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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 127
ANO DE 1937 16 DE ABRIL
SESSÃO N.º 125 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 15 de Abril
Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Exmos. Srs.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 15 horas e 27 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o último número do Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Hintze Ribeiro enviou para a Mesa um requerimento, o Sr. Deputado Madeira Pinto um projecto de lei, o Sr. Deputado Pinheiro Torres dois avisos prévios e o Sr. Deputado Schiappa de Azevedo um esclarecimento.
O Sr. Presidente propôs que uma deputação fosse, em nome da Assemblea Nacional, cumprimentar o Chefe do Estado pela passagem do nono aniversário do exercício da sua alta magistratura.
Ordem do dia. - Entrando-se na ordem do dia, usaram da palavra, sôbre os diversos assuntos de que ela se compunha, os Srs. Deputados Álvaro Morna, Lopes da Fonseca, Melo Machado, Pinto de Mesquita, Diniz da Fonseca, Mário de Figueiredo e Garcia Pereira.
A Assemblea Nacional recebeu a visita dos delegados da colónia portuguesa do Brasil, tendo-os saudado, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Vasco Borges, Correia Pinto, Álvaro Morna e D. Maria Cândida Parreira.
A sessão foi encerrada às 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 43.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 20.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 9.
Srs. Deputados que responderam à chamada:
Abílio Augusto Valdez de Passos e Sousa.
Alberto Cruz.
Alberto Pinheiro Torres.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Cancela de Abreu.
Diogo Pacheco de Amorim.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Eduardo Aguiar Bragança.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Fernando Teixeira de Abreu.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Manuel Henriques Pereira Cirne de Castro.
Francisco Xavier de Almeida Garrett.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Garcia Pereira.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
José Alberto dos Reis.
José Dias de Araújo Correia.
José Penalva Franco Frazão.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Cândida Parreira.
Mário de Figueiredo.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alexandre Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
António Pedro Pinto de Mesquita Carvalho Magalhãis.
Artur Leal Lobo da Costa.
Augusto Faustino dos Santos Crêspo.
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Francisco Correia Pinto.
Francisco José Nobre Guedes.
João Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim dos Prazeres Lança.
José Luiz Supico.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Miguel Costa Braga.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Ângelo César Machado.
António de Almeida Pinto da Mota.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria de Queiroz e Lencastre.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Saudade e Silva.
Manuel Fratel.
Querubim do Vale Guimarãis.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 22 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 43 Srs. Deputados.
Não há número para só entrar na ordem do dia, mas há para começar a funcionar a Assemblea.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 27 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário. Se algum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, pode pedi-la.
O Sr. Antunes Guimarãis: - Pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações: a p. 600, col. 2.º, lin. 27.ª, deve-se intercalar as palavras «com particular interesse» entre as palavras «olhado» e «por»; a p. 601, col. 2.ª, lin. 16.ª a contar de baixo, deve-se suprimir a palavra «eu» e substituir a palavra «dispunha» por «dispúnhamos»; e a p. 603, col. 1.ª, lin, 21.ª, em lugar de «lojas» deve ser «lotas».
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedia palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário: a p. 605, col. 2.ª, desde a lin. 44.º até à lin. 51.º, em vez do que lá está deve pôr-se o seguinte:
«O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - Como observação, direi: uma de duas, ou com a proposta se pretende que os grémios possam também transaccionar através das Bolsas de Mercadorias ou se pretende que só possam transaccionar através dessas Bolsas.
No primeiro caso é inútil, porque já está na base; no segundo, creio que é inaceitável».
O Sr. Presidente (às 15 horas e 32 minutos): - Neste momento estão na sala 45 Srs. Deputados. Portanto já há número para se poder entrar na ordem do dia.
Mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o Diário?
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, considero o Diário aprovado com as rectificações apresentadas.
Como V. Ex.ªs sabem, faz hoje nove anos que o Sr. Presidente da República começou a exercer a sua alta magistratura.
Julgo interpretar o sentir da Assemblea apresentando a Sua Excelência as nossas saudações e homenagens...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ... e proponho que uma delegação da Assemblea vá a Belém apresentar ao Sr. Presidente da República os nossos cumprimentos.
Para essa delegação indico os Srs. Deputados Schiappa de Azevedo Cancela, de Abreu e Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente: - Se algum dos Srs. Deputados deseja lazer uso da palavra antes da ordem do dia, pode pedi-la.
O Sr. Hintze Ribeiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um requerimento solicitando informações. Esse, requerimento é nos seguintes termos:
Requerimento
Peço que, polo Ministério das Finanças, Direcção da Alfândega de Lisboa, me seja fornecida nota da quantidade de chá produzido na Ilha de S. Miguel, Açores, e despachado, na acima dita Alfândega de Lisboa, para consumo.
Sala das Sessões, 15 de Abril de 1937. - O Deputado António Hintze Ribeiro.
Sr. Presidente: aproveito o estar no uso da palavra para pedir a V. Ex.ª o favor de instar, junto das instâncias oficiais, para que pelo Ministério das Obras Públicas me sejam enviadas as informações que pedi na sessão de 12 de Fevereiro próximo passado sobre o inquérito feito às consequências desastrosas dos terremotos que se produziram na Vila da Povoação, Ilha de S. Miguel, Açores, e modo de as remediar.
O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa um projecto de lei que se relaciona com a execução da lei n.º 1:947, relativa à importação e destilação de petróleos brutos e seus derivados.
Em poucas palavras justifico a necessidade dêste projecto de lei.
A lei n.º 1:947, que criou o novo regime sobre petróleos e seus derivados, fixou um determinado prazo para os requerimentos a fazer dos vários importadores e fixou também uma determinada data para entrar em vigor o novo regime.
Verifica-se porém que um determinado número de elementos que são indispensáveis aos importadores para fazerem os seus requerimentos ao Govêrno está dependente da regulamentação da lei referida, que não foi ainda publicada. Parece-me, portanto, de equidade e justiça que em novo diploma se estabeleça que a data dentro da qual devem ser feitos os requerimentos seja a contar da publicação do regulamento da citada lei e não a data que nessa lei se fixou.
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Pareceu-me isto de inteira justiça e é atendendo a esta circunstancia que eu envio para a Mesa êste projecto de lei, para o qual requeiro urgência.
É o seguinte:
«A lei n.º 1:947, aprovada pela Assemblea Nacional em 15 de Dezembro do ano findo e publicada em 12 de Fevereiro do corrente ano, que promulgou as bases para a importação, armazenamento e tratamento industrial dos petróleo s brutos, seus derivados e resíduos, submeteu estas operações ao regime nela estabelecido a partir de 1 de Abril de 1937 - base 1, n.º 1.º
No tocante às autorizações para importação e armazenagem dos referidos produtos a sobredita lei determinou que elas deveriam ser pedidas no prazo de sessenta dias contados da data da sua entrada em vigor - base XIX, n.º 1, e base XX, n.º 1.º.
Por terem surgido dúvidas sôbre a precisa execução da lei quanto à data do início do novo regime nela estabelecido e quanto ao prazo facultado aos importadores para se munirem com as autorizações previstas no título i, julgou o Govêrno necessário alterar para 1 de Junho a data estabelecida em o n.º 1.º da base I, como se mostra do decreto-lei n.º 27:599, de 24 de Março do corrente ano.
Todavia, como do seu contexto resulta, a execução da lei n.º 1:947 ficou, sob diversos aspectos directamente relacionados com os pedidos de autorização dos importadores, dependente do respectivo regulamento a publicar.
Só em face dele os importadores poderão conhecer, em toda a extensão, as obrigações que lhes são impostas; requerer tais autorizações antes de o regulamento ser publicado seria caminhar para o desconhecido.
É, assim, de equidade e justiça que o prazo fixado para a apresentação dos pedidos de autorização por parte dos importadores e a data do início do novo regime estabelecido para a importação, armazenamento e tratamento industrial dos petróleos brutos, seus derivados e resíduos, que com aquele primeiro contende, necessariamente, seja referido à data da publicação do regulamento do diploma em questão.
Por estas considerações tenho a honra de apresentar à Assemblea Nacional o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O prazo de sessenta dias fixado na base XIX, n.º 1.º, e na base XX, n.º 1.º, da lei n.º 1:947, de 12 de Fevereiro de 1937, contar-se-á a partir da data em que for publicado o regulamento da mesma lei.
Art. 2.º A entrada em vigor do novo regime de importação, armazenamento e tratamento industrial dos petróleos brutos, seus derivados e resíduos verificar-se-á decorridos que sejam trinta dias sôbre o termo do prazo fixado no artigo anterior.
Lisboa, Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 15 de Abril de 1937. - O Deputado António de Sousa Madeira Pintou.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Madeira Pinto pediu urgência para o projecto que acaba de apresentar.
Parece-me, na verdade, que o assunto ó de carácter urgente. Todavia, consulto a Assemblea sobre só o considera assim.
Submetido à votação, foi aprovada a urgência.
O Sr. Presidente: - Como se trata de uma mera alteração de prazo, proponho que o prazo parada Câmara Corporativa dar o seu parecer seja de três dias.
Foi aprovado.
O Sr. Schiappa de Azevedo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa um esclarecimento ao requerimento que apresentei na sessão do 12 de Abril, publicado no Diário das Sessões de 13.
É o seguinte:
«Esclarecimento ao requerimento por mim apresentado em sessão de 12 de Abril e publicado no Diário das Sessões n.º 124:
Os elementos que solicitei, a partir da alínea e) inclusive, devem ser organizados a partir da data da publicação do decreto n.º 21:247, de 17 de Maio do 1932».
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 15 de Abril de 1937. - O Deputado Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
O Sr. Pinheiro Tôrres: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa dois avisos prévios, para os quais eu desejo chamar a atenção do Governo.
