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SESSÃO DE 24 DE MAIO DE 1848.

Presidiu — O Sr. V. de Laborim, e depois o Sr. M. de Serpa Machado.

Secretarios, os Sr.s V. de Gouvêa.

Margiochi.

ABERTA a Sessão depois da uma da tarde, estando presentes 31 D. Pares, leu-se e approvou-se a Acta da ultima Sessão. — Concorreu o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros.

O Sr. SILVA CARVALHO — Sr. Presidente, tenho aqui uma representação dos povos de Guimarães, assignada por perto de 2.000 pessoas, entre as quaes figura em primeiro logar o Governador Civil. Estes povos pedem a conservação do seu Juiz Eleito Bernardo José Pereira Leite; e como o negocio pertence ao Governo, segundo o que se tem praticado em casos identicos pedia a V. Ex.ª, tivesse a bondade de a remetter ao Governo, para elle a tomar na consideração que lhe merecer, a respeito de tão digno Magistrado.

Approvou-se, que a Representação se dirigisse ao Governo.

O Sr. C. DE THOMAR — Pedi a palavra para mandar para a Mesa uma representação dos moradores da Freguezia de Santos-o-Velho, sobre o projecto das Coimas: peço que se lhe dê o mesmo destino, que se tem dado a outras, que teem vindo á Camara neste mesmo sentido.

Ficou a Representação sobre a Mesa.

O Sr. C. DE LAVRADIO — Sr. Presidente, quando foi distribuido nesta Camara o relatorio apresentado ás Côrtes pelo Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros, achava-me eu gravemente doente, e por esse motivo não apresentei em tempo competente o requerimento, que vou agora submetter á decisão da Camara.

REQUERIMENTO.

Requeiro que seja pedido ao Governo (pelas Secretarias de Estado dos Negocios do Reino, e Estrangeiros) o original da Representação, que o Sr. Marquez, hoje D. de Saldanha, affirma, na sua circular de 7 de Outubro de 1846, publicada a pag. 4 do Relatorio, por S. Ex.ª apresentado ás Côrtes, ter sido dirigida a Sua Magestade A RAINHA pelo Sr. D. de Palmella, na qualidade de Presidente do Conselho de Ministros. Sala da Camara dos Pares, em 24 de Maio de 1848. = C. de Lavradio.

E proseguiu — Sr. Presidente, eu peço, e considero como essencial a remessa do original deste documento, porque tenho tenção de provar: primò, que elle é cópia: e secundò, que o Ministerio presidido pelo Sr. D. de Palmella, longe de haver pedido a SUA MAGESTADE a demissão, estava resolvido a não se demittir, nem a largar os seus logares, senão depois de haver dado conta ás Côrtes dos actos por elle praticados. Estou persuadido, de que a Camara approvará este meu requerimento; e quando elle fôr satisfeito pelo Ministerio competente, pedirei a assistencia do Sr. Presidente do Conselho, para em sua presença provar o que disse. Peço a urgencia.

Approvou-se a urgencia, e a materia do Requerimento.

O Sr. V. DE FONTE ARCADA — Sr. Presidente, em uma das Sessões passadas, estando presente o Sr. Ministro do Reino, entre outros objectos, sobre que chamei a attenção de S. Ex.ª, disse-lhe, que uma rica collecção de paineis estava a ponto de ser vendida em hasta publica, e que conviria, que S. Ex.ª houvesse de vêr se podia propôr os meios, para ser authorisado a comprar alguns, que merecessem ficar para o Estado. O Sr. Ministro nomeou effectivamente uma Commissão para examinar quaes eram, os que estavam nessas circumstancias; esta Commissão acabou os seus trabalhos, e creio que já os remetteu para o Sr. Ministro: acontece porém, que hontem foi o primeiro dia do leilão, sem que por ora nada se tivesse providenciado a respeito da

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sua compra. (O Sr. M. de Ponte de Lima — Peço a palavra.) Pediria por tanto a Camara, que tivesse a bondade de approvar o requerimento, que passarei a lêr, e que declaro urgente.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Parece-me. que o D. Par poderá poupar-se a mandar para a Mesa o seu requerimento, porque eu posso já dizer alguma cousa de positivo a este respeito. (O Sr. V. de Fonte Arcada — Bem então ouvirei.)

O Governo nomeou uma Commissão, que foi examinar estas pinturas, a qual deu o seu voto sobre aquellas, que conviria não deixar ir para fóra de Portugal: não tenho bem de memoria, mas julgo que são dezoito (O Sr. V. de Fonte Arcada—Trinta), as que a Commissão julgou merecer ficarem para o Estado. O Governo agora está tractando dos meios de entrar na arrematação, porque não ha outro modo de os obter senão concorrendo (O Sr. V. de Fonte Arcada — Já se sabe). Parece-me pois, que o D. Par deve ficar satisfeito, porque o Governo tem dado, e continúa a dar todos os passos, para vêr se ficam propriedade do Estado os painéis que a Commissão considerou estarem nessas circumstancias.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Eu hontem fui informado (por um dos seus membros), que a Commissão tinha terminado os seus trabalhos, e disse-me, que eram 30, ou 32 os quadros escolhidos: o Sr. Ministro diz que são 18, não faço questão disso (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros— São 34; mas os que a Commissão julga, que devem ser comprados pelo Governo, são apenas 18). São muito mais de 35. (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Serão mais, não duvido, isso não tira para eu poder affirmar, que a Commissão achou só 18 nas circumstancias de deverem ser comprados pelo Estado; e o que eu queria era mostrar, que o Governo linha isso ao seu cuidado). Mas já hontem foi o primeiro dia do leilão, e até então não estava dado passo nenhum sobre este objecto, além da nomeação da Commissão; e tanto assim, que eu particularmente fiz algumas diligencias, para que não se vendessem aquelles quadros, que a Commissão tinha approvado, a fim de vêr se entretanto o Governo tomava algumas medidas a este respeito: até hontem affirmo, que não tomou nenhuma (O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Peço a palavra). Á vista do que diz o Sr. Ministro, é indifferente que o requerimento seja approvado, ou não; mas o que eu desejava era, que não sendo approvado o requerimento, S. Ex.ª expozesse ao seu collega o desejo que ha, de que effectivamente se faça alguma cousa sobre este objecto: a differença porém que ha em se approvar, ou não o requerimento, está em que approvando-se, mostra-se que é a vontade da Camara, e não se approvando, vê-se que é o desejo individual de quem o propõe, e isso está claro que não produz tanto effeito para com o Ministro, como sendo approvado pela Camara.

O Sr. Presidente — Em vista do que o D. Par continúa a dizer, é da minha obrigação pôr-lhe o seu requerimento á votação, logo que o envie á Mesa.

O Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros — Eu hei de votar pelo requerimento do D. Par, e porque não? O que me parece porém é, que dizendo o Governo que tem tractado deste negocio com todo o zelo, e efficacia, o D. Par se poderia contentar com esta resposta. O Governo fez com que hontem se não fizesse a arrematação, deu passos para isso; eu agradeço ao D. Par os passos, que S. Ex.ª tambem deu; mas o que se segue dahi é, que se encontraram as suas diligencias com as do Governo (O Sr. M. de Ponte de Lima — Sr. Presidente, eu estou a pedir a palavra). O Governo ha de entender-se com o casal, e esteja o D. Par descançado, em que o negocio tem merecido a attenção do Governo, e que se ha de fazer quanto couber no possivel.

O Sr. M. de Ponte de Lima — Sr. Presidente, sou eu, dos que estamos nesta Camara, o que melhor pôde fallar neste negocio. Os painéis são muitos, porque occupam tres, ou quatro grandes salas do Palacio da Bemposta, cheias todas delles de alto a baixo. Dizem, que ha alli quadros bons, e menos bons: eu nada posso dizer do seu merecimento; mas o que eu sei é, que pertencem á herança da Rainha D. Carlota, cuja herança está obrigada a dividas, e por isso peço ao Governo, que senão tem dinheiro para pagar os painéis na praça como qualquer particular, então por maneira nenhuma embarace a venda delles (Apoiados), porque assim iria augmentar consideravelmente a calamidade, em que estão aquellas pessoas, que viviam á custa da Rainha D. Carlota, as quaes estão hoje pedindo esmola. Ha dividas de ordenados a pagar a algumas pessoas; o que é uma divida sagrada (O Sr. Mello Brayner — E jornaes — Apoiados) O D. Par fez tanta bulha, fazendo-nos parecer, que estariam talvez vendidos os mais importantes, senão se tivessem dado passos para isso: pois então saberá, que hontem em quatro horas venderam-se dous, e os mais baratinhos, porque para aos grandes não appareceram lançadores. Portanto, peço muito a S. Ex.ª, que está presente por parte do Governo, que senão tem dinheiro para comprar avista, que não compre, e deixe então vender livremente.

