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SESSÃO DE 16 DE DEZEMBRO DE 1889 801

são elles que formam a collectividade — e isto é sobre injuridico, absurdo, senão mesmo risivel.

O codigo penal, que vigora actualmente, e em cuja elaboração tomou parte o grande talento e atilado saber do sr. conselheiro Lopo Vaz, contem ainda mais positivamente a doutrina e principios que acabo de expor.

N’esse codigo existe um capitulo que se inscreve Da responsabilidade criminal, e se occupa, portanto, de determinar quem e em que termos os portuguezes e os que commettem delictos n’este reino, respondem por esses actos. Ahi encontra-se em primeiro logar o artigo 26.° que diz:

«SÓMENTE podem ser criminosos OS INDIVÍDUOS que teem a necessaria intelligencia e liberdade.»

E, indo ainda mais longe, a lei fixa no artigo 28.° sobre quem póde unicamente recair e de que modo recairá a responsabilidade criminal, e diz:

«A responsabilidade criminal recáe UNICA E INDIVIDUALMENTE NOS AGENTES de crimes, ou contravenções.»

É perante esta lei que o sr. condo, não como individuo, mas, e ainda n’isso erradamente, como representando uma companhia, que foi pronunciado e é hoje accusado!

Não encontraram as justiças da localidade, apesar de todas as suas diligencias, individuo algum agente do facto incriminado. Como é então que vem sustentar que a responsabilidade recáe sobre o sr. conde, que não é aqui chamado individualmente?

Sc houvesse, porventura, no facto de que se trata uma causa intelligente e livre que podesse provocar uma responsabilidade criminal; que se poderia dizer de uma tal accusação contra o sr. conde, de quem se confessa não ter sido o auctor, ou agente do desastre; accusação, que terá ainda outro effeito não menos grave, qual o de inscrever o nome do sr. conde, como a estas horas está inscripto, nos registos criminaes como auctor de um crime de homicidio embora involuntario?

Isto é grave, senhores.

E ainda não é tudo.

Por hypothese, hypothese só para discutir, supponha-mos, admittamos com constrangimento, que se podia pedir á companhia, como corpo collectivo, uma responsabilidade pelo occorrido com a morte de João Simões.

Esta responsabilidade só poderia ser, em tal caso, a responsabilidade civil e nunca a criminal.

A regra suprema das theorias de responsabilidade é esta, que está na consciencia de justiça de cada um, que está nos livros de todos os jurisconsultos e nas leis seculares, como nas contemporaneas: quem responde é quem pratica o

Eu, que não pratico um acto, não posso responder por elle. Sou um terceiro. Sou irresponsavel. Para mim, isso é rés interallos. Pelo delicto, que outrem commette, não posso ser eu o punido.

Ha, porém, casos de excepção muito raros e extremos em que esta regra soffre modificação; como os ha em todas as cousas; como ha, entre a luz e a sombra fechada, a penumbra incerta — e n’esses casos o acto praticado por outrem póde responsabilisar quem o não praticou, dando-se uma remota especie de culpa que permitte, nas theorias, vincular essa obrigação do terceiro pelo acto alheio.

Mas n’estes casos, senhores, nunca o terceiro responde criminalmente — nunca.

Não ha n’este ponto oscillações no direito. É uma verdade adquirida. Uma lei conquistada.

A responsabilidade em taes casos é só e exclusivamente a responsabilidade civil.

Mudam-se as leis; alteram-se as constituições dos povos; reformam-se os codigos: mas este principio fica. E uma lei da statica juridica. Está nos alicerces do edificio legal das nossas sociedades. Encontra-se constante e immutayel em todos os trabalhos juridicos; desde quando burilava nos seus detalhes intimos e minuciosos a estructura das leis civis o grande Domai, o restaurador da rasão na jurisprudencia, como d’elle dizia Boileau, o jurisconsulto dos magistrados, como lhe chamava de Aguesseau, o celebre chanceller philosopho de Luiz XIV; d’esde Merlin, o patriarcha da casuistica moderna dos repertorios juridicos; desde Pothier, o eminente jurisconsulto do Orleans, quando, sem o saber, preparava o Codigo Civil, construindo larga e vigorosamente nos seus tratados as theorias das obrigações e das responsabilidade; até aos mestres e commentadores do codigo civil, o Delvincourt, o Touillier, o Duvergiér, o Demolombe; até ao monumento colossal da jurisprudencia do Occidente no seculo XIX, as collecções de Dailoz!

Para não fatigar o tribunal limitar-me-hei a ler alguns dos principaes trechos, de que aqui tenho a transcripção.

No Tratado das obrigações de Pothier, parte I, capitulo i, secção 11, § 2.°, n.° 122, lê-se:

«Observez que ceux qui sont tenus de l’obligation d’un délit commis par uno autre personne auquel ils n’ont point concouru, en sont tenus différemment de l’auteur du délit. Quoique celui-ci soit contraignable par corps au paiement de la somme à laquelle il aura été condamné pour la réparation du tort qu’il a cause, lorsque le délit est de nature à donner lieu à cette contrainte, les personnes qui en sont responsables, ne le sont que civilement, et ne peuvent être contraintes que par saisie de leurs biens et non par emprisonnement de leurs personnes.»

Merlin escrevia:

«Attendu qu’il résulte de ces articles, 1° que en thèse générale la responsabilité à laquelle sont soumis des tiera étrangers aux délits qui donnent lieu à des condamnations est essentiellement civile, quelle est conséquemment restreinte aux dommages causés par ces délits et ne peut être étendue aux peines prononcées contre les délinquens.

«Attendu que dans aucum cas et seus aucun prétexte les dispositions pénales ne peuvent être étendues et ne doivent être appliquées à d’autres qu’à ceux que la loi designe littéralement et spécialement.

«Attendu que, aux termes du § 4e de l’article 475e du code pénal sont déclarés coupables ceux-là seuls qui aient violé les règlements d’ou il résulte évidemment que les entrepreneurs des messageries ne peuvent être déclarés coupables de contraventions et comme tels punis que comme auteurs des dites contraventions s’ils les ont commises euxmêmes, ou comme complices, s’ils ont engagé on autorisé leurs commis ou préposés à les commettre. » — Repertoire, tomo v, verbo Responsabilités civiles des délits § 8° Récueil Questions, eodem verbo, n.° 1).

Delvincourt no seu Curso do codigo civil, tomo III, pag. 404, ás palavras sont tenus nota que:

«1° Quil ne sagît que de la responsabilité civile ou pécuniaire. On ne peut être tenu criminellement du délit commis par un autre, à moins qu’on nen soit complice.»

Dalloz, na palavra Responsabilité, capitulo III secção II, artigo 2.°, n.° 505, ensina que:

«Il est de principe fondamental que la responsabilité du fait d’autrui est de sa nature puremtnt civile, qu’elle ne comprend que les dédominagements pécuniaires, et ne saurait s’étendre aux peines, qui sont exclusivement personnelles. C’est ce qu’ enseignent tous les auteurs. C’est im point également certain en jurisprudence.»

A incorrecção da pronuncia e da accusação do sr. conde é, pois, evidente. Elle nunca, por pretexto algum, podia ser involvido n’um processo criminal; pois elle não foi o auctor, nem o cumplice do occorrido; elle não mandou ao machinista do comboio da Figueira que atropellasse o velho cego, surdo e octogenario, que a machina colheu sobre a linha.

E não é só nos evangelhos da doutrina juridica, que esta regra fundamental se encontra; aqui a temos no nosso codigo civil nos artigos 2301,° e 2364.° que dizem assim: