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REPÚBLICA
PORTUGUESA
DIÁRIO DO SENADO
SESSÃO ÍsT.° 58
EM 16 DE MAIO DE 1924
Presidência do Ex,mo Sr, António Xavier Correia Barreto
Secretários os Ex.mog Srs,
Luís Inocêncio Ramos Pereira
João Manuel Pessanba Yaz das Neves
' Sumário.—A sessão abre às 15 horas e 10 minutos, com 26 Srs. Senadores presentes. Lê-se e aprova-se a acta. Dá-se conta do expediente.
Antes da ordem do dia. — A requerimento
do Sr. José Pontes, resolve-se discutir a proposta de lei n.° 656, sobre uma nova época de exames.
O Sr. Ribeiro de Melo justifica a atitude que tomou contrária à lei do inquilinato por a considerar uma lei de excepção.
O Sr. Gaspar de Lemos protesta contra o f acto de não ter sido ainda publicada uma lei, já aprovada, referente às escolas industriais.
O Sr. Joaquim Crisóstomo aprecia vários assuntos de administração pública, replicando-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
O Sr. Procópio de Freitas pede contas ao Governo pela atitude tomada pelo governador militar do Porto adoptando medidas que implicam uma suspensão de garantias.
O Sr. Ministro da Instrução justifica as medidas em questão com a necessidade de ser mantida a ordem.
Entra em discussão a proposta de lei n.° 613. Fala o Sr. Joaquim Crisóstomo, sendo a proposta aprovada.
Ordem do dia. — Prossegue nas suas considerações o Sr. Ministro do Comércio em resposta à interpelação do Sr. Ernesto Navarro que lhe replica, ficando com a palavra reservada.
Antes de se encerrar a sessão.—O Sr. Ribeiro de Melo pregunta se realmente o comandante m,ilitar do Porto tem poderes para suspender a Constituição.
Responde-lhe o Sr. Ministro do Comércio.
Abertura da sessão às lô horas e 15 minutou.
Srs. Senadores presentes à abertura da sessão:
Afonso Henriques do Prado Castro ©
Álvaro António Bulhão Pato. Aníbal Augusto Eamos de Miranda. António da Costa Godinho do Amaral. António Gomes de Sousa Varela. António Maria da Silva Barreto. António Xavier Correia Barreto. Constantino José dos Santos. Francisco António de Paula. Francisco José Pereira. Francisco de Sales Eamos da Costa. Francisco Xavier Anacleto da Silva. Frederico António Ferreira de Simas. João Alpoim Borges do Canto. João Maria da Cunha Barbosa. Joaquim Pereira Gil de Matos. Joaquim Xavier de Figueiredo Oriol Pena.
. José António da Costa Júnior. José Augusto Eibeiro de Melo. José Duarte Dias de Andrade. José Joaquim Fernandes de Almeida. José Mendes dos Eeis. Luís Augusto de Aragão e Brito. Manuel Gaspar de Lemos. Eodrigo Guerra Álvares Cabral.
Srs. Senadores que entraram durante a sessão:
Alfredo Narciso Marcai Martins Cor-tugal. ^ ;•..'.,••.
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Diário das Sessões do Senado
José Augusto de Sequeira. José Joaquim Fernandes Pontes. José Joaquim Pereira Osório. José Machado Serpa. José Nopomuceno Fernandes Brás. Luís Inocêncio Kamos Pereira. Silvestre Falcão.
Srs. Senadores que não comparece* ram à sessão:
António Alves de Oliveira Júnior.
Aprígio Augusto de Serra c Moura.
Augusto Casimiro Alves Monteiro.
•Augusto César de Almeida Vasconcelos Correia.
Augusto de Vera Cruz.
Duarte Clodomir Patten da S á Viana.
Elisio Pinto de Almeida e Castro.
Hercnlano Jorge Galhardo.
JoEo Carlos da Costa.
João Catanho de Meneses.
João Trigo Moutinho.
Joaquim Crisóstomo da Silveiía Júnior.
Joaquim Manuel dos Santos Garcia.
Joaquim Teixeira da Silva.
Jorge Frederico Velez Caroço.
José Augasto Ribeiro de Melo.
Júlio Augusto Ribeiro da Silva.
Júlio Ernesto de Lima Duque.
Luís Augusto Simões de Almeida,.
Nicolau Mesquita.
Pedro Virgolino Ferraz Chaves.
Querubim da Rocha Vale Guimarães.
Raimundo Enes Meira*
Ricardo Pais Gomes.
Roberto da Cunha Baptista.
Rodolfo Xavier da Silva.
Tomás de Almeida Manuel de Vilhe-na (D.)
Vasco Crispiniano da Silva.
Vasco Gonçalves Marques.
Vítor Hugo de Azevedo Coutinho.
O Sr. Presidiste (Às lô*horas e õ minutos] : —Vai firoeecfer-se à chamada,
T- - • »7 •*
fez-se a chamada* • • •
O Sr. Presidente (As 16 horas e 10 minutos'):—Estão presentes 26 Srs. Senadores.
Está aberta a sessão.
Vai ler-se a actai
O Sr. Presidente: — Está em discussão a acta. Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Senador pede a palavra considera-se aprovada.
Vai ler-se o.
Expediente
Projectos de lei
Do Sr. Costa Júnior, que suspende a lei n.° 1:584, de 14 de Abril de 1924. Pára a l.a secção.
Do Sr. Aragão e Brito, mandando passar à situação de reserva, independentemente de serem presentes à junta hospitalar de inspecção os oficiais que tenham 32 anos ou mais de serviço activo, e pêlo menos 50 de idade assim o requeiram.
Para a 2.a secção. ,
Do Sr. Alfredo Portugal modificando o § 1.° do artigo 20.t; do Código das Execuções Fiscais aprovado pelo decreto de 23 de Agosto de 1913.
Pará a 2.a êeècão.
Do Sr. J. A. Ribeiro de Melo. restabelecendo a doutrina d'o § 2.° artigo 5<_ que='que' agosto='agosto' n.='n.' de='de' _26='_26' os='os' aguardando='aguardando' aposentação.='aposentação.' civiâ='civiâ' p='p' estejam='estejam' para='para' _1922='_1922' funcionários='funcionários' todos='todos' dalei='dalei' tag0:_332='_1:_332' xmlns:tag0='urn:x-prefix:_1'>
Para a l.a secção.
Ofícios
Das várias associações de classe'-de Olhão, reunidas em comício no próximo passsado dia l de Maio, solicitando a amnistia aos presos políticos.
Para ã Secretária.
Da União dos Sindicatos Operários de Évora, protestando contra a imposição da cédula pessoal e reclamando que os presos por questões sociais sejam incluídos no projecto de lei que concede amnistia aos presos por delitos militares.
Para a Secretaria.
Da Associação Comercial e Industrial de Setúbal, protestando contra os propósitos tendentes à anuiaçâo dá lei n.° 1:517, que criou a Junta Autónoma do Porto de Setúbal.
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SêHáão de 16 de Maio de 1924
Do Tribunal Militar Territorial de Lisboa, solicitando autorização para depor como testemunha o Sr. Costa1 Júnior.
Autorizado.
Justificação de faltas
Do Sr. José Joaquim Fernandes de Almeida, autenticada com atestado ^ medico.
Para a- comissão de faltas.
Parecer
Da comissão de faltas, justificando as faltas dos Srs, Eibeiro de Melo e Augusto Vera Cruz.
Telegrama
Da Câmara de Sinfães, agradecendo ao Senado a aprovação do projecto de lei que concedeu um crédito de 600.000$ para a reconstrução da ponte do Mosteiro. x
Para a Secretaria.
Representação
Da direcção da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, pedindo para ser aprovada a proposta de lei que concede o título de engenheiros auxiliares aos condutores diplomados com quaisquer dos cursos especiais professados nos institutos industriais ou com outros que lhe sejam equivalentes.
Junte-se ao projecto.
Antes da ordem do dia
O Sr. Godinho do Amaral (para um requerimento) : — Sr. Presidente: requeiro que, depois de esgotada a inscrição para antes da ordem do dia, entre em discussão a proposta de lei n.° 652, vinda da Câmara dos Deputados, e que trata de uma segunda época de exames na Faculdade de Direito,
Essa proposta tem apenas um artigo e todçs os Srs. Senadores a conhecem.
É lida na Mesa.
Posto à votação o requerimento, foi aprovado.
O Sr. Ribeiro de Melo: — Sinto que não esteja presente o Sr. Ministro da Justiça para ouvir as considerações que vou fazer em resposta a uma parte do discurso que S. Ex.a fez perante as juntas de freguesia dê £ásbo࣠quando deíetídèu a istlà atlft
tude na discussão da proposta de lei do inquilinato.
Disse S. Ex.a, segundo o relato dos jornais,' que houve parlamentares filiados no Partido Republicano Português que defenderam teorias e ideas de combate a essa proposta e por forma tam reaccionária e tam conservadora, que os Srs. Senadores representantes do regime deposto não os puderam acompanhai*, indo assim alguns Srs. Senadores pertencentes ao Partido Republicano Português além das aspirações da minoria monárquica desta Câmara.
E preciso que cada um marque o seu •lugar e não receie fazer afirmações, embora elas desagradem a gregos ou troianos,' embora não satisfaçam os desejos ministeriais, e ainda mesmo que não se casem com a disciplina partidária.
Propositadamente, conservei-me em silêncio durante a discussão dessa proposta da lei, até a altura em que se apreciou aquela emenda que aumentava as rendas do inquilinato particular e comercial, apesar de ter razões de sobejo para intervir na discussão, porque ela correu por uma forma tam extraordinária e tam fora dos moldes e processos seguidos nesta Câmara, que bem merecia a intervenção de qualquer parlamentar que quisesse fazer respeitar a proposta inicial.
Eu não fiz isso, dando uma prova de consideração, não só ao autor da proposta, o Sr. Catanho de Meneses, como também ao Sr. Ministro da Justiça, que a perfilhava inteiramente.
As considerações que fiz, não podiam ser indiferentes para aqueles que são democratas'e verdadeiramente republicanos, visto que, defendendo o direito de propriedade, fiz somente obra republicana, e democrática, ao passo quê os monárquicos que têm representação nesta Câmara, não souberam ser monárquicos, nem conservadores, defendendo esse mesmo direito.
A verdade é que a época — reconheço-o—não é propícia a esse direito; mas como sempre, desde a infância, e na propaganda da República me habituei, pela voz dos apóstolos da democracia, a protestar contra todas as leis de excepção, foi essa a razão porque não concordei com essa proposta.
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Diário 'dat SestÕe$ 'do
declarei que nunca votaria uma lei de excepção; e, como considero a lei do inquilinato nina lei dessas, é esse o motivo porque quis marcar bem a minha posição de republicano, que não voto leis semelhantes, a não ser em casos muito excepcionais e quando seja para defesa da República.