Um deles refere-se à necessidade de modificar o decreto n.º 25:270, de 18 de Abril de 1935, relativo à classe rural do Porto; o outro refere-se ao auxílio a prestar às famílias numerosas, que, pelos sacrifícios que suportam e pela alta e nobre função moral, social e nacional que exercem, são dignas do especial amparo do Estado.
São os seguintes:
Avisos prévios
Desejo tratar, em aviso prévio, da necessidade de modificar o decreto n.º 25:270, de 18 do Abril de 1935, como o exigem os interesses legítimos da laboriosa classe rural da região do Pôrto.
O Deputado Alberto Pinheiro Tôrres.
Renovo o meu desejo de me ocupar, em aviso prévio, do auxílio a prestar às famílias numerosas, que, pelos sacrifícios que suportam e pela alta e nobre função moral, social e nacional que exercem, são dignas de especial amparo do Estado.
O Deputado Alberto Pinheiro Tôrres.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém quere usar da palavra antes da ordem do dia, vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Morna para realizar o seu aviso prévio.
O Sr. Álvaro Morna: - Sr. Presidente: antes de iniciar as minhas considerações, é meu dever agradecer reconhecidamente a V. Ex.ª a fineza que teve a bondade de conceder-me, marcando o meu aviso prévio, anunciado há tam pouco tempo, para este último dia do período parlamentar que hoje termina, sendo, para mais, tantos os assuntos a tratar nesta sessão.
Representa êsse facto, por parte de V. Ex.ª, à parte a bondade por que aqui lhe exprimo o meu profundo reconhecimento, perfeita compreensão da importância do assunto de que vou ocupar-me e da projecção que da sua urgência possa resultar no sentido da solução a obter dos poderes públicos.
Sr. Presidente: com propriedade, e muito acertadamente, invocou já desta tribuna o ilustre Deputado Sr. Dr. Diniz da Fonseca, em preâmbulo de aviso prévio, a função representativa da Assemblea Nacional.
Disse S. Ex.ª que essa função se contém implicitamente no texto constitucional e nas disposições do Regimento.
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Afirmou ainda que ela é a projecção em nossos dias das tradições das antigas Cortes e do direito de representação dos seus procuradores - direito mais que legítimo, porque nele residia em essência toda a função dos representantes da Nação nas velhas assembleas políticas. Também eu, Sr. Presidente, julgo que assim é.
Por tradição e pela letra constitucional existe de facto esse direito.
E o seu exercício envolve, sem dúvida, a mais interessante, a mais útil, a mais dignificante das funções de representação nacional em regime parlamentar moderno.
É precisamente essa função representativa, que o interesse nacional exige desta Assemblea, a que hoje assumo ao tratar em aviso prévio dos serviços de assistência e salvação no porto de Lisboa.
Sr. Presidente: pretendo chamar a atenção do Govêrno para a insuficiência, verdadeiramente deprimente, em que, sob êsse aspecto da salvação, se encontra o País, com extensa zona de mar cruzada por navegação intensíssima - um dos maiores tráfegos marítimos do mundo -, e em que, em especial, se encontra o pôrto de Lisboa, o nosso primeiro pôrto, grande porto mundial, pelos interêsses que lhe estão ligados e consequente número e tonelagem dos navios que o frequentam.
E a função de representação, Sr. Presidente, que me impõe o dever de desenrolar perante V. Ex.ª e a Câmara o quadro desolador que apresentam os serviços de assistência marítima do porto de Lisboa desde que nos falta o navio de salvação Patrão Lopes, perdido por sinistro há mais de um ano na barra do Tejo - quadro esse que a natureza, com os temporais deste inverno e sob o colorido negro dos naufrágios ocorridos, se encarregou de pôr a nu em toda a grandeza das desgraças registadas em águas portuguesas.
Nem um único barco de salvação saiu ao mar em socorro de centenas de vidas ameaçadas e dezenas de vidas que se perderam!
E a verdade é que não saiu porque a devida organização de socorros marítimos não existe e a sua falta se traduziu pela impossibilidade de qualquer tentativa de assistência.
Não se atribuam as tragédias de que foi teatro a costa de Portugal aos azares da fortuna ou fatalidade do destino.
Não!
O mar não toma compromissos sobre o momento a violência e a maneira por que desencadeia a sua acção de morte e destruição.
As tragédias de ontem hão-de ser as tragédias de amanhã, se a tempo e horas nos não prevenirmos para lhes fazer face, evitando-as ou pelo menos atenuando-lhes os efeitos.
O mar não toma compromissos para as nossas faltas de previdência e de organização.
O que se deu não pode ser lição porque não foi surpresa; mas deve constituir aviso contra a nossa incúria. Os prejuízos que se registaram, as vidas que se perderam, bradam por que se atenda ao estado alarmante da nossa assistência marítima, que ofende os deveres sagrados de humanidade e depõe implacavelmente contra o decoro de que todos nós almejamos ver aureolado o nome de Portugal.
Está ainda bem vivo na lembrança do País êsse transe doloroso que foi o naufrágio do vapor Jacobus e os seus trinta e dois tripulantes, devorados pelo mar, no temporal de 28 de Janeiro último, a poucas milhas das Berlengas.
Não há palavras que possam mostrar a grandeza trágica de tamanho sinistro.
A alma, o coração, a inteligência perdem-se na complexidade de sentimentos que desperta a situação desses desgraçados durante horas que são séculos, agarrados de princípio à esperança dos seus S. O. S. aflitivos, depois a dúvida, o desalento, o desespero, por fim a calma, resignação, o estoicismo - apanágio da alma humana quando a última esperança morre e a morte é certa. Os rádios de bordo, em que se despedem do mundo e dizem o último adeus às famílias distantes, são a mais sangrenta expressão da angústia.
Tremenda luta, Sr. Presidente, mistura de esperanças e desalentos, mixto de luz e de trevas, a agonia infinita daqueles homens!
Não é a morte que custa.
Tanto se morre no leito, amparado num ambiente de amor dolorido, como despedaçado a bordo, ou nas trincheiras sob o calor e delírio da refrega.
O que custa é o abandono, é ver ao mesmo tempo a morte e a nulidade dos esforços, pedir socorro e ele faltar, sentir o desespero, o desalento, a solidão - e esse foi o martírio dos tripulantes do Jacobus!
Direito de representação o que hoje me traz a esta tribuna. Simplesmente, essa representação não a recebo de uma classe ou parcela da comunidade nacional.
Represento neste momento o sentir e a aspiração de todos os portugueses, em cuja alma floresce, na bondade innata, o dever sagrado de humanidade que se manifesta pelo culto do altruísmo, da assistência aos que lutam com a fúria dos elementos no mar.
Mas, mais do que isso, Sr. Presidente, posso legitimamente dizer que, mais ainda do que a consciência nacional, represento o anseio e a prece da grande família dos marinheiros, família universal, homens do mundo inteiro, gente de todas as nacionalidades, para quem, nas horas do perigo e da tormenta, não há povos nem há fronteiras.
Têm todos a mesma pátria - o mar; têm todos a mesma lei - a lei de Deus, do amor e da solidariedade humana; têm todos a mesma honra - capaz de todos os sacrifícios e dos rasgos de heroísmo que levam a arriscar a própria vida para salvar a vida alheia.
Direito de representação, repito, o que hoje assumo, Sr. Presidente, e dever de consciência perante um estado de cousas que por humanidade e dignidade nacional se torna imperativamente necessário e urgente solucionar.
Sr. Presidente: em todos os países se presta atenção muito especial aos serviços de assistência no mar.
Pode afirmar-se que não há hoje pôrto de importância onde deixem de estacionar navios de salvação - do Estado, na maioria dos casos, e muitas vezes da marinha de guerra.
As marinhas de guerra inglesa, francesa, italiana, alemã e americana e, por forma geral, todas as marinhas, possuem também rebocadores de alto mar, apetrechados com toda a aparelhagem destinada ao salvamento de passageiros e tripulações dos navios mercantes, reflutuação de navios encalhados, isto independentemente de numerosos serviços auxiliares das esquadras, como reboques de alvos, assistência a lançamento de torpedos, rocegagens, fainas de mergulhador, balizagem, estabelecimento e levantamento de amarrações, e tantos outros.
Na marinha de guerra dos Estados Unidos da América está encorporada a conhecida Coast Guard, verdadeira esquadrilha tripulada por pessoal militar, que opera a assistência nas águas territoriais e ao largo nas grandes linhas de navegação, tendo ainda a seu cargo a demolição de destroços e de tudo que ande à tona, constituindo perigo para a navegação.
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Não há porto de importância que deixe de ter navios prontos a sair para o mar, ao primeiro S. O. S. - navios do Estado e da marinha de guerra, como já disse, e também de numerosíssimas empresas particulares que exploram este ramo de indústria marítima.
Em Inglaterra, conta-se por cêrca de vinte o número de grandes navios de salvação nos portos de Aberdeen, Bristol, Dower, Hull, Liverpool, Londres, New Castle, Queenstown, Southampton, Tyne e outros.
Na França, os portos de Brest, Cherbourg, Havre, Nantes, Marselha estão equipados com vários destes navios, tendo ainda Cherbourg e Nantes quatro poderosos rebocadores de alto mar.
Na Holanda - em Rotterdam, Terschelling, Hook são numerosos os navios de socorro. Só entre Rotterdam e Hook estacionam catorze.
O mesmo se dá na Dinamarca, na Suécia e na Noruega, na Bélgica, na Grécia na Itália e na Espanha.
Na Alemanha, em Cuxhaven, na cidade livre de Dantzig, em Hamburgo, Varnemunde, Swinemunde, Hoheweg, Holtenau, Neufahrwasser, são também numerosíssimos. Só em Dantzig seis rebocadores, e neste porto e no de Neufahrwasser dez navios de vária tonelagem.
