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(Tendo-se publicado no Diario de Lisboa n.º 64, de 25 de julho, o extracto do discurso do sr. marquez de Vallada, proferido na sessão de 19, com muitos erros e diversas omissões, que desfiguram e deixam imperfeito o pensamento do mesmo, repete-se a sua publicação.)

O sr. Marquez de Vallada: — Na sessão passada pediu e obteve a palavra, da qual usou largamente, e foram taes e tantas as materias de que se occupou (de muitas das quaes tem de occupar-se ainda n'esta discussão da resposta ao discurso da corôa), que lhe não foi possivel concluir n aquella mesma sessão o seu discurso. Pediu portanto que se lhe reservasse a palavra para a sessão de hoje; e vae por isso usar d'ella seguindo nas considerações que encetou na sessão precedente.

Occupou-se então com a revista ou resenha dos actos ministeriaes, em relação á politica interna, que não póde concluir. Tinha em seguida, depois de examinar a politica interna do governo, de pasmar á politica externa, e, finalisando esse exame, de fazer as observações que do mesmo resultassem em relação ao procedimento do governo; mas confessa ingenuamente, e com franqueza o diz, que de certo vae verse bastante embaraçado para o fazer, por isso que se não acham nos bancos ministeriaes nem o sr. presidente do conselho, nem o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos e de justiça», tendo-se dirigido aquelles dois cavalheiros na sessão passada, e havendo censurado os actos da sua administração; e tendo hoje de occupar-se, quando se tratar da politica externa, tambem dos actos do sr. ministro da fazenda e encarregado dos negocios estrangeiros, sente não ver a s. ex.ª no seu logar. Acham-se apenas presentes o nobre ministro da guerra e o sr. ministro da marinha, de cujas administrações terá tambem de occupar-se. Assim, é uma posição bem difficil esta para um orador parlamentar, que entende dever occupar-se dos actos de cavalheiros, não os ter presente."-, e ver se portanto na impossibilidade de lhe responderem; pois de antemão sabe de uma maneira certa e segura, que não obterá resposta alguma ás suas considerações, nem rectificação nenhuma ás arguições que fizer.

Sente bastante que o sr, presidente do conselho não se ache hoje na sua cadeira pois quando, na sua qualidade de par, pronuncia n'esta casa um discurso sobre qualquer materia importante, e tem de combater qualquer orador que n'ella tome parte como seu adversario, deseja que elle o ouça da mesma sorte que procura ouvir todas as considerações que se lhe façam em resposta, como aconteceu com

o seu amigo e collega, o sr. conselheiro Ferrão, na questão da desamortisação, pois, como s. ex.ª ha de certamente recordar-se, não faltou no dia seguinte a ouvir a resposta muito erudita e o discurso muito profundo que s. ex.ª proferiu; não merece todavia a mesma attenção aos srs. ministros! Dirá entretanto, seguindo a sua tarefa, e com uma vaga esperança de que pelo correr da discussão appareçam aquelles srs. ministros, que em todo o caso está presente o sr. ministro da marinha para responder, que s. ex.ª é conhecedor da tribuna ha muitos annos, está pratico nas lides parlamentares, sabe combater, e por conseguinte como membro do ministerio, que é solidario nos seus actos, não terá duvida, como já disse, de rebater quaesquer accusações que julgar injustas da parte d'elle, orador, e defender os seus actos e os dos seus collegas.

Parece-lhe que s. ex.ª mostrou assentimento; está certo portanto de que o sr. ministro ha de occupar a tribuna logo após, e pulverisar todos os seus argumentos (phrase que costumam empregar os amigos do ministerio quando respondem aos seus adversarios).

(Entrou o sr. ministro da fazenda.)

Apresenta-se o sr. ministro da fazenda e estrangeiros. Entretanto tinha de começar pelo sr. presidente do conselho; como porém tem a satisfação de ver o sr. Avila, e havia de occupar-se tambem da politica externa, começará por esta...

O sr. Ministro da Fazenda e Estrangeiros (A. J. d'Avila): —Eu não posso demorar-me.

O Orador: — Sente bastante isso; entretanto como o sr. ministro da marinha já demonstrou que desejava responder pelos seus collegas, aceita a benevolencia que s. ex.ª manifestou.

Tendo quasi concluido a revista dos actos da politica interna, disse que passaria aos da politica externa, e por fim responderia ás observações feitas pelo sr. Joaquim Antonio de Aguiar, com o qual está muitas vezes de accordo, a quem muito respeita, e de quem é amigo; mas como s. ex.ª sabe, ha pontos de doutrina em que não póde concordar quem tem convicções profundas; e n'essas occasiões é dever tomar a palavra para defender as doutrinas, respeitando os fóros da amisade mesmo no exercicio do dever. (O sr. Aguiar: — Apoiado.)