Para terminar, e em resposta ao Sr. Ministro da Justiça, que sinto esteja ausente, mas que desde já peço a V. Ex,.a, Sr. Presidente, para lhe transmitir o que acabo de dizer, devo fazer esta afirmação : mantive-me na oposição a essa lei, porque quis defender os sagrados direitos da democracia e da República, não invadindo o direito de ninguém, nem o direito de propriedade, ao passo que os monárquicos, coia quem o Sr. Ministro da Justiça nos quis irmanar, não souberam ser monárquicos, a ponto de defenderem o direito em questão.
Aproveito a ocasião para mandai* para a Mesa um projecto de lei, regulando o serviço de salvação e socorros a sinistros.
O orador não reviu.
O Sr. Gaspar de Lemos: — Sr. Presidente: há já alguns meses que foi expedido pela Secretaria do Senado um projecto de lei relativo à criação de cofres escolares nas escolas industriais e comerciais, a fim de ser promulgada como lei.
Ora essa lei ainda não foi publicada.
Já reclamei aqui, creio que no mês de Janeiro, contra esse facto, e oficiou-se para a Presidência do Ministério, instando pela publicação; mas, apesar disso, essa lei continua sem ser publicada.
Isto é tudo quanto há de mais despres-tigiante para o Parlamento, e. por isso, peço a V. Ex.a que tome as medidas convenientes para que não continue este estado de cousas.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente:—Vou oficiar novamente ao Sr. Presidente do Ministério, chamando a sua atenção para ò caso.
O Sr. Joaquim Crisóstomo:—Embora mais de uma vez tenha aqui declarado que não confio nem nos propósitos, nem. nos resultados da acção do Governo, 30 seatido de restaurar as nossas finanças^
sou obrigado a versar alguns assuntos que correm pela pasta das Finanças, no propósito de informar o Governo de várias irregularidade» que se estão praticando em serviços dependentes desse Ministério, e que reclamam prontas e enérgicas providências.
O primeiro diz respeito à Companhia Carris de Ferro que está prejudicando, pela forma como é cobrado o imposto de selo nos seus bilhetes, o Estado em muitos milhares de contos.
É preciso que o Governo saiba que essa companhia vende em média 6 milhões de bilhetes por mês, os quais, segundo a taxa que vigorava em 1923, deviam produzir a .quantia de 180 contos mensais.
Pelos cálculos efectuados por contabilistas que conhecem a fundo este assunto, prova-se que o prejuízo que o Estado sofreu, nos meses de Janeiro a Setembro de 1923, foi de 1:029.000*$!, e nos meses de Outubro e Dezembro foi de 76 contos.
Ao todo nesse ano, 1:205.000$.
Ora. Sr. Preside ate, uma companhia como é a dos eléctricos, que procura por todos os meios explorar o povo de Lisboa, não tem direito a qualquer concessão, a qualquer regalia, por parte das repartições do Estado.
O que se prova, Sr. Presidente, é que nas repartições de finanças, em Portugal, sobretudo as de Lisboa, os funcionários em vez de defenderem os interesses do Estado que lhes paga, estão em regra geral mancomunados com os contribuintes, a fim de receberem gratificações chorudas.
E essa tese que eu vou provar.
Em matéria de imposto de transacções, muitos comerciantes têm apresentado nas repartições de finanças um manifesto das suas operações comerciais e os próprios empregados dessas repartições têni declarado que essas quantias são muito elevadas, porque outros comerciantes, em condições idênticas, fizeram perante as mesmas repartições manifestos de quantias inferiores.
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Sessão de 16 de^Mato de 1924
pectiva repartição, verificar em qualquer escrituração que a companhia tenha, o número de bilhetes vendidos e a quantia que ela pagou de avença nas repartições de finanças ; e, desde que se averigúe que ela defraudou o Estado no ano de 1923, em 1:205 contos, mande proceder disciplinarmente contra os funcionários que, em vez de defenderem o Estado, o prejudicam.
E além dessa ~ quantia, ainda há uma de 4:000 contos que a Companhia deve ao Estado, de outras proveniências.
Mas apesar de eu o ter dito aqui o Sr. Presidente do Ministério parece que não me ouviu.
O Sr. Ministro das Finanças confiou a um funcionário muito distinto o exame a várias repartições do país.
Esse funcionário que a Câmara conhece, pelo menos de nome, ó o Sr. Tudela.
S. Ex.a no cumprimento da sua missão dirigiu-se a algumas repartições; e, pelo exame que fez aos documentos existentes, apurou que se estavam dando ir-regularidades e até crimes que revertiam ein prejuízo do Estado.
Daí S. Ex.a propôs-se fazer um relatório no sentido de serem dadas providências.
Tanto bastou para que o Sr. Tudela fosse desviado dessa missão.
O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo):—Não é exacta essa notícia que vem no Rebate e no Mundo.
O Orador:—Mas o Rebate é o semi-órgão do seu partido, tem autoridade para falar.
O Sr. Ribeiro de Melo (interrompendo) :— Lá por isso não está livre duma má informação.
O Orador:— Sr. Presidente: na Kepar-tição de Finanças do 5.° Bairro de Lisboa têm-se dado casos escandalosos, também verdadeiros crimes, que consistem no seguinte: o Sr. secretário de finanças dês-se bairro que é um funcionário zeloso, trabalhador e distinto, no cumprimento dos seus deveres estabeleceu taxas consoante o valor dos terrenos por metro quadrado, vendidos em Lisboa. . Portanto sempre quê qualquer comprador fosse pagar a respectiva contribuição
de registo por título oneroso tinha de efectuar o pagamento consoante o número de metros quadrados que tinha adquirido, e consoante a situação dos mesmos terrenos.
Aos números que figuram nos conhecimentos do pagamento da contribuição por título oneroso adicionam uma cifra adiante ou qualquer número atrás da respectiva quantia, e assim por exemplo se se trata de 200 metros quadrados, .fazem figurar 2:000, ou colocam-lhe um número atrás, ficando por exemplo 2:200.
É este o processo que se está seguindo para ludibriar o Estado.
Diz-se que os funcionários não têin culpa.
Têm sim senhor, porque a descrição do prédio deve ser feita por extenso e igualmente o número de metros quadrados; isso não se faz, porque assim a falsificação seria muito mais difícil.
O mais grave é que estando encarregado o Sr. Manuel Cromes Vilar, um funcionário altamente categorizado, homem de grande valor (Muitos apoiados), de apurar estas irregularidades, foi colocado abruptamente na Ilha da Terceira.
O Sr. Vicente Ramos (interrompendo):— Há muitos meses que ando a pedir um director de finanças para Angra do Heroísmo, onde os serviços estão anarqui-zados.
Tenho tido um trabalho insano para o conseguir.
Ora o Sr. Vilar era quem estava na altura para ser nomeado, e portanto teve o destino devido.
Isso não pode prestar-se a qualquer má interpretação.da parte de V. Ex.a
O Orador : — Não sei se se procedeu assim com a intenção de desviar o referido funcionário do serviço que estava exercendo. Cito o facto porque é verdadeiro.
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J)iârio. das $essôes ao Senado
segunda, porque nãp sei se encontraria Qutro para iftzer esse serviço com- igual isenção.
O Sr. Presidente : —Participo a V. Es.a que já dea o quarto de hora que era con-ceçlido antes da ordem do dia.
O Orador : — Se V. Ex.a me dá licença, preciso de mais uns minutos para terminar.
Por conta da indemnização em naíure .vieram duas; locomotivas para a Companhia Portuguesa dos Caminhos de Ferro, a qual não entrou ainda com um escudo nos cofres do Estacão, para pagar as mesmas locomotivas.
Por êsss motivo, pregunto ao Sr, Ministro do Comércio, quando é que S. Ex.a ordena à Companhia que pague, pelo me-noss 2:000 contos que deve ao Estado.
Ó orador não reviu.
O Sr, Ministro do Comércio e Comunicações (Muno Simões): — Ouvi core toda a atenção as considerações feitas pelo ilustre Senador Sr. Joaquim Crisóstomo, e mais uma vez direi a S. Es.a qus, por mais justificada que pareça a sua indignação, o Governo continua inalterável -mente a cumprir Q$ seus deveres.
Efectivamente, parece justificarem-se
alguns factos que V. Ex.a aponta, mas
logo que o Governo tenha conhecimento
'deles ou de quaisquer outros, procederá
imediatamente.
V. Es.a não pode, porém, acusar o Governo ds não ter feito com que entrassem nos cofres do Estado as quantias que lhe são devidas. O Governo tem procedido em todas as questões, tanto na pastf. (ias finanças como em todas as outras, de forma a defender, tanto quanto possível, .os interesses da nação.
V. Ex.a sab.e qual a forma como ele tem procedido, quer no que respeita ao imposto "do selo, quer no que se refere ao imposto de transacção.
São questões que o Sr. Ministro das Finanças tem estudado com todo o cuidado, e V. Ex.a não pode deixar de o reconhecer.
Quanto ac do imposto do selo sobre os bilhetes da Carris de Ferro, V. Ex.a sabe que ela tem uma. avença e em face do que §9 est& passando, há^cle modificar-se e cor-
rigir a avaliação, e a esse respeito, eu transmitirei a S. Ex.,a o Sr. Presidente do Ministério as considerações de V. Ex.a
Quanto ao imposto de transacção, cqn-forme o Sr. Ribeiro de Melo teve ocasião de dizer, não é exacto o que no Rebate pelo Sr. Joaquim Crisóstomo foi lido.
O Sr. António Tudela foi incumbido de chefiar um'grupo de fiscalização. Este grupo desenvolveu á1 sua acção sem que qualquer embaraço lhe fosse levantado pelo Governo.
O cue se disse foi inteiramente desmentido pelo Sr. Ribeiro de Melo.
Mas isso não impede que eu transmita ao Sr. Ministro, das Finanças as considerações do Sr. Joaquim Crisóstomo.
O ilustro Senador falou também na deslocação de um funcionário que estava procedendo a várias averiguações. Isso, porém, fez~so pelas circunstâncias assim o exigirem.
O Sr. Ministro das Finanças, todos o sabem, era incapaz de qualquer acto de favoritismo em prejuízo do Estado.
O problem.a das deslocações dê pessoal demanda muita atenção do Governo; este j£ alguma cousa resolveu sobre o assunto, estando até certo ponto atenuados os inconvenientes que cortas deslocações acarretavam sempre.
O Sr. Joaquim Crisóstomo (interrompendo] : — Eu o que pedia a V. Ex.a; era que transmitisse ao Sr. Ministro das Finanças a minha opinião, adversa à suspensão dos trabalhos que o funcionário a que aludi, estava efectuando.