Das muitas companhias e emprêsas de assistência marítima da Europa, refiro: a Bugsier Salvage Cº, de Hamburgo, que mantém vinte e um navios - entre êles o Seefalk, que costuma estacionar nos Açôres;
A Unione Italiana di Salvataggio, de Trieste, de cuja frota faz parte o Salvatore Primo, de 730 toneladas, o mais potente salva-vidas do Mediterrâneo;
A Abeille Towage § Salvage Company, com os seus numerosos Abeilles, mais de duas dezenas;
A Liverpool § Glasgow Salvage Association, que conta entre outros belos barcos o Restorer, de 550 toneladas, e o Ranger, de 400, com bombas de esgôto de 4:000 toneladas de água por hora;
Da companhia de navegação Royal Mail Steam Packet Cº, Limited, de Southampton, os seus rebocadores Neptuno e Heitor, os mais potentes da Inglaterra, têm bombas de esgôto que somam nos dois o débito de 9:840 toneladas por hora, atingindo os jactos das suas bombas de incêndio a altura de 30 metros na vertical;
À Internationale Sleepdienst de Rotterdam pertence o grande Zwarte See, de perto de 800 toneladas, que estaciona no inverno em Queenstown;
A Narsk Byergmings Kompagni, com potentes barcos nos portos da Noruega;
A Svitzer's Salvage, à qual pertence o Valkyrien, que muitas vezes estaciona no pôrto de Lisboa.
Entre nós a salvação e assistência no mar, pode dizer-se, esteve sempre praticamente a cargo da Marinha de Guerra - e tem nobres tradições na costa de Portugal.
De início, a partir de 1885, foram desempenhadas pelo Lidador. Mais tarde, em 1898, juntou-se-lhe o Bérrio.
Em 1919 entrou o Patrão Lopes, ex-alemão Newa, muito bom no seu tempo, com importante aparelhagem de esgôto, de rendimento aproximado a 3:000 toneladas por hora, compressor de ar, ferramental pneumático, apetrechamento para mergulhadores e trabalhos submarinos de destruição de navios, ferros, espias, dispositivos para foguetões e estabelecimento de cabos de vaivém, máscaras anti-gás, material eléctrico para iluminação submarina, projectores, lanchas, adaptação para rebocar.
Os serviços prestados por êste navio de salvarão Patrão Lopes, sob o comando de Monteiro de Barros, são qualquer cousa de grande, que ficará gravada em letras de ouro nos anais da Marinha de Guerra.
Em onze anos de comando, Monteiro de Barros pôs à prova as suas invulgares qualidades de marinheiro nas mais arriscadas missões, em que salvou tantos - navios e tantas vidas, e acudiu à extinção de incêndios, reboques, reflutuação de navios afundados, variados objectivos de mergulhadores, colocação e levantamento de bóias de balizagem, destruição de navios naufragados, busca e destruição de perigos flutuantes, rocegagens, e ainda serviços auxiliares de esquadra em operações, apoio a submersíveis, lançamento de torpedos, reboques de navios e alvos e tantos outros.
Só pelas assistências que deveram ser pagas recebeu o Estado quantia muito superior a 1:000 contos.
Se me propusesse dar conta a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara de toda a acção de Monteiro de Barros a bordo daquele navio não chegariam para isso muitas horas.
Não devo, todavia, deixar de citar o salvamento do lugre português Ligeiro, atacado por submarinos alemãis em frente de Esposende, que depois aparece de quilha para o ar em frente de Buarcos. Monteiro de Barros, trabalhando denodadamente durante onze dias, com a costa infestada de submarinos inimigos, que na ocasião bombardeiam o vapor Desertou, encalhado na costa de Aveiro, consegue pôr o lugre a direito, em flutuação normal, e fá-lo entrar na barra da Figueira;
Os trabalhos preparatórios do desencalhe desse mesmo vapor Desertos;
O socorro ao encalhe e naufrágio do vapor italiano Wollmate, ao norte do Cabo de S. Vicente, tendo igualmente encalhado, debaixo do nevoeiro, três navios que ali acorreram, um dos quais naufragou também;
O apoio à viagem do avião Fokker, Infante de Sagres, de Lisboa ao Funchal, em 1926;
A assistência ao holandês Meecherk, abalroado ao largo da barra de Lisboa, da qual o Estado recebeu perto de 800 contos; a prestada ao vapor Oinoussios, encalhado, em que o Patrão Lopes, debaixo de nevoeiro e de noite, bate em pedra e abre rombo, mas não abandona o sinistrado e consegue desencalhá-lo; a do navio português Audaz, encalhado ao sul do cabo Sardão, abandonado pela tripulação, em que Monteiro de Barros actuou debaixo do maior perigo; a do paquete inglês Highland Hope, encalhado nas Berlengas, salvando Barros passageiros e bagagens debaixo de temporal; e a do Ares, holandês, incendiado, a que Barros atraca para o inundar, debaixo de contínuas explosões cuspidas do interior do navio para cima do Patrão Lopes.
No encalhe do francês Henry Mari, Barros, em fundo de pedra, aproxima-se dele a menos de 150 metros.
São, emfim, sem conta os arriscados actos de assistência praticados com o cruzador Vasco da Gama, encalhado em 1932, o submarino francês Perseu, o vapor Aviz, de 1:200 toneladas, o reboque ao vapor Cabo Verde, em circunstâncias difíceis, o vapor Lizdouro, o sueco Andrios, nas Berlengas, o americano Milton, no Tejo, o alemão Deixter, na barra do Douro, o espanhol Flora, na enseada do Beliche, e muitos outros mais que seria fastidioso enumerar.
Sr. Presidente: os casos de assistência a que sumariamente acabo de aludir e de tantos outros ligados à vida do Patrão Lopes constituem verdadeiros quadros de epopeia marítima na história da Marinha de Guerra, a assinalarem a figura prestigiosa de Monteiro de Barros, que, com tanta honra, durante onze anos ligou o seu nome àquele navio e à Marinha e ao País e à humanidade.
Mas, Sr. Presidente, o Patrão Lopes, o gigante que com tanto entusiasmo defrontara o mar nas suas arriscadas missões, o barco heróico de tantas e tam teme-
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rosas emprêsas, veio a ter a sua hora fatídica - como acontece quási sempre, mais tarde ou mais cedo, aos seus congéneres.
O Patrão Lopes naufragou também!
E quis o Destino, a fatalidade trágica do Destino, que fosse Monteiro de Barros, o marinheiro de tam nobres e altas qualidades, o homem de forte envergadura que tantas cousas belas fizera, salvando vidas e haveres, que legitimamente se orgulhava dos maiores transes de altruísmo e abnegação, que fôsse Monteiro de Barros a sofrer esse duríssimo golpe, essa dor suprema, que para um comandante constituo a perda do seu navio.
Quis ainda o Destino que fosse esse grande marinheiro, que deu nobre exemplo no cumprimento do dever, quem visse perder o seu navio por falta de assistência devida - daquela mesma assistência que ele, com tanto espírito de sacrifício, inúmeras vezes aos outros tinha prestado!
Falo com perfeito conhecimento de causa, porque fui eu quem teve a honra de defender o comandante Monteiro de Barros no Conselho de Guerra a que por força da lei houve de ser submetido - e só por força da lei, porque na consciência de todos não restava a menor dúvida sôbre a sua inculpabilidade.
Pouco antes dêsse julgamento dizia-me uma das mais altas mentalidades da Marinha: «Monteiro de Barros não precisa de defesa; a sua defesa, grande, eloquente, é a sua invulgar carreira».
Assim era, de facto.
E aquele julgamento constituiu justíssimo título de glória para Monteiro de Barros - como o encalhe, à parte o dolorosíssimo golpe sofrido, constituíra também apanágio do seu heroísmo nessa trágica noite de luta com a arrebentação dos bancos para salvar o seu navio.
O acêrto das ordens, as providências que toma, os rádios que expede a dar conta a pari passu da situação e do auxílio de que precisa, e das soluções a dar, são testemunhos lapidares que ficarão na história da Marinha como alto exemplo de valor e das qualidades de um grande comandante.
Foi na noite de 29 de Fevereiro do ano findo que o Patrão Lopes regressava ao Tejo, de arriscado serviço de salvação, lançando reboque, no alto mar e com mau tempo, a uma barcaça perdida e carregada de pedra que constituía perigo para a navegação. Depois de entrar a barra, já de noite, na altura própria e obedecendo a todos os preceitos da técnica, dá começo à manobra de trazer o reboque a braço dado, ou seja da pôpa para o lado do navio.
E surpreendido por violentíssimo estoque de água, contra o qual logo reage com a força da máquina e largando um ferro; mas a amarra parte ë o navio é projectado para cima dos baixios do Bugio, começando a ser fortemente batido da arrebentação, debaixo de cachoeiras de mar, cuspido aos ares de encontro ao casco.
Emite um S. O. S. E é só perto da meia noite que chega o rebocador Cabo Raso, da Administração Geral do Pôrto de Lisboa.
Êste rebocador, que não chega a demandar 2 braças e meia, fundeia em 7 braças, amarrado a dois ferros, a 500 metros do local do encalhe, como quem vai simplesmente passar uma noite sossegada, pois, uma vez ali, não procura ter a menor comunicação com o Patrão Lopes.
Só às três horas da manhã e a instâncias de Monteiro de Barros é que entra no Patrão Lopes o oficial, da Marinha Mercante que ia a bordo do Cabo Raso, para, afinal, declarar que o rebocador não tem a borda nenhum do material necessário, nem espias, nem ancorotes, nem embarcações. E também não tem telegrafia sem fios!
O Cabo Raso vem então a Lisboa embarcar esse material que não tinha, e passava já das seis da manhã quando volta ao Bugio, mas agora para ir fundear com os mesmos dois ferros, à distância de 1 quilómetro do Patrão Lopes, e continuar ali a sua misteriosa inércia!
