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CAMARA DOS DIGNOS PARES.
EXTRACTO DA SESSÃO DE 18 DE NOVEMBRO DE 1859.
presidencia do ex.™ sr. visconde de Laborim, vice-presidente.
Conde de Peniche Secretarios os Dignos Pares Conde de Mello
(Assistiram o Sr. Presidente do Conselho, e Srs. Ministros.)
Depois das duas horas da tarde, tendo-se verificado a presença de 33 Dignos Pares, declarou o Ex.mo Sr. Presidente aberta a sessão.
Leu-se a acta da antecedente, contra a qual não houve reclamação.
O Sr. Secretario Conde de Peniche deu conta do seguinte expediente:
Um officio do Director interino da Alfandega do Porto, enviando, para serem distribuidos pelos Dignos Pares, 120 exemplares dos mappas estatisticos do movimento daquella Alfandega no anno economico de 1858-1859. Mandaram-se distribuir. O Sr. Visconde de Fonte Arcada —Sr. Presidente, eu pedi a V. Ex.ª a palavra para mandar para a mesa um requerimento. Peço a V. Ex. que consulte a Camara para se julgar urgente.
«Requeiro que, pelo Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria, se peça ao Governo copia do contracto de 15 de Novembro de
1859, pelo qual foi vendida uma porção de madeira do pinhal de Leiria a uma companhia hespanhola. Sala da Camara dos Pares, 18 de Novembro de 1859. = Visconde de Fonte Arcada.
Foi admittido, e declarado urgente; e em continuação approvado.
O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, na sessão antepenúltima, Julho de 1858, tive a honra de apresentar nesta Camara um projecto de lei sobre credito predial: este projecto, que foi entregue ao exame de duas commissões, especial e de legislação, é da maior importancia e de grande urgencia, e do qual depende a boa organisação do paiz, e ainda mais importante que o dos caminhos de ferro e viação publica, porque é delle, ou da organisação e restauração do credito predial e publico, que só nos podem vir os meios de realisar os melhoramentos de que o paiz precisa.
Esta convicção não é só minha a este respeito; homens de reconhecida intelligencia teem manifestado a mesma opinião na França, na Belgica, Allemanha, Italia, e ultimamente na Hollanda, com relação ás nossas necessidades.
Vou portanto pedir a V. Ex.ª que dê as providencias necessarias para que sejam avisados os membros das duas commissões, especial e de legislação, para que dêem, quanto antes, o seu parecer sobre este meu trabalho, e assim se conseguir que venha á discussão, e passe á outra Camara o mais breve possivel, para nella ser tambem discutido" e votado, se o merecer.
O Sr. Presidente — Será o Digno Par satisfeito. O Sr. Visconde d'Algés para poupar ao Sr. Presidente e á Mesa o trabalho de fazerem as participações ás commissões para se reunirem e tra-ctarem do objecto a quê se referiu o Digno Par o Sr. Ferrão, porque os membros das commissões estão presentes, o orador, como membro da commissão especial e presidente da de legislação, entender-se-ha com os seus collegas, de modo que o mais breve possivel as commissões se reunam para o fim proposto pelo Digno Par.
ORDEM DO DIA.
Continua a discussão do projecto de lei n.º 452 para a reforma 'eleitoral da Camara dos Srs. Deputados.
Entraram em discussão os artigos 26° e seguintes até ao artigo 58.° Foram approvados. Art. 39.º
O Sr. Ferrão — Sr. Presidente, eu approvo este artigo como todos os deste projecto de lei, mas não posso deixar de fazer algumas observações sobre a disposição derogatoria que aqui se encontra. Este artigo revoga expressamente o § unico do artigo 149.º do Decreto de 30 de Setembro de 1852; mas esta revogação importa uma excepção exorbitante, assim das disposições do direito commum, como dos principios do direito natural.
Por aquelle artigo 149 do Decreto de 1852, na parte que este projecto de lei deixa em vigor, qualquer individuo podia chamar perante os Tribunaes a qualquer das auctoridades, accusando-a de ter commettido excessos ou abusos relativamente aos processos eleitoraes, accusação essa que podia ser feita sem que para isso fosse necessario preceder licença ou auctorisação previa do Governo.
No entanto, se a auctoridade contra quem se havia procedido mostrava depois quanto tinha sido infundada essa accusação ou arguição, ella tinha, pelo § unico do mesmo artigo, o direito de fazer processar a parte accusadora, para a fazer condemnar tanto em muleta de 50$000 a 500$000 réis, como na satisfação de perdas, e damnos.