Disse que o sr. presidente do conselho ouviu na sessão passada as censuras que elle orador fez a s. ex.ª sobre diversos actos da sua administração; faltou-lhe porém um bem importante, sobre o qual diversos commentario? se têem feito, e diversas opiniões se têem apresentado, de que não partilha inteiramente.

O sr. presidente do conselho publicou uma portaria dirigida ao governador civil de Lisboa, ordenando-lhe que tomasse certa ordem de providencias, em relação a obstar a um ajuntamento de povo que se premeditava para um dia já designado; o orador ouviu, não dirá que fosse por espirito de partido, que n'essa prohibição o sr. presidente do conselho tinha praticado um acto pau. Não o entende a:-sim o orador. Apesar de achar-se em opposição ao ministerio, ainda se não desviou, que saiba, da estrada que sempre tem procurado seguir, a estrada da imparcialidade; e por isso não póde deixar de dizer que não concorda de modo algum com as opiniões que reprovam este acto do governo. O sr. presidente do conselho publicou aquella portaria, e fez muito bem; fez o que devia, prohibindo o meeting. Foi elle, o sr. marquez, o primeiro que levantou a voz no parlamento, e n'esta tribuna, pedindo ao governo providencia» sobre um ajuntamento de povo que se premeditava, igual a este que foi prohibido; e com o qual se especulava para fins sinistros, na sua opinião. Mas então a resposta que lhe deu o sr. presidente do conselho não auctorisava a esperar a sua nova resolução. Citou s. ex.ª o exemplo de Inglaterra, povo de que podiamos seguir as praticas por estar n'esta parte muito mais adiantado do que nós; disse que o meeting era um direito do povo, e que emquanto não abusasse d'elle não podia o governo prohibir essa reunião. E a reunião teve logar.

Já tratou largamente della, e por isso n'esta occasião só tem a applaudir-se de que não houvesse a lamentar desgraça nenhuma, como temia fundadamente, e a registar um engano de caminho que se deu então. O povo dirigiu-se para onde não tinha previamente declarado que se havia dirigir.

Projectou-se recentemente outro meeting. Foi então que o governo veiu ao bom caminho. O orador não tem a vaidade de suppor que foi quem trouxe a elle o sr. presidente do conselho; mas é certo que o governo, pelos seus actos, pelas suas disposições veiu contrariar as suas anteriores declarações, e confirmar a verdade das asserções d'elle, orador, pondo-se de accordo com a sua doutrina. Prohibiu o meeting. Fez muito bem. A opposição que é sincera nunca recorre ás doutrinas dissolventes; quando falla, quando censura, quando aconselha é sempre em nome dos principios e com a linguagem de governo, porque idéas de opposição ha muito quem as tenha, mas são poucos os que têem idéas de governo. Assim o disse já o illustre marquez de Valdegamas na tribuna hespanhola: «Sois opposição, sempre opposição, exclamou elle, porque não podeis ser governo; tendes ideal de opposição, mas não tendes idéas governamentaes.» É necessario que o homem da opposição tenha idéas de governo, e não censure a torto e a direito qualquer procedimento dos seus adversarios, porque isso póde colloca-lo em posição difficil, quando os seus amigos sejam governo, e adoptem medidas iguaes aquellas que elle combatera. E isto justamente que não quer que lhe aconteça o sr. marquez; e por isso repete que o governo andou bem n'essa prohibição. Mas devem os pares ser meros espectadores dos actos do governo, devem ficar extáticos diante d'esses actos, e dos acontecimentos sem investigarem as suas causas? Não, do certo, que seria indigno da sua qualidade de homens d'estado. E pára os conhecer, sobretudo no importante negocio da governação do estado, cumpre examinar a* causas, que deram logar a este facto politico.

O chefe do actual governo e ao mesmo tempo chefe de um partido, não previo o perigo, não teve essa perspicácia que é um dote indispensavel de todo o homem politico, apitar de os seus amigos de boa fé, ou mesmo os seus adversarios leaes, o terem avisado d'esse perigo; o governo sómente o viu quando a reunião de março passado se encaminhou do Rocio para casa do sr. duque de Saldanha em logar de ir para casa do chefe da administração.

Felizmente para o orador, está hoje na mesma posição em que estava então, reprovando taes reuniões, qualquer que seja a direcção que ellas tomem. Conservador convicto, liberal sincero não deixa de reprovar que de uma reunião publica, de uma reunião qualquer, saia um requerimento ao chefe do estado para que este, ou aquelle individuo, por mais respeitavel que seja, por mais sympathias de que esteja rodeado, seja chamado ao poder. Isto é inverter toda a fórma de governo. Deseja fortemente que os srs. ministros caiam, mas não quer concorrer de modo nenhum para que venham a caír por meios revolucionarios, ou se quer pouco regulares.