Disse no Conselho de Guerra e repito-o agora:
«Caso edificante: um navio vir socorrer outro que está privado de todos os meios, sem máquina, a guarnição extenuada por uma noite inteira de trabalho e perigo, as embarcações perdidas - e ser êste outro que tem de fazer tudo, que o socorrente, êsse, não fez nada!
Que diferença com o Patrão Lopes, que, invertidas as situações, cumpria brilhantemente nos mais arriscados socorros o seu nobre mester de navio de salvação!
Até o tomar conhecimento do modo como se prestou assistência a Monteiro de Barros nos incomoda. Mais valia não o saber. E se isto é connosco e agora - que não seria com ele e na ocasião?! Quanto lhe deve ter sido dolorosa a evocação do ardor, da galhardia com que se arriscava e ao seu navio e o contraste com o que se estava passando!
E havia quem se insurgisse contra a concorrência do Patrão Lopes em serviços de salvação! Que estes não eram função da Marinha de Guerra! Que êles pertenciam ao porto de Lisboa!
Mas que assistência é esta do porto de Lisboa, que deixa perder um navio já dentro do pôrto, a 9 milhas da sua base?
Que assistência é esta, que manda um rebocador a socorro sem T. S. F., sem pessoal que atenda ao Morse, sem ancorotes, sem espias, sem embarcações, sem gente sequer?
Que assistência é esta, em que um rebocador em serviço de salvação, demandando 14 pés, vai amarrar a dois ferros em 7 braças, a 1:000 metros do local do sinistro, e fica mudo e quedo, sem qualquer ligação com o sinistrado, completamente estranho ao sinistro?
Que assistência é esta, em que um rebocador deixa perder um navio que flutua em toda a sua extensão, sem pegar na ponta do cabo que êle manda para lhe dar um puxão?».
O Sr. Vasco Borges (interrompendo}: - É a assistência de um coveiro.
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. É a assistência de um coveiro.
«Não, isto não é assistência. Eu, por mim, não sei que chamar-lhe. Queria chamar-lhe desistência. Mas não posso. Desistência é o nada, e o nada toda a gente sabe o que é. E isto que se passou com Monteiro de Barros nem sequer se chega a entender.
O que sei, e desejo que se fique sabendo sem a menor sombra de dúvida, é que, se a assistência prestada a Monteiro de Barros não fosse aquela cousa que acabei de expor, se uma pálida amostra de reboque tivesse sido dada, o Patrão Lopes não se perdia».
E assim é, Sr. Presidente, porque o Patrão Lopes, seguro a um ancorote, espiado só com os recursos de bordo, flutuava na maré da manhã, e bastaria o rebocador dar-lhe esticão para o safar do baixio e o salvar.
E isto não se fez, não obstante Monteiro de Barros, com trabalho hercúleo e o auxílio do salva-vidas de Paço de Arcos, ter feito estender na direcção do Cabo Raso duas espias de aço, suspensas de balões flutuantes, na extensão total de 400 metros. Por três vezes Monteiro de Barros mandou dizer ao Cabo Raso que se aproximasse a pegar na espia ou prolongasse espia sua a pe-
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gar na flutuante, e eram já mais de nove horas quando o Cabo Raso se resolveu a dar para a embarcação do Patrão Lopes essa espia, cujo chicote ou ponta ficou à distância de umas 4 braças da flutuante - tornando-se portanto necessário que o rebocador se aproximasse ou arreasse mais a sua espia de modo a ligar com a outra.
Pediu-se instantemente ao Cabo Raso que assim fizesse, mas nada se conseguiu.
E por 4 braças não se ligaram as espias!
E por 4 braças se deixou perder o Patrão Lopes!
O Cabo Raso nem arreou espia nem se aproximou!
O Cabo Raso a nada se moveu!
E também por 4 braças - disse-o no Conselho de Guerra -- morreu a esperança de Monteiro de Barros, a sua inabalável fé de salvar o navio, e também morreram trabalhos sobrehunianos - seus e de toda - a sua gente!
Passara a preiamar, perdera-se a maré e o navio continuou em cima do baixio.
A barcaça que o Patrão Lopes trouxera do mar, com as tampas dos escotilhões arrancadas e inundada -, cai sobre o Patrão Lopes, afunda-se de proa contra êle, abre-lhe grande rombo no costado, por onde entra água em todos os compartimentos, e o navio assenta no fundo.
Assim morreu o Patrão Lopes!
Sr. Presidente: triste é a conclusão forçada a- tirar do socorro prestado ao Patrão Lopes.
Pode-se dizer que, se para tal socorro fosse requerida patente de invenção, não haveria no mundo inteiro júri nenhum que se recusasse a conferir-lha, e por unanimidade e até por aclamação.
Êsse socorro não, foi caso raro, foi caso único desde que há nautas e há naufrágios, e caso único ficará a ser, se o porto de Lisboa o não repetir.
Não se nega que nos tempos históricos a assistência marítima era a das fogueiras nos montes, para atrair os barcos às sirtes. Mas bem se sabia então que os náufragos eram condenados dos deuses, e, se sofriam a pilhagem e a escravidão, não eram contudo vítimas da surprêsa.
Sr. Presidente: pondo em foco a deficiência em que o País se encontra quanto à assistência marítima, depois que o Patrão Lopes desapareceu, não pretendo enaltecer a Marinha, ainda que para isso me assista indiscutível direito; não pretendo gravar aqui o meu profundo desgosto pela perda do Patrão Lopes, desgosto mais que legítimo, porque atinge o meu protesto contra a assistência que se lhe prestou; não pretendo tampouco ripostar à campanha que contra êle se fez pela sua concorrência aos serviços de salvação do porto de Lisboa, ainda que legal e moralmente se verifique a insubsistência e improcedência de direitos de que qualquer emprêsa particular ou do Estado queira arvorar-se para se julgar lesada pela concorrência da Marinha de Guerra nos serviços de salvação.
O que pretendo é que se adquira e depressa outro Patrão Lopes, de porte adequado e com todos os apetrechos e requisitos em uso, e que seja encorporado na Marinha, que, para mais, pelo número de unidades modernas que possue, não pode prescindir de navio dêste género para diversos e constantes serviços auxiliares de esquadra.
Pretendo-o em nome da Marinha - e dizendo em nome da Marinha digo em nome do País inteiro, porque, em assuntos de navios, ela representa sempre do País,
Somos nós quem os tripula, quem os torna eficientes, e os navios, sem nós, não valem nada.
Já um grande governador do ultramar, o saudoso marinheiro que foi Neves Pereira, tendo comprado navios em Inglaterra, depois de os armar na colónia pediu para Lisboa que lhe mandassem as guarnições.
Fez primeiro e segundo telegramas.
Não teve resposta nem lhe deram o pessoal.
O terceiro telegrama redige-o nestes termos: «Navios armados. Requisitei pessoal. Pessoal não chegou. Experimentei navegarem sem pessoal, não navegaram. Nestes termos, por imiteis, vou vendê-los»..
Escusado será dizer que imediatamente, pelo primeiro paquete, seguiam para o Congo os oficiais, sargentos e praças que os deviam guarnecer, e os navios então deixaram de ser inúteis e passaram a prestar óptimo serviço.
A Marinha, repito, quando fala em navios, fala sempre em nome do País - e é assim, em nome do País, que eu agora, perante V. Ex.ª, Sr. Presidente, e perante a Câmara, formulo o pedido da aquisição urgente de um navio de salvação para o porto de Lisboa e que esse navio seja encorporado na Marinha de Guerra.
E estou certo de que o Govêrno, por patriotismo, por humanidade e pela necessidade absoluta de precaver os seus navios contra outras vicissitudes idênticas as do naufrágio do Patrão Lopes, bem dolorosas e lamentáveis, e idênticas às da falta de socorros que ultimamente tem havido na nossa costa, não deixará de considerar em seu alto critério o pedido que acabo de formular.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado:
O Sr. Aguiar Bragança: - Requeiro a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a generalização do debate.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª sabe as circunstâncias difíceis de falta de tempo em que estamos a trabalhar nesta sessão. Não quero, porém, abrir com V. Ex.ª uma excepção, e por isso concedo a generalização do debate.
Peço, no entanto, aos Srs. Deputados que queiram fazer uso da palavra sobre o assunto o grande favor de resumirem o mais possível as suas considerações.
O Sr. Lopes da Fonseca: - Sr. Presidente: não ora intenção minha vir aqui hoje ainda. Embora tenha assistido às sessões desta Assemblea, não tenho tomado parte nas suas discussões por motivo de falta de forças, poderei mesmo dizê-lo, em consequência do meu estado de saúde.
Há, porém, casos que mandam mais do que nós, e um deles é o dever. Como se trata de assistência e salvamento, eu entendi que perante esta circunstância não há nunca fraquezas que possam justificar a nossa não presença.
Disse o ilustre Deputado Sr. comandante Álvaro Morna, ao tratar deste assunto, que êle era um assunto importante. E é de facto. S. Ex.ª comoveu-me com o seu descritivo maravilhoso de angústia, em que nos fez estar, pintando a angústia daqueles que sofriam as torturas do naufrágio; e eu senti passar pela minha vista, em elegia fúnebre, triste, dolorosa, angustiosa mesmo, a visão de um naufrágio a que os meus olhos tiveram de assistir, há já bastantes anos, e que hoje vi retratar-se nítido e perfeito. Foi na Costa Nova, o naufrágio do Veronese. Era tarde, dia tremendo de nevoeiro e ventania. O barco encalhara e perdera-se a uns metros da costa, e a aflição dos que se debatiam dentro desse navio chegava aos nossos olhos, em nítida expressão de horror e angústia, tortura de delírio, e tudo isso nós sentíamos a dois passos de nós, sem que ninguém lhes pudesse valer.
Lembro-me muito bem de que vieram poveiros afeitos a desprezar a vida própria para salvar a alheia, e vi
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a angústia que os torturava, também, por nada poderem fazer.
