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cessores; e assim se fez. Mas como aquelles bispos, ou a final prevaricaram, ou proseguiram nas antigas prevaricações, reuniu-se este concilio para de novo os depor, e regular que o modo da eleição fosse outra vez sómente o da congregação dos bispos co provinciaes. Era isto em 579.

Assim mostrou o orador que em todas as epochas, e desde a primeira nomeação que houve no apostolado a que presidiu, e que se fez por ordem do chefe dos apostolos, que podia faze-la de per si só, como muito bem disse S. João Chrysostomo, e com elle muitos padres da igreja, porque n'elle residia o supremo poder, que foi transmittido integralmente aos seus successores, os pontifices romanos, em que reside formal e subjectivamente, como diz Gerson; que é só quem possue a auctoridade primitiva, que lhe submette todas as outras, como diz Almano; ambos elles insuspeitos para o digno par: que cni todos os tempos dependeram os bispos da confirmação do papa. Haja vista ao cânon quarto e quinto do concilio de Sardica; vejam-se todos os escriptores os mais notaveis que têem tratado d'esta materia; o mesmo Van-Espen, que faz as delicias dos regalistas; todos são concordes na necessidade d'esta confirmação dos bispos pelo papa.

Em Portugal é sabido que o direito de nomeação dos bispos foi uma concessão de muito moderna disciplina, pois data apenas de 1514 a 1516 para as dioceses ultramarinas, e sómente alguns annos depois para as de Elvas, Leiria, Miranda e Portalegre; de sorte que, se fosse possivel, sem perigo de scisma, e sem quebra do dogma, tornar-se á impropriamente, chamada antiga disciplina, ficaria a corôa despojada dessa mesma regalia em nome da qual vê o orador que se invoca a disciplina supposta antiga. Como nenhum dos que o ouve póde ter esquecido de que modo é que, depois da luta com os hespanhoes, veio o direito de nomeação para todos os bispados do continente, desiste de referir-se a essa parte da historia.

Por esta occasião entende o sr. marquez que é do seu dever declarar francamente que aceita, e honra-se delle, o epitheto de ultramontano, com que é designado mas tambem lhe parece que não é exagerado nos direitos que está sustentando. Quem foi que concedeu o direito do padroado? É elle um direito proprio do soberano? Tanto o não é, que os réis se submetteram a essas que hoje se denominam intervenções da sé apostolica. Emquanto aos bispos, havia a eleição dos co-provincianos com o clero e o povo, havia depois a eleição feita pelos cabidos, e houve por fim a nomeação feita pelos réis; mas observe se que sempre houve a confirmação da santa sé, ou directamente ou pelo meio indirecto dos patriarchas, ou dos legados, ou dos metropolitas, nos tempos de perseguição e de guerra; e em todo o caso com recurso para o soberano pontifice. A vista d'isto, o orador faz a si mesmo as seguintes perguntas, a que desde logo responde:

Somos nós catholicos apostolicos romanos? Somos. A igreja é só uma? É. N'esse cato a confirmação dos bispos não póde estar dependente do capricho dos réis, nem da ignorancia ou malevolencia dos seismaticos, pois t um direito conferido ao principe dos apostolos pelo divino fundador da nossa religião. Crê que sim, e que tinha direito para dar esse poder.

O orador tem sabido pela historia da existencia de certos homens notaveis que, embrenhando-se n'estas materias, têem empregado expressões mal soantes: não as referirá agora, apenas observará, que o apostata M. A. de Dominis sustentou que o governo da igreja é por a igreja; e que, sendo a igreja e estando n'ella os fieis, devem por isso intervir no seu governo: d'onde se segue que aos leigos, por ser a classe mais numerosa, é que competiria o governo ecclesiastico. O orador não sabe se ha quem assim pense em Portugal, mas sabe que só por taes e tão erroneas opiniões se explica a doutrina deploravel que viu numa peça official assignada pelo sr. Vicente Ferrer Neto de Paiva, qual foi a affirmativa de que os curas eram de instituição divina: asserção que desde logo fez tenção do combater, e que s. ex.ª veiu repetir de Ricci e de Tamburini, para não ir mais longe, e que foi cabalmente refutada por Bergomeuse, Petavio e outros, os quaes mostraram que a sua maior antiguidade não passa do terceiro seculo.

Tendo demonstrado como lhe foi possivel a verdade dos principios que tem conscienciosa e constantemente defendido n'esta casa, põe ponto nas observações que tinha que adduzir em relação ao discurso do digno par e seu amigo, o qual suppõe que não terá tido rasão para queixar-se de nenhuma das expressões que para isso empregou; e ainda bem porque se póde argumentar e combater com as armas do raciocinio e com os factos da historia.