O Orador : — Perfeitamente. A um outro assunto se referiu ainda o Sr. Joaquim Crisóstomo, e êisse corre pela pasta que tenho a .honra de gerir.
Fez S. Ex.a um justo reparo, mas não atinge ele a acção do actual Ministro do Comércio, porquanto o assunto referente a material recebido de reparações, não está regularizado.
O Governo entendeu quê tinha capacidade para agir, e, assim, o Sr. Ministro das Finanças está estudando e há-de resolvê-lo de modo a fazer integrar nas receitas do Estado as somas que lhe forem devidas.
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Sesagç de 16 de Maio de 1924
táncia que, como contra-partida, apenas tem tido até agora as receitas provenientes das reparações.
O Sr. Ministro das Finanças está resolvendo o caso.
Logo que ele esteja definitivamente resolvido, pode S. Ex.a estar certo de que ao Governo não passará despercebido o que se relacione com a Companhia Portuguesa.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — ^E V. Ex.a tem conhecimento de inais fornecimentos a empresas particulares?
O Orador: — Não tenho.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas: — Sr. Presidente: vimos há tempo assistindo a uma ocupação .militar das cidades de Lisboa e Porto, atribuindo-se ês.se facto a motivos de ordem pública..
Mas, Sr. Presidente, ao ler hoje O Século vi um edital da autoridade militar do Pôr-to, que é uma autêntica suspensão de garantias, suspensão que pela Constituição pertence única e exclusivamente ao Congresso da República, conforme o disposto no n.° Í6.° do artigo 26.°
O edital do comandante militar do Pôr-to é bem claro, adoptando medidas que suspendem a Constituição.
E assim, desejava eu que algum dos Srs. Ministros presentes me explicasse como é que se publica um documento desta natureza.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Ministro da instrução Pública (Helcjer Ribeiro); — Sr. Presidente: visto não estar presente nenhum dos meus colegas por cujas pastas corre o assunto tratado pelo §r. Procópio de Freitas darei conhecimento a S. Ex.as dos factos apontados.
Não posso, contudo, deixar de dizer alguma cousa sobre o assunto.
Não se trata de um caso de suspensão de garantias na cidade do Porto; o ou e lá se fez foi garantir a liberdade de trabalho e a vida dos que querem trabalhar.
Tendo sido proibida uma- reunião das em grevQ Q prQçura,n.dq-SQ reunir
5P C1
elementos dessas classes, desrespeitando-se assim a autoridade e as ordens do poder civil, o Sr. governador civil do Porto viu-se obrigado a proceder como procedeu, mas fê-lo, como disse, para garantir a liberdade de trabalho e a vida dos cidadãos.
Q assunto não corre pela minha-pasta; isso, porém, não impede que o Governo tome as medidas necessárias para garantir a liberdade de trabalho e para que o respeito à vida de cada um seja um facto dentro da República.
Apoiados i
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Procópio de Freitas (para explicações) : — Sr. Presidente: não nego ao Governo o direito de empregar todos os meios ao seu alcance para garantir a ordem no nosso País.
Se viesse no edital .que tenho presente a intenção de se atingirem apenas os indivíduos que pretendem impedir, a liberdade de trabalho, esse edital não teria os meus reparos.
Mas não se trata disso; razão por que a qualquer não dou o direito de desrespeitar a Constituição da República.
Não nego ao Governo o direito de usar das faculdades que tenha para impor a ordem. Para isso tem o meu apoio; no que não tem é em praticar o flagrante delito de deixar esfarrapar a Constituição» Eis porque lavro o meu protesto contra o edital a que me estou referindo.
O orador não reviu.
Lê-se e entra em discussão a proposta de lei n,° 652 relativa à segunda época de exames na Faculdade de Direito.
E a seguinte:
Artigo 1.° Aos estudantes das Faculdades de Direito é concedida uma segunda época de exames nas mesmas condições em que já a têm os estudantes das outras Faculdades.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrário.
Palácio do Congresso da República, em 9 de Maio de 1924.— Alberto Ferreira Yidal — Baltasar de Almeida Teixeira.
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Diário âas Sessões do Senaâo
zoes justificativas da proposta de lei em discussão. Não sei se é da- autoria do Sr. Ministro da Instrução, se da autoria de qualquer Sr. Deputado, ou se é da iniciativa desta Câmara.
Para mim não é isso indiferente por-. que o Governo, pelos elementos de informação de que dispõe, é, a meu ver. a entidade mais competente para conhecer da situação dos estudantes e propor o que sobre o assunto for de justiça.
O Sr. Presidente:—E a hora de passar-se à ordem do dia.
A discussão desta proposta de lei ficará para a próxima sessão.
O Sr. José Pontes:—Sequeiro a V. Ex.a que consulte o Senado sobre se permite que continue a discussão desta proposta de lei.
O Senado permitiu.
O Sr. Joaquim Crisóstomo: — Como eu ia dizendo, pretende-se uma segunda época de exames para os estudantes de Direito da Universidade de Coimbra e alega-se que os alunos das outras Faculdades também gozam dessa prerrogativa»
Dentro dos princípios de equidade nada há mais jnsto do que aprovar a proposta de lei em discussão, mas eu ignoro qaal seja o preceito legislativo que permita, como regra geral, tal doutrina.
Precisamos atender, até certo ponto, à opinião das Faculdades de Coimbra que, numa representação que fizeram ao Senado e que eu muito desejaria conhecer, ponderaram que a proposta de lei não deve ser aprovada..
Os bons estudantes não precisam de uma segunda época de exames.
Esta proposta de lei vai aproveitar sios maus estudantes, àqueles que, durante a época escolar, andam a tocar e cantar, fazendo de artistas, por Paris, Madrid, Salamanca, Sevilha, Lisboa e Pôr:o, num pagode infinito, não aplicando a sua inteligência e o seu tempo ao estudo, de forma que, quando chega a época de exames, ou não aparecem aos actos ou são reprovados.
Depois, vêm ao Parlamento pedir uma espécie de amnistia para as irjegularida-des, abusos e pândegas em que consumiram o tempo.
Não me parece que esta proposta de seja de boa moral, de boa disciplina, de boa doutrina educativa. Admito uma providência desta ordem em casos excepcionais, como são'uma gueira, um cataclismo de ordem cósmica, uma epidemia em que os estudantes, não podendo continuar os seus trabalhos, têm de abandonar as escolas e ir para suas casas. ~
Neste caso, Sr. Presidente, muito bem.
Mas dar segunda época de exames lá porque os rapazes andaram na pândega e só quando vêem .o ano perdiclo é que se lembram da sua situação, isso é que não pode ser.
Não serei eu que com o meu voto irei concorrer para que um projecto desta ordem seja convertido em lei.
O Senado procede livremente consoante o critério dos legisladores que o compõem ; mas proceder livremente não quere dizer proceder sem conhecimento de causa.
Portanto, Sr. Presidente, em meu entender quando não se rejeitasse in limine esta proposta, o que havia a fazer era submetê-la de novo à Secção.
E agora pregunto ao Sr. Presidente, para me esclarecer, se quando a proposta foi apreciada pela Secção já tinha sido recebida a reclamação da Universidade de Coimbra contra ela.
O Sr. Presidente: — A Secção devia ter apreciado essa reclamação porque estava junta ao processo.
O Orador: — Quere dizer, a Secção procedeu livremente, porque não é obrigada a ter uma orientação conforme as reclamações que lhe fazem.
Em todo-o caso não posso deixar de tomar na devida consideração a reclamação apresentada pela Universidade de Coimbra porque não posso admitir, nem é de presumir que uma instituição dessa categoria scientífica e educativa se pronuncie por capricho.
.0 Sr. José Pontes (interrompendo): — Todos os estabelecimentos de ensino em Portugal, com excepção deste, têm segunda época de exames.
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Sessão de 16 de Maio de 1924
Eu ÍLU'oco os seus princípios democrá-icos.
Vozes: — Apoiado.
O Orador: —O Sr. José Pontes invoca os meus princípios democráticos. A palavra democracia, se alguma vez foi mal aplicada, foi agora por S. Ex.a, porque a democracia tende a favorecer os pequenos, os humildes e os pobres e as Universidades são, em geral, frequentadas por quem tem fortuna.
O Sr. José Pontes (interrompendo): — Isso não é verdade.
o
O Orador:—As escolas técnicas, essas sim, essas é que^ são em grande parte frequentadas pelas pessoas pobres.
O Sr. José Pontes:—Lamento que seja a primeira queda que V. Ex.a dá de há tempo para cá.
O Orador: — Na 'América as Universidades são sustentadas pelos particulares, porque o Estado não dá dinheiro para elas.
Os cursos superiores são criados para as elites, para aqueles que dispõem de fortuna.
É possível que cá haja quem, sendo pobre, frequente os cursos superiores; mas esses são auxiliados pelas bolsas de estudo, e são muito poucos.
O Sr. José Pontes : —A que eu ctíamo democracia é dever dar-se a estes alunos as mesmas regalias que todos os outros têm. É a moralidade do sapateiro de Braga.
O Orador :— Então não lhe chamem democracia; chamem-lhe equidade.
Sr. Presidente: creio ter manifestado e defendido suficientemente os meus princípios. A Câmara resolverá eorno entender e eu ficarei onde tenho estado, estou, e _ hei-de estar.
Tenho dito.
O orador não reviu.
Posta à votação a proposta de lei foi aprovada.
O Sr. Medeiros Franco:—Eequeiro a V, Ex.a que se digne consultar o Senado
sobre se dispensa a leitura da/ última redacção. foi concedida.
ORDEM DO DIA
i
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões): — Sr. Presidente: em continuação das minhas considerações de resposta ao ilustre Senador Sr. Ernesto Navarro, não posso deixar de esclarecer uma referência feita nos jornais, que poderia ser tomada por alguém ou como uma má intenção minha, ou como menos exactidão.
Ilefiro-me, Sr. Presidente, ao facto dalguns jornais terem dito que a transferência das oficinas do Barreiro para o Pinhal Novo custaria ao Estado 50:000 contos.
Eu não pronunciei essa frase; o que disse foi que a construção das oficinas deveria custar ao Estado 50:000 contos.
E claro que alguma cousa deveria custar a sua transferência, visto já se terem gasto mais de 1:000 contos em algumas obras que podemos classificar de inoportunas, visto que neste momento se procura gastar o menos possível.
Feito este esclarecimento, Sr. Presidente, continuo nas minhas considerações.
Vamos ver, Sr. Presidente, o' que foi o crime, o monstruoso crime do Ministro do Comércio, resolvendo as directivas financeiras dum contrato com a empresa exploradora^ da Companhia dos Caminhos de Ferro do Vai do Vouga, relativo à cedência de duas locomotivas, que até agora ainda não foram pagas.