Deitaram-se foguetões, e os foguetões perdiam-se, sacudidos pela ventania, que não deixava sequer que um calabro pudesse chegar ao navio. Senti essa aflição, e ainda hoje, ao recordá-la, me causa calafrios de dor e angústias de tortura. Chegou, afinal, a ocasião de poder chegar ao barco um calabro, e começou-se a salvar alguma cousa em marombas estabelecidas num cabo desde o barco à praia; mas o calabro da maromba baixava, e aqueles que queriam salvar-se vinham encontrar a morte quando pretendiam a salvação.
Disse o Sr. comandante Álvaro Morna, e disse muito bem, que falava mais do que em nome de uma Pátria, porque falava em nome dos que não têm terra, dos que têm por Pátria a água, que. envolvendo toda a terra, nem limites tem.
Disse S. Ex.ª que é trágica a tortura de um salvamento. É certo, e eu, que sou alheio à marinha de guerra, que não conheço por experiência própria o que S. Ex.ª referiu acerca do Patrão Lopes, não podia deixar de acreditá-lo, porque a marinha de guerra do meu País tem tradições tam altas, através de todos os tempos, que tudo o que se possa dizer acerca de qualquer dos seus membros queda sempre aquém da verdade.
Não sou militar e também os meus filhos o não são; mas são voluntários da ordem-na expressão já hoje adoptada para designar os legionários. E devo dizer que me sinto orgulhoso por ver o coração deles aquecido pela camisola de marinheiros que vestem por pertencerem à brigada naval. Eu dei a essa brigada tudo o que Deus me deixou, depois de me ter levado um dos filhos.
Mas - há sempre um mas - a justiça feita a uns não impede a justiça feita aos outros. A justiça feita ao ilustre membro da nossa marinha de guerra não impede a justiça à marinha mercante portuguesa, que também tem páginas de grandeza tal que me levam à dúvida sobre se foi a própria marinha de guerra que começou por ser marinha mercante, ou se foi a marinha mercante que principiou por ser marinha de guerra. O que sei é que marinha de guerra e marinha mercante foram, em Portugal, uma só, para os riscos da guerra, para a glória a que aspiram e para o exemplo salutar de grandeza, de heroísmo e de fôrça que nos tem dado e que espero em Deus hão-de continuar a manter.
Eu pedi a palavra para um pequeno post-scriptum ao aviso prévio, sem dúvida notável, que o Sr. comandante Álvaro Morna fez. É que S. Exa., ao lamentar a perda do Patrão Lopes - no que todos o acompanhamos, porque para isso não é preciso ser marinheiro e basta ser português -, disse-nos que não podia esconder o seu carinho por esse barco, e nós sabemos que quando temos carinho às cousas, como o carinho que temos às pessoas, ao perdê-las, perdemos também às vezes um pouco a serenidade da justiça.
Mas é porque o amor ou o ódio, sentimentos exclusivistas, obrigam-nos a sair de nós e a sermos o que não queremos ser.
O Patrão Lopes afundou-se quando pretendia salvar. E triste, não é? É a condição normal da vida. Já os latinos diziam: Talis vita, finis ita. Assim é a vida; tal princípio, tal fim... Pois como é que havia de morrer o Patrão Lopes senão a salvar, porque para salvar êle era? E depois não. teve quem o salvasse? Acontece às vezes assim. Mas foi por falta de vontade em o salvar? Por amor de Deus, que na justiça que eu faço, e que toda a gente faz, não haveria ninguém que o não quisesse salvar.
É o próprio coração que nos manda instintivamente fazê-lo; é o nosso brio, o orgulho que nos leva a êste mesmo facto.
Quem haveria que não quisesse salvar o que em momentos de perigo estava prestes a morrer? Nem sempre, porém, o Patrão Lopes se perdeu a salvar os outros, e não o puderam salvar a ele.
Facto lamentável, indicativo de que não temos a aparelhagem indispensável? Tem o ilustre Deputado razão.
A marinha de guerra quere ter e podia ter um navio de salvação? Assim é. Concorrência em sacrifícios nunca houve; nos interesses da vida há concorrência, mas nos perigos a correr, nas desgraças a sofrer, não há concorrência; nos sacrifícios a desejar não há concorrência; chamemos antes colaboração e solidariedade que se dá ao sofrimento de todos. Não há concorrência na corrida para salvar. É bom que a marinha de guerra tenha, o seu barco de salvação. Sem dúvida nenhuma. Chamar a marinha de guerra para isso? Pois bem! E o pôrto de Lisboa também quere ter os seus objectos de salvação? Ainda bem!
O pôrto de Lisboa é Estado português, e como tal não faz concorrência a si mesmo. O que há, no que eu concordo, é que a marinha e o porto de Lisboa concorram cada um deles para a grandeza e salvação da nossa Pátria.
Essa concorrência é assim, mas nós queremo-la total, isto é, que se faça por forma a não dar lugar à injustiça a que V. Ex.ª aludiu.
Simplesmente para mostrar que de justiça se trata, mas de justiça integral, é que eu digo, falando acerca do comandante do Cabo Raso, que ó indispensável fazer justiça aos pequenos.
O documento a que me referi é datado de 13 de Março do ano passado. Nessa data o engenheiro chefe do serviço de exploração do pôrto de Lisboa mandava ao engenheiro director, e, através dêle, ao administrador geral do pôrto de Lisboa, o seguinte ofício:
Leu.
O Sr. Álvaro Morna (interrompendo): - V. Ex.ª pode dizer-me de quem é esse ofício?
O Orador: - É do engenheiro chefe do serviço de exploração do pôrto de Lisboa.
Em virtude deste oficio foi ordenado um inquérito, e esse inquérito determinou um despacho do Sr. administrador geral do pôrto de Lisboa, datado de 14 de Outubro de 1936, nos seguintes termos:
Leu.
Subscreve esta afirmação de justiça alguém que está à frente dum dos serviços mais importantes do Estado português.
Sou funcionário dessa Administração há já alguns anos. Ficava-me mal dizer fôsse o que fosse a seu respeito; todavia, não posso deixar de afirmar que se trata de alguém cuja inteligência, cuja rectidão de proceder e cuja independência de carácter são de forma a que todos aqueles que o conhecem o estimem, e a que todos aqueles que, através, seja de quem fôr, dêle tenham conhecimento, saibam que ali está um homem.
Pertence também S. Ex.ª à marinha de guerra portuguesa, e por isso ele não pretendeu, ao fazer justiça a uns, faltar com justiça a outros. S. Ex.ª seria incapaz disso. Lamentou estes factos, como todos nós, e imediatamente se esforçou por que êles não se pudessem repetir, começando desde então a diligenciar para que o porto de Lisboa fôsse dotado com um navio capaz de, em circunstâncias como aquelas, poder prestar serviços de assistência e salvamento.
Tenho, a êste respeito, dois ofícios, um enviado pelo Sr. Ministro da Marinha e outro pelo Sr. director geral da marinha. Estes dois ofícios mostram que tanto o Sr. Ministro como o Sr. director geral não entendiam
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que o pôrto do Lisboa queria fazer concorrência nos salvamentos, mas que pretendia apenas concorrer para os salvamentos.
Passo a ler Ossos ofícios, que são, respectivamente, do teor seguinte:
Leu.
Vêem V. Ex.ªs que a intervenção do pôrto de Lisboa nos sucessos não foi maior porque o não pôde ser. Á actuação do pôrto de Lisboa neste caso tem a clareza que estes ofícios indicam, e agradeço ter-mo sido dado ensejo do fazer estas afirmações, simplesmente com a ânsia de contribuir para o esclarecimento da verdade, pondo uma pedra a favor da justiça que a todos se devo.
Vou terminar repetindo umas palavras que hoje encontrei num jornal, ao ler o discurso maravilhoso que ontem o Sr. Presidente do Conselho proferiu, aqui bem perto de nós, à Embaixada dos Portugueses do Além-Mar, aos portugueses do cá. Esse discurso, a que já ontem se referiu o ilustro Deputado Sr. Vasco Borges, representa, sem dúvida alguma, pela inteligência e pelo carácter do quem o produziu, um admirável equilíbrio, do que todos nos podemos orgulhar. Pois bom: entre os períodos dêsse discurso extraordinário, há um que diz assim: «não desprezamos a fôrça da fôrça, mas queremos antes a força da razão».
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro Morna: - Peço a palavra.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª julga indispensável usar da palavra?
O Sr. Álvaro Morna: - Prometo a V. Ex.ª não ser longo, atendendo as circunstancias que se dão, mas ouvi um certo número do afirmações sobre as quais desejaria fazer uso da palavra.
Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, mas não lha posso conceder por mais de dez minutos.
O. Sr. Álvaro Morna: - Sr. Presidente: é meu dever, primeiro que tudo, agradecer ao ilustre Deputado Sr. Dr. Lopes da Fonseca ter-se ocupado do assunto do meu aviso prévio, depois da generalização do debate, e as palavras tam amáveis quanto imerecidas que se dignou dirigir-me.
Fez, contudo, S. Ex.ª afirmações nesta tribuna que não posso por forma alguma deixar passar em claro, sem sobre elas me pronunciar, porque tenho de as rectificar.
Começou S. Ex.ª por dizer que costuma fazer justiça a todos.
Também eu assim procedo.
Mas - acrescenta S. Ex.ª - tendo eu feito justiça ao meu camarada e grande marinheiro que é Monteiro de Barros e englobado nas minhas palavras o enaltecimento devido à Marinha de Guerra, fôra injusto, no ataque e acusações que fiz, para com a Marinha Mercante Nacional.
Ora o ilustre Deputado Sr. Dr. Lopes da Fonseca não pode tirar tal conclusão das afirmações categóricas, claras e concretas que aqui pronunciei.
Quem fez justiça fui eu, não foi S. Exa.
Não acusei nem acuso-a Marinha Mercante Nacional, que muito prezo e considero.
