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definitivamente os juizes eleitos e autorizou o Governo á fazer nova divisão dos julgados, correspondendo a cada um deles um juiz ordinário, de preferência bacharel formado em direito, de nomeação régia, trienal, sobre uma proposta de três nomes apresentada pelo presidente, da Relação, ouvidos o juiz de direito e o presidente da Câmara respectivos.

5. O decreto de 29 de Julho de 1886 foi, de certo, o que introduziu na legislação o nome de julgados municipais. Reconhecendo que a reforma radical seria criar tantas comarcas quantas as localidades em que isso fosse indispensável à administração da justiça, limitou-se todavia a clemudar em juizes municipais os anteriores juizes ordinários, visto que, firmando o preceito da nomeação em diplomados em direito e alargando um tanto as atribuições destes, se não diferenciou considera velment e da lei anterior, sendo portanto de reconhecer que tal reforma foi mais de nome do que de essência e que a magistratura togada, municipal, de nomeação do Governo, nasceu verdadeiramente entre nós em 1869, de direito, e em 1874, de facto. Isto mesmo se pode deduzir das próprias palavras do relatório que acompanhou aquele decreto de 1886, onde textualmente diz que anão se havendo sentido falta de pessoal para os juizes ordinários, criados em 1869, que correspondiam aos juizes municipais agora instituídos, haverá candidatos habilitados aos lugares que forem criados».
A história dos julgados municipais, com suas vicissitudes, do ano de 1886 para cá, não precisa de ser lembrada. E história contemporânea e o seu processo está feito, com vincadas. expressões, no relatório do projecto de lei quê estamos -apreciando, por quem, tendo directo conhecimento dos serviços de justiça, afirma que o funcionamento dós julgados decorre, em regra, com graves faltas não só de ordem técnica profissional, mas até moral.

6. A resenha retrospectiva, que fizemos propositadamente incompleta para não. alongar, foi necessária e é suficiente para situar devidamente a questão.
Através da secular evolução da nossa magistratura secundária, verifica-se o esforço repetido, mas ainda improfícuo, para lhe assegurar, além da competência jurisperita, a indispensável independência e uma sã estrutura moral. Numa época as poucas letras, noutra as prepotências dos poderosos da terra, mais recentemente as paixões políticas, e em todos os tempos as pequenas cousas -grandes males das pequenas terras, interesses, ligações, vaidades, despeites, ambições, foram obstáculo a que aquela magistratura auferisse o respeito de que não pode deixar de estar cercada a digníssima função de julgar.
D. Manuel I viu luminosamente o problema e deu-lhe adequada solução, instituindo, por forma definitiva, os juizes de fora. Magistratura, embora de jurisdição restrita mas suficientemente extensa para interferir sensivelmente no meandro dos interesses locais, mostra a experiência que só deve ser exercida por juizes estranhos às localidades, com a amovibilidade regulada de forma a nelas jamais criar raízes. A lei de 1867, os decretos de 1874 e 1886, exigiram a formatura em leis aos juizes concelhios, mas viu-se e vê-se que ter carta de licenciado não é habilitação bastante para administrar justiça.
O juiz, a par e mesmo acima da ciência, tem de ter a consciência. Há-de possuir o carácter nobre e o espírito gentil. Não deve olhar a amisades nem a interesses ilegítimos. Não pode mergulhar a pena em fel; o coração há-de bater brando e certo para que um pulsar mais forte lhe não desvie o discernimento; e esta disciplina visceral, difícil mas imprescindível, só se obtém, segura, automática, como nos velhos e experimentados soldados, por um longo e continuado esforço de adaptação.
O juiz há-de também possuir, além do conhecimento metódico da lei, aquela cultura geral que lhe permita medir o alcance do intuito legislativo e embrenhar-se no estudo dos casos novos que lhe forem sujeitos.
A sabedoria é, por isso, sem dúvida, necessária; conveniente é promovê-la e sublimá-la; mas o carácter, aliado a faculdades de percepção clara e de bom senso, está, para um julgador, ainda acima do saber extenso e especulativo, que nem sempre l}á lugar de aplicar objectivamente.
É por isso que o estágio na magistratura do Ministério Público, nas condições em que agora é feito entre nós, tem dado bons resultados como preparador de futuros magistrados judiciais. O estágio na chefatura das secretarias judiciais, se se mantiver e apurar a disciplina a que está sujeito, poderá dar aproximados resultados.

7. Chegamos, agora, ao ponto, menos grave mas não menos delicado, que é o que contende com a vida local, o título de nobreza, o progresso, porventura a estagnação ou a decadência de uma vila e de um concelho. Há vilas que foram muitas décadas, algumas até secularmente, cabeças de comarca e estão hoje reduzidas a sedes de julgado municipal. E evidente que, perante autêntica necessidade da administração pública, não há que ter em consideração interesses locais; o progresso ou decadência dos povoados, a evolução dos transportes e outros recursos da civilização, a formação ou crescimento de novos agregados populacionais, as próprias condições gerais financeiras ou administrativas da Nação podem determinar justa alteração das divisões e subdivisões territoriais. Mas a justiça de tal alteração, no caso sujeito, não cabe numa tese, tem que decidir-se em relação a circunstâncias peculiares a cada julgado. A tese seria esta: ^os julgados municipais devem ser definitivamente extintos, por a experiência ter demonstrado serem inúteis e até prejudiciais à boa administração da justiça? «Em tal caso convirá substituí-los, no todo ou em parte, por comarcas?
Mas o projecto não comporta esta generalidade. Por um lado, extingue-os (artigo 1.º); por outro, ressuscita-os (artigo 9.º). E de confessar é que II ao poderia radicalmente extingui-los sem ponderar as circunstâncias excepcionais de alguns deles, mormente nas ilhas adjacentes, e, porventura, sem verificar se é prudente revogar o § único do artigo 2.º do Estatuto Judiciário ou contrariar, não obstante a sua elástica redacção, o § 1.º do artigo 110.º da Constituição Política da República. Segundo o projecto, a extinção efectuar-se-á imediatamente, sendo os cartórios encorporados, e em muitos casos divididos, pelas comarcas a que pertencerem as freguesias componentes; a remodelação comarca e a ressurreição de alguns só virá quando o Govêrno o julgar oportuno. Entre um e outro procedimento há, pois, um espaço de duração indefinida, no qual as sedes actuais dos julgados e os povos que lhes estão ligados ficarão sem as regalias que o presente lhes oferece e na incerteza das que o futuro lhes reservará. Não pareceu isto bem aos povos atingidos, que à Câmara Corporativa enviaram bastas e instantes representações. Parece-nos que têm razão.