macáo, applicando-se alli o Decreto de El-Rei D. José, de 1773, que aboliu a escravidão dos negros em Portugal, e ilhas dos Açores e Madeira.
Os mappas relativos a Macáo, e Gôa, que eram os mais faceis de se fazerem, ainda não vieram: e possivel, como disse, que estejam na Secretaria da Marinha e Ultramar: bom será que tenhamos um mappa geral de todos os escravos nas nossas colonias.
Estas são as perguntas principaes, a que eu desejo que S. Ex.ª responda; e quando o tiver feito direi mais alguma cousa.
O Sr. Presidente—Tem a palavra Sr. C. de Thomar sobre a ordem.
O Sr. C. de Thomar — Sr. Presidente, não é minha intenção impedir, que o Sr. Ministro da Marinha responda á interpellação do D. Par, o Sr. V. de Sá, nem deve deixar de o fazer; mas eu pedia a V. Em.ª, que de futuro se lembrasse, que a seguir-se este systema não se discutirá alguma cousa de ordem do dia. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Peço a palavra.) Perdoe o D. Par, eu quero fazer uma Proposta, ouça primeiro, e verá que ha de entender, que tenho razão. Eu proponho, que de hoje em diante ás duas horas em ponto se entre na ordem do dia. (Apoiados.) Não quero impedir, como já disse, que o Sr. Ministro responda ao D. Par, a minha Proposta é para o futuro.
O Sr. Presidente—Sim, senhor. Tem a palavra o D. Par.
O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu achava remedio para isso: é vir para aqui no meio dia, e não principiar ás duas horas a Sessão, porque então poderiamos trabalhar até ás quatro, e é a mesma cousa. (Apoiados.)
O Sr. Presidente — é certo que é necessario tomar alguma providencia a este respeito. (Apoiados.) Eu declaro aos D. Papes, que se querem comparecer ao meio dia, de muito boa vontade o farei, apezar de estar nas circumstancias mais especiaes para o cão dever fazer; mas, farei a diligencia possivel para aqui estar a essa hora, por que começando-se ao meio dia, parece-me muito de razão, que até ás quatro horas se tracte de alguma cousa. (Apoiados.) Então fica estabelecido que principiam as Sessões ao meio dia (Apoiados), e rogo a todos os D. Pares, que façam sacrificios para não ser só para os que vierem, e perdem o tempo que é precioso. (Apoiados.)
O Sr. C. de Thomar — Eu approvo; mas que em todo o caso se entre ás duas horas na ordem do dia.
O Sr. Presidente —Tem agora a palavra o Sr. Ministro da Marinha.
O Sr. Ministro da Marinha — É tão limitado o tempo, a que estou no Ministerio dos Negocios da Marinha e Ultramar, e neste curto periodo tem sido tal a affluencia de negocios, que me tem sido necessario examinar e resolver, que pouco tenho podido instruir-me nas materias sobre que versa principalmente a interpellação, que o D. Par o Sr. V. de Sá da Bandeira acaba de dirigir, me. Mas com quanto reduzidas sejam as noções que tenho sobre as referidas materias, são ellas sufficientes para poder asseverar a S. Ex.ª, em resposta á primeira pergunta que me fez, que o Governo de Sua Magestade não tem poupado-se a diligencias para reprimir, quanto possivel, o detestado trafico da escravatura. Desde ha muito não tem partido um só Governador para as nossas Provincias ultramarinas, que deixe de levar nas suas instrucções a determinação expressa, de empregar todos os meios ao seu alcance para cohibir este trafico; a todos os empregados, mesmo subalternos, que vão para as ditas Provincias, se tem feito igual recommendação; e até não tem partido uma só embarcação, que leve correspondencia, na qual não se tenha consignado, do modo mais energico e positivo, o desejo que tem o Governo de acabar de uma voz com a horrivel mercancia da raça africana. Finalmente, quando eu disser que desde 1842 ate á presente data, o Governo tem despendido com os cruzeiros e estações maritimas, que tem mandado para as cosias oriental e occidental da Africa, para reprimirem o trafico da escravatura, a enorme quantia, em relação ao nosso estado, de 668.000000 réis, creio lêr plenamente demonstrado a boa vontade, e disposição do Governo sobre a materia em questão.
