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(Tendo-se publicado no Diario de Lisboa n.º 64, de 25 de julho, o extracto do discurso do sr. marquez de Vallada, proferido na sessão de 19, com muitos erros e diversas omissões, que desfiguram e deixam imperfeito o pensamento do mesmo, repete-se a sua publicação.)
O sr. Marquez de Vallada: — Na sessão passada pediu e obteve a palavra, da qual usou largamente, e foram taes e tantas as materias de que se occupou (de muitas das quaes tem de occupar-se ainda n'esta discussão da resposta ao discurso da corôa), que lhe não foi possivel concluir n aquella mesma sessão o seu discurso. Pediu portanto que se lhe reservasse a palavra para a sessão de hoje; e vae por isso usar d'ella seguindo nas considerações que encetou na sessão precedente.
Occupou-se então com a revista ou resenha dos actos ministeriaes, em relação á politica interna, que não póde concluir. Tinha em seguida, depois de examinar a politica interna do governo, de pasmar á politica externa, e, finalisando esse exame, de fazer as observações que do mesmo resultassem em relação ao procedimento do governo; mas confessa ingenuamente, e com franqueza o diz, que de certo vae verse bastante embaraçado para o fazer, por isso que se não acham nos bancos ministeriaes nem o sr. presidente do conselho, nem o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça», tendo-se dirigido aquelles dois cavalheiros na sessão passada, e havendo censurado os actos da sua administração; e tendo hoje de occupar-se, quando se tratar da politica externa, tambem dos actos do sr. ministro da fazenda e encarregado dos negocios estrangeiros, sente não ver a s. ex.ª no seu logar. Acham-se apenas presentes o nobre ministro da guerra e o sr. ministro da marinha, de cujas administrações terá tambem de occupar-se. Assim, é uma posição bem difficil esta para um orador parlamentar, que entende dever occupar-se dos actos de cavalheiros, não os ter presente."-, e ver se portanto na impossibilidade de lhe responderem; pois de antemão sabe de uma maneira certa e segura, que não obterá resposta alguma ás suas considerações, nem rectificação nenhuma ás arguições que fizer.
Sente bastante que o sr, presidente do conselho não se ache hoje na sua cadeira pois quando, na sua qualidade de par, pronuncia n'esta casa um discurso sobre qualquer materia importante, e tem de combater qualquer orador que n'ella tome parte como seu adversario, deseja que elle o ouça da mesma sorte que procura ouvir todas as considerações que se lhe façam em resposta, como aconteceu com
o seu amigo e collega, o sr. conselheiro Ferrão, na questão da desamortisação, pois, como s. ex.ª ha de certamente recordar-se, não faltou no dia seguinte a ouvir a resposta muito erudita e o discurso muito profundo que s. ex.ª proferiu; não merece todavia a mesma attenção aos srs. ministros! Dirá entretanto, seguindo a sua tarefa, e com uma vaga esperança de que pelo correr da discussão appareçam aquelles srs. ministros, que em todo o caso está presente o sr. ministro da marinha para responder, que s. ex.ª é conhecedor da tribuna ha muitos annos, está pratico nas lides parlamentares, sabe combater, e por conseguinte como membro do ministerio, que é solidario nos seus actos, não terá duvida, como já disse, de rebater quaesquer accusações que julgar injustas da parte d'elle, orador, e defender os seus actos e os dos seus collegas.
Parece-lhe que s. ex.ª mostrou assentimento; está certo portanto de que o sr. ministro ha de occupar a tribuna logo após, e pulverisar todos os seus argumentos (phrase que costumam empregar os amigos do ministerio quando respondem aos seus adversarios).
(Entrou o sr. ministro da fazenda.)
Apresenta-se o sr. ministro da fazenda e estrangeiros. Entretanto tinha de começar pelo sr. presidente do conselho; como porém tem a satisfação de ver o sr. Avila, e havia de occupar-se tambem da politica externa, começará por esta...
O sr. Ministro da Fazenda e Estrangeiros (A. J. d'Avila): —Eu não posso demorar-me.
O Orador: — Sente bastante isso; entretanto como o sr. ministro da marinha já demonstrou que desejava responder pelos seus collegas, aceita a benevolencia que s. ex.ª manifestou.
Tendo quasi concluido a revista dos actos da politica interna, disse que passaria aos da politica externa, e por fim responderia ás observações feitas pelo sr. Joaquim Antonio de Aguiar, com o qual está muitas vezes de accordo, a quem muito respeita, e de quem é amigo; mas como s. ex.ª sabe, ha pontos de doutrina em que não póde concordar quem tem convicções profundas; e n'essas occasiões é dever tomar a palavra para defender as doutrinas, respeitando os fóros da amisade mesmo no exercicio do dever. (O sr. Aguiar: — Apoiado.)
Disse que o sr. presidente do conselho ouviu na sessão passada as censuras que elle orador fez a s. ex.ª sobre diversos actos da sua administração; faltou-lhe porém um bem importante, sobre o qual diversos commentario? se têem feito, e diversas opiniões se têem apresentado, de que não partilha inteiramente.
O sr. presidente do conselho publicou uma portaria dirigida ao governador civil de Lisboa, ordenando-lhe que tomasse certa ordem de providencias, em relação a obstar a um ajuntamento de povo que se premeditava para um dia já designado; o orador ouviu, não dirá que fosse por espirito de partido, que n'essa prohibição o sr. presidente do conselho tinha praticado um acto pau. Não o entende a:-sim o orador. Apesar de achar-se em opposição ao ministerio, ainda se não desviou, que saiba, da estrada que sempre tem procurado seguir, a estrada da imparcialidade; e por isso não póde deixar de dizer que não concorda de modo algum com as opiniões que reprovam este acto do governo. O sr. presidente do conselho publicou aquella portaria, e fez muito bem; fez o que devia, prohibindo o meeting. Foi elle, o sr. marquez, o primeiro que levantou a voz no parlamento, e n'esta tribuna, pedindo ao governo providencia» sobre um ajuntamento de povo que se premeditava, igual a este que foi prohibido; e com o qual se especulava para fins sinistros, na sua opinião. Mas então a resposta que lhe deu o sr. presidente do conselho não auctorisava a esperar a sua nova resolução. Citou s. ex.ª o exemplo de Inglaterra, povo de que podiamos seguir as praticas por estar n'esta parte muito mais adiantado do que nós; disse que o meeting era um direito do povo, e que emquanto não abusasse d'elle não podia o governo prohibir essa reunião. E a reunião teve logar.
Já tratou largamente della, e por isso n'esta occasião só tem a applaudir-se de que não houvesse a lamentar desgraça nenhuma, como temia fundadamente, e a registar um engano de caminho que se deu então. O povo dirigiu-se para onde não tinha previamente declarado que se havia dirigir.
Projectou-se recentemente outro meeting. Foi então que o governo veiu ao bom caminho. O orador não tem a vaidade de suppor que foi quem trouxe a elle o sr. presidente do conselho; mas é certo que o governo, pelos seus actos, pelas suas disposições veiu contrariar as suas anteriores declarações, e confirmar a verdade das asserções d'elle, orador, pondo-se de accordo com a sua doutrina. Prohibiu o meeting. Fez muito bem. A opposição que é sincera nunca recorre ás doutrinas dissolventes; quando falla, quando censura, quando aconselha é sempre em nome dos principios e com a linguagem de governo, porque idéas de opposição ha muito quem as tenha, mas são poucos os que têem idéas de governo. Assim o disse já o illustre marquez de Valdegamas na tribuna hespanhola: «Sois opposição, sempre opposição, exclamou elle, porque não podeis ser governo; tendes ideal de opposição, mas não tendes idéas governamentaes.» É necessario que o homem da opposição tenha idéas de governo, e não censure a torto e a direito qualquer procedimento dos seus adversarios, porque isso póde colloca-lo em posição difficil, quando os seus amigos sejam governo, e adoptem medidas iguaes aquellas que elle combatera. E isto justamente que não quer que lhe aconteça o sr. marquez; e por isso repete que o governo andou bem n'essa prohibição. Mas devem os pares ser meros espectadores dos actos do governo, devem ficar extáticos diante d'esses actos, e dos acontecimentos sem investigarem as suas causas? Não, do certo, que seria indigno da sua qualidade de homens d'estado. E pára os conhecer, sobretudo no importante negocio da governação do estado, cumpre examinar a* causas, que deram logar a este facto politico.