N'estes termos não hesita o orador em declarar que approva a conducta do governo, especialisando os srs. ministros da fazenda e estrangeiros e o dos negocios da marinha, que maior parte tiveram n'este negocio, pois andaram muito bem na resolução d'elle, conformando-se com a verdadeira doutrina, e livrando o governo de embaraços, debaixo do ponto de vista diplomatico, e mesmo de consequencias serias que muito naturalmente appareceriam sob o ponto de vista religioso. Não tem portanto nada mais que acrescentar relativamente á confirmação do ex.mo arcebispo de Goa, e só pede ao sr. ministro da marinha, que é o ministro competente, a maior solicitude e todo o auxilio não só a esse venerando prelado, mas a todos os prelados do ultramar.

E já que falla nas provincias ultramarinas, sente no coração velas completamente esquecidas e abandonadas. Um paiz com as ricas e importantes colonias que nós temos, devia olhar por ellas, quando mais não fosse senão para mostrar, e conservar, o que fomos o a nossa antiga grandeza. Ainda podemos regenerar o nosso paiz, e nessa regeneração podem ainda ter e já deviam ter tido um quinhão importante as nossas provincias ultramarinas. O que foram essas provincias? O que são ellas hoje?! Padrão glorioso da nossa grandeza de outrora, hoje monumento desgraçado de nosso desleixo e incuria. Comtudo podemos ainda dar-lhes vida, tanto na parte moral como na parte material, se esse desleixo, se esse indifferentismo, com que as temos abandonado, cessar por uma vez.

Tratou-se da nomeação de um bispo para Angola, foi nomeado; é já, o terceiro, porque os dois, um dos quaes nem chegou a partir, ambos resignaram; o ultimo porque se desattenderam todas as suas supplicas e se lhe negaram todos os meios de desempenhar as suas obrigações pastoraes. Mas que recursos se deram ao que vae partir? Serão elles sufficientes? O orador sabe que o sr. ministro da marinha tem mostrado da sua parte serio empenho de que não falte uma certa ordem de recursos ao venerando prelado que vae para Angola, mas é necessario não parar, é necessario que o ajude com efficacia para que possa desempenhar bem a sua missão. Pois como quer o sr. ministro que um bispo laquei-las paragens possa cumpri-la se abandonar a educação do clero? Em França ha corporações religiosas que educam o clero para as missões da Africa, estabeleceu-se uma expressamente destinada á educação da gente de côr preta; e nós o que fazemos? Continuamos n'uma deploravel incuria, da qual se faz acompanhar em certas occasiões um ardor frenético de tornar impossivel a nossa regeneração nacional. O orador pede ao sr. ministro da marinha e do ultramar que nõo permitta por sua parte que se continue n'ella. Carece de recursos? venha um ministro... não diz que tenha coragem, (que é expressão impropria) mas que tenha a decisão de vir pedir á camara esses recursos necessarios, tanto os moraes como os materiaes mas aquelles com preferencia para accudir aos nossos irmãos do ultramar; não faltam homens, nem companhias industriaes, que desejem tambem promover uns e outros interesses: muitos se tem aqui dirigido, mas infelizmente debalde, a ponto que já tem bem diminuta confiança nos nossos governos, os quaes alem de tudo, tão pouco tempo presistem no poder que mal se podem occupar senão das eleições para se conservarem e conservarem-se para fazer eleições: aqui está ao que se reduz n'esta terra a vida dos nossos governes.

Que carecemos de grandes reformas conhecem-no todos, assim como que cate paiz não póde continuar assim. Se este ministerio quando saí do poder (pois, ainda que não seja já, é possivel que saía) não for substituido por outro que tenha a coragem de apresentar os seus principios e programma, não concebidos em palavras pouco claras que mal expressam as idéas governamentaes traduzidas em factos; se o governo do paiz não for em fim confiado a mãos fortes, que se decidam a traduzir o seu programa em grandes reformas, receia muito pela sorte da patria. Doe lhe muito ver a sua patria a fallecer á força da febre, conhecer onde está o remedio; unico efficaz de salva-la, e que se persiste em não lhe administrar.

Emquanto se seguir a mesma vereda, emquanto os partidos não forem extremados e as bandeiras bem conhecida serão os principios revolucionarios os que hão de triumphar; e as doutrinas salvadoras desprezadas, até que se alguma vez se quizer recorrer a ellas já não será tempo, servirão apenas para lançar explendor e brilho sobre o seu transito como aconteceu á Polonia nos fins do passado seculo.

Este paiz carece de grandes reformas, não d'essas que por ahi se inculcam, e de que todas as ambições se têem aproveitado, e que nos trouxeram ao estado em que nos vemos, de certo contra vontade dos reformadores, mas porque não eram as verdadeiras, áquellas que o paiz reclama, e as facções não conhecem, como não conhecem o povo em nome de quem fallam.