Porém, Sr. Presidente, deve attender-se a que a extensão das costas das nossas Colonias de Africa é tal, que é impossivel físico estabelecer sobre ellas um bloqueio efficaz; e por esta razão, e por differentes circumstancias, que se dão nas diversas localidades, é tambem impossivel, como ha pouco disse o D. Par interpellante, que de uma vez possa abolir-se a escravatura em as nossas Possessões do Ultramar. Está em Africa, póde dizer-se, o principio da escravidão inteiramente ligado com os costumes, e os habitos dos povos, e com a sua legislação tradicional, e a sua religião; o alem disto, é minha opinião, que em quanto se comprarem escravos, ha de haver quem os venda. Entretanto, repito ainda uma vez, o Governo tem empregado todos os meios possiveis e a maior solicitude, para conseguir afugentar os negreiros das nossas Possessões, e procurado, á custa mesmo dos maiores sacrificios, cumprir religiosamente o Tractado de 3 de Julho de 1842, feito com Inglaterra para abolir inteiramente o trafico da escravatura. Não me consta que sobre este ponto hajam actualmente algumas reclamações; nem rasoavelmente as poderia haver, em vista das recommendações, que effectivamente se fazem a todos os Governadores das Provincias ultramarinas, e sabendo-se que temos nas costas occidental e oriental da Africa, 9 embarcações de guerra, guarnecidas por perto de 800 homens, cruzando em diversos pontos.
Quanto ao segundo ponto, sobre as prezas que se teem feito... (O Sr. Visconde de Sá — Estabeleceu-se um Tribunal de prezas com tres pessoas.) Esse Tribunal fui estabelecido por Decreto de 14 de Setembro de 1844, para julgar aquelles navios que fossem «prezados pelos nossos cruzadores nos mares contíguos á cosia (que se designam por um nome de que me não recordo) na distancia de tres milhas da costa. Todos os navios (excepto os inglezes e portuguezes) que são encontrados carregados de escravos nesta distancia, ou fazendo escravatura fundeados nas enseadas e portos, são julgados por este Tribunal, que deve ser composto do Governador Geral, Juiz de Direito, e o Commissario e Arbitro da Commissão mixta; mas houveram algumas reclamações e duvidas, ácerca de navios suspeitos de negreiros, ou carregados de escravatura, que sendo encontrados sobre a costa, foram perseguidos em caça continúa para o alto mar, dizendo-se que taes navios, sendo de nações como a Brasileira, com quem não lemos tractado para a abolição do trafico da escravatura, ou não deviam ser aprezados, ou sendo-o, não competia o seu julgamento ao Tribunal de que se tracta; e então o Governo julgou dever, em Portaria de 2 de Março deste anno, dirigida ao Major General da Armada, explicar os pontos duvidosos; e todas as reclamações que havia foram terminadas amigavelmente não restando hoje outra questão mais senão uma ácerca da escuna Marianna, aprezada nos mares de Moçambique: todas as outras foram julgadas boas prezas.
Sr. Presidente, no tempo que tem decorrido, depois que fizemos o Tractado com a Inglaterra, para a abolição do trafico da escravatura, não se podiam fazer maiores esforços do que o Governo tem feito para abolir este trafico. A Inglaterra não tem feito mais, com os meios colossaes de que póde dispor; mas parece-me que tudo é infructuoso. No ultimo navio chegado de Angola, teve o Governo participação do Governador daquella Provincia, de que entre Benguella e Angola appareceu um grande vapor tripulado com gente hespanhola. e armado com boa artilheria, e uma grande peça de rodízio, o qual se dirigiu a Maiumba onde carregou 800 escravos, que foi depois a Ambriz, onde carregou mais de 1000, e que ainda se destinava á costa de barlavento de Benguella, onde tencionava completar a carregação; e o que póde fazer uma escuna, ou uma corveta contra embarcações de tal força? Certamente nada. Este, e outros casos similhantes, estão acontecendo todos os dias, não obstante os cruzadores portuguezes e inglezes; e não e culpa nem de uns, nem de outros, nem das authoridades; é pela grande extensão das costas, tanto occidental como oriental, as quaes não é possivel vigiar inteiramente. (Apoiados.)
Parece-me que a terceira parte da interpellação do D. Par, é relativa á Commissão, que ultimamente foi nomeada, para propôr os meios de levar a effeito a abolição da escravidão em as nossas Provincias ultramarinas. Esta Commissão pareceu-me necessaria, depois que tive conhecimento da existencia de outra, que foi nomeada por Portaria de 10 de Outubro de 1843, para propôr os meios que convinha adoptar para melhorar a sorte dos escravos, e da Portaria de 31 de Janeiro de 1846, dirigida á dita Commissão, para propôr igualmente o que lhe parecesse mais acertado sobre o emprego. e tractamento que conviria dar aos negros libertos. Estabelecidas, em virtude dos trabalhos desta ultima Commissão, quando ella os apresentar, algumas garantias para os escravos, contra o abuso do poder de seus senhores, e estabelecida a maneira de serem educados, e tractados aquelles, que conseguirem a Liberdade; restava exactamente procurar o meio do trazer aquelles desgraçados a esta ultima posição social, ou de prompto, ou com o tempo, e progressivamente, e foi isto o que encarreguei á primeira Commissão. Estou disposto a acreditar, que todos concordarão em ser impossivel realisar de prompto a emancipação dos escravos, que ha em todas as nossas Provincias ultramarinas; porque nos faltam os meios para indemnisar os seus respectivos senhores, e nem mesmo os escravos estão convenientemente preparados para gozarem da alforria; mas não supponho demasiadamente despendioso, ou impossivel, o começar a fazer o ensaio philantropico, de que se tracta em alguma das nossas Provincias, como na India, ou em Macáo, etc....