O chefe do actual governo e ao mesmo tempo chefe de um partido, não previo o perigo, não teve essa perspicácia que é um dote indispensavel de todo o homem politico, apitar de os seus amigos de boa fé, ou mesmo os seus adversarios leaes, o terem avisado d'esse perigo; o governo sómente o viu quando a reunião de março passado se encaminhou do Rocio para casa do sr. duque de Saldanha em logar de ir para casa do chefe da administração.
Felizmente para o orador, está hoje na mesma posição em que estava então, reprovando taes reuniões, qualquer que seja a direcção que ellas tomem. Conservador convicto, liberal sincero não deixa de reprovar que de uma reunião publica, de uma reunião qualquer, saia um requerimento ao chefe do estado para que este, ou aquelle individuo, por mais respeitavel que seja, por mais sympathias de que esteja rodeado, seja chamado ao poder. Isto é inverter toda a fórma de governo. Deseja fortemente que os srs. ministros caiam, mas não quer concorrer de modo nenhum para que venham a caír por meios revolucionarios, ou se quer pouco regulares.
Tudo isto previu, di-lo sem falsa modestia, apesar de ser mais moço que o ir. presidente do conselho e menos experimentado que s. ex.ª nas lides da tribuna, nas lucubrações da politica, e nos conselhos da governação.
E necessario não dar corpo a certas idéas, não procurar desenvolvo-las por acto. A pedra lança se, e não se póde medir o seu alcance. O homem politico tem um grande dever a seu cuidado, que é prevenir. É melhor prevenir do que remediar, pois as mais das vezes, quando se quer cohibir, já é tarde, e o remedio não só não póde produzir effeito salutar, mas até produz maior mal. -
Sente e lamenta ver esta effervescencia que lavra em todo o paiz. É notavel que ella sempre se faça sentir quando o sr. marquez de Loulé está no poder! Quando homens de outro partido occupam as cadeiras ministeriaes, tudo está socegado; mal n'ellas se senta o sr. marquez de Loulé e a sua gente, o partido setembrista, logo ferve a agitação, e com ella vem a desconfiança a as apprehensões. Lamenta isto porque se recorda ainda dos dias de 1836, recorda-se. da impressão que sentiu, ora ainda bem moço, ao contarem-lhe do assassinato de Agostinho José Freire, recorda-se ainda da impressão que lhe fizeram outros actos, muitos d'elles criminosos, alguns, poucos regulares, que infelizmente não foram punidos. Assistimos aqui a muito prolongado-se tristíssimos espectaculo? de desordem, sendo preciso que se formasse um partido, a que se deu o nome de ordeiro, em 1838, para que as cousas seguissem melhor caminho pois que d'esse partido saíram felizmente ministerios que poderam debellar a anarchia que assoberbava o paiz nas praças, e em toda a parto.
Mostra isto que não se póde governar com principios revolucionarios; podem servir para fazer opposição, podem inspirar discursos impetuosos e apaixonados, com uma belleza selvagem que toque os corações e excite n'elle? a paixão, podem fazer admiravel um homem aos olhos da multidão... mas isso não basta. É preciso governar, e o instrumento que foi capaz de destruir é impotente para crear; com taes idéas o governo e impossivel. (Entrou o sr. presidente do conselho.) O orador então disse que tinha pronunciado algumas palavras em relação ao sr. presidente do conselho, as quaes não sabe se as deva repetir, mas parece lhe isso util, porque em curto summario vae expor a s. ex.ª o que disse em relação aos seus actos ministeriaes.
Repetiu que tinha acabado de approvar, cousa rara em s. ex.ª, um acto de politica do actual ministerio: a prohibição do meeting, porque foi ella a maia eloquente condemnação que s. ex.ª podia dar ás rasões que produziu, quando o contrariou, por occasião de ter pedido a s. ex.ª providencias contra os tumultos que se projectavam em Lisboa, rasões com as quaes o orador não tinha podido concordar; e felicitava-se tambem de que o sr. marquez de Loulé, que não tem a presumpção de haver convertido ás suas idéas politicas, viesse prestar homenagem aos principios que o orador tinha apresentado em março. Foram estas as palavras que pronunciou, acompanhadas de breves reflexões, mostrando que s. ex.ª devia seguir outro rumo, e não continuar a esforçar-se por obter uma, falsa popularidade, porque, mais tarde ou mais cedo, terá de ser victima das idéas que favorece com os olhos n'ella, terá de ser victima d'esse memo favor que dispensa ao; homens da desordem.
Continuando observou que tinha agora de dirigir-se ao sr. Avila, se aqui estivesse, mas visto que não está, pedia licença aos srs. ministros do reino e da marinha para referir a ss.ªs ex.ª! as palavras que ia dizer com relação á politica externa.
Diversos factos e diversos acontecimentos, têem assignalado esta administração na sua permanencia nas cadeiras da governação publica; um d’elles é o reconhecimento do reino de Italia, que chamou a attenção de muitos homens politicos de diversas côres, em differentes paizes. Deixando isso de parte, e circunscrevendo-se ao nosso paiz, disse que o governo reconhecera […] de Italia; o que elle, orador, deseja protestar n'esta camara, muito solemnemente, contra esse acto. Requer e reclama a parte de impopularidade a que não se nega, e de que não cede, protestando contra esse acto do governo do seu paiz. Conservador por convicção, firme e invariavel no principio? que tem defendido, crê que faltaria a si mesmo se não lavrasse um protesto n'esta tribuna, contra esse acto, não já sómente como philosopho politico e pensador imparcial, mas principalmente como catholico portuguez.
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Já n'outro tempo, em eras remotas este paiz foi absorvido pelo governo de um paiz maior: foi annexação á Hespanha em eras de triste recordação para todo o homem em cujo peito bata o coração pela patria, e onde não esfriou o amor da sua independencia e nacionalidade! Não devia pois ser Portugal dos primeiros (no que não quer dizer que fossemos dos ultimos), a reconhecer o facto, porque o direito esse acabou-se de hoje por diante; o direito substituiu-se pelo culto desassisado do facto e da materia. Protesta igualmente contra esse culto; protesta contra essa homenagem, em que vê inimigos para a patria, que nunca se ha de arrepender de ter combatido e estar combatendo n'esta tribuna. Por esta occasião disse tambem que não era só a lastimar este facto; pois leu n'algumas publicações feitas em paizes estranhos, artigos de homens eminentes que, surprehendidos, lastimavam este reconhecimento dado com tamanha pressa, e com tão pouca circumspecção, lembrando aquillo que todos conhecem, e a elles não esqueceu, isto é, que Portugal, um paiz pequeno, dividido pelas discordias intestinas, um paiz presa das ambições e dos caprichos, poderia ser tambem presa das traições dos estranhos, pela incuria dos nacionaes; e, por assim dizer, pelo pouco senso politico em reconhecer a Italia, não nos lembrando que mais tarde podem os hespanhoes lançar mão do nosso paiz pelo memo direito de annexação que se procura fazer valer a todo o transe na Italia. Não tendo que fazer pergunta alguma ao sr. ministro sobre o reconhecimento do reino de Italia, tem comtudo algumas a fazer com relação ao reino de Hespanha, pois lhe parece que é esta a occasião mais opportuna de fazer essas perguntas, e acompanha-las de algumas observações.