O Sr. V. de Fonte Arcada — Sr. Presidente, o meu fim não foi nunca embaraçar a venda dos quadros, o que propuz foi, que o Governo tractasse de obter os meios necessarios para os comprar: por consequencia, isto não tem nada com os interesses particulares, e não havia de ser eu que quizesse, que o Governo embaraçasse a sua Venda, e que os credores, a beneficio de quem ella se faz, ficassem prejudicados. Eu não podia ter similhante idéa; o que propuz foi, que o Governo comprasse aquelles painéis: eis o fim da minha indicação ao Sr. Ministro dos Negocios do Reino, da qual não se pôde deprehender de maneira alguma, que tivesse por objecto o prejuizo dos credores.

Quanto ao leilão de hontem', aquillo que disse, não era para obstar ao leilão, era pedir que principiasse por aquelles quadros, que não tinham sido approvados pela Commissão, para entretanto vêr se o Governo dava providencias a este respeito, e por consequencia parece-me ter respondido.

O Sr. Presidente — V. Ex.ª cedeu do requerimento, o Sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros tem ouvido a V. Ex.ª. e ao Sr. M de Ponte de Lima, e por consequencia está acabado o negocio.

Agora, peço attenção á Camara, vai-se lêr o Officio e mappa das pessoas habilitadas pára a eleição, a que se vai proceder.

Não teve seguimento o Requerimento annunciado pelo Sr. V. de Fonte Arcada, de cujo objecto ficou sciente o Sr. Ministro.

O Sr. Secretario V. de Gouvea — (Tendo lido o Officio). Parece-me que a Camara dispensa, que eu leia a relação...

Vozes — Não é preciso, está impressa.

O Sr. Presidente — Creio que os D. Pares estão preparados com as suas listas: ellas hão de ser separadas — uma para o proprietario, e outra para o Substituto — mas primeiramente procede-se á eleição do proprietario.

Entrando na urna 36 listas, sahiu apurado

O Sr. C. de Porto Covo com 26 votos.

Passando-se ao escrutinio para o substituto, sendo de 37 listas, sahiu apurado

O Sr. Pereira de Magalhães com 25 votos.

O Sr. Presidente — Está concluida a eleição, e agora convido o D. Par Sr. Serpa Machado a tomar o logar de Presidente.

O Sr. Serpa Machado passou a occupar a cadeira da Presidencia.

O Sr. Presidente — Vai ler-se o Parecer, que faz objecto da discussão de hoje.

ordem do dia.

Pareceu n.º 26 sobre a Proposição de Lei n.° 16, transferindo para os Juizes Correccionaes, o conhecimento das causas de coimas, e policia municipal.

Parecer n. 26.

A Commissão de Legislação examinou o Projecto de Lei, que a esta Camara foi remettido pela Camara dos Senhores Deputados, no qual se altera a competencia para conhecer das causas de coimas, e de policia municipal, ou sobre transgressões de Posturas, que as Leis actuaes attribuem aos Juizes Eleitos.

A Commissão é de parecer que o Projecto pôde ser adoptado, em quanto ás Comarcas de Lisboa e do Porto; porem que nas mais terras do Reino deve continuar em vigor a Legislação actual, pela razão dos graves incommodos, que do contrario resultariam aos Povos, vista a distancia dos logares em que muitas vezes seriam obrigados a ir litigar sobre causas de pequena quantia.

Sala da Commissão, em 13 de Maio de 1848. = José da Silva Carvalho (vencido) = B. de Porto de Moz = B. de Chancelleiros = Manoel Duarte Leitão, Relator (vencido) — Francisco Tavares de Almeida Proença (com declarações) = V. de Laborim (vencido).

Proposição n.º 16. Da Proposição.

Artigo 1.º As causas sobre coimas, e as de policia municipal, ou sobre transgressões das posturas das Camaras Municipaes, serão de ora em diante processadas, e julgadas nos Juizos de Policia Correccional.

§. 1.º Nestes Juizos se guardará a forma de processo determinada no Tit. 10.º da Reforma Judiciaria com recurso para o Juiz, ou Tribunal superior respectivo, quando as penas impostas excederem a sua alçada, ou nos casos de incompetencia, ou excesso de jurisdicção.

§. 2.° As arrematações respectivas serão feitas nas casas do Tribunal.

Da Commissão.

Art. 1.º As causas sobre coimas, e as de policia municipal, ou sobre transgressões das posturas das Camaras Municipaes, serão de ora em diante, nas Comarcas de Lisboa e Porto, processadas e julgadas nos Juizos de Policia Correccional.

§. 1.°. o mesmo da Proposição, e ficando unico; porque

§. 2.º e supprimido.

Da Proposição.

Art. 2.º Os Juizes nestes processos receberão de emolumentos, pelos actos que praticarem, metade do que lhes está taxado para iguaes actos nos outros processos; e os outros Empregados receberão os salarios, que ora estão taxados para os Empregados dos Juizes Eleitos.

Da Commissão.

Art. 2.º O mesmo da Proposição.

Da Proposição.

Art. 3.º As Camaras Municipaes remetterão aos Juizes cópia dos Accordãos em que estabelecerem as suas posturas, depois de devidamente approvadas.

Da Commissão.

Art. 3.º O mesmo da Proposição.

Da Proposição.

Art. 4.° Fica revogada a Legislação em contrario.

Da Commissão.

Art. 4.º O mesmo da Proposição. Substituição do Sr. Duarte leitão, ao artigo 1.º

da Proposição.

As causas sobre coimas, e as de policia municipal, ou sobre transgressões das posturas das Camaras Municipaes, serão de ora em diante, quando excederem as alçadas dos Juizes Eleitos, processadas e julgadas nos Juizos de Policia Correccional. Sala da Camara dos Pares, em 13 de Maio de 1848. = M. Duarte Leitão.

O Sr. C. de Thomar — Peço a palavra sobre a ordem (O Sr. Presidente — Tem a palavra). Eu desejava saber, se já foi satisfeito um requerimento que fiz ha tempo, para serem enviadas a esta Camara todas as representações, que fossem

dirigidas no Governo sobre este objecto, tanto dos povos como das Camaras, para não se alterar as Leis sobre coimas. (O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Está sobre a Mesa um Officio, que chegou á Camara no dia 22, é o seguinte leu-o). Se contém alguma representação desejava que me fosse remettida. (O Sr. Secretario V. de Gouvêa — Não contém senão uma da Camara Municipal de Lisboa com data de 31 de Julho de 1847.) Eu passo a examiná-la. Aproveito unicamente a palavra para observar, que neste Parecer estão assignados — pelo Parecer dous Membros da Commissão — tres vencidos, o um com declarações, de modo que se pôde dizer, que não ha nelle maioria. Poderão ter havido razões fortes na Commissão, para não concordarem, e eu desejava antes de começar o debate, que nos dissessem os motivos desta divergencia, para entrar depois na discussão, e então pedirei a palavra.

O Sr. V. de Laborim — Peço a palavra. (O Sr. Presidente — Tem a palavra sobre a ordem.) Eu pedi a palavra sobre a ordem, e sobre a materia na generalidade; mas desisto daquella. e usando desta, talvez, no que passo a expor, possa satisfazer ao meu nobre amigo o D. Par, o Sr. C. de Thomar.

Sr. Presidente, está em discussão o parecer da Commissão de Legislação, a que tenho a honra de pertencer, parecer, dado sobre o projecto de lei n.° 16, vindo da Camara dos Srs. Deputados da Nação Portugueza, que dizendo respeito ás causas sobre coimas, ás de policia municipal, ou sobre transgressões das posturas das Camaras Municipaes, revoga (arte da Legislação do capitulo 10.° da Novissima Reforma Judiciaria, a quem deu forca de Lei o Decreto de 21 de Maio de 181!.