Creio que o D. Par já está de posse dos mappas, que pediu, dos escravos que ha em as nossas differentes Possessões ultramarinas, salvo se lhe falta aquelle relativo á Provincia d'Angola, que ainda não recebi, e então parece-me haver satisfeito a todas ar, suas perguntas.
O Sr. V. de Sá — Acho muito justa a medida, de determinar-se uma hora certa para começar a Ordem do dia; mas parece-me, que a occasião em que o D. Par fez a sua proposta, não foi a mais bem escolhida, porque se tractava de uma interpellação, que já estava annunciada ha muito tempo, e sobre um objecto de muito interesse publico; mas o que eu vejo, é que nas nossas discussões politicas, tracta-se com menos consideração, o que é relativo ás nossas colonias, do que o que diria respeito a uma eleição contestada d'uma Junta de Parochia. (O Sr. Ministro da Marinha — Se S. Ex.ª se dirige ao Governo, eu devo responder, que elle não tracta com menos attenção os negocios das provincias ultramarinas, aos quaes vota todo o respeito.) Eu não me referi a V. Ex.ª, fallei em geral.
Entrando na materia, direi, que um dos meios que dentro de certo numero de annos, podem extinguir o estado d'escravidão nas nossas colonias, será o decretar, que os filhos das escravas apenas nascessem, fiquem livres; pelo que conviria, o adoptar-se o Projecto, que já foi ha annos apresentado nesta Camara, assignados pelos D. Pares Duque de Palmella, Conde de Lavradio, e por mim para que o alvará d'El Rei D. José, de 1773, fosse applicado ao Estado da India, e Macáo. Então, observou-se que não se sabia qual era o numero dos escravos naquelles territorios; porém devendo haver já conhecimento delle, parece-me que o Projecto se podia approvar, porque elle contém medidas, cujo bom effeito foi experimentado em Portugal, e Ilhas adjacentes.
Lembrarei por esta occasião, que em Cabo Verde ha o costumo, de que toda a criança, filha de escrava póde, creio que no acto do baptismo, a troco de 8$000 réis, ser tornada forra: alli pois existe um costume, que tem certa analogia com a principal provisão do dito Projecto.
Pelo que pertence á indemnisação, aos senhores d'escravos, quando a lei ordene a liberdade destes, direi, que dar uma indemnisação integral pelo valor de cada escravo, não concordo com isso, porque uma tal disposição seria um acto de injustiça relativa; por quanto, muitas instituições se tem annullado ou extinguido no nosso paiz, sem se darem indemnisações algumas aos interessados: por exemplo, o clero não recebeu indemnisação pelos dizimos abolidos, e eu não vejo que os donos dos escravos tenham maior direito á indemnisação, do que tinham os ecclesiasticos, e similhantemente outros individuos, e corporações, (apoiados).
Em quanto á suppressão do trafico, pelos meios actualmente em pratica, é isso impossivel, porque o interesse que resulta do commercio em escravos, é tão grande, que vence quaesquer obstaculos. Na Havana, por exemplo, onde se faz em grande escala trafico de escravos, ha companhias que emittem numerosas acções, e estas são repartidas pelas praças da America e da Europa: por este meio, se uma carregação de escravos se perde, pouco perde cada accionista; mas se ella chega a salvo, ganha então 200, 300, e mesmo 1000 por cento.
Nós pois não temos outro remedio senão mandar para as nossas colonias authoridades capazes, e de grande probidade, que procurem por todos os meios, ao seu alcance, impedir esse trafico; e não se mandem para lá individuos, que longe de o perseguirem, o vão consentir. Não quero dizer com isto, que os Srs. Ministros senão possam enganar alguma vez com as nomeações, que fizerem: tambem eu, sendo Ministro, me enganei com alguns homens de quem aliás tinha muito boas informações; mas o facto é, que fui sempre muito escrupuloso a tal respeito, e tanto, que quando alguem me pedia ser despachado para qualquer colonia, eu desconfiando do pretendente, não promovia o seu despacho, pela idéa que tinha de que o seu projecto era ir para enriquecer em pouco tempo, o que só se obtem, consentindo no trafico; e por essa razão eu procurava com cuidado particular os homens para os empregos do ultramar.
Muitas authoridades alli de nada cuidam, senão de tirar proveito da sua posição, para fazerem dinheiro. Algumas dellas, voltando para a Europa, perdem ao jogo os seus lucros illicitos. Ha poucos dias pedi nesta Camara, Sr. Presidente, que o Governo se informasse Sobre os procedimentos, que tivera em Golungo alto, e em Benguella, como authoridade, o Official que o antecessor do Sr. Ministro nomeou Governador de Quilimane; e agora ainda me a lembrar este objecto a S. Ex.ª, recommendando que antes de o mandar, examine miudamente a conducta do mesmo Official.
