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dito que não podia concordar com o ministerio pela maneira como elle se houve n'este negocio; e como não concorda com esta censura, para dar os fundamentos d'isso começa por historia-lo. No ministerio de que fazia parte o seu chorado amigo o sr. general Adriano Mauricio Guilherme Ferreri, foi nomeado para a diocese de Goa, primaz do oriente o sr. D. Antonio da Trindade e Vasconcellos, que se senta no banco superior, e actualmente é bispo de Beja; essa nomeação encontrou difficuldades por parte da santa sé, para haver de ser confirmada. O orador sente que essas difficuldades se dessem,.até mesmo porque o ministro que tinha referendado o decreto era seu amigo particular e seu correligionario politico; mas como, não pela concordata, mas por uma nota a que se referiu o sr. Aguiar, e a que na imprensa e n'outro recinto se tem alludido, o governo portuguez obrigava-se a ter um previo accordo particular com a santa sé para a nomeação do primeiro arcebispo, e não foi isso o que se fez; a confirmação não podia portanto verificar-se. Essa nota é assignada pelo sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, diplomata consumado, e de um talento que elle, sr. marquez, teve muitas occasiões de reconhecer, porque muitas vezes o cambateu n'esta casa, e honra-se com isso.

Na nomeação do illustre prelado, não se guardou o que estava solemnemente pactuado por parte -de Portugal; e desde logo é claro que as difficuldades haviam de surgir pela natureza das cousas. A santa sé viu n'isto uma irregularidade, ou falta de cumprimento do que se havia estipulado, e recusou sanccionar por um acto seu essa quebra, que hoje se sabe ter sido involuntaria, de uma promessa dada e recebida; o ao governo portuguez não restava para mostrar a sua lealdade senão fazer o que fez. Para defender o seu procedimento e ao mesmo tempo o da santa sé, ha dois meios diversos, defende-se o negocio diplomaticamente e em vista das leis da igreja, e é debaixo d'esses dois pontos de vista que o nobre par entra no assumpto.

Dizem os que atacam—a nota não podia ligar o governo portuguez, porque a concordata não faz menção de similhante estipulação; e portanto é só esta que póde obrigar, porque tambem só ella é que o poder legislativo approvou; mas o orador; mesmo pondo de parte o caracter sagrado da santa sé, dado, mas não concedendo, se tratasse de uma convenção formal entre paiz e paiz, sem attender sequer á magestade da santa sé observa quanto seria inconveniente para o governo, que tendo o seu negociador feito uma promessa em seu nome, e tendo essa promessa sido recebida pele outro governo, se faltasse depois a ella.

Está bem certo de que o sr. Ferreri (cuja memoria respeita) não tinha conhecimento da nota quando fez a nomeação; mas depois que soube da sua existencia, de que por ella estava empenhada a palavra do governo portuguez, como homem de honra não podia deixar de começar o que depois veiu a concluir-se, porque a santa sé não trata com as camaras legislativas, mas sim com o governo, que é o representante do paiz nas suas relações exteriores. Um foi esse governo, por meio do negociador, que era o seu delegado do governo para esse fim, quem o obrigou; e emquanto se não provasse que houve dolo, fraude ou engano da parte do negociador, pelo que houvesse de ser, e fosse effectivamente castigado, era do seu rigoroso dever cumprir o que por elle tinha sido estipulado. Assim, sem entrar na apreciação longa dos principios de direito publico universal, e recorrendo unicamente ao simples bom senso, entende que ninguem deixará de reconhecer, que um governo que se queira acreditar não póde deixar de fazer o que fez o nosso em relação a este negocio, transferindo o que tinha sido nomeado arcebispo de Goa, na ignorancia do ajustado, para a diocese de Beja, e não insistindo mais na sua confirmação para a primeira. Mas diz-se—que o procedimento é inaudito, isto é, que é tal que ainda se não ouviu fallar de outro igual, mas isto não é assim: o termo é exagerado. Ainda ha pouco num paiz com quem temos bastantes relações, o abbade Maret, homem de grande illustração, que tem composto muitas obras em diversos ramos da sciencia ecclesiastica, ligado com uma das primeiras familias de França e com as maiores illustrações do imperio, foi nomeado pelo imperador dos francezes para o bispado de Vannes, e como não houve essa attenção com a santa sé, que ali é de costume haver, o resultado foi não ter sido confirmado. Se tivesse havido essa previa intelligencia, o governo imperial saberia que havia circumstancias que não permittiam a confirmação, e elle não teria sido nomeado: essa intelligencia portanto, em vez de ser attentatoria das prerogativas da corôa, como se disse não com bons fundamentos, é uma forte garantia de que na especie se applicam ellas devidamente ao fim para que existem.