Se generalizo a uma classe, que é a Marinha de Guerra, o enaltecimento dos feitos de um dos seus componentes, de que ela legitimamente se orgulha, estou no meu pleníssimo direito.
Mas o que eu não faria, e não o faço, porque não tenho esse direito, nem isso está no meu sentir, é estender a uma classe os erros ou faltas de qualquer dos seus membros.
E foi isso o que o Sr. Dr. Lopes da Fonseca, injustamente, pretendeu atribuir-me.
Prezo muito a Marinha Mercante Nacional, Sr. Presidente.
Fui eu quem, logo no primeiro discurso que proferi nesta Assemblea, rendeu à Marinha Mercante homenagens bem sentidas, sinceras e verdadeiras.
Ninguém mais do que eu, e porque sou oficial da Marinha de Guerra, reconhece e aprecia, o valor, a dedicação, os altos serviços da Marinha Mercante Nacional.
Justiça fi-la eu, enaltecendo a Marinha de Guerra, pelos feitos de Monteiro de Barros, sem acusar a Marinha Mercante pelo procedimento que aqui verberei do responsável pela assistência, prestaria ao Patrão Lopes.
Disse S. Ex.ª que eu não demonstrei a insuficiência dessa assistência.
Mas demonstrei-a, Sr. Presidente.
E fi-lo por factos concretos.
As afirmações que aqui produzi são a síntese do que disse no Conselho de Guerra; e tudo que disse nesse Conselho se baseou em provas de declarações e depoimentos de testemunhas oculares do sinistro e no critério e conhecimento profissionais.
O que se verifica, a final, no naufrágio do Patrão Lopes é que, se o Patrão Lopes está no fundo, está no fundo também a organização dos serviços da assistência que lhe foi prestada.
Os factos ocorridos com o Patrão Lopes, só por si, são bastantes para preguntar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Câmara, se uma organização de serviços que presta uma assistência desta natureza poderá arcar, permito portugueses e estrangeiros, com a responsabilidade dos serviços de salvação.
Leu S. Ex.ª à Câmara ofícios e um despacho do Sr. administrador geral do pôrto de Lisboa.
Sem o menor desprimor para o Sr. administrador geral do pôrto de Lisboa, eu direi que as nossas situações são bem diferentes neste caso. S. Ex.ª é o chufe dos serviços que, em face das averiguações ou inquérito que fez dentro do serviço que dirige, chegou à conclusão, que traduz o seu critério pessoal, do que não houve culpabilidade por parte dos seus subordinados. Eu sou o oficial de marinha que estudou o processo, e, à face dos autos e depoimentos oculares de testemunhas estranhas ao pôrto de Lisboa, cheguei às conclusões que me permitem a afirmação concreta que faço de que o Patrão Lopes se perdeu por falta da assistência devida.
Sr. Presidente: os serviços de salvação e assistência, disse o ilustre Deputado Sr. Dr. Lopes da Fonseca, buiu podem admitir a concorrência da Marinha de Guerra, e do pôrto de Lisboa. E eu pregunto se Portugal é um país tam rico que possa arcar com os encargos e as despesas de dois navios de salvação. Tomaríamos nós ter um e que êle satisfizesse a todas as necessidades de assistência.
Um navio de salvação que possa enfrentar todas as condições de tempo e mar não pode hoje ter menos de 50 a 60 homens de tripulação - homens treinados nesse serviço, navio que esteja sempre pronto, caldeiras acusas, apto a sair para o mar à primeira voz.
E eu pregunto se o pôrto de Lisboa, não obstante todos os seus rendimentos de exploração mercantil, estará nas condições de economicamente, se abalançar a tal emprêsa.
Acresce, Sr. Presidente, em defesa do meu ponto de vista, que um navio de salvação é grande escola de
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mar para toda a tripulação, e que daí advêm altos benefícios para a Marinha de Guerra.
Nos nossos navios, distinguem-se sempre os marinheiros que passaram pelo Patrão Lopes.
Acresce ainda, como já disse, que em toda e qualquer marinha organizada há necessidade de navios deste género que desempenhem cumulativamente os múltiplos e constantes serviços auxiliares da esquadra.
E eu pregunto: não podendo a Marinha prescindir de tal navio, pode e deve o País arear com a despesa de mais um navio de salvação, entregando-o ao porto de Lisboa?
Julgo que não.
Eram estas as principais considerações que, em resposta às do ilustre Deputado Sr. Dr. Lopes da Fonseca, desejava fazer.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, agradeço ter-me permitido aduzi-las perante a Câmara, para seu esclarecimento neste debate.
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debato. Vai passar-se ao seguimento da ordem do dia.
Como V. Ex.ªs sabem, estão na Mesa, para serem ratificados, dois decretos. O n.º 27:642, publicado no Diário do Govêrno de 6 do Abril, o que abre um crédito destinado à contribuição de Portugal para as despesas com a fiscalização marítima estabelecida pelo Comité de Não-Intervenção na guerra de Espanha; e o n.º 27:647, publicado no Diário do Govêrno de 9 de Abril, o que regula a execução das medidas acordadas entro os países signatários do Acordo de Não-Intervenção na guerra civil espanhola.
Estão em discussão estes dois decretos, para serem ratificados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que ninguém podo a palavra, vai proceder-se à votação.
Foi aprovada a ratificação pura e simples dentes doía decretos.
O Sr. Presidente: - Vai entrar-se na terceira parto da ordem do dia: continuação da discussão, na especialidade, da proposta do lei referente à organização corporativa da lavoura.
Continua em discussão a base VII.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: só é desagradável falar nos últimos dez minutos da sessão, não ó menos desagradável ficar com a palavra reservada.
A hora em que eu ontem estava falando deveria encontrar-me noutro lugar, por virtude do um compromisso que tinha, de forma que assim que o Sr. Presidente me libertou da tribuna eu sai apressadamente, sem ter agradecido aos meus ilustres colegas a atenção que mo dispensaram naqueles dez minutos de fim do sessão.
Tenho de fazer uma pequena recapitulação daquilo que disso ontem, para que haja uma corta coesão nas minhas considerações, e essas observações de ontem residiam principalmente no seguinte: é que, havendo nos grémios as secções, que tratavam da parto económica, e depois as federações, também com secções para tratar igualmente da parte económica, havia sôbre as federações os organismos de coordenação económica, limite até onde seguiam os mesmos interesses económicos.
Há uma parte geral que só tem sequência na proposta até às federações provinciais, o por isso propus e defendi que houvesse ao mesmo nível dos organismos de coordenação económica a confederação das federações.
Foi isto em resumo o que disse ontem, e que mantenho, porque me parece que, assim, esbarrando estas organizações nas federações provinciais, não fica suficientemente nem completamente representada a lavoura, por isso que ela fica representada no cimo por produtos diferenciais.
O exército compõe-se do diferentes armas, mas é ao conjunto dessas armas que se chama o exército.
A instrução pública tem diferentes graus, mas são todos êsses graus reunidos que constituem a instrução pública.
Ora, da mesma maneira, a lavoura não é só o trigo, nem o vinho, nem as cortiças, nem o azeite, mas justamente o conjunto destes produtos, de maneira que eu não posso aceitar como bom que ao cimo se encontrem diferenciados estes géneros, sem nada se cuidar dos seus interesses gerais.
Tenho a impressão de que assim não haverá organização corporativa da lavoura, mas sim divisão corporativa da lavoura.
Considerar produtos isolados tem seus perigos.
Há, pelo menos, uma indicação de monocultura. E V. Ex.ªs sabem que a monocultura é uma cousa absolutamente perigosa; às pessoas que tratam desses produtos organizados singularmente têm naturalmente tendência para tratarem o pensarem única o exclusivamente nos interêsses dêsses produtos. E V. Ex.ªs sabem que, quando se alarga a cultura do trigo além dos limites naturais, vamos embirrar com a cultura do milho, vamos embirrar com a cultura do centeio, o vamos embirrar com esse problema do capital importância que é o dos pãis regionais.
Ora nada disto sucederia se se pudesse tratar em conjunto do todos os interesses.
V. Ex.ªs viram que ontem ainda um Sr. Deputado - o Sr. Viterbo Ferreira, Salvo êrro - veio aqui defender a convicção em que estava do que a excepção posta na base I se entendia com o vinho do Pôrto, o entendia S. Ex.ª que êsse vinho devia ficar excluído da organização geral. Todavia, o vinho do Pôrto tem interesses absolutamente ligados à lavoura do centro o sul do País. Quando elo pensou bastar-se a si próprio caiu no êrro do tornar os seus vinhos em aguardente. Já V. Ex.ªs vêem que não é indiferente esta política do produtos separados o que ela podo conduzir a erros graves.
Era por isso que queria no cimo qualquer cousa que estabelecesse a ligação dos interêsses gerais da lavoura.
Sei o que se me vai responder. Sei que se me vai dizer que no cimo está a corporação; mas sei também que isso não está previsto, que não se trata senão duns certos organismos da lavoura o que infelizmente o provisório em Portugal é uma cousa que quási sempre ó definitiva.
Há assuntos que dizem respeito não só a cada um dos produtos, mas a cada um em geral, e pregunto quem trata dêsses assuntos. Suponham V. Ex.ª que há una congresso de agricultura geral; quem trata dêsses assuntos?
São as repartições? São os simples burocratas? A lavoura não é para isso ouvida e achada? Vai constituir-se uma comissão especial para êsse fim?
São preguntas que deixo em suspenso na Assemblea, para que ela responda, se puder, para que ao menos me deixe a convicção do que qualquer cousa dêste género que possa coordenar os interêsses da lavoura, vem a ser a cúpula dêste edifício, que, no meu entender, está mal organizado o mal constituído, justamente pela falta dêsse organismo coordenador.
Tenho dito.
O orador não reviu.
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O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: eu não viria, a propósito da discussão na especialidade no que toca à base VII, a esta tribuna se não fôsse a circunstância de ter sido dito, a propósito de uma proposta de substituição que apresentei, que o seu alcance não parecia bem definido.