Lembrarei per esta occasião, que ao norte de Loanda, no porto de Ambriz, se faz um trafico muito grande, e por isso conviria muito, que o Governo mandasse estabelecer alli um forte, convindo que para esse effeito fosse tudo prompto da Europa, e preparado de tal fórma, que chegando alli a expedição, elle se podesse edificar sem demora. Do estabelecimento de uma feitura e forte naquelle porto, resultaria não só o içar-se a bandeira portugueza naquella localidade, e embaraçar-se o trafico da escravatura, mas tambem o augmentar-se o rendimento da alfandega de Loanda. Em 1838 o Almirante Noronha, indo para Angoa, levou instrucções para levantar fortes em Mossamedes, Ambriz, e junto ao rio Zaire: sómente o primeiro foi estabelecido. É preciso pois, que pela occupação effectiva de certos pontos da costa, até ao norte de Molembo, exerçamos o direito que reservámos pelo tractado feito com Inglaterra em 1817.
Pelo que respeita á costa oriental, direi, que aquellas possessões tem em todos os tempos sido ss mais mal governadas da Monarchia: como prova disto bastará lêr as ordens publicadas no reinado da Senhora D. Maria I, a respeito dos Governadores de Moçambique, ordens que pela major parte ficaram sem execução. Examine se tambem o que praticou alli o ultimo Governador Geral, que dizem fóra estabelecer-se em Bombaim. Convém pois lêr esta Provincia em particular consideração, porque ha cousas, que carecem de remedio prompto: por exemplo, nas Ilhas de Angoxe, faz-se um consideravel commercio de escravos: o seu Regulo não obedece no Governo Gera), e por tanto seria tambem conveniente o occupar este ponto.
A cultura do algodão em grande escala, póde vir a ser da maior importancia para o augmento de riqueza dos nossos territorios da Africa continental. Os inglezes tem feito nos ultimos annos grande diligencia para augmentarem a cultura do algodão na India, a fim de o substituirem, pelo menos, a parte ao que tiram annualmente dos Estados-Unidos; mas a producção deste genero na India não póde competir nos mercados da Europa com a producção dos Estados-Unidos: porque aqui o paiz é comparativamente pouco povoado, os terrenos em que se faz a cultura são propriedade directa dos productores, em quanto que na India a população é mais densa, e as terras cultivadas pagam renda. Ora, nos nossos territorios debica, em Angola, por exemplo, acham-se vastissimos terrenos mui ferieis, que o productor póde obter por pouco valor; e sendo alli o custo dos escravos oito, ou dez vezes inferior ao seu custo na America, sahiria o algodão alli produzido por um preço tão baixo, que havia de ser perfeito nos mercados da Europa a todos os mais algodões, que a elles concorrem. Deve por consequencia o Governo empregar todos os meios ao seu alcance, para conseguir esse fim, porque d'aqui resultaria o augmento da riqueza nacional nas colonias, e por tanto o augmento da nossa navegação mercante, e do commercio entre a metropole, e as nossas colonias; e entre os portos portuguezes, e estrangeiros.
Sr. Presidente, hoje leu-se na Mesa um requerimento meu, em que peço que o Governo remetta á Camara certos esclarecimentos sobre os denominados Prasos da Corôa de Rios de Sena. O Sr. Ministro ouviu-o lêr. Peço pois a S. Ex.ª. que note, que esses prasos são de uma muito grande extensão, e que se tem abusado ultimamente, fazendo delles concessões por Ião extraordinaria maneira, que os rendimentos que deviam entrar nos cofres do Estado, estão hoje nas mãos dos particulares. Eu recommendo pois ao Sr. Ministro, que tome tudo isto em consideração e examine estas cousas com os seus proprios olhos, e verá então, que o Governo ainda póde tirar delles um bom rendimento, em proveito da propria colonia.
Não cançarei agora mais a Camara, e reservo-me para outra occasião, que se offereça, chamar a attenção de S. Ex.ª sobre outros pontos, relativos ao governo das Provincias ultramarinas.
O Sr. Ministro da Marinha — S. Ex.ª o D. Par que acaba de fallar, tem conhecimentos tão especiaes sobre as nossas Colonias, e ideias tão desenvolvidas das suas necessidades, e sobre os melhoramentos de que ellas são susceptiveis, que eu mal poderei responder-lhe. porque estou em perfeita deficiencia na materia. Entretanto não deixarei de sustentar a inconveniencia de abolir a escravatura em todas as ditas Colonias, fazendo-lhe applicar as disposições do Decreto de 16 de Janeiro de 1773, que estatuto, que os filhos dos escravos fossem livres desde o seu nascimentos Eu não sei se alguma das nossas Colonias da Asia está no caso de prescindir dos escravos, sem soffrer grande abalo em seus interesses agricolas, manufactureiros; e commerciaes, mas estou certo de que na Africa todas aquellas, que possuimos, sendo de tal Sorte insalubres, que não é quasi possivel que a raça europea possa lá trabalhar soffreriam muito, e mesmo póde ser ficariam algumas dellas totalmente anniquiladas, se a raça africana, que alli faz os trabalhos agricolas, fosse emancipada; por quanto, esta não está ainda preparada para gozar da liberdade, dando-se entre outras a circumstancia de não conhecerem os negros precisões, que os obrigue a serem bastante laboriosos, para ganharem com que as satisfazer. Nestes termos, os proprietarios das terras não achariam sufficientes braços para as agricultar, não poucas vezes seriam victimas da rapina de bandos de libertos indolentes pelo clima, e desmoralizados pela falta d'instrucção, os quaes não seriam contidos pelo respeito e temor, que agora tem aos europeus.
