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806 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

gunda vez que foi interrogada, já não disse que era sobrinho da victima.

E se não foi assim, então ainda e peior; porque uma familia não deixa ir o seu chefe, invalido, cego e surdo, metter-se no meio da linha ferrea á hora em que passam os comboios.

Ora, toda a vez que a culpa é da parte da victima, as companhias de caminhos de ferro não podem ter responsabilidade alguma.

Se, quando um comboio vae em marcha, algum pastageiro abrir a porta da carruagem, saltar para a linha, se molestar e morrer, cabe por isso culpa á empreza? quando os suicidas vão de noite pôr a cabeça sobre os rails, cabe disso culpa ás companhias?

No já citado relatorio do sr. Almeida d’Eça, acha-se uma estatistica dos accidentes occorridos desde 1882 a 1885.

No respectivo mappa lá está uma classe que se inscreve, por culpa propria ou imprudencia, e as cifras ali adduzidas são eloquentes.

N’um total de doze entre feridos e mortos n’esses quatro annos, vemos apenas tres mortos, e dos feridos ha quatro agentes e tres passageiros!

Não posso gastar mais tempo ao tribunal. Se isso me fosse possivel eu trataria com maior desenvolvimento esta materia da responsabilidade das companhias de caminhos de ferro. É assumpto delicado e especial; capitulo juridico cuja litteratura é muito pouco rica.

Só conheço em leis especiaes sobre esta responsabilidade a lei federal suissa do 1 de julho de 1875, na qual expressamente se declara livre de toda a responsabilidade a empreza, quando a morte, ou o ferimento, tiveram logar por culpa do que foi ferido, ou morto, como no presente caso.

Na jurisprudencia estrangeira, como se podo ver de Dalloz, Réportoire, verbo Voirie, as companhias e seus directores são sempre absolvidos, e só se condemnam os individuos agentes directos e auctores ou culpados no acto.

Taes são os casos celebres na jurisprudencia ferroviaria dos accidentes de Fampoux, de Fresnoy, de Dornach, do Pierrefitte, e outros.

Nos auctores, eu poderia ler ao tribunal o que escreve o bem conhecido advogado francez, Bédarride, no seu livro Des chemins de fer au point de vue du transport des voyageurs et des marchandises, que até ha pouco era o livro clássico d’esta materia.

A Italia, que vae sempre na vanguarda das sciencias juridicas, tem entro os seus cultores um advogado distinctissimo, Cesare Fassa, de Turim, o auctor da ultima e mais completa monographia sobre esta materia.

N’este livro, escripto em 1888, e que se intitula Responsabilita d’elle compagnie ferroviarie relativamente alie persone, que aqui tenho, se affirmam todas as idéas que tenho expendido, e se mostra a pag. 37, n.° 50, abrindo-se os archivos de jurisprudencia europêa, que toda a vez que uma companhia está em toda a correcção perante o estado e em face do seu contrato, nunca e condemnada em parte alguma.

Esta é, senhores, a causa que tendes de julgar.

A justiça, a lei, a rasão, estão pedindo uma prompta reparação. Venha ella quanto antes. Todos devem estar desejosos de desfazer este processo absurdo e de tirar para fóra d’elle, quem por titulo algum merecia aqui estar.

Tenho dito.

O sr. Sequeira Pinto (ministerio publico): — Começa por agradecer ao seu collega e distincto advogado as palavras amaveis que lhe dirigiu, as quaes expressam a sua benevolencia, e aproveita esta occasião para lhe dar testemunho do respeito e consideração que tem por s, exa.

Deve ser para si conhecido o espirito da assembléa, porque tem a honra de fazer parte desta camara ha muitos annos, e se procurasse agora, tanto quanto podesse e soubesse, responder ás observações apresentadas pelo seu estimavel collega, tornar-se-ia fastidioso. Não é essa a posição que deseja occupar em assembléa alguma e por isso vae dar apenas as explicações necessarias sobre dois pontos.

Pondera que não foi bem entendido quando o sr. advogado recorda ter elle declarado que estava ali só em cumprimento de um dever; deduzindo s. exa. d’estas palavras que era ser violentado a fazer uma accusação que em sua consciencia entendia que não devia fazer. Foi sob outro ponto de vista mais alto que declarara que estava neste logar em cumprimento do seu dever. Não acrescentará mais, porque a maioria dos seus collegas que n’esta assembléa estão sabem perfeitamente a significação que catas palavras devem ter.

O sr. Sequeira Pinto, depois de demonstrar que a sua accusação de hoje estava em harmonia com o libello, conclue que desejaria não tivessem feito parte do processo incidentes completamente alheios á organisação de um processo crime, e que aguardava a decisão que a camara dos dignos pares do reino constituida em supremo tribunal de justiça dentro em pouco ía proferir.

O sr. Juiz Presidente: — O sr. advogado tem alguma cousa a proferir, pela defeza?

O sr. Advogado: — Tanto eu, como o meu constituinte temos plena confiança na lucidez e rectidão do tribunal; por isso prescindo da replica.

O sr. Juiz Presidente: — O sr. conde de Gouveia tambem não pretende allegar mais nada em sua defeza?

O sr. Conde de Gouveia: — Nada mais.

O sr. Juiz Presidente: — Queiram os dignos pares passar á sala das conferencias para deliberar.

Assim se praticou.

Eram tres horas e trinta e cinco minutos.

Ás seis horas e dez minutos dá o sr. presidente entrada na sala, seguido pelos demais membros do tribunal, e juiz relator.

Occupam todos os seus logares.

O sr. Presidente: —Continua a sessão publica do julgamento e vae ler-se a decisão do tribunal. Tem a palavra o sr. juiz relator para ler o respectivo accordão.

O sr. juiz Relator: — O tribunal, reunido em conferencia, resolveu lavrar o seguinte:

Accordão

Accordam os da camara dos pares do reino, constituida em tribunal de justiça. Vistos e relatados estes autos:

Mostra-se que, pelas seis horas da manhã do dia 6 de maio de 1888, quando o comboio ascendente n.° 1 seguia da Figueira da Foz para o entroncamento da Pampilhosa, João Simões, de avançada idade e muito surdo, não tendo ouvido os repetidos toques de apito do machinista, foi colhido pelo mesmo comboio no kilometro 48,947, e arremessado a grande distancia do nivel em que ía a passar, resultando-lhe immediatamente a morte das lesões que soffreu;

Mostra-se que, prestada a querela contra o digno par conde de Gouveia, na qualidade de engenheiro director da companhia do caminho de ferro, como responsavel pelo crime de homicidio involuntario, punido pelo artigo 368.° do codigo penal e artigo 20.° n.° 1.° do decreto de 31 de dezembro de 1864, attenta a inobservancia do contrato de 3 de agosto de 1878, applicavel ao caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz pelo contrato de 3 de setembro de 1879, e sendo pronunciado por este crime, foi o processo remettido pelo juiz de direito da comarca da Anadia á presidencia da camara dos dignos pares do reino, nos termos do artigo 4.° da lei de 24 de julho de 1885;