Tratando do reconhecimento do reino de Italia, por incidente referiu se á Hespanha. O reconhecimento do reino de Italia é um facto consummado: lastima-o, protesta contra elle, e passa a diante. Mas emquanto a Portugal em suas relações com a Hespanha carece de ser esclarecido. Pede á camara que torne bem nota das suas palavras, e aos srs. tachygraphos que não só as transcrevam com attenção, mas igualmente as respostas que forem dadas pelos srs. ministros. E este um negocio importante, principalmente no estado em que se acha o nosso paiz, no estado de agitação dos espiritos, e em vista dos manejos de diversas ordens que se fazem para se conseguirem diversos fins. Trata da questão do iberismo.
Ha duas especies de ibéricos e duas especies de iberismo, ambas as quaes combate o orador, que não quer nenhuma; não prefere uma á outra. Combate-o, qualquer que seja a mascara que tome, e deseja faze-lo por quantas formas poder. Ha um iberismo moderno—esse pertence á historia contemporanea; e ha outro—-que é dos seculos que lá vão: um deseja a união de Portugal com a Hespanha, sendo o rei hespanhol, ou a rainha, quem impere na Peninsula. — este iberismo tende a absorver Portugal em proveito da Hespanha; e por isso crê que nenhum portuguez poderá aceitar similhante alvitre governamental. O segundo apresenta outra fórma, é menos franco, mas não é mais avisado; apresenta o reino da Ibéria tendo a sua capital em Lisboa, e sendo o rei da Peninsula o nosso augusto monarcha o Senhor D. Pedro V; e a par d'isto deixa suppor que os nossos homens politicos poderão, conjuntamente com os homens d'estado hespanhoes, governar o novo reino! Ora, sendo certo, como é na opinião dos iberistas, que os nossos homens politicos poderiam tomar parte na direcção suprema, segue se que sómente seria em linha secundaria, o que torna a insinuação uma cousa irrisoria.
Comtudo, infelizmente, ha quem especule com esta idéa, com estes meios indicados para faze-la vencer, porque os revolucionario hespanhoes, assim como os de toda a parte, e os de todas as epochas procuram uma bandeira, que lhos dê cumplices com quem poisam unir-se (porque a união faz a força) para triumpharem com o auxilio os seus planos nefastos, e destruir assim esta nação. E como se explica o empenho com que se tem procurado propalar esta idéa tambem na Hespanha; e dar-se a entender que em Portugal tem ella partidistas numerosos, e fortes ligações para poder com o correr dos tempos, e á medida que as circumstancias se forem tornando mais favoraveis, fazer triumphar a sua bandeira. E preciso pois que o governo do paiz se explique muito terminantemente, sobre um negocio tão importante, pois que a desconfiança invade os espiritos. E isto um facto a que a: nossas consciencias responderão affirmativamente.
Disse que ha muitos annos que ouve fallar, mais ou menos, em iberismo; temo-nos pronunciado por diversas vezes, mas de passagem, contra esta idéa; mas nunca ella subiu tão alto como agora, e por isso é necessario que nós nos pronunciemos mais claramente e com a fraqueza que o caso merece.
Tambem ouviu dizer, e leu nos jornaes, que se projecta fazer uma manifestação n'esta cidade, e suppõe, mas não o diz de certo, que se pretende estende-la ás provincias; sendo o seu fim protestar solemnemente contra o iberismo.
Quem é que não partilha d'essa grandiosa idéa de nacionalidade? Qual será o portuguez degenerado que a não defenda? Os brios nacionaes estão muito arraigados no coração de todos os portuguezes; e se porventura ha algumas excepções serão ellas rarissimas. E possivel que as haja, porque, como bem disse o principe dos poetas portuguezes:
«... entre portuguezes «Alguns traidores houve algumas vezes.»
Mas, repete, serão rarissimos. Tenta-se pois fazer essa projectada manifestação: mas não se fazendo ella pelo governo, e sim pelo povo, é claro que ha de haver uma rasão que a explique, e uma excitação que a promova. E consente-a o governo? Se o governo a consente, é evidente que nem é uma simples manifestação, nem fica restricta á mera opinião de um jornal, ou de muitos: mas o governo, consentindo-a, toma a responsabilidade d'ella? Outra pergunta: em que consiste essa manifestação? Consistirá sómente em dar graças a Deus por nos ter livrado, em epocha remota, do jugo estrangeiro, e pedir-lhe que continue a ajudar-nos n'este empenho? Será um acto qualquer de caridade que se pertenda fazer para commemorar assim esse grandioso feito da nossa historia? Se é isto, ninguem por certo o censurará. Mas parece-lhe que ha mais alguma cousa. E se é assim, então diz, a respeito d'isso, o mesmo que disse dos meetings. E não se lembra o governo de que no meio d'essa manifestação para a qual pendem as nossas affeições, e a que o nosso coração não póde resistir, é possivel que alguns especuladores aproveitem essa occasião e a façam servir para fins sinistros? Não póde mesmo dirigir alguem, qualquer insulto a cidadãos da nação visinha, e trazer isso consequencias serias? Ainda um d'estes dias proximos viu n'um jornal, para o qual escrevem varias pessoas, e até alguns amigos do governo, a noticia de que se tinha entrado em casa de um subdito hespanhol, a fim de prender-se um refractario, ou assim chamado, e que o dono da casa mostrára a bandeira da sua nação, para impedir que se levasse por diante essa tentativa. Repete, pois: não poderá aproveitar-se a occasião d'essa manifestação para transtornar a ordem publica, porque sempre ha especuladores que desejam pescar nas aguas turvas, como se diz, para com isso ganharem? (Apoiados.) O governo deve informar a camara do que ha a este respeito.
Tambem ouviu dizer que o sr. Soveral, ministro de Portugal em Madrid, que não sabe se ainda se acha em Lisboa gosando da licença que lhe foi dada, ou o secretario da legação servindo por elle, dirigira uma nota ao governo hespanhol sobre isto; e que este proceder tivera por fundamento o que se tem escripto em certos jornaes d'aquelle paiz que têem tratado da união das duas nações. O orador pediu á camara que notasse que em Hespanha ha uma fiscalisação muito mais severa sobre a imprensa do que ha entre nós. O facto porém é, que esses artigos agitaram os espiritos no paiz visinho, e agitaram-nos ainda mais em Portugal.
Observou que em varios parlamentos estrangeiros, nos quaes muito podem os portuguezes aprender, especialmente do parlamento inglez, que n'esses parlamentos se tratam esses assumptos pelo modo como elle, orador, está tratando este, e não se considera isso uma materia leve á qual se escuse o governo de responder: e assim, tambem espera que o governo lhe responderá. Tambem perguntou aos srs. ministros se sabiam de alguns manejos que tenham com isto relação? Seja como for, a verdade e, que a manifestação é um negocio importantissimo, e por isso deseja saber do governo quaes são as relações era que estão as sociedades revolucionarias estrangeiras, com iguaes associações que aqui ha, como é geralmente sabido, mas contra as quaes se não executa a lei e insiste em desejar saber se a nota de que fallou, foi ou não expedida, como por ahi correu, acrescentando-se que nenhuma resposta se tinha dado a ella.
Pediu mais aos srs. ministros que o informassem, se é exacto o que por ahi se diz, de que o gabinete hespanhol tinha dirigido uma nota ao nosso governo, excitanda o seu zêlo, e pedindo se lhe unisse para juntos accordarem no melhor meio de proteger efficazmente a auctoridade temporal do summo pontifice, e de fazer com que seja respeitada? Que resposta deu a essa nota o governo? Se poder sem inconveniente dize-lo, como está persuadido que póde fazer, muito estimaria ser informado, ou para melhor dizer, estimaria que a camara fosse informada, depois d'esta sua provocação, se com effeito da parte do nosso governo houve alguma cousa a este respeito?
O sr. Ministro da Marinha: — Peço a palavra.
O Orador: — Será verdade, e não se surprehenda o governo do que lhe vae ouvir, porque n'um governo de publicidade como é o nosso, tudo se diz um pouco mais cedo, ou pouco mais tarde, sem que seja portanto necessario alludir a um jornal nem a confidencias particulares (porque a isso nunca se allude); será verdade, como ouviu dizer, mas sem poder affirmar se é assim, que a resposta do nosso ministro ao de Hespanha, o sr. Pastor Dias produziu no animo d'este cavalheiro uma impressão tão desfavoravel que chegou a queixar-se do modo como era tratado? A nossa conveniencia politica exige que mantenhamos as melhores relações amigaveis com todas as potencias da Europa; e este não póde deixar de ser tambem a opinião de todos os homens politicos de bom conceito; e tudo isto o faz inclinar a crer que ha inexactidão no que por ahi se conta. O assumpto merece por isso mesmo que o esclareça quem póde.
O governo ouviu as perguntas que elle, orador, lhe dirigiu e as reflexões de que as acompanhou; espera pois que bem compenetrado da gravidade da materia, dará explicações categoricas. É necessario que fique bem claro que nós não queremos nenhuma especie de iberismo; e que o governo portuguez de maneira nenhuma favorece aquelle mesmo que parece lisongear sem o conseguir, o nosso amor proprio, porque nós bem sabemos que nuijca havemos de governar a Hespanha, ainda quando as noções da justiça e do dever se não sentissem de o tentarmos. Se essa idéa nefasta se realisasse, nós haviamos de ser vasallos dos hespanhoes, e elle orador não o quer ser.
Disse que poderia concluir aqui pelo que respeita á Hespanha, pois já fez a sua declaração de voto, e lançou uma solemne reprovação sobre o que se passa na Italia; mas falta-lhe ainda tocar um ponto, que muito connexo é com este, e vem a ser: qual é a carta que a Inglaterra joga n'esta questão. Não estranhem o sr. presidente do conselho, e o sr. ministro dos negocios estrangeiros, esta pergunta: lembrem-se da que foi dirigida a lord John Russell no parlamento inglez, sobre os negocios da Polonia, porque estas perguntas com relação a uns e outros paizes fazem-se em todos os parlamentos; e ss. ex.ªs, que sabem qual foi a resposta da Inglaterra a essa pergunta sobre a Polonia; que o nobre lord manifestou a sua sympathia por aquelle paiz, que ha muitos annos é escravo, e sobre a emancipação do qual...
Vendo que o sr. ministro da marinha estava tomando notas n'esta occasião, observou que s. ex.ª o fazia porque talvez queira dizer-lhe que o maravilhava a sympathia que estava manifestando pela Polonia, affigurando-se-lhe que elle orador era contradictorio, porque tendo manifestado o seu sentimento contra o reino de Italia, agora o viesse manifestar favoravel á Polonia; mas que se não se engana n'esta conjectura, responderia desde já ao sr. ministro dizendo-lhe que as duas situações não se parecem senão em quanto a auctorisarem mais as suas sympathias pela Polonia, e as suas repugnancias pela Italia. Com effeito vê Napoles victima de uma absorpção, como vê a Polonia victima de outra; e se se entrar um pouco mais no fundo das cousas, talvez se ache que pretendem escravisar-se pelos mesmos meios, e póde bem ser que ainda se achassem outras feições mui similhantes. Assim, é coherente n'aquillo mesmo em que se cuidaria ver contradicção.
Concluido este parenthesis, que lhe pareceu necessario para prevenir uma objecção; voltou a dizer que perguntas iguaes ás suas ha pouco se fizeram em Inglaterra, e o governo d'este paiz respondeu pelo seu orgão, lord Russell, que a Inglaterra sympathisava com a causa d'aquelle paiz, mas que não queria ou não podia, correr hoje o risco de uma guerra em proveito d'elle. A pergunta a que aquelle governo respondeu pela fórma que deixa dita, animou-o a fazer essa pergunta, que lhe pareceu necessaria por causa da agitação geral que todos voem, como o orador a vê. Repete portanto essa pergunta.
O governo já deu algumas ordens ou expediu algumas informações ao seu ministro em Londres, o sr. conde de Lavradio, para saber quaes as intenções do governo inglez a nosso respeito? Aquella embaixada está preenchida por um dos homens mais respeitaveis d'este paiz, conhecedor dos negocios. da Europa, ligado com os primeiros homens de Inglaterra e amigo de um dos principaes homens de estado de muitas côrtes europeas; se porventura algum receio ha bem fundado, é natural que o sr. conde de Lavradio, leal no seu proceder, tenha informado já o governo; é natural que o governo tambem se tenha informado por via do mesmo sr. conde do quaes são as intenções da Inglaterra em relação a este assumpto de tamanha importancia. O paiz necessita sabe-lo; carecemos de prevenir todos os transtornos.
E mister que não se repita o caso do Charles et George, e perdoe lhe o sr. presidente do conselho ter"de recordar-lhe um facto deploravel da sua administração, em que a Inglaterra devia tambem ser consultada e não o foi. Não toma sobre si o encargo de apreciar a conducta d'aquelle paiz no facto a que acaba de alludir; unicamente allude ao que se passou.
Parece ao orador que o sr. presidente do conselho não julgará que é menos cabida esta curiosidade, porque d'ella poderá resultar algum bem para o paiz no caminho que vão seguindo os negocios publicos em toda a Europa, e quando se trata de um assumpto de tão vital importancia como este.
Lamentou que o sr. Avila não podesse estar presente, mas espera em todo o caso obter algumas explicações do governo, tanto sobre a parte que a Inglaterra tomou ou tomará n'este negocio, como sobre a que o governo tomou n'elle em relação á Inglaterra.
Tem te occupado portanto das nossas relações com estes tres paizes da Europa; a Inglaterra, a Hespanha e a Italia, porque são estes paizes aquelles que hoje têem tido relações mais importantes com o nosso, e a respeito dos quaes entendeu que devia provocar explicações da parte do ministerio. Aguarda essas explicações e muito ha de folgar de que o governo, satisfazendo o, possa tambem satisfazer o paiz, acalmando a agitação que todos nós lamentamos e desejâmos que finde de uma vez para sempre.
Antes de passar avante, e do occupar-se com os actos dos srs. ministros e da sua politica, permittirá a camara que renove o seu protesto ou promessa, de responder a algumas observações que fez o seu amigo o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, ao qual procurará dizer na melhor paz, e como convem a amigos, ambos os quaes sentam nos bancos da opposição, o que pensa na questão suscitada por s. ex.ª, e para isso começa por occupar-se das doutrinas que invocou para arguir o sr. ministro da marinha, Carlos Bento da Silva, porque n'esse ponto está o orador de accordo com o sr. ministro e com o sr. Antonio José d'Avila; refere-se á não confirmação do sr. arcebispo nomeado para Goa, e que hoje e senta n'esta camara, confirmado bispo de Beja. Se por ventura na exposição do que se passou disser alguma cousa menos exactamente, ou confundir qualquer circumstancia do discurso do sr. Aguiar, ou alterar algumas proposições, s. ex.ª como o mais competente para rectifica la, espera elle, orador, que não duvidará fazer-lhe essa fineza; e da mesma sorte se porventura, na resposta que deseja dar, confundir a ordem (los factos, ou o que é tambem facilimo, porque a materia é importante, se errar na exposição da doutrina ou apresentar alguma proposição que não seja a mais genuina o illustre e nobre prelado, que lhe faz a honra da sua amisade, será de certo o primeiro, não só a corrigi-lo mas tambem a auxilia-lo com as suas benevolas advertencias, porque não deseja senão defender o que julga ser justo e o que sabe ser a verdade. Ponderou que o sr. Joaquim Antonio de Aguiar tinha
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dito que não podia concordar com o ministerio pela maneira como elle se houve n'este negocio; e como não concorda com esta censura, para dar os fundamentos d'isso começa por historia-lo. No ministerio de que fazia parte o seu chorado amigo o sr. general Adriano Mauricio Guilherme Ferreri, foi nomeado para a diocese de Goa, primaz do oriente o sr. D. Antonio da Trindade e Vasconcellos, que se senta no banco superior, e actualmente é bispo de Beja; essa nomeação encontrou difficuldades por parte da santa sé, para haver de ser confirmada. O orador sente que essas difficuldades se dessem,.até mesmo porque o ministro que tinha referendado o decreto era seu amigo particular e seu correligionario politico; mas como, não pela concordata, mas por uma nota a que se referiu o sr. Aguiar, e a que na imprensa e n'outro recinto se tem alludido, o governo portuguez obrigava-se a ter um previo accordo particular com a santa sé para a nomeação do primeiro arcebispo, e não foi isso o que se fez; a confirmação não podia portanto verificar-se. Essa nota é assignada pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, diplomata consumado, e de um talento que elle, sr. marquez, teve muitas occasiões de reconhecer, porque muitas vezes o cambateu n'esta casa, e honra-se com isso.