O orador pede a Deus que illumine o nosso monarcha para que acerte com homens que saibam que os réis reinam pela justiça, e procedem com justiça, e tenham a virtude necessaria para regular a sua conducta por este dictame. O despotismo apresenta-se em todos os campos, assim no campo dos réis de direito divino, como no campo dos revolucionarios do facto e conveniencia.

O orador protesta contra todos os despotismos: quer que os réis reinem e governem pela justiça, e só pela justiça; e por isso, espera e faz votos para que o governo constitucional, melhorado e accomodado á nossa indole e tradições nacionaes seculares, continuem a reger este paiz; faz votos para que a carta constitucional não continue a ser sophismada nem seja destruída, mas tambem por isso mesmo os faz para que ella seja reformada á portugueza e não á ingleza nem á franceza; faz votos para que as doutrinas religiosas e politicas que está agora defendendo, sejam mantidas, sustentadas e desenvolvidas por um governo com esclarecida, patriotica e forte iniciativa, pois só esse deve e póde governar, porque só esse, auxiliado e bem dito por Deus, póde salvar-nos. Assim na sua opinião, o maior crime politico, a maior falta, a mais funesta d'este ministerio, é o ter-se deixado depojar dos fóros que lhe competem, entregando os sêllos da governação do estado á multidão desvairada, ouvindo conselhos detestaveis ou loucos, e procedendo conforme lhe são dados, ou por effeito de ameaças e ordens intimadas pelos jornaes revolucionarios, procedendo, não segundo a justiça, mas conforme as paixões partidarias; como fez quando demittiu o sr. conde de Thomar, não por elle ter já pedido a demissão, mas quando o Portuguez a exigiu, como fez ao sr. José Maria de Abreu, não para render homenagem aos verdadeiros principios, a que elle orador presta homenagem, mas para satisfazer certos caprichos, como hontem mostrou na resenha da politica do governo. E necessario que tenha um termo e quanto antes este estado anormal e violento, que os homens que governam o paiz accordem do lethargo em que jazem, e não lhes succeda como ao piloto que adormecera em noite de estio sobre o convez do seu barco, e só acordou aos primeiros roncos da tempestade; que olha em torno de si, vê o perigo que cresce com a borrasca, reprehende-se da sua incuria passada, escapa-lhe das mãos o leme, o terror cerra-lhe os olhos, e a tripulação afflicta e espavorida vê a morte que lhe trazem as vagas encapelladas... e então as iras patenteiam-se, as rivalidades apparecem, e surgem más paixões... De que valem os esforços? Baldados são elles! A sciencia e já impotente para salva-los, e aos uivos da tempestade que brama fóra, soffrega de victimas, reunem-se os desesperados gritos da tripulação e passageiros, que todos procuram salvar-se; travam luta desesperada, e no meio d'ella, tudo, homens e cousas affundem-se, desapparecem, e morrem... perecem com a embarcação.

Oh! que não seja assim. O orador vê em frente de si duas cidades, donde saem dois exercitos que se combatem, se de uma parte vê o espirito do mal presidindo a todo o empenho, vê da outra parte, o espirito do bem presidindo a todos os propositos, se vê de um lado a bandeira branca da caridade, e do outro lado a bandeira negra do extermínio, presagia-lhe o coração que é a branca, a da religião e da caridade a que, a final, ha de triumphar; e fortifica o a esperança de que este paiz ainda é o mesmo paiz de heroes, em cujos gloriosos annaes se contam por milhares -os heroísmos de virtude religiosa e patriotismo. Sabe que a epocha que atravessámos é um tempo de pi ovação e transição; e espera e confia que depois dellas virá a regeneração de Portugal pela igreja; embora alguem diga— que esse astro da esperança, em que tem os olhos fitos e que o anima, não é mais que o brilhar fulgurante de um astro que ao declinar no horisonte illumina com seus ultimos raios a campa de um sepulchro...

Não o crê, confia na providencia Divina, confia nas promessas de Ourique, e depois tambem no amor da independencia e da nacionalidade, no amor ao rei que tanto illustram os corações portuguezes. Confia sobretudo no amor que elles têem á sua religião, á qual devemos tudo o que somos, e devemos tudo o que podemos vir a ser. Estes preconceitos anti-religiosos são obra do momento, são o resultado de influencias mephiticas e hão de passar, como passam os contágios e as epidemias.

Espera que justiça ha de ser feita ás boas doutrinas, e depois, a experiencia amestrando os povos, instruirá todas as classes, mostrando-lhes que só pela religião e com ella, podem viver saudando a bandeira da patria, da justiça e da liberdade.