Sr..Presidente:, quando cheguei ao Ministério do Comércio nem sequer-sabia que o assunto da cedência das locomotivas tinha sido tratado antes da minha chegada, mas tinha-o sido no tempo do Sr. Autónio Fonseca, a quem o pedido das locomotivas tinha sido feito directamente em 26 de Janeiro.
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mente prejndicava grandemente os interesses do Estado.
O Sr. António Fonseca, mandou o ofício que recebeu com o pedido à Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado.' que não se dignou responder, porque, ciosa da sua função autónoma, entendeu que o Ministro nada tinha com aquilo que ela desejava fazer sem dar satisfação a ninguém.
Só quando chegou à minha mão o processo relativo a este assunto tive conhecimento de que efectivamente o caso era anterior à minha entrada para o Ministério, tendo-o também do despacho do Sr. António Fonseca e da falta de qualquer informação da Administração Geral dos Caminhos de Ferro, a qual, no ofício da Companhia do Vale do Vouga, lançou uma informação que só agora descobri.
Em 7 de Março a Companhia do Vale do Vouga dirigiu-me, conforme tinha feito com o Sr. António Fonseca, um ofício pedindo três locomotivas, ofício sobre o qual se pronunciou a Administração Geral dos Caminhos de Ferro, nos termos que a Câmara já conhece.
Sr. Presidente: o material vindo ca Alemanha, encomendado pelos serviços autónomos do Estado, foi adquirido em virtude duma autorização do Governo. Pode ser utilizado pelos serviços que o encomendaram; mas o que não pode é ser concedido a quem quer que seja sem que disso tenha conhecimento o Estado.
Por mais que a Administração Geral dos Caminhos de Ferro entenda que pode dispor de tudo a seu-belo prazer, eu entendo o contrário, porque me Aparece que só ao Governo pertence dispo'r do que é do Estado.
E tanto assim é, que ainda neste momento não está regulado o pagamento ao Estado quer pelas empresas particulares quer pelos serviços autónomos, do material que encomendaram por conta das reparações.
Acusou-me a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado, de ânimo leve, — e não exagero classificando assim esse acto da administração,— de transgredir a opinião do Conselho de Ministros, porque foi em conselho de Ministros que foi tratar do assunto, foi com o voto dos meus colegas todos que o assunto se resolveu como não podia defe-ar
de ser. Pois a Administração Geral dos Caminhos de Ferro entendeu que só ela podia resolver o caso, porquê nem sempre o facto de se recorrer a altos poderes era razão para absolver todos os caprichos.
Nestes termos, levei o caso novamente a Conselho de Ministros, porque não estando votada na Câmara dos Deputados a proposta de lei que se refere à regularização do caso, por um lado, e não tendo o Conselho de Ministros, como eu entendi que devia fazer, resolvido qual o regime de integração da receita, proveniente das reparações, nas receitas do Estado, para fazer face à verba denominada «assistência da guerra», entendi, e entendo ainda agora, que era só ao Governo que cumpria estabelecer as bases financeiras da operação, não havendo serviço autónomo do Estado que pudesse dispor de materiais que ainda não tinha pago, não só em favor do Estado como de qualquer empresa particular.
Sr. Presidente: foi nestes termos, e só nestes termos, que a questão foi levada a Conselho de Ministros, e ainda que o Sr. Ernesto Navarro quisesse insinuar que sendo o despacho dado em Conselho de Ministros, não trazia a assinatura do Sr. Presidente do Ministério, é fácil colher a informação de que a questão foi tratada nos devidos termos, como me cumpria, e como eu as costumo sempre tratar.
Mas o Sr. Ernesto Navarro e o conselho de administração, ao solidarizar-se com ele, quis pôr em destaque que eu tinha praticado uni acto absolutamente inédito e original, um acto absolutamente novo em matéria de administração, como é o de dar conhecimento duma informação aos interessados para que eles ficassem inteirados.
Sr. Presidente: mau é que efectivamente esta questão seja tratada com paixão pessoal, mau é, Sr. Presidente, que efectivamente o Parlamento sirva pá a que se dirimam questões de caráct r pessoal, que se procure a influência do Parlamento para impedir que se cumpram todos os trâmites legais em relação a processos disciplinares que estão correndo.
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tar; estava no meu direito de a mandar informar por escrito, e não quis fazer aquilo que verbalmente pode fazer a administração dos Caminhos de Ferro, quando quere, em relação a contratos que faz. Não quis fazer o que faz o director dos Serviços Comerciais e Financeiros, no uso desse direito que não lhe contesto.
Disse eu no meu despacho à empresa que explora as linhas de Vai do Voga que representasse.
Representar é um acto que a Constituição consigna, mesmo aos próprios criminosos, concede-o a todas as pessoas que se tenham por portuguesas ou o. sejam.
Representar é um direito que se concede a todos. O direito de consultar é que nem à todos se dá.
Agora segue um outro aspecto da questão, o do Ministro do Comércio não ter zelado, como lhe cumpria, os interesses do Estado.-Não, evidentemente, porque o Ministro não fosse cuidadoso, não.
É que o Ministro do Comércio se "esqueceu de considerar a circunstância, no •despacho que deu, de ser necessário transportar travessas, como se o transporte de travessas para os Caminhos de Ferro do Estado não fosse uma cláusula a estabelecer nos termos em que a Administração dos Camindos de Ferro entendesse. • • 0 •
Os meus despachos não visam a substituir-me a ninguém, visam apenas a cumprir a minha função e a exercê-la em termos de não me meter nas atribuições dos outros, sem também admitir que os outros se imiscuam nas minhas.
O despacho que lancei nesta questão foi redigido de acordo com o resolvido em Conselho de Ministros, onde o assunto foi largamente debatido.
Deixe-me V. Ex.a dizer que uma cousa é o Estado autorizar encomendas, e outra cousa é o Estado daixar de receber aquilo que tem a receber, porque autonomias só para terem direitos não as conheço.
Conheço serviços autónomos para direitos e obrigações, mas só para direitos não.
O despacho que então dei seria demol-. de a deixar satisfeito qualquer zeloso administrador dos Caminhos de Ferro do Estado, se não houvesse da parte do Sr. Ernesto Navarro o propósito de pôr em
cheque o Ministro, porque entendeu que efectivamente o Ministro não estava no direito de fazer aquilo que fez:
S. Ex.a procedendo como procedeu, nem sequer considerou que protestava contra o Conselho de Ministros, onde há correligionários seus e onde há republicanos que não são capazes de desprestigiar as instituições, pessoas essas a quem o Sr. Ernesto Navarro não deixa nunca de prestar homenagem, essa justiça lhe faço, no despacho referido há este período : «Comunique-se esta resolução aos interessados».
Isto ficou escrito; não são palavras verbais, porque palavras leva-as o vento, e o que está escrito fica sempre.
Este despacho dimanou do facto de se considerar em Conselho de-Ministros que não convinha ao Estado ceder temporariamente locomotivas, e essa opinião não partia do Ministro do Comércio.
Partiu de quem directamente conhece o assunto e que entendeu dever expor essa opinião, a qual foi aceita pelos outros membros do Governo porque realmente se entendeu, e muito bem, que o Estado não devia ceder locomotivas senão, definitivamente, porque ceder temporariamente era sujeitar o Estado a receber por-» ventura menos do que aquilo a que tinha direito, pela dificuldade na verificação da entrega.
Essa opinião, repito, não partiu do Sr. Ministro do Comércio.
Mas não se deixou de dizer à Companhia que pagasse aos Caminhos de Ferro do Estado tudo aquilo a que eles tivessem direito, assim como despesas de fiscalização, embarque, despesas de transporte,- etc., que os caminhos de ferro tinham pago.
Isso se pretendeu acautelar no despacho que se lançou nos termos de não ficar por pagar nem um centavo daquilo que a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado tinham despendido com as locomotivas.
E é isto que veín servir agora- de acusação contra ' mim conjuntamente com a não imposição do transporte gratuito de travessas pelos caminhos de ferro do Vale do Vouga.
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buiçoes que pertenciam à Administração dos Caminhos de Ferro do Estado.
Quanto à amortização das locomotivas, far-se-ia no prazo de trinta anos^ com o juro respectivo, segundo um projecto de lei da iniciativa do Sr. Vasco Borges, de quem não sou correligionário, mas que, devo dizê-lo, foi um dos Ministros c^ue durante c tempo que esteve nesta pasta soube ocupar o- seu lugar e qua cuidou antes de mim. deste problema.
Sr. Presidente: já V. Ex.a vê a lealdade, apesar de tudo. quanto se disso em contrário, a lisura, do despacho a que me tenho referido,,
O Conselho de Ministros foi perfeitamente coerente com aquilo qne tinha inteiramente resolvido; queria a cedência definitiva, porque estando muito tempo as máquinas em serviço, seria difícil verificar depois se estavam em bom uso; resolvendo só muito excepcionalmente admitir a cedência temporária, não só para os Caminhos de Ferro do Estado, como para os de Vale do Vouga, que apesar de pertencerem a uma empresa particular. nem por isso deixam de estar sujeitos a todas as fiscalizações do Estado.
(? Mas porque era que a Companhia do Vale do Vouga não queria as locomotivas cedidas com carácter definitivo?
Quem conhece alguma cousa de caminhos de ferro sabe que não há vantagem em ter locomotivas de tipos diferentes.
Daí resultaria que a Companhia do Vale do Vouga ficava com locomotivas de tipos diferentes, e o Estado, tendo do tomar conta delas, ficaria também em iguais circunstâncias.
Eram duas entidades desservidas.
O Conselho de Administração sabe bem que o Estado não tem condições nem sítio para conservar essas locomotivas, como seria para desejar, de forma q cê estariam deteriorando-se mais do que se estivessem em. serviço.
E cèdeu-as.
Eis o formidável crime do Sr. Ministro do Comércio na questão da cedência das duas locomotivas.
Dir-se há qua tudo foi ocasionado por eu ter por mentor o Sr. Fernando áe Sousa, pessoa que faz parte da Junta Consultiva dos Caminhos de Ferro, que tem funções dentro dos caminhos de ferro ,e é indivíduo cujo valor mental © cujos
conhecimentos especiais neste assunto ninguém deixa de reconhecer.
O Sr. Ernesto Navarro bem o sabe.
S. Ex.a quando em 1919 promoveu o Sr. Fernando de' Sousa a inspector geral com certeza que o não fez como a um grande inimigo das instituições nem como a unia pessoa cuja competência fosse discutível.