O nosso Regimento, Sr. Presidente, no artigo 41.°, determina que a discussão na generalidade verse sobre o principio, sobre o espirito, e sobre a opportunidade; todos estes tres objectos dizem respeito ao meu proposito, com particularidade á opportunidade. Perguntarei a mim mesmo — será opportuno, que este projecto, modificado como está, e alterado pela Commissão, transite nesta Camara? Respondo — que é minha convicção que não, e com quanto eu me convença, de que elle foi elaborado por capacidades muito respeitaveis da outra Camara, e nella discutido; e tractando-as com a maior consideração, julgo todavia superior a esta a minha consciencia, e, Sr. Presidente, note V. Ex.ª, e note a Camara tambem, que até está redigido em meu soccorro o mesmo parecer da Commissão. e aqui parece-me, que eu posso satisfazer ao D. Par, o Sr. C. de Thomar (O Sr. Tavares de Almeida— Peço a palavra): é a seguinte a historia do que, depois de repelidos debates, se passou na Commissão de Legislarão desta Casa, e consta da forma das assignaturas.

O D. Par, o Sr. José da Silva Carvalho, honrou-me com a sua opinião, conformando-se com a minha, isto é, accordando em que o projecto não deve transitar nesta Camara. O Sr. Manoel Duarte Leitão é de opinião, que ao artigo 1.º se substitua a seguinte doutrina, a saber — que as coimas, de que se tracta. todas as vezes que ellas excedam a alçada de Juiz Eleito, ficarão pertencendo aos Juízes de Policia Correccional, sendo por elles processadas, e julgadas. O Sr. Tavares de Almeida assignou com declarações; e S. Ex.ª terá a bondade de expor quaes ellas são no acto da discussão. E o Sr. B. de Porto de Moz, e o Sr. B. de Chancelleiros, approvam a doutrina do projecto, que veiu da Camara dos Srs. Deputados, só relativamente a Lisboa, e Porto; e em quanto ás provincias assentaram os D. Pares, que devia continuar a vigorar a Legislação vigente, que é a que disse se continha no capitulo 10.° da Novissima Reforma Judiciaria.

Sr. Presidente direi com a brevidade, que me fôr possivel, quaes são as razões, em que me fundei para não admittir o seu transito, mesmo segundo as diversas opiniões, que deixo expostas.

Primeiramente, Sr. Presidente, não me posso convencer, de que a representação de uma Camara (que de certo não é a Camara de Portugal, porque Portugal não é a Cidade de Lisboa), tenha o vigor sufficiente para nos forçar a revogar uma Lei, na presença do silencio de todas as outras Camaras do Reino, o que nós conhecemos, e sabemos por uma maneira verdadeiramente official, pois que consta por essa resposta, que está sobre a Mesa, ao requerimento, que fez o meu nobre amigo, o Sr. C. de Thomar, e a que o Governo respondeu, que não ha nenhuma representação mais, á excepção de uma, que em 1847 a Camara Municipal de Lisboa lhe dirigiu, a qual eu tive cuidado de vêr, e é uma cópia fiel, da que se apresentou, e serviu de fundamento a este projecto. Digo então, Sr. Presidente, poderei eu convir, em que uma representação isolada altere uma Lei, que com outras forma um systema, e este um codigo, a que nós chamámos Reforma Judiciaria? Poderei eu convir, em que se revogue uma Lei (que, dizendo respeito ao interesse de todos como as Leis todas dizem) par uma representação de uma Camara só, podendo com justiça dizer-se, que nós, em logar de satisfazer ao todo condescendemos com a parte? Uma Lei, que repousa sobre costumes, que não podemos reprovar; que não mudaram; e que constituem habitos, que não podem ser alterados sem prejuizo dos povos, e da boa administração da justiça! E poderemos nós fazer isto, Sr. Presidente, na presença de uma representação que se desviou do caminho ordinario, pois que, sendo de uma Camara Municipal, e como tal um Corpo Administrativo, e o objecto tambem administrativo, deixou agora, e na occasião das Cortes estarem abertas, de se dirigir ao Governo, como o havia feito em 1847, avivando-lhe as idéas, e dando logar a que elle, procedendo ás averiguações necessarias não só a respeito do Municipio da Capital, mas tambem de todos os do Reino, nos esclarecesse, para decidirmos com reflexão, prudencia, e exacto conhecimento de causa? Parece-me, Sr. Presidente, que nao é possivel fazer obra só por um principio desta natureza, sem dados geraes, e audiencia de todos os interessados.

Mas passemos a examinar a representação, para nos enchermos de mais justiça. O que diz ella? Diz que os Juizes Eleitos não cumprem com os seus deveres, umas vezes absolvendo quem deviam condemnar, e n'outras vezes pondo para o lado todas essas coimas, de maneira que quando as julgam, já se não podem executar, porque os individuos encoimados, teem mudado de domicilia; e que tudo isto praticam, porque se não querem comprometter (formaes palavras da representação); e porque alguns delles são os proprios ré s, dignos de castigos, e outros descuidados; que ha immensos requerimentos, e immensas representações de queixas sobre o assumpto em discussão, dirigidas ao governo municipal. Aqui, Sr. Presidente, não posso deixar de reflectir — primeiramente, que essas queixas deviam acompanhar a representação — em segundo logar, como se combinam ellas com essa immensidade de representações de todas as Freguezias de Lisboa, finalmente de todo o Municipio, pedindo que se não deixe passar o projecto? E a quem devemos nós dar credito? A estas, eu aquella?

Mas, Sr. Presidente, quando isso mesmo fosse verdade (refiro-me ao que na sua representação dizem os vereadores, pessoas, que eu considero muito dignas, e zelosas; mas que são homens, e como taes podem enganar-se); não se podia tirar a conclusão de passar a jurisdicção das coimas para os Juizes Correccionaes: a conclusão obvia era chamar ao principio de responsabilidade essas authorisados, que não cumpriam o seu dever; e para isso lá está o artigo 148.° da Reforma Judiciaria, o qual expressamente determina, que quando os Juizes Eleitos faltem aos seus deveres, o Presidente da Relação os possa suspendi r (e depois de ouvidos), e processados segundo a Lei; e o mesmo acontecerá por erros de officio, ou por crimes, em consequencia de pronuncia, como todos os outros Juizes, e empregados de justiça, Torno outra vez a dizer — que a conclusão que se devia tirar por essa falta de execução de Lei, era castiga-tos como ella manda; mas estabelecer o principio, de que deve ser revogada a Lei, que, conferindo certa jurisdicção a uma authoridade, esta não satisfaz ás suas obrigações, isso é intoleravel, e nos leva ao maior dos absurdos.

De mais, Sr. Presidente, os Juizes Eleitos decidem as causas sobre bens moveis, ou dinheiro; sobre damnos, não tendo sido causados por algum acto criminoso, todas as vezes que as quantias, sobre que versam estas cansas não sejam excedentes á sua alçada, a qual é em Lisboa, e na Porto, de 2$500 réis, e nas provincias, de 1$250 réis. Pôde pois o Juiz Eleito fazer isto; pôde tambem (porque a Lei o authorisa formar os corpos de delicto, cousa esta de tanta importancia, e que é a base essencial do processo criminal, corpos de delicto, em que o Juiz Eleito pôde tornar-se muitas vezes mais suspeito, do que no julgamento das coimas; pôde o Juiz Eleito perseguir os criminosos dentro do Districto da sua jurisdicção; pôde previnir as rixas, prender em flagrante delicto, porque para tudo isto lhe dá authoridade. São pois os Juizes Eleitos habeis para tractar destas, e de outras materias, muito mais importantes, do que as coimas; e ha de então estabelecer-se, que se lhes deve tirar o conhecimento dellas, porque são incapazes para as julgar? Aqui ha grave contradicção.

Por outro lado parece-me, Sr. Presidente, que no projecto, como está alterado pelos D. Pares Porto de Moz, e Chancelleiros, se encontra uma perfeitissima anomalia. Apparecem os Juizes Eleitos de Lisboa, e do Porto, como indignos, e incapazes para tractar das coimas; e apparecem os Juizes Eleitos das provincias, como capacíssimos para conhecer de taes materias, quando os Juizes Eleitos da Capital, já pela sua polidez, já pela não estreiteza das suas relações, e por outras considerações, apresentam mais garantias do que os das provincias, para a boa administração da justiça. Diz-se, porém, que isso se adopta nas provincias, para commodidade dos povos; mas seja-me permittido observar, que o principio que presidio á confecção do projecto, não foi o da commodidade dos povos, e sim o da absoluta incapacidade dos Juizes Eleitos. Ora, elles são capazes em umas partes, e não o são em outras? Esta anomalia salta aos olhos de todos.