E digo que não viria porque, a meu ver, o que vai expresso nessa proposta define as dúvidas que a mim próprio coloquei quando, na generalidade, me ocupei da proposta de organização corporativa da lavoura no seu aspecto de ponto de partida de organização horizontal.
Consiste a minha proposta de alteração da base VII num pequeno aditamento e numa eliminação. Reporta-se esta à possibilidade de se constituir uma secção não diferenciada dentro dos grémios. Reporta-se a proposta de aditamento à declaração de que a constituição das secções se deverá fazer sem prejuízo do carácter de unidade dos casais agrícolas.
Esta parte a que me referi em último lugar e que, aliás, é a primeira na ordem, devo dizê-lo: é uma afirmação de princípios. A outra corresponde, em meu entender, a uma razão de texto positivo; é, como já tenho acentuado, a propósito da discussão desta proposta, a necessidade, visto a apresentação da proposta de lei em bases genéricas, de inserirmos determinadas expressões complementares, que seriam absolutamente desnecessárias se se tratasse de um diploma orgânico completo e que o seu texto nos pudesse fornecer sólidos elementos de interpretação.
Realmente eu li, quer o relatório que precede a proposta de lei, quer o parecer da Câmara Corporativa, e suponho que apreendi o espírito que determinou aquela.
Eu li, por exemplo, que o parecer da Câmara Corporativa dizia que: «Respeitando-se a unidade da casa agrícola e o modo de ser especial do lavrador - homem da terra -, a quem o interesse global da respectiva exploração impede tantas vezes de descobrir a solidariedade de interêsses que o une aos restantes cultivadores de um mesmo produto, evita-se ao mesmo tempo o inconveniente de o forçar à inscrição em vários grémios, desde que a sua produção agrícola - e é o que sucede com a totalidade ou a quási totalidade dos nossos lavradores - abranja diversos produtos ou culturas».
Pensei, de facto, na diversidade de condições que nos apresentam as diversas regiões do País. Há, efectivamente, regiões em que se dá, digamos, uma verdadeira unidade, mas apenas pessoal, na exploração de determinados produtos, podendo realmente suceder que um agricultor que se destina à exploração de um determinado produto se destine também à exploração de outros. Mas, se existe, efectivamente, entre a produção relativa a um produto e a produção relativa a outros, não direi uma completa independência mas uma acentuada diferenciação, pode, por outro lado, essa mesma unidade de exploração não ter apenas o aspecto de uma mera unidade pessoal, mas sim o de uma verdadeira manifestação real de actividade produtora, por tal forma que a cultura de um determinado produto seja complementar da de outros.
E, sendo assim, sob este aspecto, é que eu, a propósito dêste artigo, quis estabelecer a afirmação, em bases sólidas, de que deveria haver o máximo escrúpulo na constituição das secções, para que, por via delas, se não fosse inutilizar o princípio geral que está patente em toda a proposta e que vem expresso, por forma bem clara, no douto parecer da Câmara Corporativa.
Como disse, quanto a este primeiro. ponto, trata-se de uma mera afirmação de princípios. Mas eu gostaria de ver no texto que saísse daqui, desta Assemblea, qualquer expressão que estabelecesse, por forma clara, aquilo que eu penso que seja o sentido da proposta.
Eu creio que está no espírito de toda a proposta a idea de toda a organização da lavoura em bases horizontais, admitindo-se, no entanto, como regra absolutamente excepcional, que haja uma organização diferenciada, de produtos autónomos. A par desta excepção, que é aquela a que se refere a base I, no seu último período, e que, segundo aqui foi expresso, se deseja que seja aplicável à produção do vinho do Pôrto, há aquela diferenciação que se virá a dar dentro dessa orgânica horizontal e que é aquela a que a base VII se reporta.
Justamente pretendo que nessa diferenciação, que se tinha de estabelecer, se atenda às condições peculiares que, num ou noutro local, se verificam, e que se não perca de vista aquilo que com tanta felicidade a Câmara Corporativa exprime no texto a que há pouco me referi.
Feita a justificação daquele meu aditamento, suponho que está feita a justificação do aditamento que agora proponho.
A propósito da discussão na generalidade, preguntei a mim mesmo se a aceitação de produtos não diferenciados não virá realmente a transformar, por completo, a índole da proposta e a vir substituir uma organização em sentido horizontal por uma organização em sentido vertical.
Pensava que se realizaria mais o sentido da proposta não aceitando sequer a existência dessa secção de agricultura não diferenciada e que deveria ser o grémio que assegurasse a actividade e a representação dessa actividade económica.
A propósito da base VII desejava acentuar que, dando a essas uniões regionais o sentido que lhes é dado no Estatuto do Trabalho Nacional, seria bom - e isto é um voto que se exprime no sentido de à lavoura ser assegurado o lugar de manifesto relevo que não pode deixar de ser dado. E é necessário que a organização dessas uniões regionais não vá até certo ponto prejudicar-se com aquele espírito que paira sobre esta proposta e que realmente representa a idea de uma acção de perfeita opressão.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Sr. Presidente: quando eu falei na generalidade era meu intuito fazer a propósito da base VII, para mim, depois da base I, a de maior importância doutrinal, algumas considerações que me levariam algum tempo.
Sinto, porém, que todas as considerações que eu pretendesse fazer neste momento seriam justamente consideradas não como inoportunas, mas sim como importunas, pela falta de tempo.
A Assemblea está, neste momento, em condições que me dispensam de fazer as considerações que justificariam, por uma forma mais concreta, a discordância e as dúvidas que continuo a manter sobre a deficiência ou sobre a falta de eficiência prática no sentido corporativo da doutrina que se encontra consignada na base VII. Essas minhas dúvidas subsistem, porque as não vi, até êste momento, de qualquer modo esclarecidas.
Diz-se no relatório da proposta, para justificar a diferenciação, o seguinte:
Leu.
A base VII, segundo eu a compreendo, não faz uma organização horizontal, mas, pelo contrário, vertical. Procura organizar cada produto diferenciado por forma que a ligação é com os produtores de todo o País e não entre os mesmos produtos de uma determinada região
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ou entre os produtos que ficam organizados em determinados grémios.
Suponho que no sentido corporativo li avia que relacionar a interdependência da produção que ficava organizada num grémio, mas parece-me que se pretendeu fazer a organização no sentido vertical, isto é, o mesmo produto em todo o País, e por isso o grémio seria constituído por tantos produtores quantos os produtos diferenciados.
Suponho que, neste sentido, se não realiza propriamente aquela coordenação, aquela solidariedade entre os diferentes factores da produção e que é, a meu ver, o sentido último e social do regime corporativo.
Se se trata propriamente de fazer uma coordenação ou disciplina económica de determinado produto, não é, em minha opinião, esse o sentido corporativo.
Esta coordenação económica tem-se feito até hoje e mesmo em relação aos outros produtos, sobretudo aos de exportação ou de difícil colocação no País.
O sentido corporativo não poderá caminhar nesta orientação sem se tornar um elemento perturbador (Ias economias regionais.
Na proposta diz-se:
Leu.
Mas, Sr. Presidente, eu suponho que, dentro do sentido corporativo, não é propriamente a defesa dos produtos que há a fazer. O que há a fazer é a solidariedade da produção e, por conseguinte, de todos os factores que entram na produção em determinada região e de determinados produtores.
A seguir diz-se no relatório:
Leu.
Parece-me, Sr. Presidente, que é difícil fazer a ligação entre as duas defesas; por um lado, diz que se trata de fazer melhor a defesa dos interesses do produtor, fazendo a divisão por secções, e, por outro lado, diz-se que convém atender à interdependência e solidariedade dos interêsses, podendo colhêr-se muito melhores resultados da solidariedade local do que de pontos afastados.
Continuam a subsistir as minhas dúvidas, mas não devo alongar mais as minhas considerações nem apresentar dois casos concretos que ilustrariam a deficiência que existe nesta base, porque, como disse, julgo importuno tudo quanto sobre matéria doutrinária viesse dizer neste momento.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: para concentrar ao máximo neste momento as minhas considerações, vou procurar responder, sem intuito de crítica directa, às críticas que foram feitas à base VII, e por maneira a que da exposição que faça, relativamente à doutrina dessa base, resulte, embora indirectamente, a crítica às considerações que foram produzidas pelos ilustres oradores que me precederam na tribuna.
Organização dos grémios por secções relativas aos produtos diferenciados e possibilidade do existência de uma secção que compreenda os produtos não diferenciados.
Quanto aos produtos diferenciados, não colhe a crítica de que faltam organismos superiores de coordenação. Faltam neste momento, na hierarquia, corporativa, as corporações. Aparecem superiormente a substituir a corporação os organismos de coordenação económica.
Portanto, quanto às secções diferenciadas não pode prevalecer a afirmação de que vem a faltar o organismo superior que há-de coordenar as actividades em causa. Esse organismo superior necessariamente existo.
A crítica, portanto, só pode referir-se aos produtos não diferenciados.
No grémio pode haver uma secção não diferenciada, conforme se lê na base VII. E uma possibilidade que teria realização naturalmente. Isso resulta da própria redacção do texto da base VII, que teria execução naturalmente em casos particulares.
Quais serão êsses casos? Dum modo geral não haveria a secção relativa, aos produtos não diferenciados, mas pode suceder que numa certa região, numa certa circunscrição do País, haja um produto de grande importância para a economia da região e relativamente ao qual não haja feita a organização diferenciada. E então, porque aparece na proposta a possibilidade da constituição duma secção relativa a produtos não diferenciados? E precisamente para haver uma pessoa, ou director desta secção ou seu adjunto, uma pessoa que cuide da política deste produto que não se organizasse diferenciadamente, que por hipótese só interessa a uma determinada região ou a alguma circunscrição.