Sr. Presidente: o Sr. Fernando de Sousa :aão tem voz nesta casa nem carece que o defendam. Mas* devo dizer que quando fui para o Ministério encontrei-o lá incumbido de fazer determinado trabalho sobre caminhos de ferro com engenheiros distintos como os Srs. Sequeira, Costa Serrão o Geraldes Guimarães,
O Sr. Fernando de Sousa, que não tem aqui voz; parece-me que foi inoportunamente atacado. Eu não tenho que fazer a defpsa dele.
É um engenheiro distinto e eu, que muitas vezes como jornalista tenho estado em desacordo com ele, tenho de reconhecer'que em matéria económica e em assuntos técnicos, não são realmente os ataques fáceis de certas pessoas que podem apoucar a sua capacidade.
Sr. Presidente: como V. Ex a vê, esta questão da cedência de locomotivas que o Sr. Ernesto Navarro trouxe para qui com o intuito de arrasar o Ministro e dizer cue é uma pessoa que menos considera as suas funções de Ministro se reduz a muito pouca cousa.
S. Ex.a atacou com violência, atacou com um certo poder de insinuação, que não é realmente, próprio desta Câmara, com um assunto pessoal que não está nos moldes dD Senado nem nos hábitos das pessoas que tratam .de questões administrativas, não custa nada que, quer em acorde,quer em desacordo, todos nos respeitemos.
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Assim, S. Ex.a disse qne o Ministro do Comércio, Nuno Simões,, protegeu a moagem, metendo-lhe nos bolsos 1:500 contos.
Oh! Sr. Presidente, por mais que esta questão seja efectivamente estranha a uma interpelação que S. Ex.a prometeu que seria desapaixonada, fora de qualquer preocupação pessoal e apenas dentro do estritamente marcado na nota mandada para a Mesa; por mais que assim seja, S. Ex.a chegou a fazer atírmações desta ordem: que eu, Ministro do Comércio, protegia a moagem e que estou neste lugar ao serviço dela.
O Sr. Ernesto Navarro, que é realmente, um adversário de temer, porque ataca sem olhar a meios, quis demonstrar que conhecia em toda a sua amplitude o problema dos caminhos de ferro, e quis ainda demonstrar quo a política que eu tinha feito — a chamada política de" tarifas — e que merecia o aplauso de toda a gente, visava apenas a esta cousa mesquinha e estreita: mejer nos bolsos da moagem 1:500 contos.
Esta questão das- sobretaxas não deu ao Sr. Ernesto Navarro ensejo para produzir uma argumentação fulminante, não porque lhe faltasse vontade disso,- mas porque S. Ex.a não foi feliz nas acusações que fez.
Tenho a impressão de que se o Sr. Ernesto Navarro não tivesse saído dos caminhos de ferro, nunca trataria deste caso e que se conformaria com o meu modo de ver.
S. Ex.a dirá, porém, se assim não é. E digo isto porque já lá vai um longo mês sem que S. Ex.a se lembrassex de tratar deste assunto numa representação ao Ministro do Comércio, numa reclamação, ou de qualquer outro modo, em suma.
Sobre este assunto das sobretaxas, o que a administração dos caminhos.de ferro me mandou é uma simples nota com cálculos, que é tudo quanto há de mais empírico, feita pelo Sr. Kosa Mateus, mas nota que não deu motivo a um protesto, a uma reclamação ou a uma interpelação, o que aliás nessa ocasião seria aceitável e S. Ex.a então teria toda a autoridade para dizer: discordo da política de sobretaxas adoptada pelo Ministro do Comércio, que n£o é de aceitar.
É certo que esta política de sqbreta-xas tinha-a eu feito há dois anos, data em que entendi que deveria haver um diferencial para os géneros de primeira necessidade. Foi o que fiz em 1922 e o que procurei fazer agora.
Contra aqueles que entendem que fiz mal adoptando esse regime diferencial, tenho a dizer o seguinte: E que nós não fazemos política somente pelas consequências reais das cousas, fazemos também legislação pela aparência das cousas, e um ragime democrático não pode esquecer-se de que se tem de considerar as classes pobres em face dum crescente aumento de tarifas.
. Quando a Junta Consultiva dos Caminhos de Ferro, de que faz parte o Sr. Fernando de Sousa, me apresentou o seu projecto, discordei dele, e estava absolutamente no meu direito. E sabem V. Ex.as porquê? Para meter nessa tarifa diferencial a mais produtos do que aqueles que lá estavam. Não foi para os deminuir, foi para os aumentar. E não forarn.tam poucos os que lá foram incluídos; pelo contrário, foram bastantes.
Eu, que em 1922 tinha começado essa política que há pouco disse, senti-me-ago-ra na obrigação de a continuar. E o que .fiz?
Chamei o director da fiscalização dos caminhos de ferro, o Sr. engenheiro Dantas, e discuti com'ele esta questão, incluindo nessa tarifa diferencial vários produtos, entre eles a farinha de trigo, milho, cevada e creio que centeio. Porquê? Porque entendia qur efectivamente quem paga as sobretaxas é o consumidor, porque elas recaem não sobre as farinhas utilizáveis pela moagem, mas pela panificação. E cousa curiosa! mal pensava eu que os caminhos de ferro não cumpriam o que eu tinha determinado.
^ Sabem V. Ex.as quem foi que chamou a minha atenção para o assunto?
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pelo Sr. Ernesto Navarro que isso se não tinha cumprido porque talvez desse' prejuízo ao Estado.
Ora, no regime anterior, estavam os adubos, e agora em vez de adubos ficavam no regime diferencial as farinhas, além de outros produtos que eu entendi que devia incluir.
Eu disse então: vamos verificar o que se passa e falaremos depois.
Neste momento tenho aqui um protesto dessa famigerada moagem, a quem segundo o Sr. Ernesto Navarro meti 1:500 contos nos bolsos, protesto esse que já está há muito tempo nos caminhos de ferro, e sobre o qual acaba de dar parecer a Junta Consultiva dos Caminhos de Ferro.
Ora essa famigerada moagem, que eu. servi, segundo o Sr. Ernesto Navarro., protesta contra a excepção feita a favor das farinhas e pede que o que se f a?; para com a farinha se faça-também para com o trigo, ou então que nem para o trigo nem para a farinha.
Eu já disse a V. Ex.as que o Sr. Ernesto Navarro se enganou nos cálculos que aqui citou e segundo os quais haveria uma grande deminuição de receitas. O papel que, S. Ex.a me levou apenas calculava o prejuízo dos caminhos de ferro em 922 contos. Vejam V. Ex.as como é grande a diferença entre o que o Sr. Ernesto Xavarro aqui disse e o que me expôs naquela ocasião. Também é para considerar que o transporte dos adubos representa um aumento de receita muito suDerior à deminuição de que se trata-.
O qa« é certo, Sr. Presidente, é que não foram desfalcadas as receitas do Estado e que no cofre da moagem não entraram os tais 1:500 contos. E não entraram: primeiro, porque não é essa adi-fcronça a considerar, e depois, por outras circunstâncias que só dão.
O Sr. Ernesto Navarro há-de ter, o talvez com abundância, muitos actos meus para me atacar; não necessita de insinuar aquilo que não é exacto, nem necessita do mo atacar com balas que resvalam para bater qm S. Ex.a
^êV. Ex.a, Sr. Presidente, como está posta a questão.
Não disso o Sr. Ernesto Navarro quais eram as personagens da moagem que eu procurei beneficiar. Vai muito bem à
fluência .de S. Ex.a essa omissão ; mas não vai bem às suas responsabilidades.
S. Ex.a falou, depois de ter exposto este caso das farinhas, numa outra questão, e para isso não deixou de ir buscar relatórios, quo lou com ênfase'para impressionar o Senado; não deixou também dê aludir aos meus planos ocnltos de alienação de caminhos do'ferro.
Acautele-se o Senado, que o Ministro do Comércio não está aqui senão para realizar os seus planos ocultos, senão para distribuir proventos às clientelas interesseiras.
O Ministro do Comércio não conta com ninguém.
Quem não tem dado cabo dos caminhos < de ferro, têm sido os que lá têm estado.
Quem quere cobrir todas as dificuldades de momento, quem não tem desculpa, é o Ministro do Comércio, porque esse está neste lugar para fazer uma obra de traição.
Se fosse fácil a certas pessoas serem leais como lhes cumpre e verem as responsabilidades que têm sobre si, certamente que tais palavras, palavras vãs, palavras sem significado e sem razão nenhuma, não teriam sido ditas no Senado, no Senado, que se espantou porque alguém se atrevesse a dizê-las.
Eu tenho um bafo corrosivo, e todos os adversários tremem de mim.
Ninguém deu pelo tal bafo [corrosivo senão o Sr. Ernesto Navarro.
O Ministro do Comércio cumpre singelamente a sua obrigação e tem tido a honra, quer em tal qualidade, quer como parlamentar, de receber inequívocas demonstrações- de simpatia, que ele merece simplesmente pela sua boa vontade e por trabalhar infatigavelmente (Apoiados), para ser útil ao País.
Gosto pouco de falar de mim e apesar de se falar na minha «vaidade incomensurável», quem a vê?
j;Quem foi a pessoa que eu atropelei?
,;0nde está aquele a quem eu não tenha dito leal e sinceramente que sim ou que não?
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£ Jornalista e parlamentar que sou, fazendo uma vida que não poupa sequer os amigos, é por isso que eu sou um mau cidadão ?
Não está certo, Sr. Presidente.
As questões administrativas tratam-se como questões administrativas; não comportam insinuações, não comportam senão acusações terminantes, claras e em termos de não andarmos a enxovalhar-nos uns aos outros.
Sr. Presidente: para chegar a Ministro do Comércio não solicitei favores de ninguém, nem para desempenhar as funções que me têm sido incumbidas, preciso também desse favor.
Eu não tenho clientelas interesseiras; dou a minha actividade até onde posso dá-la, mas nunca me esqueço de .que há uma natural divisória onde acabam os interesses do Estado e começam os particulares. .
Apoiados.
Diga-se o que se quiser dizer, mas diga-se com provas, para se ver até que ponto eu desmereço daquilo que a mim mesmo devo.
Eu sei, Sr. Presidente, que sou uma pessoa modesta, que não tenho a glória que tem o ilustre Senador Sr. Ernesto Navarro, de ser filho de um dos mais ilustres homens deste . país; mas não é por isso que deixo de usar um nome honrado, que foi a única herança que tive. •,
A minha responsabilidade não é menor do que a sua.
Contra mim, como em geral, contra as pessoas que em Portugal procuram sempre, através de tudo, fazer a sua obrigação, levantam-se campanhas.
Estou a senti-las; de vez em quando vêm em certas gazetas cartinhas, em que se mo fazem acusações várias.