Note mais V. Ex.ª, e note a Camara tambem, que na representação se diz, que no estado da administração da justiça, em que os Juizes Eleitos deixam este negocio das coimas, ficam desanimados os zeladores! Custa a acreditar, a quem passeia por essa Ribeira nova, pela Ribeira velha, e pela Praça da Figueira, por onde se vem passear essas aves de rapina, esses miseraveis, mal pagos, e famintos, perseguindo os povos; custa a acreditar, digo eu, que sejam estes cavalheiros os que os vereadores consideram nessa representação como rectos, mas desanimados! São esses zeladores, talvez, os unicos motores do Juiz Eleito não cumprir o seu dever; porque, quando as coimas são grandes, e valem a pena, estes entendem se com os encoimados; e quando as coimas são insignificantes, ou não teem prova dellas, é que as levam á presença do Juiz Eleito. (Apoiados.)

Termino, pois, Sr. Presidente, com uma unica reflexão — passe embora o conhecimento das coimas para os Juizes Correccionaes; mas cem quanto eu forme um bom juizo do modo como essas authoridades hão de proceder, devo com tudo observar, que elles estão tão sobrecarregados de trabalho, que lhes será muito difficultoso conhecer das coimas com promptidão. por falta de tempo; além do que, ir esta attribuição para esses Juizes, e não se lhes dar, nem aos seus Escrivães, mais do que se dava aos Juizes Eleitos, e Escrivães destes, falta o estimulo, que os obrigaria a preferir estes negocios a outros, e a trabalhar mais, do que comportam os seus empregos.

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Tenho dito a minha opinião, a Camara na sua sabedoria decidirá como lhe parecer mais justo.

O Sr. Duarte Leitão — Eu tinha pedido a palavra, com o fim de responder á pergunta feita pelo D. Par o Sr. C. de Thomar; porém como o D. Par o Sr. V. de Laborim já fallou sobre a materia, farei algumas observações, unicamente para explicar os motivos da minha substituição, e quaes as razões porque julgo, que com ella se poderia adoptar o projecto.

Os D. Pares os Srs. B. de Porto de Moz, B. de Chancelleiros, e V. da Granja, rejeitam o projecto em quanto ás Provincias, e querem que nellas se observe a legislação existente, mas adoptam-no em quanto a Lisboa, e Porto. O D. Par o Sr. Tavares de Almeida votou o mesmo, mas quer além disso fazer diversas declarações. Os D. Pares V. de Laborim, e Silva Carvalho, rejeitam o projecto totalmente. Eu porém entendi, que podia ser adoptado, fazendo-se-lhe uma substituição ao artigo 1.º

Sr. Presidente, o art.º 1.º diz o seguinte (Leu-o.) E a substituição diz (Leu-a.) A legislação actual relativa á competencia dos Juizes Eleitos sobre este objecto, deve continuar, com a differença de que quando as coimas, ou as penas das transgressões excederem a alçada dos Juizes Eleitos, estes não devem conhecer dellas, mas sim os Juizes de Policia Correccional. Em quanto aquellas causas, que estão dentro da alçada dos Juizes Eleitos, devem continuar a ser por elles julgadas sem recurso, como até aqui se fazia.

Parece-me, Sr. Presidente, que será conveniente dar uma idéa generica da legislação sobre a competencia dos Juizes Eleitos, a respeito da qual, mal ou bem, tenho entendido, que havia alguma incoherencia: pôde ser que me tenha enganado; mas assim o penso ainda. Declaro por esta occasião, que fui um dos membros da Commissão da Reforma Judiciaria em 1837, que foi quando pela primeira vez se introduziu esta legislação, ampliando a competencia mesmo ás causas de coimas, que excedessem a alçada; porque, dentro da alçada já conheciam dellas os Juizes Pedaneos pela Lei de 16 de Maio de 1832, e não sei como me escapou então notar esta incoherencia, em que depois adverti, e de cuja existencia, ainda hoje estou persuadido.

O Juiz Eleito tem uma alçada determinada, que é de 2$500 réis em Lisboa, e metade nas mais terras do Reino: dentro desta alçada conhece sem recurso: primo, dos damnos; secundo, das causas sobre moveis; tertiò, das execuções sobre tributos, e impostos; mas excedendo esta alçada não conhece, nem com recurso, nem sem elle; porém nas penas das transgressões das posturas faz-se uma excepção, e o Juiz Eleito conhece tanto dentro da sua alçada, como fora della, com a differença, de que sendo fora da sua alçada, ha de dar o recurso, primeiro para o Juiz Ordinario, se a causa não exceder a alçada deste; segundo para o Juiz de Direito, se exceder a alçada do Juiz Ordinario; terceiro para o Tribunal de Policia Correccional, se exceder a alçada do Juiz de Direito. E como nas sedes das Relações não ha Tribunaes de Policia Correccional, varem Lisboa, « Porto o recurso da sentença do Juiz Eleito immediatamente para a Relação. Não ha motivo sufficiente para se tirar ao Juiz Eleito o conhecimento destas causas dentro da sua alçada; e que razão de differença poderia haver, para que elle tivesse jurisdicção para conhecer dos damnos dentro da sua alçada, e não a tivesse para conhecer das coimas, que são muletas impostas por damnos, assim como de quaesquer penas pelas transgressões das posturas, quando couberem na sua alçada? (O Sr. V. de Laborim — Apoiado.) As Camaras fazem posturas sobre os differentes, e variados objectos da policia municipal, que estão a seu cargo a prol, «bom regimento da terra, como dizem as nossas leis, e das quaes alguns exemplos estão apontados no Codigo Administrativo, e mais extensamente se acham na Ordenação do Reino. Pelas transgressões destas posturas impõem-se certas penas, e concordo com os Senhores, que rejeitam o projecto, que veio da Camara dos Srs. Deputados, em quanto sustentam, que senão deve tirar ao Juiz Eleito o conhecimento destas causas dentro da sua alçada; porque, para conhecer de causas desta natureza, e desta importancia, é que são destinados estes Juizes: do contrario resultariam graves incommodos, que os povos haviam de soffrer, como diz o parecer da Commissão, tendo de ir a grande distancia das suas localidades, á presença do Juiz de Policia Correccional, letigar sobre causas de pequena quantia.

Pelo que pertence a estas causas, parecem-me concludentes as razões, em que se fundam as diversas representações, que subiram a esta Camara, attendendo aos incommodos dos Povos, á maior difficuldade das provas, e a que em muitos casos seria maior o prejuizo dos municipios; porém não assim, quando estas causas excederem a alçada do Juiz Eleito; porque nestes casos a competencia deste Juiz nem é conforme com a Legislação actual, nem com a antiga, nem me parece que o seja com a conveniencia publica. Não concorda com a Legislação actual, como já mostrei; e além disso, porque pertencem ao Juiz de Policia Correccional todas aquellas causas penaes, que eram da competencia, e jurisdicção dos Almotacés, com tanto que a quantia não exceda a 20$000 réis. Esta determinação é expressa no respectivo artigo da Reforma Judiciaria sobre a Policia Correccional. Ora, na Legislação antiga sabe muito nem a Camara, que esta jurisdicção, para conhecer das coimas, era propria dos Almotacés (Apoiados). Tambem o Juiz da Vintena era competente para conhecer das coimas, dentro da sua alçada, entre os moradores do Logar; por quanto sabem todos, que a alçada dos Juizes da Vintena era regulada pelo numero de moradores, e chegava até á quantia de 400 réis; quantia esta, que equivaleria agora a 1$200 réis, tendo-se triplicado as alçadas. Estes Juizes da Vintena tinham jurisdicção para conhecer das coimas entre os moradores do

Logar, não sómente pela Ordenação, mas tambem por um Regimento especial, que lhes foi dado. Com tudo, não só estes Juizes da Vintena eram castigados, e tinham maior muleta se incorriam tambem em alguma transgressão; mas os Almotacés eram obrigados a tirar devassa dos rendeiros, e Jurados, que tivessem feito avenças com as Partes.

Parece-me pois, conforme com a actual Legislação, que os Juizes de Policia Correccional tenham, quando estas causas excederem a alçada dos Juizes Eleitos, a jurisdicção dos Almotacés, accommodando-se todavia á actual ordem do processo. E tambem me parece, que assim o requer a conveniencia publica. As Leis teem estabelecido a jerarchia judicial, porque é necessario que os Juizes superiores conheçam das decisões dos inferiores, e as emendem, como for de direito. As Leis presumem pois nos Juizes superiores mais experiencia, e maiores estudos para a boa administração da Justiça, e mesmo, em certas circumstancias, presume-se em alguns Juizes menos imparcialidades, como quando exercem jurisdicção no Logar de sua naturalidade: o Juiz da Vintena não podia conhecer senão dentro da sua alçada, porque as relações de amisade, e visinhança, a sua falta de experiencia, conhecimentos, o tornavam menos proprio para satisfazer a outros fins mais, do que aquelles a que era destinado. Do mesmo modo o Juiz Eleito deve conhecer dentro da sua alçada, pelos motivos já indicados; mas ha outras causas, que pela sua importancia não podem ser submettidas ao seu conhecimento, nem se deve presumir, que elles as possam julgar com a imparcialidade, com que o pôde fazer o Juiz de Policia Correccional, mesmo em transgressões de posturas. (O Sr. Silva Carvalho — Peço a palavra.)