O caso é que não foi confirmado, e que houve causas fortes para o não ser, porque, estando a santa sé, não dirá escrava, porque nunca tal se póde considerar, mas estando Roma povoada de bayonetas francezas, sua santidade não póde aceitar a nomeação do imperador dos francezes, que não julgou por isso offendidos os direitos da sua corôa; e a santa sé procedeu como entendeu que devia proceder. Estes são os factos que se apresentam, por assim dizer de si mesmos, para por meio da comparação dar rasão aquelles que procederam cá do mesmo modo: o orador porém não crê que a comparação dos precedentes possa servir sempre de argumento, pois as circumstancias variam ás vezes, e uma só que falte é bastante para fazer com que não haja analogia. Além d'isso, não deve perder-se de vista que se discutiam tambem as rasões de direito. O orador ignora se o governo concordará em todos os principios em que elle se baseia para justificar n'esta parte a sua conducta; e sente que não esteja presente o sr. ministro dos negocios ecclesiasticos, porque sendo, como é, um canonista distincto, havia de dirigir-se a elle, pedindo-lhe e esperando que o rectificasse em qualquer cousa do que vae dizer que exigisse rectificação: e entra de plano nas rasões de direito.

Disse que o sr. Aguiar leu tambem, offerecendo-a como termo de comparação, uma nota de um antigo ministro que tambem se chamava Aguiar. (O sr. Aguiar: — Esse era marquez.) Era o marquez de Aguiar, que o orador não teve o gosto de conhecer, mas conhece ha muito tempo a nota. Emquanto ao sr. marquez de Aguiar, como individuo, parce sepultis; mas este principio não deve ir tão longe que empeça a critica justa de seus actos: a historia acabava completamente *e não se podesse fallar d'aquelles que deixaram de existir. ~È necessario que se occupe um pouco do sr. marquez de Aguiar para destruir as suas proposições, pois aquella nota parece escripta não por um ministro do rei fidelissimo, mas sim por um ministro de sua magestade britannica, ou do autocrata de todas as Russias; mais ainda d'este.

O sr. marquez de Aguiar na sua nota dirigida ao nosso ministro em Roma, invocando o que chama a antiga disciplina, diz:, que se porventura se obstinasse a santa sé a não confirmar o bispo nomeado, Santa Clara, que se recorreria ao alvitre de confirmar-se o bispo dentro do reino pelo metropolita, e depois seria sagrado na fórma dos canones... (O sr. Aguiar: — Pela antiga praxe da igreja.) Segundo a primitiva praxe da igreja. (O sr. Aguiar: — Apoiado.) Estas pretensões não são novas. No imperio do Brazil houve uma questão similhante por causa da confirmação de um bispo. Foi levada á assembléa legislativa, e ali mandada a uma commissão que deu o seu parecer no sentido e segundo as doutrinas expostas n'essa nota: no entretanto aconteceu que o ministerio caiu e foi substituido por outro, que, logo que tomou conta das pastas e appareceu na camara, foi interpellado por um deputado, a quem respondeu o sr. Maciel Monteiro, hoje barão de Itamaracá e ministro d'aquelle imperio na nossa corte.

Perguntou-lhe o deputado se elle consentiria que se arrastasse o manto do imperador do Brazil aos pés da curia, e a corôa aos do papa; s. ex.ª levantou-se (está escripto) e disse s= sou filho da terra de Santa Cruz, e como ministro de um imperador catholico sómente hei de proceder conforme as regras da igreja que eu acato = e mais acrescentou: « Sabem os illustres deputados qual é a consideração em que eu tenho esse parecer?» Pegou n'elle e fe-lo pedaços, rasgou-o mesmo na tribuna, e sentou-se! Eis a resposta que s. ex.ª deu aquella interpellação.. O orador lembrou este facto para mostrar que a pretensão nem é infelizmente singular, nem restricta a este paiz. Pela sua parte está com os que julgam "que não são procedentes, nem tem justo e solido fundamento.

Dizem aquelles que os. invocam que nos tempos antigos eram confirmados os bispos pelo metropolita: assim é, mas da existencia de um facto ás rasões de direito em que se funda, a distancia é immensa: o que deviam fazer os adoradores do facto era provar, e isso nem o fizeram, nem o poderão fazer, que a auctoridade, ou para melhor dizer, a jurisdicção do metropolita, era propria d'elle e não delegada; se era jurisdicção de direito divino incommunicavel e irrevogavel pelos homens, ou communicavel e revogável, de sorte que podesse por consequencia acabar. Pergunta isto e a historia vae responder.