É por tanto necessario, nesta materia, caminhar
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com grande tino, e mui vagarosamente; e a applicação das disposições do Decreto de 16 de Janeiro de 1773 não daria o tempo necessario para as cousas se prepararem. Em Gôa, em Macau, e nos estabelecimentos, que temos na Costa de Malabar, póde ser que seja possivel, com pequenos sacrificios, abolir-se a escravidão; mas em todo o caso é preciso primeiro colher os dados necessarios sobre o estado das cousas, e ouvir o parecer da Commissão ultimamente nomeada.
Em quanto porém ás Colonias d'aquem do Cabo da Boa-Esperança, parece-me que ainda estamos longe de poder alli abolir a escravidão, com quanto pela minha parte tenha os mais ardentes desejos de vêr acabado o trafico de carne humana, e não possa ser taxado de pouco solicito em procurar os meios de conseguir este objecto. Certamente, um semelhante commercio deshonra o seculo em que vivemos, sendo ainda mais horroroso saber-se que elle não se faz sómente sobre a raça preta, mas tambem sobre a raça branca, e mais perto de nós!
Agora a respeito dos empregados, que vão para as Possessões d'Africa, inclusos os Governadores, não negarei que S. Ex.ª tem razão, porque nem sempre a Nação tem sido bem servida pelos ditos empregados, salvas honrosas excepções. O amor do ganho, e outras circumstancias, talvez a pouca estabilidade das cousas na metropole, e a incerteza de recompensa e consideração futuras, teem feito com que alguns delles se tenham locupletado, e procurado enriquecer-se, pelo menos sendo conniventes no trafico, que por lei está prohibido. Com tal conhecimento, eu espero de nunca com razão ser taxado de mandar governar para o Ultramar, e principalmente para Africa, pessoa de quem tenham havido menos boas informações; mas entretanto é certo, que não posso ficar por fiador do que por lá farão os que despachar, aos quaes só me obrigo a fazer punir na conformidade da lei, quando me constar que prevaricam. Alguma cousa tenho já feito na materia, de que se trata, e continuarei na mesma linha de conducta, que me tenho traçado.
Em referencia ao Governador, que S. Ex.ª me aconselha que pesquize se tem boas ou más informações, e se é ou não conveniente manda-lo para a Colonia, que vai governar; direi, que bem poderia declinar a responsabilidade desta nomeação, por isso que ella não foi feita por mim; mas parece-me que não ha motivo para obstar a que subsista o despacho. O militar, de que se trata, servio por differentes vezes, e em diversas situações na Africa. Da primeira vez que lá esteve imputaram-se-lhe algumas faltas, pelas quaes foi mandado responder a Conselho de guerra; mas parece que o Governador Geral d'Angola achou as accusações distituidas de fundamento, porque o julgou, bem como o Conselho de investigação que se lhe fez, innocente; e d'aqui resultou que o Sr. C. do Bomfim, então Ministro da Repartição, o mandou metter em promoção, isto, se bem me recordo, em 1840. Em seguimento foi segunda vez para Africa este official, promovido a Major, e Governador de Benguella em 1842, levando especial incumbencia de procurar mudar a Cidade do sitio onde está, que se julga demasiadamente insalubre, para outra localidade da Costa, que fosse mais sadia, e bem propria para o commercio. Escolhida esta localidade em um sitio chamado o Lobito, a cinco legoas de distancia do actual assento da Cidade, isto a contento da Camara Municipal, e dos habitantes mais notaveis da mesma Cidade, que até se offereceram para fazerem uma parte da despeza da mudança; e com approvação do Conselho do Governo d'Angola, começaram os trabalhos para a referida mudança, fazendo-se os arroteamentos, e surribas necessarias no logar escolhido, do qual o Governador Geral da Provincia mandou levantar a planta, fazendo traçar tambem a do novo estabelecimento projectado.