Muitas vezes as Camaras, nas suas posturas, põem penas de 10000 réis, em outros casos de 20, e 30000 réis; e eu tenho visto causas de transgressões em revista no Supremo Tribunal, por excesso de poder, tendo sido julgadas em 1.ª Instancia pelos Juizes Eleitos, e depois appelladas para a Relação, e nesta julgadas em 2.ª Instancia. Ora, quando ha casos destes, é necessario, que em 1.º Instancia conheça o Juiz de Policia Correccional; mas quando as quantias forem pequenas, não deve tirar-se ao Juiz Eleito o conhecimento, dentro da sua alçada.

O Sr. Tavares de Almeida — Sr. Presidente, quando este projecto se apresentou pela primeira vez na Commissão de Legislação, estava eu tambem alli presente; e tendo a Commissão uma breve conferencia sobre elle, e vendo que era geral para Lisboa, e para todo o Reino; desde logo descriminou estas duas partes, e a maioria dos seus membros opinou pela sua rejeição quanto ao que dizia respeito ao Reino. Fui tambem desta opinião; mas em quanto á outra parte, que diz respeito a Lisboa e Porto, exhitei um pouco, e não fiquei bem decidido sobre a sua approvação. A Commissão teve depois outra conferencia, á qual eu tinha tenção de assistir, e não assisti; e nessa conferencia resolveu ella definitivamente o seu parecer, tal qual está em discussão; e entrando ou aqui no mesmo dia, um pouco mais tarde, foi-me aqui mesmo apresentado para eu assignar, o que fiz, mas com declarações. Esta é a razão, porque até hoje os meus collegas não terão ouvido de mim, o que eu poderia então dizer, e tenho a necessidade de o fazer agora.

Ainda que eu não tinha fixado precisamente a minha opinião sobre o objecto, vejo no parecer da Commissão, a mesma separação, que eu queria, de Lisboa e Porto, para nestas Comarcas ser adoptavel o projecto, e rejeitado no que diz respeito ás demais Provincias do Reino. Parece admiravel, Sr. Presidente, que se apresentasse este projecto tal como foi approvado na Camara dos Sr.s Deputados; (Apoiados.) Porque parece que foi elaborado por homens, que nunca estiveram nas Provincias de Portugal, ou que se não lembram como as cousas lá são, e se fazem! (Apoiados.) As Provincias do Reino estão dividas em Concelhos, e cada Concelho tem muitas Freguezias dispersas por uma área muita extensa, muito separadas d'entre si, e distante da Cabeça de Concelho, ás vezes por umas poucas de leguas; estas Freguezias tem cada uma um Juiz Eleito, que creio veio substituir o Juiz da Vintena, porque tem as mesmas attribuições, e a mesma alçada, com pequena differença, que foi n'outro tempo de um cruzado, depois por um Alvará de 1814 elevada a 1$200, e hoje a 1$250 réis. Estes Juizes Eleitos, são os que nos Circulos de cada uma das Freguezias julgam' a infracção das posturas, não só as de policia, mas tambem as de defeza rural contra daninhos, e ratoneiros, cujos casos são o maior numero; porque na verdade, apesar de multiplicadas providencias, a relaxação tem chegado a tal ponto, que estes pequenos furtos talvez o maior tributo, que se paga em Portugal, e que recahe sobre a classe dos proprietarios de terras, e lavradores, ou cultivadores de diversos fructos. Ora são estes Juizes os que impõem as muletas, ou coimas accusadas por aquelles, que diz a Reforma Judiciaria, que são o Escrivão do Juiz Eleito, o Administrador do Concelho, o Regedor da Freguezia, os Cabos de Policia, e ao mesmo tempo zeladores.

Mas considerado o Projecto como veiu da Camara dos Sr.s Deputados, se se houvera de transferir a jurisdicção dos Juizes Eleitos neste ramo para os Juizes Correccionaes, postos na cabeça dos Concelhos, creio que acabaria de certo a accusação das coimas. Estas muletas por transgressões de posturas municipaes, são de ordinario quantias pequenas, de um, dous, e tres tostões, e em fim inferiores á alçada do Juiz Eleito; são assentadas conforme a reforma Judiciaria pelo seu Escrivão, que lavra o respectivo auto de transgressão com assistencia de testimunhas; depois tem o julgamento, e a final a execução, se o encoimado não paga. Ora, considere-se, que por um, ou dous tostões haja de ir a parte queixosa, ou o zelador todos os dias, ou frequentemente andar tres, ou quatro legoas até á cabeça do Concelho para accusar a transgressão, e levar as testimunhas, e voltar no outro dia, e isto pela importancia de uma tão pequena coima; era exigir um impossivel, porque o zelador, que nestas muletas tem uma terça parte, não irá accusar similhantes coimas, fazendo um caminho de tres, ou quatro legoas, nem tão pouco irá a parte queixosa para accusar um pequeno damno, sendo maior a perda do seu tempo; depois as custas, ainda que julgadas por metade, no Juizo Correccional, seriam muito mais, e muitas vezes excedentes ao valor da coima. E muito peior se se houvera de admittir outra provisão, que vinha no Projecto, approvado na Camara dos Sr.s Deputados (leu o §. 2.º do artigo 1.º), pois para a execução e cobrança da coima se devia fazer na cabeça do Concelho a arrematação em moveis miseraveis... (Uma vos — Foi supprimido.) Estimo bem, porque era obrigar a levar, e ir vender uma pobre mobilia a tres, ou quatro legoas, com maior despeza que o valor da Causa, quando em outros damnos maiores, as Leis existentes dispensam, para evitar despezas nas execuções pelos Juizes Eleitos, as avaliações e pregões, mandando fazer as arrematações no adro das Igrejas das respectivas Freguezias, por annuncios nas portas das mesmas Igrejas.

Por todos os lados que se considere, era o Projecto impossivel, e inexequivel nas Provincias, e sendo inexequivel, os damnos que se propõe remediar seriam maiores, e mais frequentes, resultantes da necessaria impunidade: parece pois, que os representantes do povo, tendo entrado em Lisboa, passaram pelo Lethes, e esqueceram tudo das circumstancias das Provincias. Na confecção de Leis administrativas, quasi se não olha para o Reino, e só se tem em vista a Cidade de Lisboa. É o defeito capital que teve este Projecto, e até mesmo em algumas objecções, que se lhe tem aqui feito, ainda se não considerou senão pelos inconvenientes, que tem para Lisboa, e não se considerou pelos muito maiores, que tem para o Reino.

Ora agora, em quanto a Lisboa, como eu já disse, não estava muito resolvido pela sua adopção; mas fazia-me força, que a Camara Municipal tivesse representado, por uma, e mais vezes, a exigencia desta medida, e então entendi, que se lhe podia deferir, não revogando a jurisdicção que teem os Juizes Eleitos, mas chamando á pratica, e fazendo reviver algumas disposições que havia na nossa Legislação antiga.

Pela nossa Legislação antiga, os Juizes de Vintena julgavam das coimas dentro da sua alçada, e além della: ora muitas vezes os povos obtinham posturas de muletas excessivas, a que os Juizes se conformavam; teem elles por lá uns certos limites de mattos baldios, que não lhes servem de quasi nada, mas que defendem como propriedade particular, com grandes coimas, sendo isso bastante prejudicial ao desenvolvimento da agricultura, e logo que alli encontram os gados dos povos visinhos, carregam-lhes taes coimas, que o valor do gado não chega para as pagar; mas todas as vezes que a coima excedia uma certa quantia, os antigos Provedores das Comarcas faziam, por seus provimentos, que essas coimas fossem appelladas por direito, e a fim de serem examinadas pelos mesmos Provedores, para verem se deviam confirmar as sentenças dos Juizes Eleitos, ou reforma-las; e em correição ouviam as partes sobre sua justiça, e com grande commodidade dellas, que nada gastavam em levar a appellação. Os Provedores revogavam, e cortavam muitas coimas por excessivas, e porque muitas são dadas por desavenças, odios, e desaffeições; e então tendo eu ouvido tão altamente censurar os Juizes Eleitos, e fallar de coimas excessivas, principalmente em Lisboa, queria eu reclamar esta disposição adoptada a este tempo, para que as coimas julgadas pelos Juizes Eleitos, que passassem da sua alçada, fossem examinadas em certos periodos, duas vezes no anno, e quando se examinar a sua conducta (porque já ha disposições na nossa Lei para syndicar destes Juizes), subindo os livros das coimas perante o Juiz de Policia Correccional, a fim de julgar se deviam, ou não ser confirmadas: queria sobre este ramo do serviço lembrar esta provisão, ou para toda a parte, se quizerem, ou só para Lisboa, e Porto.