Este paragrapho, portanto, era uma garantia, que substituia, e com justiça, a falta de outra, pois que servia de correctivo á faculdade de se accusar uma auctoridade, sem precederem as formalidades de ordem e conveniencia publica, que estão prescriptas para outros casos em que a mesma auctoridade póde ser accusada por factos praticados no exercicio, ou por occasião do exercicio de suas funcções. Ora é este correctivo o que agora se revoga, de sorte que, de ora em diante, qualquer eleitor póde accusar uma auctoridade, e quer ella seja ou não pronunciada ou absolvida, e quer mesmo com testimunhas alliciadas ou subornadas, ou partidarias, em fim, que, despeitadas pelo resultado da eleição, se prestem a jurar falso, o que desgraçadamente é facil de succeder, embora a auctoridade se justifique plenamente, e mostre não só a calumnia, o prejuizo e a falsidade, mas que ha sido regular a sua conducta, não póde promover contra o seu accusador procedimento algum criminal, nem mesmo civil de perdas e damnos, fundado em principio do direito natural, superior a todas as Leis, que exige preste a reparação do damno quem deu causa a elle.
Diz-se, para se defender esta aberração dos bons principios, que uma razão politica a justifica, pois que de facto muitos dos administrados se não teem atrevido, nem se atreverão, a accusar a auctoridade, com o receio de serem depois, quando infelizes, muletadas e perseguidos.
Pois bem, esperemos pela logica dos factos. Approvando-se este artigo, veremos se a auctoridade é menos influente em materia e processos eleitoraes, e se, em casos de abuso, os processos de accusação são mais frequentes do que teem sido até hoje.
Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi o artigo 59° posto a votos, e approvado.
Art. 40.°
O Sr. Ferrão — Tambem não posso approvar este artigo sem fazer sobre a sua materia uma curta observação.
O artigo 159.º do Decreto de 30 de Setembro revogava o direito commum para o effeito de negar a fiança a qualquer réo pronunciado por crime eleitoral, embora a pena fosse leve. Agora por este artigo concede-se a fiança, ainda que a pena correspondente ao crime eleitoral vá até tres annos de prisão ou de degredo.
Isto é tambem uma aberração das regras de direito commum, e até uma contradicção com o pensamento predominante do projecto, pois que! se não compadece com a maior severidade penal, que estabelece, esta ampliação de indulgencia quanto á prisão preventiva.
Neste mesmo artigo se mostra ainda uma certa confusão de palavras e de idéas sobre a materia, pois se lê, que os réos podem livrar-se soltos prestando fiança.
Não ha exactidão juridica nesta redacção, se bem que, infelizmente, esta inexactidão se encontra em outras leis.
Ha tres modos de se livrar um réo, solto, com fiança, e preso. A Carta Constitucional muito claramente os distingue, e como garantia individuai da segurança do cidadão, não póde ser alterada nesta parte pelas leis ordinarias.
A Carta garante que ninguem seja preso sem culpa formada, e nem possa ser conduzido á prisão ou nella conservado, se prestar fiança idonea, nos casos em que a lei a admitta; mas a mesma Carta accrescenta, que, em geral, nos crimes que não tiverem pena maior do que a de Seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da comarca, poderá o réo livrar-se solto.
Quando pois a pena não for maior que estas, a obrigação da fiança é um encargo inconstitucional, e a prisão será sempre arbitraria. O auctor da Carta entendeu, e bem, que os factos puniveis com taes penas não tinham o valor necessario para se antecipar a prisão dos réos. Não é agora occasião de desenvolver este pensamento; no entanto faço estas considerações, que aproveito como protesto pela observancia da mesma Carta, que não recebe, mas impõe, modificações ás leis ordinarias.
Foi approvado o artigo 40.°
Entraram successivamente em discussão os artigos 44 ° a 48°, e o artigo transitorio.
Foram approvados, e bem assim a mesma redacção.
O Sr. Ministro do Reino — Peço a palavra por parte do Governo para mandar para a Mesa a seguinte proposta (leu):
«O Governo pede á Camara dos Dignos Pares, em conformidade do artigo 33.º da Carta Constitucional, que permitta aos Dignos Pares Conde da Graciosa e Conde da Louzã, continuem nas commissões em que se acham fóra da capital. Sala da Camara dos Dignos Pares, 18 de Novembro de 1859.«= Fontes.»
Posta a votos, foi approvada.