Mas houveram pessoas a quem não agradou a mudança da Cidade, e que começaram a fazer resistencia a esta medida, instigando mesmo os pretos do sertão a levantarem-se, e embaraçarem o andamento da obra, o que elles por vezes fizeram, destruindo os trabalhos, espancando, e fazendo fogo contra os trabalhadores, e até uma vez contra o Governador, e alguns officiaes que o acompanhavam, os quaes, com grande trabalho, poderam salvar-se. Entretanto o Governador Geral d'Angola, a quem o Governador de Benguela participava estas occorrencias, e regularmente outras disposições, que tomava pelo bem do serviço, para repressão do trafico da escravatura, e melhor arrecadação, e fiscalisação da Fazenda, publica, respondia sempre com elogios ao Governador de Benguela, approvando o que elle fazia, e animando-o a continuar, não obstante os entraves que encontrava, nos trabalhos para a mudança da Cidade. (O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra para uma explicação.) A final, em uma occasião, indo o Governador de Benguela com sete dos principaes habitantes do estabelecimento para o sitio do Lobito, onde estava começando-se a nova Cidade, foi de improviso atacado no caminho pelos pretos do sertão, os quaes o despiram, e espancaram, bem como a todas as pessoas da sua companhia, excepto um, a quem não fizeram o menor mal, nem roubaram cousa alguma do que levava, resultando d'aqui, e do que se seguio, vehementes suspeitas de ser este individuo, a quem os pretos não fizeram mal, o que tinha preparado a emboscada, e o espancamento, roubo, e insulto de que se trata.
Como incidente vem a proposito dizer aqui, que na occasião, em que o D. Par o Sr. V. de Sá me annunciava ter que interpellar-me ácerca da nomeação para um novo Governo do official de que trato, ouvi que alguem dizia que este official era indigno de ser mais empregado, porque tinha sido prezo, e açoitado pelos prelos de Benguela. Ora, Sr. Presidente, se criminalidade e deshonra póde resultar do facto referido, bem má reputação nos transmittiria a historia do nosso desgraçado Sepulveda, que tambem foi prezo, e açoitado pelos cafres africanos.
O individuo; como ia dizendo, que não foi maltratado pelos pretos, veio para a Cidade, fez grande arruido pelo successo, mandando tocar os sinos a rebate; mas não mandou alguem em soccorro do seu Governador, e dos outros companheiros, que andavam fugidos pelos matos; porém apossou-se do governo, e participou a occorrencia ao Governador Geral d'Angola, figurando ser ella o resultado do odio, que todos tinham ao Governador maltratado. O Governador Geral d'Angola, recebendo a parte, suspendeu temporariamente do governo ao Governador de Benguela, e chamou-o á capital da Provincia, annunciando-lhe que mandava devassar da sua conducta. Não quero cançar a Camara, lendo os repetidos elogios, que em officios e cartas de amisade fazia o Governador de Angola ao seu subalterno, que suspendeu notando entretanto, que o ultimo destes elogios foi feito quatro dias antes de achar, que elle tinha incorrido no desagrado e odio dos habitantes de Benguela, pelas violencias que tinha alli praticado. Ponhamos isto de parte, e tambem para não trazer a juizo pessoas que já não existem, não diremos que o Governo teve alguns indicios de que a suspensão do Governador de Benguela tinha por fim collocar no logar pessoa a quem se queria proteger. Vamos ao facto principal.
Mandou-se proceder em Benguela a devassa contra o Governador suspenso; mas é para notar, que o Juiz devassante foi o individuo a quem os pretos pouparam, quando açoitaram os companheiros, que iam para o Lobito, e que se apossou do governo, e fez a parte acima referida para o Governador Geral, figurando ser o levantamento effeito do odio, que todos tinham ao Governador de Benguela, pelas violencias que tinha praticado durante a sua administração. As testimunhas que juraram na devassa, de que se trata, tambem pela maior parte não são insuspeitas de máo proposito, e de algumas dellas, bem como do Juiz devassante, havia criminalidade em Angola, o que se evidenceia de um officio do Governador Geral da Provincia, dirigido ao Governador de Benguela, no qual lhe diz, que tome cuidado em vigiar a conducta de Fuão e Fuão — os nomes do Juiz, e de algumas das testimunhas da devassa — porque são homens inquietos, e revolucionarios. O Governador suspenso, temendo naturalmente o resultado de um processo, em que figuravam semelhante Juiz, e taes testimunhas, protestou contra a irregularidade do facto, e pedio que se mandasse de Angola um outro Juiz devassar da sua conducta a Benguela, e que este ouvisse pessoas insuspeitas; mas o seu requerimento não foi attendido. Então pedio licença para vir a Lisboa tratar da sua saude, ao que se lhe respondeu, que se lhe concederia a licença pedida, se igualmente pedisse a demissão do logar de Governador de Benguela, o que elle teve por conveniente fazer, veio para a Europa. Veio depois ao conhecimento do Governo o processo, de que se trata, no qual se conheceram as irregularidades, que ficam referidas; porém havendo tambem presumpção, de que o Governador de Benguela, a quem tudo isto dizia respeito, não estava isento de criminalidade, julgou-se conveniente devolver o dito processo para Angola, e determinou-se ao accusado, que fosse lá responder a Conselho de guerra.