Eu não tirava nenhuma jurisdicção aos Juizes Eleitos, elles julgarão as coimas em todas as alçadas, como está d«terminado pela Reforma, o estava pela Ordenação do Reino; mas todas as vezes que excedesse a sua alçada, ficava sujeita a uma appellação para o Juiz Correccional, como o era para o Provedor da Comarca. Aproveitava a occasião, não rejeitava o Projecto, porque existe uma tal, ou qual promessa da parte do Governo par» a Camara de Lisboa, de apresentar este objecto á consideração do Corpo Legislativo, e por me parecer que o Governo algum fundamento terá para exigir algumas providencias... (Sussurro.) — (O Sr. Presidente — Peço attenção á Camara.) Em fim parece que este objecto é de pouco interesse para a Camara, e ainda menos o que eu digo. Cedo da palavra.

O Sr. Presidente - Queira mandar o D. Par essa addição. Agora tem a palavra o Sr. Barão da Vargem.

O Sr. B. da Vargem — Sr. Presidente, eu não fallaria na materia, senão se fizesse menção de uma representação, que fez a Camara Municipal de Lisboa em 1847. Eu, no anno passado não fui lá muitas vezes, porque estava occupado em outro serviço, nem sabia de tal representação; mas como pertenço á Camara ha muitos annos devo dizer alguma cousa sobre uma materia, que lhe respeita.

A Camara Municipal representou, porque faz uma despeza de contos de réis em Zeladores, Escrivães de Zeladores, e Ajudantes de Zeladores. Eu declaro que aborreço similhantes Empregos: entretanto são necessarios, porque se os não houvesse, os habitantes de Lisboa é que padeciam,

e e necessario uma authoridade que possa evitar os abusos. Disse que a Camara Municipal de Lisboa fazia uma despeza de contos de íeis, como so pôde vêr no orçamento da Camara; porém o resultado das muletas, e infracções de posturas para a Camara, de nada serve, porque a maior parte das vezes, ou quasi sempre, é absolvido o mulctado, e por consequencia a Camara faz uma despeza grande, da qual não tira vantagem alguma.

No Senado era muito differente, havia Juizes Almotacés; era apanhado um homem, porque trazia peso de menos, levava-se á casinha, e logo pagava, era dito e feito; mas a Camara não póde fazer isso: o homem que transgrediu I intimado para pagar, não paga é relaxado ao Juiz Eleito o processo, e lá absolve-o. Diz o Sr. V. de Laborim — queixem-se respondo eu — a quem? — Além disso ha outra despeza muito forte, que é no termo de Lisboa, para onde é necessario mandar daqui o que vulgarmente se chama varejos, que são compostos de Zeladores, e tropa, porque não vão sós, e quando chegam acham tudo fechado, porque estavam avisados; e se se podesse passar sem isto era bom, porque a Camara está fazendo uma despeza muito grande com esses Zeladores.

Eu torno a dizer que não sei da representação, e já declarei, que a não assignei, porque não estava na Camara, mas empregado em outro serviço, e não sei o que faria se então estivesse alli presente: talvez a assignasse.

Nada mais tenho a dizer, Sr. Presidente, e levantei-me só para mostrar, que a Camara, quando representou, foi por vêr que da forma, que isto actualmente está, não produz o fim que se tem em vista. Concluirei dizendo, que pertencendo eu á Camara Municipal de Lisboa ha sete annos, e fallando-se della, eu não podia deixar de dizer alguma cousa.

O Sr. Silva Carvalho — Eu pedi a palavra unicamente para dizer, qual foi a razão que tive para rejeitar o projecto.

Sr. Presidente, logo que o projecto veio á Commissão de Legislação, eu disse que o rejeitava, e disse-o, porque entendo que a Legislação actual é sufficiente para conseguir o fim, que se pretende, e não podia eu mudar de opinião, só porque a Camara Municipal de Lisboa, não digo bem, metade dos membros dessa Camara, fazem uma representação pedindo se altere; nem eu sei mesmo, Sr. Presidente, como essa representação appareceu na Camara dos Sr.s Deputados, sem que primeiro viesse pelo Governo; mas deixemos isto.

O que eu vejo, Sr. Presidente, é que uma das razões dadas na representação da Camara Municipal de Lisboa, vem a ser de que os Juizes eleitos absolvem as partes, que são chamadas perante elles; mas não dizem tambem, que os Zeladores devem interpor recurso quando a coima passar da alçada do Juiz eleito; nem tambem pedem providencias para remediar esse mal, de que a Camara se queixa. Mude a Camara de Zeladores, nomeie para esse cargo homens de probidade, que não façam avenças com as partes, e verá a Camara como então tira melhor resultado.

Assentei pois, Sr. Presidente, que era boa b Jurisprudencia, que havia a este respeito, e que de algum modo se assimilhava ao methodo, pelo qual taes negocios se tractavam nas leis antigas, que eram muito simples, e bastante suaves para os povos. N'outro tempo julgavam-se as coimas pelas Authoridades locaes, e depois vinham os Provedores á correição, e estes a requerimento verbal das partes, alli confirmavam, ou revogavam a coima. Ora, já se vê que isto era muita simples, e os povos não faziam com isto despeza alguma. A Reforma Judicial, em quanto á commodidade dos povos, legislou bem, porque ella quiz, que o processo corresse aonde a coima fossa dada, e teve nisso bastante previdencia, porque não era justo, que por uma coima de um, dous, ou tres tostões, o homem fosse tirado do seu domicilio, para ir dalli duas, ou tres legoas, o que era bastante incommodo, quando elle podia ter o seu processo no mesmo logar em que se deu a coima. Como pois eu conheci, que a Legislação era boa, por ter em si os recursos competentes para as partes, e que não havia motivo para altera-la, só porque uma Camara o pedia; entendi por isso, que não devia dar o meu voto de approvação ao projecto, que veio da outra Camara.

O Sr. B. de Porto de Moz — Sr. Presidente, como neste Projecto acontece, o que eu nunca vi acontecer a nenhum outro, isto é, que quasi tantas são as cabeças como as sentenças; e como cada D. Par, que assignou o Parecer, tem explicado o seu voto especial; pareceria extraordinario, que por parte do Parecer, que eu chamo da maioria da Commissão, porque reuniu tres votos, não se expozesse tambem os motivos do seu voto.

O D. Par o Sr. Tavares de Almeida, que foi um dos que teve opinião singular, mas que se conformou até certo ponto com a da maioria da Commissão, explicou quaes os motivos, que ella teve para rejeitar o Projecto pelo que respeita ás Provincias, e por isso pouco é necessario accrescentar ao que S. Ex.ª disse.

Realmente, era impossivel que as provisões do Projecto podessem ter nas Provincias execução vantajosa: assim o pensou a maioria da Commissão; mas ella tambem viu, que podiam ter logar para Lisboa e Porto. As circumstancias especiaes que se dão a respeito de Lisboa, e do Porto, ainda não foram tocadas, e por isso não parecerá estranho, que eu diga alguma cousa a tal respeito, não para sustentar o Parecer da Commissão, mas para dizer qual foi o seu modo de pensar, e expor os motivos da sua opinião. A maioria da Commissão viu, que as provisões do Projecto eram inexequiveis, e até absurdas para as Provincias, como já se mostrou; porque, as Posturas regularmente são muito tenues, ás vezes são de um tostão, o menos; e então, attendendo a que nas Provincias a população está

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dispersa, e a grande distancia da Cabeça do Concelho, succederia por isso, que pára accusar uma postura, muitas vezes insignificante, muitos individuos ficavam sugeitos a ter que ir a grandes distancias, e conseguintemente a fazer avultadas despezas comparativamente, tendo ainda que pagar as custas: isto era mais do que impossivel (Se mais houvesse); mas era sempre absurdo querer deste modo remediar a inobediencia das Posturas (Apoiados).