Não sei de onde elas surgem, mas devem por certo partir de almas muito generosas, tara generosas que até escondem o nome, para que ninguém lhes possa agradecer.
. Quando na Câmara dos Deputados levantei a questão dos tabacos, também essas campanhas surgiram contra mim, na hora em que eu, que ainda não era Ministro, cumpria inalteràvelmente o de-. ver, que tem todo o parlamentar, de zelar pelo interesse público.
O Sr., Ernesto Navarro acusa-mo de
lhe ter má vontade pessoal e de me ter servido para o meu caso da minha imprensa.
-Oh! Sr. Presidente! A minha imprensa é tam restrita que não vejo razão para que se preocupem com ela.
Eu bem sei, Sr. Presidente, que a imprensa se dirige ao grande público, mas o que é verdade é que o jornal de que estou afastado desde que entrei para o Ministério, se tem coibido de estar a dizer sobre este ou sobre outros assuntos, mais do que aquelas palavras de esclarecimento que reputa indispensáveis.
Sr. Presidente: eu não tenho qualquer espécie 'de má vontade ao Sr. Ernesto Navarro, que declarou ter posto nas minhas mãos a sua demissão, no acto da minha posse.
Já tive «ocasião de informar o Senado da que eu não tive acto 'de posse, e, portanto, S. Ex.a não tinha de me pôr nas mãos a sua demissão.
Uma vez, num despacho meu, encontrou o Sr. Ernesto Navarro uni motivo de dúvida. Pediu-me, por intermédio de dois amigos meus, .que retirasse uma palavra que tinha escrito. S. Ex;a sabe que eu retirei essa palavra.
Nessa altura falou-me em demissão; mas como eu não tinha a intenção de o demitir, acedi aos seus desejos com esforço.
Os efeitos políticos que S. Ex.a procurou tirar da interpelação não me podem • atingir, nem conseguirão prejudicar a marcha do processo disciplinar que está correndo, porque .na hipótese de eu sair deste lugar, em que não tenho nenhum interesse, o magistrado incumbido da elaboração do processo elaborá-lo há com a mesma sinceridade que neste momento está empregando, de modo a manter o prestígio do poder contra todas as más vontade.
Julgo ter respondido a tudo o que o Sr. Ernesto Navarro aduziu contra mim e ainda a quantas afirmações se fizeram e não reputo dignas do Senado, para não dizer que o não são de quem as fez.
O orador não reviu.
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se alongou era assuntos diversos da interpelação, e cujos argumentos que expôs aos meus foram fraquíssimos.
O Sr. Ministro do Comércio atribuíu--me intuitcs políticos, quando ea já disse que a minha interpelação não os teve. .Fui colocado como administrador geral dos Camiaaos de Ferro do Estado muito contra minha vontade, e só a instâncias do meu partido aceitei esse cargo, como obrigação que tem todo ò partidário de corresponder aos desejos dos seus correligionários, sàcrificando-se quando é preciso.
Bem ou mal, desempenhei o cargo e ninguém pode contestar que o não fizesse com a maior dedicação.
Falou S. Ex.a na falta de lealdade com que fiz a interpelação, mas eu sinto essa falta de lealdade para com o administrador geral dos caminhos de ferro, que deixou de ter a confiança do Ministro na ocasião em que começou a ver que .lhe atiravam propositadamente com despachos que previamente se sabia que ele não podia cumprir porque eram ilegais.
Tomei a atitude que todas as pessoas de bem tomariam.
Assim, para não cumprir esses despachos ilegais, conquanto estivesse salvaguardado pela letra expressa da Constituição, que (iiz que ninguém é obrigado a fazer nada senão nos termos da lei, tomei o caminho que, como funcionário, devia tomar e pedi a minha exoneração. " A minha atitude, pois, é moita clara, é de alguém que quer estar bem com a sua consciência.
Como funcionário fiz o que entendi, como parlamentar quero explicar aos meus pares os motivos que me levaram a proceder como procedi, sobretudo quando se tem em si o princípio da disciplina.
. As palavras do Sr. Ministro do Comércio, atribuindo-me intuitos políticos, não são só injustas, são infundadas, porque S. Ex.a procedendo como procedeu para com o administrador gerai dos Caminhos de Ferro do Estado, não tem direito a meter a política nesse debate.
Foi com desdém que o Sr. Ministro do Comércio se referiu aos membros do conselho de administração dos caminhos de ferro, quo classificou de monárquicos.
Serão monárquicos, não importa saber, liem sei, mas se o são; encontrei-QS sem-
pre, desde 1917, a colaborar com os Ministros da República,, numa colaboração honrada e séria.
Os Srs. Mexia, Figueiredo e Silva Azevedo têm prestado aos diferentes Ministros a sua colaboração desinteressada.
Nunca lhes vi escritos assinados contra a República, como acontece com o Sr. Fernando de Sousa, o qual como ,enge-nheiro tem a minha consideração. E, porém, um adversário da República e, portanto, nanca podia ser um colaborador sincero dos Ministros da República.
Vou seguir os argumentos de S. Ex.a
Falei na nomeação e na reintegração de 4pis ex-funcionários dos caminhos de ferro ^do Estado, assunto que eu procurei pôr com a maior clareza, mas em que o Sr. Ministro pôs certa confusão.
S. Ex.a errou; ruas a sua obrigação era ponderar.
S. Ex.a despachou, com base no processo administrativo, raas despachou ile-galissimamente.
O administrador geral dos caminhos de ferro não tratou de saber se o beneficiado Luís António da Silva era ou não digno de comiseração, sob o ponto de^ vista de ser empregado dos caminhos de ferro; pôs de parte esse assunto e informou simplesmente o Sr. Ministro de que o processo não era legal, porque, administrativamente, para ser reformado, tinha que ser presente à junta e só depois é que se poderia s^ber se se poderia conceder-lhe a reforma nas condições que a lei indica.
Este famoso funcionário, sobre o qual V. Ex.as já estão elucidados, se fosse aposentado, sem mais nem menos, devia ficar com uma pensão ruuitô superior à que recebe a viúva de Carvalho Araújo.
Por consequência, o que é absolutamente indiscutível, é que S. Ex.a o Ministro saltou arbitrariamente por cima da lei, neste despacho que deu relativamente a Luís António da Silva, nilo respeitando nenhuma das formalidades legais, absolu-mente fundamentais, para efeitos de processo de aposentação.
Devo ainda dizer que os processos a que o Sr. Ministro se referiu não foram organizados com a responsabilidade da Administração Geral, mas, bem ou mal organizado, existe o processo político, como S. Ex.a confirmou.
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S. Ex.a fazer ver que ressaltava a declaração terminante de que este funcionário não estava em condições de ser incriminado.
Este funcionário, para provar que .esteve preso, precisou de uma certidão, que se encontra apensa ao processo administrativo.
A propósito disso, o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações quis tirar efeitos de certas afirmações respeitantes a despachos que eu dei sobre processos políticos, quando Ministro em 1919.
Evidentemente, que eu não posso ter na mente as razões justificativas do despacho a que S. Ex.a se referiu; mas devo dizer que, tendo encontrado muitos processos por resolver^ dei-lhes o respectivo despacho, não me recordando de que qualquer jornal republicano me fizesse então qualquer acusação por haver procedido a tal respeito menos republicanamente.
O Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões):—; Consulte V. Ex.a os jornais republicanos do norte!
Disseram de V. Ex.a o mesmo que V. Ex.a diz de mim.
O Orador: —Não tive conhecimento disso.
Entre os processos que encontrei havia o de um indivíduo que tinha sido obrigado a prestar juramento e a ficar ao serviço da monarquia do norte, por determinação escrita de um sou superior.
Tratava-se de um condutor de obras públicas, ou cousa que o valha, ao qual o respectivo director tinha dado ordem para prestar juramento e aceitar as novas instituições.
O funcionário em questão havia sido castigado, e o referido director continuava muito descansado no seu lugar. . Está claro que ordenei, que ele fosse imediatamente demitido.
Instei sempre, como se pode ver pelos diferentes pedidos que se fizeram para o Sr. Dr. Matos Cid, que então não sei se já era advogado dos Caminhos de Ferro do Estado, instei sempre, digo, para que esses processos voltassem para o seu lugar» isto é, que os processos políticos fossem resolvidos de qualquer maneira, e depois é que a Administração Geral dos Caminhos de Ferro do Estado os levaria a despacho.
Outro processo de reintegração é o de António José de Lima.
É quási idêntico.
Dá-se até uma circunstância, sob o ponto de vista da sua reintegração, é que tinha sido nomeado por um simples despacho ministerial, e não consta do processo que ele tivesse sido confirmado no lugar, condição esta indispensável para que, de facto, ele tivesse os direitos e regalias inerentes aos funcionários públicos.
Pois esse funcionário foi reintegrado e aposentado pelo Sr. Ministro do Comércio e Comunicações, não obstante estar fora das condições legais que são exigidas para a aposentação de qualquer funcionário do Estado, porquanto não tinha o tempo preciso para a aposentação, conforme regula a legislação em vigor sobre o assunto. r
E ainda que se tratasse de uma aposentação extraordinária, ainda havia menos razão para a conceder, visto como esse funcionário apenas tinha contribuído para a Caixa de Aposentações com a verba de seiscentos e tantos escudos, passando agora a receber mensalmente centenas de escudos.
Portanto, como o Senado vê, relativamente a estes dois casos, S. Ex.a o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações errou; mas errando de boa fé, como eu não tenho dúvida em acreditar, S. Ex.a devia imediatamente reconsiderar.
O Sr. Ribeiro de Melo: — O que eu queria ouvir era acusações concretas.
O que o Sr. Ministro do Comércio e Comunicações fez têm-no feito muitos outros.
O Orador: — O Sr. Nuno Simões tinha o direito de me atacar no Parlamento, por isso que faz parte dele, nas vezes que eu tenho sido Ministro, por qualquer acto que eu praticasse e que por S. Ex.a fosse considerado ilegal.
E preciso notar que o ataque que eu estou fazendo ao Sr. Ministro do Comércio e Comunicações fazia-o a qualquer outro Sr. Ministro, ainda que fosse meu correligionário, fazia-o a qualquer pessoa.
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Senado
Trata-se de um acto administrativo, e eu entendo que defendo gt República a que a prestigio, defendendo os princípios é a lei e njlo defendendo as pessoas.
Não há, portanto, relativamente a estes degpachoa, n menor sombra de duvido de íj:Uê foram absolutamente iiegaia, e atrabiliários, e, por consequência, contrários aos interesses do E"s,ta.do? visto qnq se reintegraram e aposentaram fuacionáriQS saindo as respectivas aposentações dçis cofres públicos,
íãôbre a mudança (Ias oficinas, do E»ar-reirp para Pinhal Noyq, fez o Si1. Ministro cio Comércio várias considerações, mas O que S. Éx.a não conseguiu demonstrar foi qua, como S. Ex,* tinha dito no seu despacho, a administração dos Caminhos dê Ferro do Estado çra obrigada a consultar o Conselho Superior dê Obras Públicas, sem o que não podia determinar que as oficinas fossem consírujdas no Barreiro em vez de, o serem BO Pinhal Novo ou em qualquer outra parte.