Na nomeação do illustre prelado, não se guardou o que estava solemnemente pactuado por parte -de Portugal; e desde logo é claro que as difficuldades haviam de surgir pela natureza das cousas. A santa sé viu n'isto uma irregularidade, ou falta de cumprimento do que se havia estipulado, e recusou sanccionar por um acto seu essa quebra, que hoje se sabe ter sido involuntaria, de uma promessa dada e recebida; o ao governo portuguez não restava para mostrar a sua lealdade senão fazer o que fez. Para defender o seu procedimento e ao mesmo tempo o da santa sé, ha dois meios diversos, defende-se o negocio diplomaticamente e em vista das leis da igreja, e é debaixo d'esses dois pontos de vista que o nobre par entra no assumpto.
Dizem os que atacam—a nota não podia ligar o governo portuguez, porque a concordata não faz menção de similhante estipulação; e portanto é só esta que póde obrigar, porque tambem só ella é que o poder legislativo approvou; mas o orador; mesmo pondo de parte o caracter sagrado da santa sé, dado, mas não concedendo, se tratasse de uma convenção formal entre paiz e paiz, sem attender sequer á magestade da santa sé observa quanto seria inconveniente para o governo, que tendo o seu negociador feito uma promessa em seu nome, e tendo essa promessa sido recebida pele outro governo, se faltasse depois a ella.
Está bem certo de que o sr. Ferreri (cuja memoria respeita) não tinha conhecimento da nota quando fez a nomeação; mas depois que soube da sua existencia, de que por ella estava empenhada a palavra do governo portuguez, como homem de honra não podia deixar de começar o que depois veiu a concluir-se, porque a santa sé não trata com as camaras legislativas, mas sim com o governo, que é o representante do paiz nas suas relações exteriores. Um foi esse governo, por meio do negociador, que era o seu delegado do governo para esse fim, quem o obrigou; e emquanto se não provasse que houve dolo, fraude ou engano da parte do negociador, pelo que houvesse de ser, e fosse effectivamente castigado, era do seu rigoroso dever cumprir o que por elle tinha sido estipulado. Assim, sem entrar na apreciação longa dos principios de direito publico universal, e recorrendo unicamente ao simples bom senso, entende que ninguem deixará de reconhecer, que um governo que se queira acreditar não póde deixar de fazer o que fez o nosso em relação a este negocio, transferindo o que tinha sido nomeado arcebispo de Goa, na ignorancia do ajustado, para a diocese de Beja, e não insistindo mais na sua confirmação para a primeira. Mas diz-se—que o procedimento é inaudito, isto é, que é tal que ainda se não ouviu fallar de outro igual, mas isto não é assim: o termo é exagerado. Ainda ha pouco num paiz com quem temos bastantes relações, o abbade Maret, homem de grande illustração, que tem composto muitas obras em diversos ramos da sciencia ecclesiastica, ligado com uma das primeiras familias de França e com as maiores illustrações do imperio, foi nomeado pelo imperador dos francezes para o bispado de Vannes, e como não houve essa attenção com a santa sé, que ali é de costume haver, o resultado foi não ter sido confirmado. Se tivesse havido essa previa intelligencia, o governo imperial saberia que havia circumstancias que não permittiam a confirmação, e elle não teria sido nomeado: essa intelligencia portanto, em vez de ser attentatoria das prerogativas da corôa, como se disse não com bons fundamentos, é uma forte garantia de que na especie se applicam ellas devidamente ao fim para que existem.
O caso é que não foi confirmado, e que houve causas fortes para o não ser, porque, estando a santa sé, não dirá escrava, porque nunca tal se póde considerar, mas estando Roma povoada de bayonetas francezas, sua santidade não póde aceitar a nomeação do imperador dos francezes, que não julgou por isso offendidos os direitos da sua corôa; e a santa sé procedeu como entendeu que devia proceder. Estes são os factos que se apresentam, por assim dizer de si mesmos, para por meio da comparação dar rasão aquelles que procederam cá do mesmo modo: o orador porém não crê que a comparação dos precedentes possa servir sempre de argumento, pois as circumstancias variam ás vezes, e uma só que falte é bastante para fazer com que não haja analogia. Além d'isso, não deve perder-se de vista que se discutiam tambem as rasões de direito. O orador ignora se o governo concordará em todos os principios em que elle se baseia para justificar n'esta parte a sua conducta; e sente que não esteja presente o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos, porque sendo, como é, um canonista distincto, havia de dirigir-se a elle, pedindo-lhe e esperando que o rectificasse em qualquer cousa do que vae dizer que exigisse rectificação: e entra de plano nas rasões de direito.
Disse que o sr. Aguiar leu tambem, offerecendo-a como termo de comparação, uma nota de um antigo ministro que tambem se chamava Aguiar. (O sr. Aguiar: — Esse era marquez.) Era o marquez de Aguiar, que o orador não teve o gosto de conhecer, mas conhece ha muito tempo a nota. Emquanto ao sr. marquez de Aguiar, como individuo, parce sepultis; mas este principio não deve ir tão longe que empeça a critica justa de seus actos: a historia acabava completamente *e não se podesse fallar d'aquelles que deixaram de existir. ~È necessario que se occupe um pouco do sr. marquez de Aguiar para destruir as suas proposições, pois aquella nota parece escripta não por um ministro do rei fidelissimo, mas sim por um ministro de sua magestade britannica, ou do autocrata de todas as Russias; mais ainda d'este.
O sr. marquez de Aguiar na sua nota dirigida ao nosso ministro em Roma, invocando o que chama a antiga disciplina, diz:, que se porventura se obstinasse a santa sé a não confirmar o bispo nomeado, Santa Clara, que se recorreria ao alvitre de confirmar-se o bispo dentro do reino pelo metropolita, e depois seria sagrado na fórma dos canones... (O sr. Aguiar: — Pela antiga praxe da igreja.) Segundo a primitiva praxe da igreja. (O sr. Aguiar: — Apoiado.) Estas pretensões não são novas. No imperio do Brazil houve uma questão similhante por causa da confirmação de um bispo. Foi levada á assembléa legislativa, e ali mandada a uma commissão que deu o seu parecer no sentido e segundo as doutrinas expostas n'essa nota: no entretanto aconteceu que o ministerio caiu e foi substituido por outro, que, logo que tomou conta das pastas e appareceu na camara, foi interpellado por um deputado, a quem respondeu o sr. Maciel Monteiro, hoje barão de Itamaracá e ministro d'aquelle imperio na nossa corte.
Perguntou-lhe o deputado se elle consentiria que se arrastasse o manto do imperador do Brazil aos pés da curia, e a corôa aos do papa; s. ex.ª levantou-se (está escripto) e disse s= sou filho da terra de Santa Cruz, e como ministro de um imperador catholico sómente hei de proceder conforme as regras da igreja que eu acato = e mais acrescentou: « Sabem os illustres deputados qual é a consideração em que eu tenho esse parecer?» Pegou n'elle e fe-lo pedaços, rasgou-o mesmo na tribuna, e sentou-se! Eis a resposta que s. ex.ª deu aquella interpellação.. O orador lembrou este facto para mostrar que a pretensão nem é infelizmente singular, nem restricta a este paiz. Pela sua parte está com os que julgam "que não são procedentes, nem tem justo e solido fundamento.