Ora, em relação a Lisboa é differente; a população está mais aglomerada; as relações, e o trafico quotidiano aproximam mais o povo, e quasi desapparecem os inconvenientes para concorrer á localidade, em que está o juizo correccional; e mesmo pelo motivo de serem maiores as penas impostas pelas Posturas, do que o são nas das Provincias, por tudo isto a Commissão entendeu, que devia fazer excepção para Lisboa, e para o Porto.

Disse o D. Par o Sr. Duarte Leitão, que muitas vezes succedia, que uma Postura ia á Relação, e dalli ao Supremo Tribunal de Justiça, porque causas tinha visto S. Ex.ª relativas a Posturas, que importavam em 3$000 réis: é esta uma razão, que S. Ex.ª me fornece, para sustentação do voto da maioria da Commissão; por quanto penas de tanta importancia só as haverá nas Posturas de Lisboa ou Perto, e não nas outras terras do Reino. Eis-aqui pois em poucas palavras, quaes foram os motivos, por que a maioria da Commissão entendeu, que devia haver excepção em quanto a Lisboa e Porto. E sendo os damninhos nas Provincias um flagello muito grande, como bem expoz o D. Par o Sr. Tavares de Almeida, se passasse tal provisão, ninguem iria á Cabeça do Concelho pedir a pena da Postura, porque as despezas que com isso seria obrigado a fazer, importariam muito mais do que ella, o proprio damno. A Commissão não se conformou com o voto muito respeitavel do seu Relator, e a razão que ella teve para isso foi, não achar nessa opinião do D. Par Relator, mais do que uma especie de symetria, mas sim uma vantagem real: a uniformidade de Legislação, que S. Ex.ª deu por motivo, parece não valer a pena de alterar a Legislação actual.

Em quanto porém á opinião do D. Par o Sr. Tavares de Almeida, dava-se a mesma razão, e ainda havia mais alguma cousa, e era, que uma vez que ella se adoptasse, isso importaria uma suspensão de execução, por dever ser applicada em periodos determinados; e é evidente, que havia forçosamente de ter muitissimos inconvenientes, e até as partes ficavam durante esse periodo debaixo de incerteza, o que é sempre prejudicialissimo. Ainda me parece que S. Ex.ª estava alguma cousa equivocado na sua opinião; porque, adoptando para Lisboa e Porto o Projecto, parece-me, que o rejeita nos termos em que lhe propõe a alteração. (O Sr. Tavares de Almeida — Não e isso.) Então não proseguirei. Como quer que seja, a maioria viu que não podia convir, em que se tirasse a competencia a um Juiz de quem havia recurso; entendeu que se dava differença em quanto a Lisboa e Porto, e por isso devia haver excepção a respeito destas, mesmo porque as penas eram muito maiores; via tambem, que havia uma representação da Camara Municipal de Lisboa, e nada contra ella; e por isso entendeu a maioria, que não devia rejeitar o Projecto absolutamente; mas hoje, que se apresenta uma variedade de opiniões, e algumas representações contra o Projecto em discussão, na parte em que ella o havia sustentado no Parecer, hoje a maioria não será tenaz em sustenta-lo, porque mesmo na Commissão ella se tinha primeiro inclinado á rejeição in limine (Apoiados).

O Sr. Sousa Azevedo — Sr. Presidente, se o D. Par o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães, que tambem tem a palavra, quer usar della, eu farei tão sómente a declaração do meu voto, e direi duas palavras sobre a materia; mas se S. Ex.ª não quer fallar, eu igualmente não direi nada, e cedo da palavra.

O Sr. Fonseca Magalhães — Eu tinha vontade de fallar, mas agora cedo...

Vozes — Votos.

O Sr. Sousa Azevedo — Eu ouvi pedir votos, e quando os ouço pedir, ainda que tenha a palavra, desejo sempre que se vote, porque não tenho a vangloria de presumir, que posso esclarecer mais a Camara: quando se pedem votos, é porque a materia está, ou se julga estar esclarecida; concordo em que o esteja; e então reservo-me para declarar o meu voto.

Vozes — Falle, falle.

O Sr. Presidente - Se V. Ex.ª tem que dizer póde fallar.

O Sr. Sousa Azevedo — Cedo da palavra.

O Sr. Presidente — Então segue-se o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães.

O Sr. Fonseca Magalhães — Eu não posso ser menos generoso do que o D. Par, e estou resolvido da ceder a palavra; a differença consiste em que SS Ex.ª se contenta com declarar o seu voto, e eu entendo que as declarações de voto depois da votação da materia de pouco servem.

Isto é sobre a ordem, se V. Ex.ª me dá a palavra sobre a ordem (O Sr. Presidente — Sim Sr.). A apresentação de uma opinião antes da materia votada, e de uma opinião tão esclarecida como deve ser, e será sem duvida, a do D. Par, poderá alterar para melhor a votação deste Projecto; e por isso peço licença ao D. Par para insistir em que se ouça uma opinião tão respeitavel como a do Sr. Sousa Azevedo. Mas se S. Ex.ª porfiasse em guardar silencio seria em mim vaidade usar da palavra, porque não me parece que eu possa dizer nada que valha para o assumpto. (O Sr. Sousa Azevedo — Já cedi da palavra.) Já cedeu da palavra?!... (O Sr. Sousa Azevedo — A materia está esclarecida). Diz que a materia está esclarecida, não sei em que sentido... Eu digo só duas palavras se V. Ex.ª dá licença... (O Sr. Presidente — Póde fallar). À materia está esclarecida?... Ha duas ou tres opiniões oppostas entre si que tem tido os seus defensores, como era natural; e antes de nenhum accordo dá-se a materia por esclarecida!

Na incerteza da preferencia a qualquer destas differentes opiniões, como posso reputar a materia esclarecida a ponto de confiar no meu voto? Tractamos de um objecto que entende immediatamente com os pequenos interesses da maxima parte dos habitantes desta Cidade e de todos os Concelhos: é por isso o assumpto grave,; e sejamos justos, como o podemos reputar sufficientemente discutido?

Eu não estou inclinado a fazer grande differença das medidas que sobre a materia cumpre adoptar tanto para Lisboa e Porto como para os demais Concelhos do Reino. Nas Provincias é certo que se deve attender muito ás grandes distancias— e mais nada ha a levar em conta.

Em toda a parte me inclino a crer que devemos continuar aos Juizes Eleitos o conhecimento destas infracções na alçada que a lei lhes marca. Mas agora os mesmos magistrados conhecem tambem das que excedem a sua alçada, ainda que as não sentenceiam, e sim os magistrados e tribunaes superiores. Eu para este ponto adoptaria talvez a medida proposta pelo Sr. Duarte Leitão; de que destas infracções de maior alçada não conhecesse o Juiz Eleito, mas sim o de Policia correccional etc. Em quanto aos chamados Zeladores disse-se que eram uma especie de pragas do Egypto, e ao mesmo tempo que sem elles seria impossivel passar. Eu não sei se, geralmente fallando, as Camaras se demasiam na imposição de posturas para haver transgressões e coimas.

Á roda de Lisboa, segundo me consta, ha excesso nesta policia. Para tudo se exige licenças; e quem as não pede difficilmente escapa. Entende-se que ha restricções do antigo tempo, que hoje são quasi insuportáveis. Como se reputa boa policia obrigar a pagar licenças para ter uma vacca, ou outro animal domestico? Mas isto não pentence ao assumpto.

Acho muito acertado quanto ponderou o Sr. V. de Laborim; tambem me fez peso quanto disse o Sr. Duarte Leitão: ha pouca differença entre ambos; seria bom que se conciliassem para a substituição que deve fazer-se ao primeiro artigo do Projecto.

O Sr. Sousa Azevedo — Peço a palavra sobre a ordem. (O Sr. Presidente — Tem a palavra.) Sr. Presidente, já não me incumbe tractar sobre a materia; cedi da palavra por me parecer, que a Camara se dava por esclarecida, e por não ter a fatuidade de a esclarecer mais com as minhas razões; mas agora de repente se me suggerio uma idéa, ácerca da qual pedi a palavra sobre a ordem, e que é filha das apprehensões que tenho conservado a respeito do objecto de que se tracta.