8, $x.a também se garrou & importância calculada para a, conatruça.o das oficinas, e, sob ês,se ponto de vista também a sua argumentação cai pela base, parecendo .que não leu a informação qiie eu e a administração 4Qs Caminhos de Ferro do ISstadq demos s0pre ,0 assunto.
Pis se §. Ex.a que a aonsírução das, oficinas no Pinhal ^ÍQVO era, pelo mejaos nesta ocasião, inoportuna, cpino querendo significar que, apesar de ser uma cousa útil, era inoportuna a sua realização, por ser uma gbr» dispendiosa,.
Mas. exactamente, porque $&%S8, medida resultava uma gra.ncje economia para, o? Caminhos de Ferro, e, portanto, par?, o Estado, é que a Administração Geral doa Caminhos, 4e Ferro tipha resolvido que a construção das o^qi.Qag ss fizess.e no Pinha.! Kovo. Eu tive acagi^o ojçi explica,!; ao Sr-, MÍAÍstro do Comércio o fundamento desta asserçãOi é que 9 íUnfaeiro que tinha de ser aplicado nas» ofioinaj tinha que ser gasto no serviço 4a. explor§,ç|of
N&o são 1:000 contos, píerdM.Qs,, Havia também qqe perder as, gpíifl4eg QÔciníis gxjsténtes quê começavam a ser demolidas, ficando absolutamente muti!iza.dap.
V, Ex,as devem conhecer os grandes hani|ares do Barreiro. Tftdo i^so, f m vez de sfer fitado abai^Qj é a,proy.eit,ad,qi cara PS serviços dia exploraça^ que» estão m
sjia maior parte s.em o abrigo indispens^-yel cara p "seu material, o que Q prejuclica con,side.TàTelmentef
Para remediar estes inconvenientes era absolutamente jn$spensáyel arranjar local, Q que equivalia a uma importante economia, pprlgso que, por exempjQj com respeito às" oficinas, se elas continuassem, qnde, estavam, 03 serviços teriam de paralisar por completo, talvez durante um ano.
Ê o djrectQr dos Ca punhos, de Ferro ponderou,: ^Pois então, agora que mais se precisa do trabalho dessas, oficinas., agora que mais necessário P.e torna que elas gn-$rejn nupja major actividade, agora é que SQ vão Emolir?
É preciso yer também qjie ps serviços das oficinas, a serem estas construídas no mesmo local? cpm, ps. embaraços, provenientes do serviço da estação qu§ está anexa, seriam bastante prejúç[ieadps..
Com a mudança para o Pinhal Novo as cousas muda,yam muito. O terreno §ra ma-gnifiGQ e «ei§ ve.zes ma,Í8 espaçoso Q Ipcal reservado as Qfiçinas, o que concorria para que as mesmag se Goneluís.sem muito mais rapidamente do que se coptinuasseni a ser construídas no Barreiro.
O Sr. Ministro 4°. Comércio, que não se mo.strpii contrário a esta mudança, nomeou uma comis.slp para est.qdar o assunto sob este ponto de yista. Na.o sei se 3. Êx.a já tem em seu poder o parecer dessa comissão, mas conhecendo eu es engenhei-PPB que iazein parte dela estpu çqnyen-cidp de que não manifestarão opinião di-yersa daquela que acabo 4e exppr.
Por cpnseqiiênçia, sob o ponto. o!e vista da economia, único argumento que S.Ex..a apresentou, o que se pretendeu foi gastar muito menos pinheiro com muito mais proveito.
AS actuais oficinas tinham para a sua instalação apenas cerca çle 39:000 metros quadrados, não se prestando a qualquer ampliação futura, emquarito que no Pinhal Novo Q terreno esçelbido media 176:000 metros quadrados. E com as colheitas de batatas e outros géneros quo tinha na ocasião escassamente chegava a custar .200 contos.
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selho jãuperipr de -Qbras Públicas Q foi ouvida uma çomissãp técnica, m&P Mina comissão técnica dp engenheiros 4ps. Caminhos de Ferro e foram èle$ que deram p seu parecer sobre, ò assunto-
Mas', ia eu dizendo que o Sr« Ministro se tinha agarrado à circunstância 4e, no contrato fe,ito para as oficinas, e.star a palavra «Barreiro». ,
Estava, «Harreirp!» cqmo pqdia estar simplesmente «as oficinas dps Caminjips de Ferro do Sul e Sueste».
ESra uma questão 4e designação, mais nada.
E a prova é que não há nenhum artigo ne.m disppsiçãp nesse contrato 4pnde, eonslte a pbrigaçãp 4e, se, fazqr a epnstrução das oficinas no Barreiro.
(jQpmo aqui já frisei, que importa, para quem tem de fornecer apenas ag cp^ertu-ras metálicas, as pontes metálicas, etcf, ter de as montar aqui ou aq.ol^?
Pelo contrário, nessas cpndiçQes espe-CÍaiSj estou certp 4e qwe melhor cpnyiria que esse trabalho fOsse feito nq Pinhal Novo.
Por consequência, não hayia, sob esse ponto de vista, o menor inconveniente em que as oficinas fôssom construídas, no Pinhal Novo.
Sr Ex.a referiu-se a várias representações que recebeu, reclaman4p contr-a a construção das pficinas no Pinhal Noyp.
Eu compreendo que p s donos dag tabernas e de outros estabelecimentos reclamassem contra a retira4a das oficinas do Barreiro, mas evidentemente que isso não era razão suficiente para se opor aos' interesses dos Caminhos de Ferrp do Estado.
Quando ps representantes 4essas classes apresentaram essas representações, ea tive ocasião de dizer que não era fundado o perigo que eles viam em que fossem prejudicadas as forças yiyas do Barreiro, péla retirada dos operários dessa localidade, porquanto a maipr parte, da popuhição operária do Barreir-q não, vivia ali. .
Mas o que ó para desgostar qualquer funcipnárib público é que, sob Q pretexto de reclamações dessas, 0 dan4o-s'e a circunstância do Sr. Ministro 4o Comércio me ter preguntadp qual a minha ppinião, tendo-lhe eu' respondido, S. Ex.a nãp ti-
y§i§@ f§it9 à W3&& çegjpsta a.mais J
phseryaçãp, p que quore djzer íjueS. J2x.a já ppon}edita\a este 4ospacjjp fqripnndp, para des.^qstar a Administraçãp dps Oa-niiinhps 4c Ferrp do instado.
3- Ex.a até à clata da minha ?aída, MQ teye nenhum factq pplo qu.al nje pijdésse acurar de falta de cprrecçã.p pu de atenção para comsigo, em seryjgq pthlicp.
Yê-se, pqrtantp, que a cgnfe§taçãQ do Sr. MÍRÍsfre do Cgmérpip reja^ivame,^ à mudança d as. oficinas, não tinha razão de ser, porquanto eya exactainen. te da, sua mudança que adyinha uma grande, e.conp-mia para Q Estado, além doutras yanta,-^eps de. carácter técnico, e não é peque.-n'a a de se. desqongestionar ês,s(ís 'sejyi-çps, para bem deles, e para, pyitar futuras complicações, que, há sempre sobre o as-s.untp.
Ppftaptqj a deliberação tomada, pelo CqnseJhP de Ádroinistraçãp dos Caminhos de Ferro do Est^do, podia ter s.idp uma simples, g^eterminftçãQ da minha pa.rte, cp-mp se (Jiz ria representação, mas. eu entendi que a devia levar à apreciaçãp do Conselho, a qual perfilhou a proposta, do 'director (los Caminhos de Ferrp' do Es.-tado.
Nenhum Ministro pode apular qualquer fupcionájip de nãp lhe dar cpnta dp tpdos ps ass.untos, •principalmente tratando-se de serviços cuja administração é autónoma.
E assim ,é que eu le,yava simplesmente a despacho aqueles assu.ntps em" ftue o Sr. MÍGJstrQ dQ Cfpmércip tinha q^ue intervir, e, que preqisavam 4a sua sanção.
Há/ppr exemplo, um assunto que, e.u tenhp •lÔya.dp 4 aprpciação de tpdos "os Ministros do Comércio, mas que ainda está sem sqluçãp no respectivo gabinete, não pbstan.te. s,evr duma. çapitalíssima importância, para ps Qaminhps, de. Ferro do Estado, e" que começou a ser tratado pp,r mim em 1917. É P que s.e. refere à passagem da es,taç,ã,p dp Terreiro 4o Paço pa,ra os terreno^ d.a Alfândega. *
Aqui tem a Câmara a respluçãp dum assuntp que depende unicamente 4o de.s-pachp ministerial, pois que exis.te um p.a-recer da Procuradoria Geral da República que, e.sclarace que aqueles terrenos pef-tencgm & Admiíiis'traçãp dps Caminhos de Fer-rp 4o IJgta4o.
emtantP, a,pe,saj desta evidência,
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Diário da* Sessões do Senado
Há cerca de 10 meses o Sr. Director dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste teve a ingenuidade de levar ao local o Sr. Ministro das Finanças de então, e o Sr. Ministro do Comércio ao tempor, e não sei se mais alguém, para que S. Ex.as vissem que aquela mudança era indispensável realizar-se.
S. Ex.ss confirmaram a necessidade que havia nessa mudança, e o Sr. Director dos Caminhos de Ferro do Sul e Sueste veio encantado com as boas vontades com que tinha deparado, mas até hoje tudo continua na mesma. E é por isso que eu digo que esse funcionário foi ingénuo, porque sabendo eu o que se tinha passado até antes sobre esse assunto, não acreditei ein que ele fosse resolvido.
Eu nunca deixei de levar a despacho .do Sr. Ministro do Comércio todas as questões, cuja resolução lhe competiam, mas o que não é prático, nem lógico, é que eu lhe levasse a despacho todos os assuntos duma administração autónoma.
S. Ex.a procedeu ao contrário, chamou a si muitos assuntos com que não tinha absolutamente nada, estabelecendo nma confusão enorme.
Foi isto que outro dia aqui frisei, lendo à Câmara aquele discurso do Sr. Fernando de Sousa em homenagem ao antigo director dos caminhos de ferro.
Por consequência, quanto às oficinas do Barreiro, se foi a Conselho de Ministros o processo inicial, quando se tratou de aprovar uma despesa, foi evidentemente porque nem o próprio Ministro tinha atribuições para autorizar essa despesa.