Desde os primeiros seculos da igreja, o primado das é de Roma foi constantemente reconhecido e respeitado. Crearam-se arcebispos com certos poderes de delegação, pois é preciso distinguir entre o poder da ordem e o da jurisdicção. N'aquella ordem são iguaes os bispos uns aos outros;

O pontifice, os patriarchas, os primazes, metropolitas, arcebispos e bispos todos são iguaes entre si; mas emquanto á jurisdicção, á limitação de poderes sobre um certo numero de fieis, sobre uma determinada área de terreno, esse poder de jurisdicção varia.

O digno par, o sr. Aguiar, sabe, e devem sabe-lo todos os que se têem occupado d'estas materias, com é que côr tas causas eram julgadas, e o foram sempre. As causas dos bispos em quaesquer accusações que se erguiam contra elles eram julgadas em Roma. Veiu então a nomeação dos primazes e dos metropolitanos para julgarem nas suas respectivas dioceses, para melhor commodo dos fieis o para evitar certas dos intelligencias; e como os metropolitas tinham a sua jurisdicção do primaz e como o primaz tinha a sua directamente da santa sé, e que esta podia ampliar, restringir e revogar, revogou esta; e porque o faria? Por causa de diversas desintelligencias que houve com os arcebispos, com os primazes ou metropolitanos, e por causa das heresias que se levantaram e que deram logar a essas desintelligencias, por isso que alguns bispos se apartaram da verdadeira estrada e seguiram os heresiarchas nas suas opiniões detestaveis; e finalmente pelas frequentes duvidas a que deram logar as eleições episcopaes, ao mesmo tempo que já eram muito mais faceis as relações com Roma.

Esta materia tem sido tão largamente tratada por ambas as partes que o orador parece-lhe estar ouvindo que o sr. Aguiar lhe virá com o Manual do direito ecclesiastico francez, de mr. Dupin; mas apesar de reconhecer a exiguidade dos seus estudos e a certeza do seu talento, não deixará de fazer algumas reflexões sobre as palavras de mr. Dupin, que tem á vista, e que dizem assim: desafio a todos que tiverem conhecimento da materia a que me apontem um unico texto, quer dos bispos, quer dos santos padres, para apoiar a proposição da jurisdicção canonica dos papas. São estas pouco mais ou menos as palavras do celebre jurisconsulto francez.