Tudo isto previu, di-lo sem falsa modestia, apesar de ser mais moço que o ir. presidente do conselho e menos experimentado que s. ex.ª nas lides da tribuna, nas lucubrações da politica, e nos conselhos da governação.

E necessario não dar corpo a certas idéas, não procurar desenvolvo-las por acto. A pedra lança se, e não se póde medir o seu alcance. O homem politico tem um grande dever a seu cuidado, que é prevenir. É melhor prevenir do que remediar, pois as mais das vezes, quando se quer cohibir, já é tarde, e o remedio não só não póde produzir effeito salutar, mas até produz maior mal. -

Sente e lamenta ver esta effervescencia que lavra em todo o paiz. É notavel que ella sempre se faça sentir quando o sr. marquez de Loulé está no poder! Quando homens de outro partido occupam as cadeiras ministeriaes, tudo está socegado; mal n'ellas se senta o sr. marquez de Loulé e a sua gente, o partido setembrista, logo ferve a agitação, e com ella vem a desconfiança a as apprehensões. Lamenta isto porque se recorda ainda dos dias de 1836, recorda-se. da impressão que sentiu, ora ainda bem moço, ao contarem-lhe do assassinato de Agostinho José Freire, recorda-se ainda da impressão que lhe fizeram outros actos, muitos d'elles criminosos, alguns, poucos regulares, que infelizmente não foram punidos. Assistimos aqui a muito prolongado-se tristíssimos espectaculo? de desordem, sendo preciso que se formasse um partido, a que se deu o nome de ordeiro, em 1838, para que as cousas seguissem melhor caminho pois que d'esse partido saíram felizmente ministerios que poderam debellar a anarchia que assoberbava o paiz nas praças, e em toda a parto.

Mostra isto que não se póde governar com principios revolucionarios; podem servir para fazer opposição, podem inspirar discursos impetuosos e apaixonados, com uma belleza selvagem que toque os corações e excite n'elle? a paixão, podem fazer admiravel um homem aos olhos da multidão... mas isso não basta. É preciso governar, e o instrumento que foi capaz de destruir é impotente para crear; com taes idéas o governo e impossivel. (Entrou o sr. presidente do conselho.) O orador então disse que tinha pronunciado algumas palavras em relação ao sr. presidente do conselho, as quaes não sabe se as deva repetir, mas parece lhe isso util, porque em curto summario vae expor a s. ex.ª o que disse em relação aos seus actos ministeriaes.

Repetiu que tinha acabado de approvar, cousa rara em s. ex.ª, um acto de politica do actual ministerio: a prohibição do meeting, porque foi ella a maia eloquente condemnação que s. ex.ª podia dar ás rasões que produziu, quando o contrariou, por occasião de ter pedido a s. ex.ª providencias contra os tumultos que se projectavam em Lisboa, rasões com as quaes o orador não tinha podido concordar; e felicitava-se tambem de que o sr. marquez de Loulé, que não tem a presumpção de haver convertido ás suas idéas politicas, viesse prestar homenagem aos principios que o orador tinha apresentado em março. Foram estas as palavras que pronunciou, acompanhadas de breves reflexões, mostrando que s. ex.ª devia seguir outro rumo, e não continuar a esforçar-se por obter uma, falsa popularidade, porque, mais tarde ou mais cedo, terá de ser victima das idéas que favorece com os olhos n'ella, terá de ser victima d'esse memo favor que dispensa ao; homens da desordem.

Continuando observou que tinha agora de dirigir-se ao sr. Avila, se aqui estivesse, mas visto que não está, pedia licença aos srs. ministros do reino e da marinha para referir a ss.ªs ex.ª! as palavras que ia dizer com relação á politica externa.

Diversos factos e diversos acontecimentos, têem assignalado esta administração na sua permanencia nas cadeiras da governação publica; um d’elles é o reconhecimento do reino de Italia, que chamou a attenção de muitos homens politicos de diversas côres, em differentes paizes. Deixando isso de parte, e circunscrevendo-se ao nosso paiz, disse que o governo reconhecera […] de Italia; o que elle, orador, deseja protestar n'esta camara, muito solemnemente, contra esse acto. Requer e reclama a parte de impopularidade a que não se nega, e de que não cede, protestando contra esse acto do governo do seu paiz. Conservador por convicção, firme e invariavel no principio? que tem defendido, crê que faltaria a si mesmo se não lavrasse um protesto n'esta tribuna, contra esse acto, não já sómente como philosopho politico e pensador imparcial, mas principalmente como catholico portuguez.