9 DE JANEIRO DE 1960 849
- porque o Governo, não se esqueça, é feito de homens, com todas as virtudes e todas as fraquezas da natureza humana - senão, através da imposição de limites à discricionaridade da recondução.
29. Há, sem dúvida, os casos excepcionais - verdadeiramente excepcionais - daqueles a quem o exercício do cargo não desgasta, a quem o tempo não faz esmorecer o entusiasmo e o dinamismo na prossecução de unia obra administrativa e a quem os anos só conquistam louros e não suscitam críticas nem descontentamentos. E há também os casos excepcionais - muito menos excepcionais, infelizmente, que os anteriores - da escassez de elites locais e da impossibilidade de encontrar quem substitua, no plano sequer do sofrível, um presidente da câmara que, embora já gasto pelo tempo, ainda cumpre com dignidade a sua missão.
Ora o mal do decreto-lei esteve, evidentemente, em não ter olhado, como devia, a esses casos de excepção, dando excessiva rigidez à medida legislativa que introduziu.
Foi especialmente este ponto que determinou a Assembleia Nacional a votar a ratificação com emendas; e, embora a Câmara Corporativa não seja convidada a pronunciar-se a esse respeito - por se tratar de matéria já arrumada pela votação da Assembleia -, nada a impede de exprimir a sua plena concordância com a atitude que a Assembleia tomou.
Simplesmente, para atender a esses casos excepcionais não é necessário regressar ao sistema da liberdade absoluta de recondução, com sujeição a todos os riscos que ele acarreta e que a experiência de vinte anos tornou patente. Pode e deve bastar a segunda ou a terceira das soluções indicadas atrás, no n.º 25.
30. Mais rigorosamente: só pode e deve aceitar-se a terceira dessas soluções.
A solução de conservar, em princípio, a liberdade de recondução por qualquer número de vezes, mas limitada por uma enumeração taxativa ou exemplificativa dos casos em que o Governo não deveria usar dessa prerrogativa, oferece tais dificuldades de concretização que deve considerar-se condenada por si própria.
Seria sempre difícil organizar, sem risco de falhas graves, uma lista das principais hipóteses em que a recondução devia ser vedada; e mais difícil seria apreciar depois, perante cada caso concreto de recondução, se devia ou não considerar-se abrangido em alguma das hipóteses enumeradas na lista.
A terceira das soluções indicadas, pelo contrário, afigura-se de execução fácil e dá plena realização ao desiderato da Assembleia, ao declarar carecido de emendas o Decreto-Lei n.º 42 178. A recondução terá um limite na ordem temporal; mas esse limite, em vez de se aplicar com a rigidez imposta por aquele diploma legislativo, será afastado nos casos que possam considerar-se verdadeiramente excepcionais.
31. É a essa solução que adere a Câmara Corporativa, restando só, dentro dela, resolver os dois pontos capitais de saber de quantas reconduções há-de ser o limite imposto e como hão-de determinar-se os casos excepcionais em que aquele limite poderá ser ultrapassado.
Quanto ao primeiro ponto, esta Câmara não tem dúvidas em perfilhar o limite dos duas reconduções preconizado pelo decreto-lei, pois pode afirmar-se que a terceira recondução, cumpridos já doze anos consecutivos de exercício do cargo, está justamente no limiar daquele risco de inversão de valores a que atrás se aludiu, no n.º 28.
Quanto ao regime de excepção, entende a Câmara Corporativa que ele tem de ser estabelecido em termos de tal «excepção» não poder facilmente transformar-se em «regra». Sendo o Ministro do Interior quem nomeia e reconduz livremente, pela primeira e pela segunda vez, os presidentes e vice-presidentes das câmaras, parece razoável fazer depender as reconduções, para além desse limite, de especial solenidade; e, para tanto, bastará estabelecer que a recondução, nesses casos, em vez de ser feita por simples portaria, deva ser feita por meio de decreto.
32. Dentro desta ordem ide ideias, a Câmara Corporativa dá também a sua concordância à doutrina do § único que o decreto-lei mandou acrescentar ao artigo 72.º do Código Administrativo, desde que subordinada à mesma excepção que acaba de propor-se para a doutrina do corpo do artigo.
Simplesmente, se o nítido alcance do preceito é dar a natureza de verdadeira recondução à nova nomeação para o mesma cargo antes de decorridos quatro anos sobre a data em que o nomeado deixou de desempenhá-lo, não se percebe por que só há-de aplicar-se essa medida a quem tenha exercido o cargo «durante doze anos consecutivos», e não a quem exerceu três mandatos sucessivos intermeados por intervalos de tempo inferiores a quatro anos. Na hipótese considerada, de facto, cada nova nomeação ocorrida antes de quatro anos sobre a anterior cessação de funções deve dentro do espírito do preceito, ser havida como uma verdadeira recondução.
Tudo se simplificará se, numa disposição mais breve que a proposta pelo decreto-lei, se disser justamente que a nova nomeação feita nas condições indicadas é equiparada à recondução para os efeitos deste artigo.
33. É razoável a disposição transitória do artigo 2.º do decreto-lei, conservando o mandato de oito anos aos presidentes e vice-presidentes das câmaras que a essa data se encontravam providos no cargo em primeira nomeação, como é razoável igualmente - dado o novo limite dos doze anos consecutivos no exercício do cargo - que esse mandato de oito anos se considere reduzido a metade se se encontravam à mesma data a exercê-lo sm regime de primeira recondução.
A própria redacção do artigo pode manter-se, salvo pequenos retoques formais; mas onde aí se falava de presidentes e vice-presidentes «actualmente providos» no cargo é forçoso falar agora de «providos no cargo à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 42 178».
34. O § único do artigo 2.º tem de desaparecer, pois o seu conteúdo esgotou-se em 31 de Março de 1959.
Em compensação, é necessário incluir no seu lugar um outro preceito - que melhor ficará sob a forma de um artigo autónomo - que regule a aplicação do novo regime das reconduções ao caso transitório previsto no artigo 2.º.
Bastará, para tanto, determinar que o mandato de oito anos exercido ao abrigo desse artigo deve ser considerado, para efeitos de aplicação do referido regime, como abrangendo um primeiro mandato de quatro anos e uma recondução por igual período de tempo.
Mas não há razão nenhuma para não aplicar o mesmo regime nos mandatos de oito anos cujo exercício se esgotou ainda antes da entrada em vigor do decreto-lei. Se, por exemplo, um presidente de câmara foi exonerado antes dessa data, depois de ter exercido um mandato de oito anos, e vem a ser nomeado de novo, após essa data, para o mesmo lugar, não há qualquer motivo para deixar de considerar aquele mandato de oito anos como abrangendo, para efeitos do novo regime de recon-