Fazendo-se cargo dellas, e respondendo de antemão á objecção possivel, se lança um olhar retrospectivo sobre os primeiros seculos da igreja, o que vê?... vê um patriarcha de Alexandria (S. Cyrillo) escrever ao papa, dizendo-lhe que = é tempo de o fazer, como o dever e antigo costume exigem, para adverti-lo do que a malicia infernal tenta fazer em nossas igrejas =; vê outro bispo, um patriarcha de Constantinopla (S. João Chrisostomo), dizer-lhe = é sobre vós que repousa o cuidado do mundo inteiro, pois tendes a combater simultaneamente não só pelas igrejas desoladas e os povos dispersos, mas tambem pelos padres que se vêem rodeados de inimigos, pelos bispos forçados a fugir, e pelas constituições de nossos padres indignamente calcadas aos pés; vê outro luminar dos antigos tempos (S. Gregorio de Niza) dizer = a igreja de Roma e a primeira de todas, e só ao seu chefe pertence a confirmação dos bispos; este privilegio de crear apostolos compete aquelle a quem Jesus-Christo estabeleceu principe em seu logar para governar os discipulos =. Vê mais um grande homem dos primitivos seculos, dirigindo-se ao papa Julio (Santo Athanasio), dizer = que a igreja de Roma é a cabeça, e as outras os membros, que só ella póde dar força a todos, e que por consequencia é a ella que todos se devem dirigir: e diz então, não só em seu nome, mas no de todos os fieis que com elle se acharem reunidos—. Depois d'isto, que valor merecem as pretensões da igreja gallicana (refere-se ás grandes questões da igreja gallicana com a santa sé)? Debalde homens muito illustres, como mr. Ampere, na sua historia litteraria, mr. Michelet, na sua historia de França, tentam mostrar que nos primeiros seculos homens distinctos não só no conhecimento das materias ecclesiasticas, mas notaveis na republica das letras, defenderam o episcopado contra o que se chama, e elles tambem appellidam, invasão da corte de Roma; porque logo se levantam os padres francezes, e dizem = eu vos mostrarei um dos homens mais distinctos, um dos mais illuminados do seculo vi, o grande Avito, bispo de Vienna (de França), homem notavel e muito conhecido na republica das letras, e tão notavel, que se diz com bons fundamentos, que o grande poeta inglez Milton, não só bebeu as idéas do seu poema, mas copiou quasi palavra por palavra, muitos dos versos de tres cantos de um seu poema, do qual diz mr. Guizot, que não é só pelo nome— Paraizo perdido =, é pelo assumpto, que a sua obra faz lembrar a de Milton; esse santo e sabio bispo, que viveu no dito seculo, disse o contrario de tudo quanto mr. Michelet affirmava na sua historia da França, e mr. Ampere na sua historia litteraria. Quando o papa Symmacho convocou varios bispos, porque as affrontas de seus inimigos o acabrunhavam, disseram estes ao rei godo Theodorico: «O papa é superior a todos, não podemos julga-lo que fomos prelados inferiores; e demais reconhecemos a sua innocencia»; e quando chegou á Gallia a noticia da reunião de um concilio para julgar o papa, os bispos della, á testa dos quaes se achava Santo Avito, dirigiram uma carta a Roma, na qual diziam: «Não podeis vós de maneira nenhuma julgar, e muito bem fizestes novo-so decreto em deixar a Deus só o julgamento do papa: de fórma nenhuma podeis julga-lo, porque elle está superior a vós em tudo.» Mas os regalistas francezes proseguem na sua tentativa, os litteratos não desistem da sua tarefa, vão buscar outro argumento mais antigo, e dizem: «Nos primeiros seculos da igreja não se reconheceu similhante obediência»; mas Santo Ireneu, padre da igreja, os refuta amplamente n'uma das suas homilias, dizendo: «A sé de Roma é aquella oin que se tem invariavelmente conservado as tradições apostólicas, e é a essa igreja que todas as outras elevem obedecer»; mas elles não se dão por abatidos, e vem dizendo que foi o imperador que convocou o concilio de Nicea, e não o pontifice, procurando por esse meio negar-lhe a auctoridade que os confraria. Pois enganam-se: quem convocou esse concilio foi o pontifice, e o imperador é que fez as despezas. E que convocou o concilio é evidente, quando mais não fosse, porque quem presidiu a elle não foram os patriarchas de Antiochia, de Alexandria ou de Jerusalém, foi um bispo hespanhol, O sr. bispo de Cordova, com dois simples prebyteros da cidade de Roma. Pois os prelados superiores em hierarchia consentiriam que outro inferior em consideração e dois pre-byteros fossem presidir ao concilio e não houvesse uma causa maior que determinasse esse feito? Ninguem o crerá, porque não é proprio do coração humano. Consentiram n'isso, porque esse bispo do extremo occidente e aquelles pre-byteros eram delegados do papa. São tantos os exemplos que se offerecem á nossa consideração, que difficilmente e numa sessão poderiam relatar-se todos, e todos elles derrocam pela base, tiram o valor á proposição que foi aqui lida.

O orador podia citar muitos exemplos, porque são elles tantos, que só ha a difficuldade da escolha, mas é que tambem a sua memoria o não ajuda, e por isso apenas mencionará poucos factos.

Tendo-se Marciano, bispo de Aries, posto do lado da heresia de Novaciano, os bispos das Gallias dirigiram-se ao papa Santo Estevão para applicar o remedio conveniente; e como este se demorasse, recorreram a S. Cypriano, para que elle intercedesse n'este sentido com o papa, o que elle fez, pedindo a S. Estevão que ordenasse aquelles bispos que mais não soffressem que Marciano insultasse o corpo episcopal; e que ordenasse aos bispas da provincia, clero e povo de Aries, que, em virtude de suas letras, depozessem Marciano, e elegessem outro bispo em seu logar. Era isto em 254. Theodoreto, deposto pelos bispos do conciliábulo de Ephezo, da sé de Cyro, senta-se no concilio de Calcedonia (459); aquelles que o tinham deposto quizeram oppor-se; mas a maioria manteve-o no seu direito porque o papa Leão o tinha restabelecido: e que poderia dizer de Máximo, patriarcha de Antiochia, ao qual o concilio já dito reconheceu n'aquella dignidade por ter sido nella confirmado pelo papa?

O segundo facto é a disposição tomada pelo segundo concilio cabilonense (Chalons) em França, que foi reunido para instaurar novo processo aos bispos de Embrun e de Gap, que, tendo sido anteriormente depostos, provaram ante o papa João III a sua innocencia, e foram restituidos ás suas sés, e não confirmadas pela santa sé as eleições dos seus sue