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12 Diário da Câmara dos Deputados

ver que o Govêrno, sem a menor consideração por um dos poderes do Estado, pelo prestígio das Instituições, se substituiu a tudo isto para, por intermédio de delegados seus, julgar um dos mais difíceis casos em matéria jurídica; e resultando desta incongruência, como consequência inevitável dela uma série de anomalias as mais estravagantes, imprevistas e surpreendentes, tornando êste diploma um grotesco aleijão sem pés nem cabeça, sem forma adaptável a qualquer espécie em direito conhecida. E assim não se encontra nela um artigo que acerte, um único parágrafo que ajuste, uma única alínea que se perceba.

A primeira impressão que nos faz arripiar é ver a crueza e a grosseria com que o Govêrno na sua proposta põe de parte os direitos supremos da personalidade humana, não tomando em consideração os direitos respeitáveis da propriedade e dos interêsses materiais.

Para o Govêrno, ao trazer a sua proposta, de nada valeram as atrocidades, as violências, os crimes, as infâmias que se praticaram contra as pessoas, e que foram desde o assassinato, do estupro, da violação de mulheres, até a privação de liberdade.

Isto nada vale, porque não se procura nenhuma espécie de indemnização, e só vale para o seu conceito grosseiro, aquilo que representa interêsse material para a vítima, e na sua compensação, o interêsse político para o Govêrno.

Foram postos de parte os direitos primitivos, porque pouco importou ao autor desta monstruosa proposta que as viúvas e os filhos dos assassinados, que as mulheres violentadas, sofressem, que tivessem outros o fim pela morte, e que outros pela situação violenta em que se encontravam, deixassem os seus filhos, as suas famílias e os seus parentes sem amparo.

Isso não vale, isso não tem indemnização; e não a tem porquê?

E uma consequência fatal da monstruosidade dêste projecto; não a tem porque seria desfaçatez demasiada que o Govêrno na sua proposta viesse dizer ao País e ao Parlamento que estava resolvido a entregar isso a qualquer comissão de curiosos ou de políticos, visto que essa liquidação, dum melindre extremo, só se pode fazer perante o Poder Judicial.

O Govêrno não hesitou ante êsse grandiosíssimo inconveniente, que chega a ser uma desumanidade, e uma deplorável incorrecção para quem neste assunto representa a probidade do Estado.

O Govêrno não hesitou em passar sôbre isto, porque de outro modo lhe convinha o jôgo das indemnizações.

Eu vou, Sr. Presidente, fazer uma análise das disposições desta proposta, encarando-a: primeiro no seu aspecto técnico, deixe V. Exa. servir-me dêste termo que exprime a minha ide a, e depois no seu aspecto político.

Mas nessa crítica e exame, confesso que me encontro em sérias dificuldades por não saber o critério a adoptar.

Comecemos pelo artigo 1.°

O orador lê o artigo citado.

Quais são as pessoas que têm direito a receber indemnizações?

Aqui a proposta chama-lhes hábeis. Nisto é a proposta feliz, pois realmente esta designação está muito bem; quem está em condições de receber nos termos dêste diploma a primeira e única condição de que precisa, é ter habilidade.

Pois muito bem. Quem são os hábeis? No § único dêsse artigo diz-se quais são os inhábeis.

É esta a primeira curiosidade jocosa desta proposta.

Veja V. Exa. como é extraordinária a urdidura dêste diploma. Não se diz quem é o réu. Não se diz, como era lógico, em artigo especial, quem tem o direito e obrigação de pagar.

E sôbre êsse assunto que tenho de fazer algumas considerações. A proposta diz no artigo 2.° quem paga.

Quem paga é o Estado!

O Estado é que é o réu, é o grande réu, é o único réu.

Foi o Estado que praticou a lesão; é o Estado a repará-la.

Foi o Estado quem praticou as violências, quem praticou as atrocidades, quem causou os prejuízos, quem causou as maiores vítimas, portanto o Estado que pague.

Esta disposição produziu-me muita impressão e procurei averiguar donde vinha semelhante determinação. Fui encontrá-la no relatório da respectiva proposta e depois nas mesmas palavras textualmente perfilhadas pela comissão de finanças do Parlamento.