Dizem aquelles que os. invocam que nos tempos antigos eram confirmados os bispos pelo metropolita: assim é, mas da existencia de um facto ás rasões de direito em que se funda, a distancia é immensa: o que deviam fazer os adoradores do facto era provar, e isso nem o fizeram, nem o poderão fazer, que a auctoridade, ou para melhor dizer, a jurisdicção do metropolita, era propria d'elle e não delegada; se era jurisdicção de direito divino incommunicavel e irrevogavel pelos homens, ou communicavel e revogável, de sorte que podesse por consequencia acabar. Pergunta isto e a historia vae responder.
Desde os primeiros seculos da igreja, o primado das é de Roma foi constantemente reconhecido e respeitado. Crearam-se arcebispos com certos poderes de delegação, pois é preciso distinguir entre o poder da ordem e o da jurisdicção. N'aquella ordem são iguaes os bispos uns aos outros;
O pontifice, os patriarchas, os primazes, metropolitas, arcebispos e bispos todos são iguaes entre si; mas emquanto á jurisdicção, á limitação de poderes sobre um certo numero de fieis, sobre uma determinada área de terreno, esse poder de jurisdicção varia.
O digno par, o sr. Aguiar, sabe, e devem sabe-lo todos os que se têem occupado d'estas materias, com é que côr tas causas eram julgadas, e o foram sempre. As causas dos bispos em quaesquer accusações que se erguiam contra elles eram julgadas em Roma. Veiu então a nomeação dos primazes e dos metropolitanos para julgarem nas suas respectivas dioceses, para melhor commodo dos fieis o para evitar certas dos intelligencias; e como os metropolitas tinham a sua jurisdicção do primaz e como o primaz tinha a sua directamente da santa sé, e que esta podia ampliar, restringir e revogar, revogou esta; e porque o faria? Por causa de diversas desintelligencias que houve com os arcebispos, com os primazes ou metropolitanos, e por causa das heresias que se levantaram e que deram logar a essas desintelligencias, por isso que alguns bispos se apartaram da verdadeira estrada e seguiram os heresiarchas nas suas opiniões detestaveis; e finalmente pelas frequentes duvidas a que deram logar as eleições episcopaes, ao mesmo tempo que já eram muito mais faceis as relações com Roma.
Esta materia tem sido tão largamente tratada por ambas as partes que o orador parece-lhe estar ouvindo que o sr. Aguiar lhe virá com o Manual do direito ecclesiastico francez, de mr. Dupin; mas apesar de reconhecer a exiguidade dos seus estudos e a certeza do seu talento, não deixará de fazer algumas reflexões sobre as palavras de mr. Dupin, que tem á vista, e que dizem assim: desafio a todos que tiverem conhecimento da materia a que me apontem um unico texto, quer dos bispos, quer dos santos padres, para apoiar a proposição da jurisdicção canonica dos papas. São estas pouco mais ou menos as palavras do celebre jurisconsulto francez.
Fazendo-se cargo dellas, e respondendo de antemão á objecção possivel, se lança um olhar retrospectivo sobre os primeiros seculos da igreja, o que vê?... vê um patriarcha de Alexandria (S. Cyrillo) escrever ao papa, dizendo-lhe que = é tempo de o fazer, como o dever e antigo costume exigem, para adverti-lo do que a malicia infernal tenta fazer em nossas igrejas =; vê outro bispo, um patriarcha de Constantinopla (S. João Chrisostomo), dizer-lhe = é sobre vós que repousa o cuidado do mundo inteiro, pois tendes a combater simultaneamente não só pelas igrejas desoladas e os povos dispersos, mas tambem pelos padres que se vêem rodeados de inimigos, pelos bispos forçados a fugir, e pelas constituições de nossos padres indignamente calcadas aos pés; vê outro luminar dos antigos tempos (S. Gregorio de Niza) dizer = a igreja de Roma e a primeira de todas, e só ao seu chefe pertence a confirmação dos bispos; este privilegio de crear apostolos compete aquelle a quem Jesus-Christo estabeleceu principe em seu logar para governar os discipulos =. Vê mais um grande homem dos primitivos seculos, dirigindo-se ao papa Julio (Santo Athanasio), dizer = que a igreja de Roma é a cabeça, e as outras os membros, que só ella póde dar força a todos, e que por consequencia é a ella que todos se devem dirigir: e diz então, não só em seu nome, mas no de todos os fieis que com elle se acharem reunidos—. Depois d'isto, que valor merecem as pretensões da igreja gallicana (refere-se ás grandes questões da igreja gallicana com a santa sé)? Debalde homens muito illustres, como mr. Ampere, na sua historia litteraria, mr. Michelet, na sua historia de França, tentam mostrar que nos primeiros seculos homens distinctos não só no conhecimento das materias ecclesiasticas, mas notaveis na republica das letras, defenderam o episcopado contra o que se chama, e elles tambem appellidam, invasão da corte de Roma; porque logo se levantam os padres francezes, e dizem = eu vos mostrarei um dos homens mais distinctos, um dos mais illuminados do seculo vi, o grande Avito, bispo de Vienna (de França), homem notavel e muito conhecido na republica das letras, e tão notavel, que se diz com bons fundamentos, que o grande poeta inglez Milton, não só bebeu as idéas do seu poema, mas copiou quasi palavra por palavra, muitos dos versos de tres cantos de um seu poema, do qual diz mr. Guizot, que não é só pelo nome— Paraizo perdido =, é pelo assumpto, que a sua obra faz lembrar a de Milton; esse santo e sabio bispo, que viveu no dito seculo, disse o contrario de tudo quanto mr. Michelet affirmava na sua historia da França, e mr. Ampere na sua historia litteraria. Quando o papa Symmacho convocou varios bispos, porque as affrontas de seus inimigos o acabrunhavam, disseram estes ao rei godo Theodorico: «O papa é superior a todos, não podemos julga-lo que fomos prelados inferiores; e demais reconhecemos a sua innocencia»; e quando chegou á Gallia a noticia da reunião de um concilio para julgar o papa, os bispos della, á testa dos quaes se achava Santo Avito, dirigiram uma carta a Roma, na qual diziam: «Não podeis vós de maneira nenhuma julgar, e muito bem fizestes novo-so decreto em deixar a Deus só o julgamento do papa: de fórma nenhuma podeis julga-lo, porque elle está superior a vós em tudo.» Mas os regalistas francezes proseguem na sua tentativa, os litteratos não desistem da sua tarefa, vão buscar outro argumento mais antigo, e dizem: «Nos primeiros seculos da igreja não se reconheceu similhante obediência»; mas Santo Ireneu, padre da igreja, os refuta amplamente n'uma das suas homilias, dizendo: «A sé de Roma é aquella oin que se tem invariavelmente conservado as tradições apostólicas, e é a essa igreja que todas as outras elevem obedecer»; mas elles não se dão por abatidos, e vem dizendo que foi o imperador que convocou o concilio de Nicea, e não o pontifice, procurando por esse meio negar-lhe a auctoridade que os confraria. Pois enganam-se: quem convocou esse concilio foi o pontifice, e o imperador é que fez as despezas. E que convocou o concilio é evidente, quando mais não fosse, porque quem presidiu a elle não foram os patriarchas de Antiochia, de Alexandria ou de Jerusalém, foi um bispo hespanhol, O sr. bispo de Cordova, com dois simples prebyteros da cidade de Roma. Pois os prelados superiores em hierarchia consentiriam que outro inferior em consideração e dois pre-byteros fossem presidir ao concilio e não houvesse uma causa maior que determinasse esse feito? Ninguem o crerá, porque não é proprio do coração humano. Consentiram n'isso, porque esse bispo do extremo occidente e aquelles pre-byteros eram delegados do papa. São tantos os exemplos que se offerecem á nossa consideração, que difficilmente e numa sessão poderiam relatar-se todos, e todos elles derrocam pela base, tiram o valor á proposição que foi aqui lida.