O Sr. Presidente do Conselho — Similhantemente vou fazer leitura da seguinte proposta (leu):
«O Governo pede á Camara dos Dignos Pares, em conformidade do artigo 33.° da Carta Constitucional, que permitta aos Dignos Pares Conde de Lavradio e Conde de Thomar, continuem nas commissões em que se acham fóra do reino. Secretaria de Estado dos Negocios Estrangeiros, 18 de Novembro de 1859. = Duque da Terceira.»
Foi igualmente approvada. ' O Sr. Visconde de Athoguia — Ná penultima sessão desta casa, o Digno Par o Sr. Visconde de Fonte Arcada mostrou ser de grande conveniencia e da maior regularidade, o tractar-se, com preferencia a qualquer outro negocio, da discussão da resposta ao discurso da Corôa. Por essa occasião observou-se, que, não tendo sido distribuido ainda pelos Dignos Pares o projecto de resposta, deviam discutir-se outros assumptos que podes sem ser de interesse publico ou particular. A Camara assim o decidiu. Hoje porém mudaram as circumstancias, porque o projecto de resposta acha-se distribuido pelos membros desta Camara; e na outra já discutido e votado. Felizmente nós estamos em numero, e qualquer que seja o modo que se adopte para a discussão, entendo que todos os Dignos Pares estão habilitados para entrar nella, quer se encare a resposta ao discurso da Corôa como mero cumprimento, ou como thema para discutir a politica do Governo. Seja como fôr, parece-me Sr. Presidente, que não vou contra os desejos dos meus dignos collegas, pedindo a V. Ex.ª que proponha á Camara, que se entre desde já na discussão da resposta ao discurso da Corôa, pelas razões que já adduzi. Por certo não faria eu este requerimento se não julgasse todos os Dignos Pares habilitados para a discussão (apoiados).
O Sr. Presidente — Eu tinha tenção de dar para ordem do dia da sessão de segunda-feira proxima o projecto de resposta ao discurso da Corôa, porque é da minha obrigação observar rigorosamente as disposições do nosso Regimento; e, segundo este, é necessario que haja tres dias de intervallo. Comtudo, não tenho duvida nenhuma, em presença do que acaba de dizer o Digno Par, de pôr á votação o seu requerimento, e é isso o que vou desde já fazer.
Resolveu a Camara que entrasse desde já em discussão o projecto de resposta ao discurso da Corôa.
O Sr. Presidente — Vai entrar em discussão o projecto de resposta. A Camara sabe que deve sobre elle haver duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade; todavia tem sido pratica discutir-se na generalidade e ao mesmo tempo na especialidade, sendo livre a qualquer Digno Par o pedir a palavra sobre os paragraphos a que tiver que fazer observações (apoiados). O Sr. Secretario vai fazer a leitura.
O Digno Par Secretario leu-o.
Senhor! A Camara dos Pares ouviu com a maior attenção e respeito o Discurso que do alto do Throno Vossa Magestade Se Dignou proferir na solemne Sessão Real da abertura das Côrtes geraes na época do exercicio legislativo que começa no corrente anno; e vem hoje com profundo acatamento testimunhar a Vossa Magestade os seus sentimentos da mais completa dedicação e respeitosa homenagem que tributa a Augusta Pessoa de Vossa Magestade.
A Camara dos Pares, Senhor, compenetrada da mais pungente magoa, sabe bem avaliar a vehemente dôr, que com exemplar commoção de espirito Vossa Magestade manifestou, referindo-se ao funesto e desgraçado acontecimento com que aprouve a Deos enlutar a existencia de Vossa Magestade, e consternar toda a nação portugueza. A perda da mais virtuosa e respeitavel Rainha, a Augusta Esposa de Vossa Magestade, só póde sentir-se, mas não significar-se com expressões que correspondam á depressão do espirito por tão desgraçada fatalidade!
Vossa Magestade recebeu no Seu magnanimo coração a mais acerba dôr, com a qual nenhuma outra «e póde comparar; mas os portuguezes, cuja divisa principal é o decidido amor e provada lealdade aos seus Soberanos, soffrem tambem muito, não só por aquella falta irreparavel, que á porfia lamentam, como pela justificada desolação de Vossa Magestade que sabem avaliar e sentir! Se tão fatal e desgraçado acontecimento podesse ter algum motivo de consolação, Vossa Magestade o receberia no solemne e unanime sentimento de profundo pezar, que por essa funesta occasião manifestaram todos os fieis subditos de Vossa Magestade.
Digne-se pois Vossa Magestade receber a expressão verdadeira e quanto possivel significada dos puros sentimentos da Camara dos Pares, e em que é sem duvida o fiel interprete dos de toda a nação portugueza.