O que eu creio é, que esta materia nasceu mal, progrediu menos bem, e ainda não se acha boa. A Camara Municipal de Lisboa fez uma representação, de que só tive conhecimento pela leitura do officio, que a acompanhou, enviado pelo Ministerio do Reino em resposta ao requerimento do D. Par o Sr. Conde de Thomar; nella se allegam os motivos em geral, e não apresenta a Camara Municipal, como me parece deveria fazer, mesmo para obter o fim da sua representação, a enumeração dos casos, que provassem terem havido excessos, ou omissões, que justificassem a proposta. Foi esta representação da Camara Municipal, não sei como, levada á Camara electiva; eleve lá a iniciativa legal, de que resultou, o projecto de lei, que hoje se discute nesta Camara. Tenho idéa, pela leitura dos extractos das Sessões da Camara dos Srs. Deputados, que não se pediram alli esclarecimentos ao Governo sobre a representação da Camara Municipal de Lisboa, e confeccionou-se o projecto de lei, que veio daquella para esta Camara, o qual, segundo observo por quasi todas as opiniões, será rejeitado na sua generalidade; quer dizer, não se approva que o julgamento sobre coimas pelos Juizes eleitos passe a ser da competencia dos Juizes de Policia Correccional; mas ha uma grande diversidade de opiniões sobre o alvitre, que se deva adoptar: uns querem a rejeição in limine do projecto, deixando a Legislação como está; outros querem só applicavel a Lisboa e Porto a doutrina do projecto da Camara dos Srs. Deputados; outros querem alguma cousa da Legislação antiga, como propoz o Sr. Tavares de Almeida, e se observava nas correições dos extinctos Provedores das Comarcas; e outros querem, como o illustre Relator da Commissão, uma substituição ao 1.º e principal artigo do projecto, estabelecendo-se, que o julgamento sobre coimas, e infracção das posturas municipaes, pertença aos Juizes Eleitos, mas só dentro dos limites da sua alçada, e fóra della aos Juizes de Policia Corroccional.

Tudo isto, Sr. Presidente, me parece demonstrar a grande difficuldade da materia; e como o objecto principal (diga-se o que se quizer) é relativo a esta Cidade, porque Lisboa está n'um estdo excepcional pela multiplicidade de objectos, que se comprehendem nas posturas da Camara Municipal, porque um dos assumptos mais graves e importantes, que está sendo objecto de infracções, e não tem tido o resultado, que deve ter, é o melhoramento das ruas da Cidade, particularmente naquellas que teem os macadames feitos, e em que os senhorios das casas resistem á execução da postura, que manda fazer os canos em tempo competente, sendo por isso de grave damno a abusiva pratica de se lançarem aguas ás ruas de alta elevação de andares, o que arruina os macadames, inutilisa a grande despeza com elles feita, e exige outras da Camara Municipal, que está falta de meios para attender aos mais importantes objectos de sua administração; por tudo isto, e porque qualquer arbitrio, que agora se adopte, seria arriscado e talvez prejudicial, por falta de esclarecimentos; eu pedia á Camara o adiamento desta materia, e faria um requerimento, para exigir da Camara Municipal de Lisboa todos

os esclarecimentos, e motivos, que possam justifica j a sua representação. Isto é um adiamento limitado quanto ao tempo, e só para esclarecimento da materia; e exigindo o Governo da Camara Municipal estes esclarecimentos, ficará esta Camara habilitada, sem a precipitação que hoje resultaria da rejeição da materia, ou de qualquer outro arbitrio, para resolver como fôr mais acertado e conveniente ao serviço publico. O Governo poderá exigir estas informações com brevidade; e eu, como tenho um logar na Camara, com o seu Syndico, farei tambem as diligencias, para que os respectivos documentos se exhibam quanto antes, e então se verá quaes as medidas que devam estabelecer-se sobre o assumpto (Apoiados). Eu proponho o adiamento limitado ao tempo necessario para este fim, fazendo um requerimento para que o Governo exija da Camara Municipal os esclarecimentos, que são precisos (Apoiados).

O Sr. Presidente — A hora está dada, mas como se offereceu o adiamento, poderá votar-se, e não se tractará da generalidade. Eu vou propor primeiro á Camara se admitte o adiamento á votação, ou mesmo se o approva. (Vozes — Não tem discussão.) Então eu proponho se é admittido á discussão.

Admittido o adiamento.

O Sr. Presidente — Está admittido. Agora não havendo quem deseje fallar sobre esta materia, proponho o adiamento á votação. (Apoiados.)

O Sr. V. de Laborim — Eu só faria uma reflexão ao D. Par o Sr. Sousa Azevedo. Não sei se S. Ex.ª, no que requer, sahirá um pouco dos estylos parlamentares, primeiramente porque já estamos em acto de votação, cem segundo logar, porque não me parece muito regular requerermos nós aquillo, que os Sr.s Deputados da Nação Portugueza não julgaram necessario; nós que a respeito da Camara Municipal de Lisboa, que é a unica a que o D. Par se limita, estamos esclarecidos, como elle mesmo reconheceu por muitas vezes, e o estamos na presença dos immensos documentos, que estão em cima da Mesa!

O Sr. Sousa Azevedo — Eu offereço o que S. Ex.ª disse, mas tirando a conclusão inversa das palavras do D. Par. Diz S. Ex.ª — que competia á Camara dos Sr.s Deputados pedir os esclarecimentos, que eu lembro como necessarios; e eu digo que não pôde deixar de competir a esta Camara igual direito, quando lhe convenha, para se habilitar a decidir sobre qualquer objecto; e se esta Camara conhecer, que precisa de esclarecimentos, elles podem ser pedidos por um D. Par, ou pelas Commissões; e ainda n'outro dia o Sr. José da Silva Carvalho, por parte da Commissão de Fazenda, pediu esclarecimentos sobre um Projecto de Lei, vindo da Camara dos Sr.s Deputados. Seria cousa inadmissivel, e contra todos os principios, que a Camara dos Pares não tivesse o direito de pedir esclarecimentos para poder conscienciosamente votar, ácerca de qualquer assumpto de sua competencia.

O Sr. Presidente — Eu leio o artigo respectivo do Regimento que diz (leu-o).

O Sr. Sousa Azevedo — Apoiado.

O Sr. Presidente — Portanto creio que está nos termos da Camara decidir este negocio.

Foi approvado o adiamento do D. Par Sousa Azevedo, na forma por elle proposto.

O Sr. Presidente — Está approvado.

O Sr. V. de Laborim— Então eu faço tambem um additamento ao requerimento...

O Sr. Sousa Azevedo — Então mandarei para a Mesa a proposta do adiamento, para o Governo exigir os esclarecimentos necessarios da Camara Municipal de Lisboa, a fim de serem enviados a esta Camara (Apoiados).

O Sr. V. de Laborim — Eu tambem peço a palavra para fazer um additamento ao requerimento do D. Par, pois se pedimos esclarecimentos ao Governo a favor de uma Camara é justo que isto se faça a respeito de todas as do Reino; porque não estamos aqui fazendo leis só para Lisboa, devemos querer que ellas passem além de Sacavem, e da Villa da Moita. (Sussurro).

O Sr. Presidente — Eu rogo aos D. Pares que se queiram demorar, e se V. Ex.ª entende que deve apresentar agora o seu additamento, faça-o, senão na primeira Sessão.

O Sr. V. de Laborim — Eu apresentarei o meu requerimento, em additamento ao do D. Par, na Sessão seguinte (Apoiados).

O Sr. Secretario V. de Gouvea — Está sobre a Mesa um officio do Ministerio da Fazenda remettendo os esclarecimentos que o Sr. José da Silva Carvalho pediu, e talvez queira occupar-se amanhã delles, porque ouvi dizer que havia Commissões, e se a Camara quizer que o leia lerei (Apoiados).

correspondencia.

Um officio do Ministerio da Fazenda, satisfazendo aos esclarecimentos pedidos pelo Sr. Silva Carvalho em 2 do corrente (pag. 606, col. b.*), declarando que officiára ao Ministerio do Reino, para satisfazer ao que competia a este.

O Sr. Silva Carvalho — Peço que vá á Commissão de Fazenda, porque já tinham vindo outros esclarecimentos, mas faltavam estes, e por isso ella tem demorado o seu parecer.

O Sr. Presidente — Amanhã é dia de Commissões, porque é necessario dar-se andamento aos negocios, que lhes estão incumbidos, e serão avisados os D. Pares do primeiro dia de Sessão, que será quando houver assumptos, de que ella deva occupar-se (Apoiados.) —Está fechada a Sessão.

Eram mais de quatro horas.

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