Mas entenda-se bem que a criminalidade, de que havia suspeitas, não era de ser negreiro, ou connivente no trafico da escravatura, o Official accusado, porém de ter comettido excessos de authoridade, e actos despoticos, que poderiam ter provocado a rebelião dos pretos. O Official, de que se tracta, adoeceu novamente, e teve licença da Junta para continuar a tractar-se, e entretanto procurou mostrar ao Governo a sua innocencia, e que as pessoas que tinham deposto na devassa, que se tirou em Benguela contra elle, e o Juiz, eram seus inimigos pessoaes. Creio eu que conseguiu provar tudo isto, porque em 17 de Maio de 1845 acho um Decreto, no qual se diz (O Sr. V. de Sá da Bandeira — Peço a palavra.) — (O Sr. Silva Carvalho — Sr. Presidente, sobre a ordem.) — (Leu-o.} — (Depois da leitura — O Sr. Visconde de Sá — Desisto da palavra.)
Então parece-me que, certamente, se o Governo naquella época não tivesse informações precisas de estar innocente o Official de que se tracta, das arguições que lhe foram feitas, e de ter o mesmo Official merecido ser recompensado, por haver prestado mais de vinte annos de bons serviços nos insalubres climas da Africa, não o teria considerado, no Decreto a que alludo, como o considerou. Não é a mim, certamente, que me pertence ir pesquizar sobre um negocio que deve julgar-se morto, com quanto me reserve para procurar todas as informações, que julgar precisas a bem do serviço; e quando conheça que existe inconveniencia a respeito do individuo, de que se tracta, não serei eu que o conservarei no logar, para que está despachado, nem um momento; (O Sr. Visconde de Sá da Bandeira — É o que basta, estou satisfeito.) mas entenda-se, que se não houver motivo para proceder, terei toda a contemplação para com um Official, que prestou vinte annos de bons serviços nas Colonias africanas.
O Sr. C. DE THOMAR — (Para uma explicação.) O D. Par estranhou, que eu apresentasse a minha Proposta, para que daqui em diante, logo que fossem duas horas, se entrasse na ordem do dia, e entendeu que eu tomava em menos consideração os negocios das Provincias Ultramarinas, do que quaesquer outros. Bera pelo centrario eu entendo, que as nossas Provincias Ultramarinas nos devem merecer tanta consideração, como todas as outras do continente do Reino; mas em justificação desta minha Proposta apresento esta mesma discussão de hoje, e perguntarei ao D. Par — que proveito tiraram della as Possessões Ultramarinas? (Riso).
O Sr. SILVA CARVALHO — Peço a palavra para lêr um Parecer da Commissão de Fazenda.
O Sr. PRESIDENTE — Eu já dou a palavra ao D. Par, mas antes disso quero pedir, que se demorem um pouco para ao menos acabarmos esta inscripção, que está antes da ordem do dia.
O Sr. SILVA CARVALHO — Parece-me que os Pareceres de Commissão entram sempre na ordem do dia, e que são objectos que devem ser tractados immediatamente; mas por fatalidade não succedeu hoje assim, porque desta interpellação nascerão conselhos e historias (Riso), e eis-aqui está a utilidade, que se tirou della, e a razão porque se accusa a Camara de não fazer nada, e se accusam tambem as Commissões por não apresentarem os seus trabalhos.
Eu apresento agora um Parecer da Commissão de Fazenda, e certifico que não ha lá mais trabalhos a preparar, a não ser um Projecto que ainda hoje para lá foi, e sobre o qual a Commissão espera apresentar o seu Parecer na Segunda feira. Este Projecto, a que me refiro, é sobre o pagamento de dividas do Estado.
Muito desejara eu, Sr. Presidente, que no Diario se fizesse sempre menção compridamente, do que aqui se passa, e não se nos tractasse tão pouco cavalheiramente como hoje succede. (Leu o annuncio da ordem do dia antecedente). Aqui passaram-se mais algumas cousas, e tractaram-se mais objectos: eu, por exemplo, fiz um Requerimento, apresentei um Projecto de Lei, e pedi que fosse impresso no Diario do Governo, e nada disto eu vejo. Hoje traz um artigo de fundo respeitavel, depois passa ao Brasil, e acaba pela relação dos subscriptores para a sopa economica. Lembra-me a antiga Gazeta de Lisboa, que começava com as noticias de Constantinopla, vinha a Odessa, e acabava em Lisboa. O Diario, poder-se-hia entreter, em logar das noticias do Brasil e sopa economica em imprimir as Sessões desta Camara, que lá estão, e outras muitas cousas. Não digo mais nada, e passo a lêr o Parecer da Commissão sobre a Proposição de Lei, approvando o Plano da Loteria Nacional para a amortisação das Notas do Banco de Lisboa. (2)
Mandou-se imprimir.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Muito pouco tempo tomarei á Camara, porque sómente apresentarei um Requerimento, cuja urgencia requeiro.
REQUERIMENTO.