O orador podia citar muitos exemplos, porque são elles tantos, que só ha a difficuldade da escolha, mas é que tambem a sua memoria o não ajuda, e por isso apenas mencionará poucos factos.
Tendo-se Marciano, bispo de Aries, posto do lado da heresia de Novaciano, os bispos das Gallias dirigiram-se ao papa Santo Estevão para applicar o remedio conveniente; e como este se demorasse, recorreram a S. Cypriano, para que elle intercedesse n'este sentido com o papa, o que elle fez, pedindo a S. Estevão que ordenasse aquelles bispos que mais não soffressem que Marciano insultasse o corpo episcopal; e que ordenasse aos bispas da provincia, clero e povo de Aries, que, em virtude de suas letras, depozessem Marciano, e elegessem outro bispo em seu logar. Era isto em 254. Theodoreto, deposto pelos bispos do conciliábulo de Ephezo, da sé de Cyro, senta-se no concilio de Calcedonia (459); aquelles que o tinham deposto quizeram oppor-se; mas a maioria manteve-o no seu direito porque o papa Leão o tinha restabelecido: e que poderia dizer de Máximo, patriarcha de Antiochia, ao qual o concilio já dito reconheceu n'aquella dignidade por ter sido nella confirmado pelo papa?
O segundo facto é a disposição tomada pelo segundo concilio cabilonense (Chalons) em França, que foi reunido para instaurar novo processo aos bispos de Embrun e de Gap, que, tendo sido anteriormente depostos, provaram ante o papa João III a sua innocencia, e foram restituidos ás suas sés, e não confirmadas pela santa sé as eleições dos seus sue
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cessores; e assim se fez. Mas como aquelles bispos, ou a final prevaricaram, ou proseguiram nas antigas prevaricações, reuniu-se este concilio para de novo os depor, e regular que o modo da eleição fosse outra vez sómente o da congregação dos bispos co provinciaes. Era isto em 579.
Assim mostrou o orador que em todas as epochas, e desde a primeira nomeação que houve no apostolado a que presidiu, e que se fez por ordem do chefe dos apostolos, que podia faze-la de per si só, como muito bem disse S. João Chrysostomo, e com elle muitos padres da igreja, porque n'elle residia o supremo poder, que foi transmittido integralmente aos seus successores, os pontifices romanos, em que reside formal e subjectivamente, como diz Gerson; que é só quem possue a auctoridade primitiva, que lhe submette todas as outras, como diz Almano; ambos elles insuspeitos para o digno par: que cni todos os tempos dependeram os bispos da confirmação do papa. Haja vista ao cânon quarto e quinto do concilio de Sardica; vejam-se todos os escriptores os mais notaveis que têem tratado d'esta materia; o mesmo Van-Espen, que faz as delicias dos regalistas; todos são concordes na necessidade d'esta confirmação dos bispos pelo papa.
Em Portugal é sabido que o direito de nomeação dos bispos foi uma concessão de muito moderna disciplina, pois data apenas de 1514 a 1516 para as dioceses ultramarinas, e sómente alguns annos depois para as de Elvas, Leiria, Miranda e Portalegre; de sorte que, se fosse possivel, sem perigo de scisma, e sem quebra do dogma, tornar-se á impropriamente, chamada antiga disciplina, ficaria a corôa despojada dessa mesma regalia em nome da qual vê o orador que se invoca a disciplina supposta antiga. Como nenhum dos que o ouve póde ter esquecido de que modo é que, depois da luta com os hespanhoes, veio o direito de nomeação para todos os bispados do continente, desiste de referir-se a essa parte da historia.
Por esta occasião entende o sr. marquez que é do seu dever declarar francamente que aceita, e honra-se delle, o epitheto de ultramontano, com que é designado mas tambem lhe parece que não é exagerado nos direitos que está sustentando. Quem foi que concedeu o direito do padroado? É elle um direito proprio do soberano? Tanto o não é, que os réis se submetteram a essas que hoje se denominam intervenções da sé apostolica. Emquanto aos bispos, havia a eleição dos co-provincianos com o clero e o povo, havia depois a eleição feita pelos cabidos, e houve por fim a nomeação feita pelos réis; mas observe se que sempre houve a confirmação da santa sé, ou directamente ou pelo meio indirecto dos patriarchas, ou dos legados, ou dos metropolitas, nos tempos de perseguição e de guerra; e em todo o caso com recurso para o soberano pontifice. A vista d'isto, o orador faz a si mesmo as seguintes perguntas, a que desde logo responde:
Somos nós catholicos apostolicos romanos? Somos. A igreja é só uma? É. N'esse cato a confirmação dos bispos não póde estar dependente do capricho dos réis, nem da ignorancia ou malevolencia dos seismaticos, pois t um direito conferido ao principe dos apostolos pelo divino fundador da nossa religião. Crê que sim, e que tinha direito para dar esse poder.
O orador tem sabido pela historia da existencia de certos homens notaveis que, embrenhando-se n'estas materias, têem empregado expressões mal soantes: não as referirá agora, apenas observará, que o apostata M. A. de Dominis sustentou que o governo da igreja é por a igreja; e que, sendo a igreja e estando n'ella os fieis, devem por isso intervir no seu governo: d'onde se segue que aos leigos, por ser a classe mais numerosa, é que competiria o governo ecclesiastico. O orador não sabe se ha quem assim pense em Portugal, mas sabe que só por taes e tão erroneas opiniões se explica a doutrina deploravel que viu numa peça official assignada pelo sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva, qual foi a affirmativa de que os curas eram de instituição divina: asserção que desde logo fez tenção do combater, e que s. ex.ª veiu repetir de Ricci e de Tamburini, para não ir mais longe, e que foi cabalmente refutada por Bergomeuse, Petavio e outros, os quaes mostraram que a sua maior antiguidade não passa do terceiro seculo.
Tendo demonstrado como lhe foi possivel a verdade dos principios que tem conscienciosa e constantemente defendido n'esta casa, põe ponto nas observações que tinha que adduzir em relação ao discurso do digno par e seu amigo, o qual suppõe que não terá tido rasão para queixar-se de nenhuma das expressões que para isso empregou; e ainda bem porque se póde argumentar e combater com as armas do raciocinio e com os factos da historia.
N'estes termos não hesita o orador em declarar que approva a conducta do governo, especialisando os srs. ministros da fazenda e estrangeiros e o dos negocios da marinha, que maior parte tiveram n'este negocio, pois andaram muito bem na resolução d'elle, conformando-se com a verdadeira doutrina, e livrando o governo de embaraços, debaixo do ponto de vista diplomatico, e mesmo de consequencias serias que muito naturalmente appareceriam sob o ponto de vista religioso. Não tem portanto nada mais que acrescentar relativamente á confirmação do ex.mo arcebispo de Goa, e só pede ao sr. ministro da marinha, que é o ministro competente, a maior solicitude e todo o auxilio não só a esse venerando prelado, mas a todos os prelados do ultramar.
E já que falla nas provincias ultramarinas, sente no coração velas completamente esquecidas e abandonadas. Um paiz com as ricas e importantes colonias que nós temos, devia olhar por ellas, quando mais não fosse senão para mostrar, e conservar, o que fomos o a nossa antiga grandeza. Ainda podemos regenerar o nosso paiz, e nessa regeneração podem ainda ter e já deviam ter tido um quinhão importante as nossas provincias ultramarinas. O que foram essas provincias? O que são ellas hoje?! Padrão glorioso da nossa grandeza de outrora, hoje monumento desgraçado de nosso desleixo e incuria. Comtudo podemos ainda dar-lhes vida, tanto na parte moral como na parte material, se esse desleixo, se esse indifferentismo, com que as temos abandonado, cessar por uma vez.