As atribuições do conselho de adroi— . nistração vão só ate 100 contos. Não fui eu que estabeleci isso, encontrei-o na lei.
Eu tenho tanto escrúpulo que, relativamente a fornecimento de carvão, como os concorrentes declaravam que apenas davam um prazo de vinte e quatro horas para resolver, e como essas compras representam somas respeitáveis e superiores às verbas que o conselho de administração é autorizado a despender para cumprir as disposições legais, fiz uma informação ao Sr. Ministro pedindo que autorizasse a despender mensalmente a verba necessária para a compra de car-
vão, obrigando-se o conselho a dar mensalmente contas dessa despesa.
P9Ís o Conselho de Ministros resolveu, e a meu ver, muito mal, que se procedesse nos termos legais, isto é, que para cada compra fosse necessário o despacho do Ministro e depois S. Ex.a combinaria com o Sr. Ministro das Finanças a forma de a resolver.
Pelo que a Câmara acaba de ver, eu tive sempre a preocupação de me não afastar da lei.
Quem assim procedia, quem assim tinha dado provas de maior correcção, evidentemente que merecia da parte do Sr. Ministro do Comércio uma atitude correspondente. Consequentemente o Sr. Ministro do Comércio, antes de dar um despacho, que era uma censura para o funcionário, tinha o dever de me ouvir.
Sr. Presidente, fique por consequência, o Senado esclarecido sobre este assunto, e convencido de que o conselho de administração dos Caminhos de Ferro do Estado procedera conforme os interesses do Estado e o bom senso.
Tratando do caso das locomotivas para os caminhos de ferro do Vale do Vouga, o Sr. Ministro do Comércio, certamente por engano, disse que o pedido tinha sido feito directamente pela Companhia ao Sr. Ministro do Comércio de então, António da Fonseca.
Não foi assim. O pedido foi feito pela' Companhia ao director da fiscalização dos camiuhos de ferro.
O.Sr. Ministro do Comércio e Comunicações (Nuno Simões):—Eu disse que o pedido havia sido feito por intermédio da Direcção Fiscal dos Caminhos de Ferro.
O Orador:—Neste caso das locomotivas acusou-me S. Ex.a de o não ter informado sobre o assunto.
£ Em primeiroíugar, como é que S. Ex.a queria que o informasse sobre um ofício que tinha sido dirigido à fiscalização dos caminhos de ferro e que conseqilente-mente estava fora das minhas atribuições?'. . .
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Sessão de 16 de Maio de 1924
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reunião que se realizou em 16 de Fevereiro, e o despacho que S. Ex.a aqui deu é justamente dessa data.
Porém S. Ex.a diz que só agora tem conhecimento dêgse despacho.
Mas esse despacho veio transcrito na informação que S. Ex.a deu.
Evidentemente S. Ex.a deixou de ler essa informação.
O Sr. Ministro mostrou-se surpreendido com uma resolução do conselho do qual tinha conhecimento por três documentos : pela minha informação especial, pela confirmação que acompanhou a demissão e pela própria representação do conselho.
Eu até verbalmente tinha ocasião de frisar que o objecto principal era a questão do fornecimento de travessas dos caminhos de ferro.
E diz S. Ex.a que não pôs essa condição no despacho porque não tinha que pôr.
Se a administração geral propusesse qualquer outra obrigação, estranha ao fundamento do despacho, tinha o Sr. Ministro que censurar a administração geral por fazer uma cousa para que não estava autorizada.
Ao Sr. Ministro fez-se sentir que não fosse esquecida a circunstância da obrigação do transporte de travessas.
De facto há uma qualquer cousa, que não significa nada.
O assunto presente à administração geral foi a informar aos serviços respectivos. Sobre essa informação, se tinha de' pronunciar o conselho. Após uma resolução do conselho vinham as negociações, as quais eu tinha que aguardar.
Essas negociações foram interrompi-
As informações que dão os funcionários do Estado, na defesa dos seus interesses, não é para serem conhecidas por aqueles que pretendem embaraçar a boa ordem dos serviços.
A mais elementar correcção e lógica dos serviços públicos obriga a conservarem-se essas informações, deduzindo-se delas sob o ponto de vista da argumentação, mas não as dando a conhecer aos interessados, a quem não se deve dar o direito de representação, de consulta ou como lhe queiram chamar.
S. Ex.a foi prestar justamente uma in-
formação feita pelos serviços do Estado, defendendo os interesses dos caminhos de ferro, sujeitando o funcionário que a deu a ser tratado como foi, na informação da Companhia, duma forma incorreta ã fora do normal.
Eu, quando informei o Sr. Ministro, informei-o para serem salvaguardados os interesses dos caminhos de ferro do Estado aproveitando a necessidade da Companhia, para resolvermos de acordo, olhando o assunto da falta de locomotivas que tinha a Companhia do Vale do Vouga, e olhando também às travessas que o Estado precisava e que essa Companhia tinha na sua linha.
O assunto foi abandonado por S. Ex.a, e no emtanto melhor ocasião não havia para obter uma troca do arrendamento ou cedência das locomotivas, a obrigação por parte da outra Companhia do transporte mensal de um certo número de travessas que estavam na sua linha.
Disse S. Ex.a que no Conselho de Ministros, quando este assunto foi tratado, e tratado largamente em todo o Conselho, tinham sido de opinião que a cedência só fosse definitiva.
Ora notem V. Ex.as
No primeiro Conselho de Ministros ficou assente que a cedência só fosse definitiva, e S. Ex.a a pedido da Companhia, dá outro despacho, em que se faz a cedência provisória e não definitiva.
No primeiro Conselho tinha sido resolvido isso, mas como à Companhia a solução não convinha, deu-se outro despacho.
Já V. Ex.a vê a contradição dos argumentos do Sr. Ministro do Comércio sobre este assunto e a.situação absolutamente extraordinária, que se queria criar para o caminho de ferro, de lhe tirar duas locomotivas, de que não podia dispor sem autorização do Ministro.
Pregunto eu : <_ que='que' a='a' podia='podia' geral='geral' e='e' arrendamentos='arrendamentos' administração='administração' é='é' po--dia='po--dia' sr.='sr.' o='o' p='p' negociar='negociar' ministro='ministro' esses='esses' não='não' porque='porque'>
E porque isso está nas atribuições da administração geral, porque seria da sua competência, e não faz sentido que o Sr. Ministro se sobreponha a qualquer serviço, sem saber como há-de agir
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Diário ctaS^Sesâôes 'dê Senado
panhía muito bem entendesse no fírn do dez ou onze meses, se por exemplo julgasse que as locomotivas nâp seriam para os seus serviços, niandavá-as outra, vez para os Caminhos de IVr"o tio Estado, e os caminhos de ferro, quer quisessem., quer não, tinham de ficar com elas, podendo dar-se também â inversa.
Quere dizer, os Caminhos de Ferro de Efetado eram obrigados a ficar com locomotivas que não tinham as earacterísii* cás precisas, que eram diversas do tipo que eles nsàvam nas suas liíihas, e por consequência com os inconvenientes que S. Èx.á apontou.
Ora eu pregunto Se é legítimo depois de haver uma deliberação fundamentada do Conselho de Adminí&tfaçáo, Sobre o assunto, em que salvaguardava os interesses dos caminhos de ferro, na parte que diz respeito ao fornecimento de travessas e na parte que diz respeito aos estragos nac, locomotivas, que podem Ser arrendadas ; sló existindo está deliberação, se èfa, licito ã qualquer inémbrò do Governo ou ao próprio Conselho de Ministros, mal informado, tomar a deliberação que tomou, saltando por cima das delibè-. rações do Conselho de Administração.
A hora vai adiantada e eU quero terminar ás minhas considerações.
V. Ex.a viu e Viu o Senado ôue em qualquer destes despachos, além do propósito firme, manifesto, de desconsiderai' e ferir os funcionários a quem os aSsun-toS estavam afeetos, houve flagrantes ilegalidades, houve flagrantes abusas do Poder e não só não se acautelaram, como se desprezaram por completo, os interSs-tfés que era preciso salvaguardar em aL-giins desses despachos.
Quem queira analisai este assunto sob o ponto de riátà puramente administrai!* vo, e- não se trata aqui do ponto de vista político, não pode ter unia opinião diversa dá qaô deixo àfirnlàda.
Os casos são tam claroSj tam simples, tam evidentes, que não se pfestãm a situações duvidosas, nem a interpretações diVefSáS;
São taxativos, são claros, é SÓ devidos, nâò digo à má vontade preconcebida de dar despachos ilegais, mas a unia falta dê cuidado absolutamente invulgar que nlo é defensável na situação de fôsportsabili-dfeâè dê ttm ÍtiâÍB&d ãò
Como S. Ex.à também se referiu ao caso das sobretaxas, eu devo esclarecer esse ponto, submetendo-o à apreciação do Senado, para que se veja a facilidade com que S. Ex.a saltava por cima de entidades consultivas que merecem, evidentemente, alguma consideração.
Eeferindo-se ao assunto, S. Ex.a disse que eu apenas lhe tinha entregado um papel, quando é certo que, logo que tive conhecimento do caso, tíõrri ao Ministério do Comércio para o informar do que havia.
De restd, eu já provei que a medida do Governo em nada influiria no custo da vida, pois era apenas $01(5) que poderia baixar cada quilograma de pão, o que nada representa no preço do mesmo pão.
Sr. Presidente: dou por findas as minhas considerações, tendo exposto ao Senado, com toda a clareza, os motivos que me levaram a não dar execução a despachos do Ministro, em obediência aos bons princípios e na defesa dá República.
Tenho dito.
O orador não reviu.
JLníes de se encenar a sessão
O Sr. Ribeiro de Melo: —Sr. Presidente : consta que há alteração de ordem no Porto, e que no Conselho de Ministros de hoje foi tratado o assunto..
Como o Sr. Ministro do Comércio está presente, e como ainda não há nenhuma nota oficiosa j eu preguntava a S. Ex.a se a autoridade militar, õ general da divisão do Porto, tem poder bastante para suspender a Constituição da República naquela invicta cidade.
Eis a pregunta que eu me atrevo a fazer ao Sn Ministro do Comércio, na certeza dê que esse assunto foi tratado em Conselho de Ministros, e a ele assistiu S. Ex.a
O orada f não reviu.
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Não se trata de qualquer suspensão de O. Sr. Presidente: — A próxima sessão
garantias, mas sim de medidas necessá- é na terça-feira à hora regimental, com a
rias para garantir a ordem no Porto, me- mesma ordem do dia.
didas tendentes a evitar os gravíssimos Está encerrada a sessão,
acontecimentos que se poderiam ter dado Eram 19 horas e 10 minutos. na capital do norte.