A Camara se compraz, de que Vossa Magestade recebesse dos Soberanos aluados da Corôa de Portugal inequivocas provas de verdadeira magoa por occasião de tão infausto acontecimento; sendo-lhe tambem muito grata a participação, deque Vossa Magestade continua a receber dos mesmos Soberanos testemunhos das boas relações que felizmente existem entre o seu Governo e os daquellas potencias.
A Camara dos Pares aprecia a grande importancia de haver terminado satisfactoriamente a negociação com a corte de Roma ácerca do Padroado portuguez no Oriente, e muito se compraz com a manifestação que Vossa Magestade Se dignou fazer-lhe, de que nesta transacção foram attendidos os preceitos legaes, e tidos na devida conta os direitos da Corôa e a immunidade da Igreja lusitana.
Os tractados de navegação e commercio entre diversos Estados, sendo baseados nos verdadeiros principios de reciprocidade e do interesse relativo a cada uma das partes contractantes, são em regra vantajosos em seus resultados; e a Camara espera que no celebrado pelo Governo de Vossa Magestade com o dos Reis de Sião, que lhe ha de ser apresentado, se encontrem estipuladas estas condições de mutuo interesse e igualdade.
A Camara viu com muita satisfação, que foram adoptadas pelo Governo de Vossa Magestade todas as providencias tendentes a proteger os subditos portuguezes, se por acaso carecessem de auxilio pelo acontecimento da morte do Imperador de Marrocos, que poderia causar a alteração da ordem publica naquelle paiz; e a melhor garantia que para isto se podia empregar foi sem duvida a acertada escolha de confiar ao commando e reconhecido desvêlo, pericia e alta importancia do Serenissimo Senhor Infante Dom Luiz, Duque do Porto, as forças navaes que para esse fim foram dirigidas aquelle paiz. E com similhante acerto (julga a Camara que foi depois mandada para aquellas paragens outra força naval, por causa da guerra que a Hespanha declarou a Marrocos.
De ha muito era desejada ajusta alteração nas pautas das alfandegas do Brazil com respeito á importação de vinhos estrangeiros, pois que os de Portugal tião eram considerados com igualdade aos das outras nações. A Camara, conhecendo pela communicação que Vossa Magestade Se Dignou fazer-lhe, que aquella alteração se realisára, sendo attendidos os direitos e reclamações da nação portugueza, não póde deixar de patentear a mais completa satisfação por tal acontecimento, de que deve resultar o incremento de um dos principaes ramos da nossa agricultura e commercio.
A Camara examinará com a maior attenção o contracto que em 14 de Setembro ultimo o Governo de Vossa Magestade celebrara para a construcção dos caminhos de ferro do norte e da fronteira de Hespanha, proximo a Badajoz, bem como o que provisoriamente effeituára da construcção de seiscentos noventa e tres kilometros de estrada em differentes districtos do reino.. A Camara, ficando sciente de que não produzira o resultado que se desejava o concurso para a construcção do caminho de ferro do sul até Evora e Beja, muito aprazivel lhe será que pelas propostas, que o Governo intenta fazer, essa parte da viação accelerada da provincia do Alemtejo venha a ter o desenvolvimento que as conveniencias publicas exigem.
O Orçamento da receita e despeza do Estado e as Leis necessarias para o complemento do systema em todos os ramos da Fazenda publica é o primeiro elemento e base da melhor organisação do paiz. A Camara espera que este muito importante objecto lhe seja presente opportunamente, para o poder examinar com o detido estudo e applicação que elle exige, para que sejam conhecidas e attendidas todas as conveniencias e interesses do Estado.
Tambem a "Camara examinará com a devida applicação o uso que o Governo de Vossa Magestade fez das auctorisações que lhe foram concedidas, para a reforma de differentes Repartições do Estado, a fim de conhecer se as prescripções que se conteem nas mesmas reformas são de tal maneira estabelecidas, que devam conduzir ao melhoramento dos respectivos serviços.
A Camara entende que sobre a maior parte dos ramos da publica administração ha muito que prover, não isoladamente, mas debaixo de um systema combinado, porque em muitos serviços do Estado, se não em todos, ha certa ligação e dependencia mais ou menos proxima que é mister attender e pôr em harmonia. Espera pois a Camara, que esta regra de boa administração publica seja attendida nas propostas de lei que o Governo de Vossa Magestade tem de apresentar, e a que a Camara ha de prestar a sua maior attenção.