Tratou-se da nomeação de um bispo para Angola, foi nomeado; é já, o terceiro, porque os dois, um dos quaes nem chegou a partir, ambos resignaram; o ultimo porque se desattenderam todas as suas supplicas e se lhe negaram todos os meios de desempenhar as suas obrigações pastoraes. Mas que recursos se deram ao que vae partir? Serão elles sufficientes? O orador sabe que o sr. ministro da marinha tem mostrado da sua parte serio empenho de que não falte uma certa ordem de recursos ao venerando prelado que vae para Angola, mas é necessario não parar, é necessario que o ajude com efficacia para que possa desempenhar bem a sua missão. Pois como quer o sr. ministro que um bispo laquei-las paragens possa cumpri-la se abandonar a educação do clero? Em França ha corporações religiosas que educam o clero para as missões da Africa, estabeleceu-se uma expressamente destinada á educação da gente de côr preta; e nós o que fazemos? Continuamos n'uma deploravel incuria, da qual se faz acompanhar em certas occasiões um ardor frenético de tornar impossivel a nossa regeneração nacional. O orador pede ao sr. ministro da marinha e do ultramar que nõo permitta por sua parte que se continue n'ella. Carece de recursos? venha um ministro... não diz que tenha coragem, (que é expressão impropria) mas que tenha a decisão de vir pedir á camara esses recursos necessarios, tanto os moraes como os materiaes mas aquelles com preferencia para accudir aos nossos irmãos do ultramar; não faltam homens, nem companhias industriaes, que desejem tambem promover uns e outros interesses: muitos se tem aqui dirigido, mas infelizmente debalde, a ponto que já tem bem diminuta confiança nos nossos governos, os quaes alem de tudo, tão pouco tempo presistem no poder que mal se podem occupar senão das eleições para se conservarem e conservarem-se para fazer eleições: aqui está ao que se reduz n'esta terra a vida dos nossos governes.
Que carecemos de grandes reformas conhecem-no todos, assim como que cate paiz não póde continuar assim. Se este ministerio quando saí do poder (pois, ainda que não seja já, é possivel que saía) não for substituido por outro que tenha a coragem de apresentar os seus principios e programma, não concebidos em palavras pouco claras que mal expressam as idéas governamentaes traduzidas em factos; se o governo do paiz não for em fim confiado a mãos fortes, que se decidam a traduzir o seu programa em grandes reformas, receia muito pela sorte da patria. Doe lhe muito ver a sua patria a fallecer á força da febre, conhecer onde está o remedio; unico efficaz de salva-la, e que se persiste em não lhe administrar.
Emquanto se seguir a mesma vereda, emquanto os partidos não forem extremados e as bandeiras bem conhecida serão os principios revolucionarios os que hão de triumphar; e as doutrinas salvadoras desprezadas, até que se alguma vez se quizer recorrer a ellas já não será tempo, servirão apenas para lançar explendor e brilho sobre o seu transito como aconteceu á Polonia nos fins do passado seculo.
Este paiz carece de grandes reformas, não d'essas que por ahi se inculcam, e de que todas as ambições se têem aproveitado, e que nos trouxeram ao estado em que nos vemos, de certo contra vontade dos reformadores, mas porque não eram as verdadeiras, áquellas que o paiz reclama, e as facções não conhecem, como não conhecem o povo em nome de quem fallam.
O orador pede a Deus que illumine o nosso monarcha para que acerte com homens que saibam que os réis reinam pela justiça, e procedem com justiça, e tenham a virtude necessaria para regular a sua conducta por este dictame. O despotismo apresenta-se em todos os campos, assim no campo dos réis de direito divino, como no campo dos revolucionarios do facto e conveniencia.
O orador protesta contra todos os despotismos: quer que os réis reinem e governem pela justiça, e só pela justiça; e por isso, espera e faz votos para que o governo constitucional, melhorado e accomodado á nossa indole e tradições nacionaes seculares, continuem a reger este paiz; faz votos para que a carta constitucional não continue a ser sophismada nem seja destruída, mas tambem por isso mesmo os faz para que ella seja reformada á portugueza e não á ingleza nem á franceza; faz votos para que as doutrinas religiosas e politicas que está agora defendendo, sejam mantidas, sustentadas e desenvolvidas por um governo com esclarecida, patriotica e forte iniciativa, pois só esse deve e póde governar, porque só esse, auxiliado e bem dito por Deus, póde salvar-nos. Assim na sua opinião, o maior crime politico, a maior falta, a mais funesta d'este ministerio, é o ter-se deixado depojar dos fóros que lhe competem, entregando os sêllos da governação do estado á multidão desvairada, ouvindo conselhos detestaveis ou loucos, e procedendo conforme lhe são dados, ou por effeito de ameaças e ordens intimadas pelos jornaes revolucionarios, procedendo, não segundo a justiça, mas conforme as paixões partidarias; como fez quando demittiu o sr. conde de Thomar, não por elle ter já pedido a demissão, mas quando o Portuguez a exigiu, como fez ao sr. José Maria de Abreu, não para render homenagem aos verdadeiros principios, a que elle orador presta homenagem, mas para satisfazer certos caprichos, como hontem mostrou na resenha da politica do governo. E necessario que tenha um termo e quanto antes este estado anormal e violento, que os homens que governam o paiz accordem do lethargo em que jazem, e não lhes succeda como ao piloto que adormecera em noite de estio sobre o convez do seu barco, e só acordou aos primeiros roncos da tempestade; que olha em torno de si, vê o perigo que cresce com a borrasca, reprehende-se da sua incuria passada, escapa-lhe das mãos o leme, o terror cerra-lhe os olhos, e a tripulação afflicta e espavorida vê a morte que lhe trazem as vagas encapelladas... e então as iras patenteiam-se, as rivalidades apparecem, e surgem más paixões... De que valem os esforços? Baldados são elles! A sciencia e já impotente para salva-los, e aos uivos da tempestade que brama fóra, soffrega de victimas, reunem-se os desesperados gritos da tripulação e passageiros, que todos procuram salvar-se; travam luta desesperada, e no meio d'ella, tudo, homens e cousas affundem-se, desapparecem, e morrem... perecem com a embarcação.
Oh! que não seja assim. O orador vê em frente de si duas cidades, donde saem dois exercitos que se combatem, se de uma parte vê o espirito do mal presidindo a todo o empenho, vê da outra parte, o espirito do bem presidindo a todos os propositos, se vê de um lado a bandeira branca da caridade, e do outro lado a bandeira negra do extermínio, presagia-lhe o coração que é a branca, a da religião e da caridade a que, a final, ha de triumphar; e fortifica o a esperança de que este paiz ainda é o mesmo paiz de heroes, em cujos gloriosos annaes se contam por milhares -os heroísmos de virtude religiosa e patriotismo. Sabe que a epocha que atravessámos é um tempo de pi ovação e transição; e espera e confia que depois dellas virá a regeneração de Portugal pela igreja; embora alguem diga— que esse astro da esperança, em que tem os olhos fitos e que o anima, não é mais que o brilhar fulgurante de um astro que ao declinar no horisonte illumina com seus ultimos raios a campa de um sepulchro...
Não o crê, confia na providencia Divina, confia nas promessas de Ourique, e depois tambem no amor da independencia e da nacionalidade, no amor ao rei que tanto illustram os corações portuguezes. Confia sobretudo no amor que elles têem á sua religião, á qual devemos tudo o que somos, e devemos tudo o que podemos vir a ser. Estes preconceitos anti-religiosos são obra do momento, são o resultado de influencias mephiticas e hão de passar, como passam os contágios e as epidemias.
Espera que justiça ha de ser feita ás boas doutrinas, e depois, a experiencia amestrando os povos, instruirá todas as classes, mostrando-lhes que só pela religião e com ella, podem viver saudando a bandeira da patria, da justiça e da liberdade.