Requeiro, que se peça ao Governo, pelo Ministerio dos Negocios da Fazenda, o seguinte esclarecimento.
Se a parte em papeis de credito, que nas diversas transacções desde Março de 1842 até agora, devia entrar no seu valor nominal como dinheiro, tem effectivamente sido já toda entregue no Thesouro; ou se os mutuantes ainda estão devendo alguma quantia desses papeis; quaes sejam as transacções, de que elles a devem, e a importancia da divida correspondente a cada transacção. = V. de Fonte Arcada.
E proseguiu. — Por esta occasião peço ao Sr. Ministro da Justiça, que faça o possivel para activar a remessa de outro pedido meu sobre objecto de Fazenda, o qual ainda não veio a esta Camara; mas S. Ex.ª póde faze-lo lembrar ao Sr. Ministro da Fazenda.
O Sr. MINISTRO DA JUSTIÇA — Faz o favor de dizer sobre que objecto é?
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — É sobre emprestimos.
Approvou-se a urgencia, e a materia do Requerimento.
O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Agora tambem pedirei ao Sr. Ministro tenha a bondade de lembrar ao Sr. Ministro do Reino a declaração que lhe pedi sobre a detenção de armas.
O Sr. FONSECA MAGALHÃES — O D. Par que acaba de fallar tomou pouco tempo, e eu não tomarei nenhum
Mando para a Mesa duas Representações, dos habitantes da Cidade de Braga e seu Concelho, e outra dos habitantes da Villa de Mourão e seu Concelho: ambas são dirigidas á Camara dos D. Pares tendo por objecto chamar a sua attenção sobre certos inconvenientes do Projecto de Lei das transferencias de Juizes. Estas petições, bem se sabe que vieram já tarde; mas eu não posso deixar de lhes dar o destino que seus signatarios requerem.
Por já estar discutido o objecto, de que as Representasses tractam, passaram para o Archivo.
O Sr. V. DE LABORIM — Sr. Presidente, em 3 d'Abril de 1846 foi apresentada pelo D. Par, o Sr. C. de Lavradio, uma representação que a esta Camara dirigiram os Directores da Companhia Auxilio, pedindo que se desse ao artigo 32 do seu Regimento, a força de Lei. Esta representação, apresentada pelo Sr. C. de Lavradio, foi mandada á Commissão de Petições, e esta deu o seu parecer dizendo, que o pedido não era da sua competencia, e que mesmo o negocio vinha mal dirigido, porque era objecto de proposição de Lei; apresentou-se esta, e da qual fui eu apresentante; mas quando a apresentei, foi justamente na Sessão de 6 de Maio de 1846, e disse eu então que era um mero apresentante, porque me não fazia cargo da sua defeza. Effectivamente pela Mesa, com o accordo da Camara, foi essa proposição de Lei mandada á Commissão de Legislação, e esta Commissão não deu o seu parecer; mas mesmo quando o désse, já se vê que tinha caducado em virtude de ter terminado a Sessão. Como agora me pedem, que o renove, mando a proposição de Lei para a Mesa, e peço a V. Em.ª, que consulte a Camara a que Commissão deve ser dirigida. Ella é muito breve. Ratifico que me não faço cargo da sua defeza, e peço que se de o mesmo destino, que se lhe deu na Sessão passada.
PROJECTO DE LEI.
Artigo 1.º É convertido em Lei, unicamente a favor da Companhia Auxilio, o artigo 32 dos Estatutos da mesma Companhia, o qual diz «que «fallecendo algum Administrador de vinculo administrado, ou com arrendamento geral da Companhia, o seu successor, quer queira continuar a ser administrado, quer não, seja obrigado a pagar-lhe pela terça parte do rendimento do morgado ou morgados, e á escolha da Direcção, todo o debito do seu antecessor, com os juros marcados no artigo 6.º, até final embolso. »
Art. 2.º Fica authorisado o Governo para fazer os regulamentos, que julgue necessarios, a fim de se evitar fraudes, ou abusos, na execução desta Lei.
Art. 3.º Fica revogada toda a Legislação em contrario.
Sala da Camara dos D. Pares, 23 de Abril de 1846. — V. de Laborim.
O Sr. PRESIDENTE — O D. Par sabe que foi então á Commissão de Legislação? (O Sr. V. de Laborim — Sim Sr.) Nesse caso a Camara quererá, que seja remettida a essa mesma Commissão (apoiados).
O Projecto enviou-se á Commissão de Legislação.
O Sr. V. DE LABORIM — Estou satisfeito.
O Sr. PRESIDENTE — Em vista dos desejos da Camara, convido os D. Pares a que ámanhã, em que haverá Sessão ao meio dia, estejam presentes, ficando com tudo estabelecido, que dando duas horas, a Camara entra na Ordem do dia, sendo a de ámanhã, a que estava destinada para hoje, a discussão sobre a proposição de Lei relativa ás Collegiadas do Reino. — Está fechada a Sessão.
Eram quatro horas e um quarto.