E aqui está, repito, porque na proposta, ao lado da constituição das secções diferenciadas, aparece a possibilidade da constituição de outras...
O Sr. Pinto de Mesquita (interrompendo): - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Pinto de Mesquita: - É apenas para referir que, numa proposta de alteração à base XII que eu apresentei, tinha resolvido esse inconveniente que V. Ex.ª apresenta por outra forma.
O Orador: - Eu estava a colocar-me dentro da economia da base VII. Estava a continuar na minha crítica às considerações do Sr. Melo Machado.
Mas se êste é o pensamento desta proposta, estas secções que abrangeriam os produtos não diferenciados, que não numa organização geral, podiam existir apenas numa ou noutra região.
A política do produto não é uma política geral do produto, visto que se trata de secções relativas a produtos que interessam a determinada região. Nessa hipótese é que se realizaria a secção relativa aos produtos não diferenciados.
(Nesta altura o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis é substituído na Presidência pelo Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior).
Logo, não há que pôr cousa alguma sobre a secção não diferenciada, sobre a secção relativa a produtos não diferenciados.
Mas a isto ainda pode contestar-se e responder-se.
O grémio, mesmo que não tenha uma secção relativa a produtos não diferenciados, há-de tratar dos interesses gerais da região, sob uma coordenação superior, que é a do Govêrno.
Creio que as considerações gerais que fiz são suficientes para responder à generalidade das críticas que foram feitas à base VII da proposta em discussão, e por elas elas me fico.
Tenho dito.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrita sobre esta base.
Vai ser posta à votação a base VII.
Sobre a alínea 1) desta base há uma proposta de eliminação do segundo período, da autoria do Sr. Pinto de Mesquita, que é assim redigida (Leu):
Submetida à votação, foi rejeitada a proposta de eliminação, do Sr. Pinto de Mesquita.
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O Sr. Presidente: - Vai ser posta à votação a alínea 1) com o aditamento proposto pelo Sr. Pinto de Mesquita, aditamento que é redigido nos seguintes termos (Leu):
Submetida à votação, foi rejeitada a alínea 1) com o aditamento do Sr. Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente: - Vai ser pôsto à votação o texto da alínea 1) sem o aditamento.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Relativamente à alínea 2) da base vil está na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Diniz da Fonseca, que diz assim (Leu):
Vai ser posta à votação.
O Sr. Melo Machado: - Eu acho que essa proposta está prejudicada por votações que se fizeram anteriormente, em que se deu satisfação a alguns princípios postos pelo Sr. Diniz da Fonseca e não se deu a outros.
Por esta razão peço a V. Ex.ª que consulte o Sr. Diniz da Fonseca sobro se a considera ou não prejudicada.
O Sr. Diniz da Fonseca: - Eu creio que está prejudicada.
O Sr. Presidente: - Nesse caso retiro-a da votação. Há ainda dois aditamentos à alínea 2). Vou pôr à votação o texto da alínea sem a emenda. Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vou agora pôr à votação os dois aditamentos. Em primeiro lugar submeto o apresentado pelo Sr. Antunes Guimarãis, assim concebido (Leu):
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Segue-se agora o aditamento proposto pelos Srs. Deputados Melo Machado e Franco Frazão, assim concebido (Leu):
Submetido à votação, foi rejeitado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base viu. Sobre esta base há na Mesa um aditamento do Sr. Deputado Pinto de Mesquita, assim concebido: Leu.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: não pronunciarei muitas palavras para justificar os aditamentos que mandei para a Mesa a respeito desta base.
Eu faço justiça à formação jurídica do ilustre titular da pasta da Justiça, para supor que não estará na sua idea o propósito de excluir a apreciação contenciosa das deliberações que venham a ser tomadas nesta matéria.
Era apenas isso que eu queria salientar nesta tribuna.
Foi ainda pela razão de estarmos a votar um diploma bastante vago, a votar, a meu ver, somente bases e quási a não votar uma lei, e poder amanhã supor-se que só estava compreendido neste diploma aquilo que nele vem especificadamente marcado, devendo assim concluir-se pela exclusão da apreciação contenciosa.
O orador não reviu.
(O Sr. José Alberto dos Reis assume de novo a Presidência).
Submetida à votação, foi aprovada a base VIII, bem como o aditamento apresentado pelo Sr. Pinto de Mesquita.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IX, sôbre a qual há uma proposta do Sr. Deputado Garcia Pereira, adoptando, quanto à alínea a), a sugestão da Câmara Corporativa.
O Sr. Melo Machado: - Essa emenda da Câmara Corporativa diz respeito à cobrança do cotas, diferenciadas em classes.
Ora eu devo dizer que não compreendo nem concebo como se poderá efectivar essa diferenciação de classes para pagamento de cotas.
Sou de parecer de que a cota a estabelecer tem de ser absolutamente mínima, plenamente justificada com quaisquer serviços que essa organização possa prestar.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Exa. acha justo que um grande proprietário, que utiliza em muito maior escala os serviços do grémio, pague a mesma cota que um pequeno proprietário, que os utiliza menos?
O Orador: - Eu respondo. Que serviços pode prestar esse grémio aos proprietários?
Se lhe vende géneros agrícolas, o grande proprietário compra em maior quantidade do que o pequeno, e portanto paga também em maior quantidade. Lá está a compensação.
Se utiliza o serviço do sindicato, é evidente que aquele que o utiliza em maior número paga mais.
Desta maneira, repito, não compreendo nem concebo que qualquer direcção de grémio tenha a coragem de estabelecer essa diferenciação.
O Sr. Garcia Pereira: - Quando adoptei a sugestão da Câmara Corporativa foi justamente na intenção de estabelecer o equilíbrio de cotas entre os agremiados.
Disse o Sr. Mário de Figueiredo, e é verdade, não ser compreensível nem humano que um grande proprietário ou um grande lavrador pague a mesma cota que um pequeno cultivador.
Disse-se aqui que os serviços não são proporcionais, porque quem compra muito dá mais interesses ao grémio, mas esqueceu-se uma segunda parte: é que o grémio vendo em boas condições, em condições inferiores ao preço do mercado, e portanto a pessoa que adquire maior quantidade de produtos mais benefícios colhe dessa diferença de preço.
O Sr. Melo Machado: - Qual é o critério para manter essa diferenciação?
O Orador: - Está no conteúdo da sugestão da Câmara Corporativa.
A Câmara Corporativa defende a contribuição desigual e nisso devemos todos estar de acordo.
O Sr. Melo Machado: - Mas qual a forma de estabelecer essa desigualdade de contribuição?
O Orador: - Essa desigualdade tem de se ir buscar à contribuição, ao rendimento colectável.
O Sr. Melo Machado: - Então entreguem isso à repartição de finanças.
O Orador: - Neste caso, a Câmara Corporativa esqueceu-se duma cousa: de que nem todos os sócios do grémio são proprietários e têm rendimento colectável, e, como tal, não pode ser feita a diferenciação da cota. Há muitos indivíduos que são lavradores e que não pagam contribuição; portanto, o rendimento colectável não pode servir de factor para o estabelecimento da contribuição, e é por essa razão que eu me inclino para o estabelecimento de duas classes.
Sei que é dolorosa para a direcção dos grémios essa acção, mas não vejo fornia de estabelecer a contribuição desigual.
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Agora, o que a direcção do grémio pode estabelecer é isto: que o cultivador que é pequeno agricultor, que não tem rendimento colectável, pague uma cota mínima de 2 escudos por mês, o os outros iriam pagando em função ou tomando em consideração o rendimento colectável.
O Sr. Melo Machado: - Isso é estabelecer a desordem na família portuguesa.
O Orador:-V. Ex.ª tem razão nisso. É uma missão muito ingrata para os grémios, mas eu não vejo maneira de os grémios poderem viver se não procederem assim.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a alínea a) da base IX em harmonia com a proposta de emenda do Sr. Deputado Garcia Pereira e segundo a sugestão da Câmara Corporativa.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:- Vai votar-se o resto da base IX.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai entrar em discussão a base X, sobre a qual não há nenhuma proposta de alteração.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Segue-se agora a base XI, sobre a qual não há também nenhuma proposta de alteração. Se algum Sr. Deputado deseja usar da palavra, pode pedi-la.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ninguém deseja falar sobre esta base, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vamos entrar na apreciação da base XII.
Na Mesa estão as seguintes propostas: uma, de substituição, apresentada pelo Sr. Deputado Garcia Pereira, adoptando o texto proposto pela Câmara Corporativa; outra, também de substituição, apresentada pelo Sr. Pinto de Mesquita; outra, de emenda, apresentada pelo Sr. Melo Machado, e, finalmente, outra, de substituição, assinada pelos Srs. Albino dos Reis, Mário de Figueiredo, Miguel da Costa Braga, Moura Relvas e Joaquim Rodrigues de Almeida.
Desta última proposta não tem a Assemblea conhecimento, e por isso vou lê-la:
Leu.
O Sr. Melo Machado: - Como essa proposta inclue a minha, peço a V. Ex.ª licença para retirar a que apresentei.
O Sr. Pinto de Mesquita:- Em virtude da rejeição da proposta por mim apresentada referente à base VII, considero prejudicada a minha proposta de substituição relativamente à base XII, que estamos apreciando. Portanto, se a Assemblea o consentir, retiro-a.
No entanto, desejava chamar a atenção da Comissão de Redacção para os termos em que se acha redigida determinada parte da proposta que V. Ex.ª, Sr. Presidente, acaba de ler, e que é aquela que se refere à eleição dos agremiados, para, em virtude do que se dispõe na base imediata, conforme a sugestão da Câmara Corporativa, não surgir amanhã qualquer confusão sobre os termos em que se deve constituir a assemblea eleitoral dos grémios.
O Sr. Garcia Pereira: - Peço licença para retirar também a proposta que apresentei.
O Sr. Presidente: - Nesse caso fica apenas a proposta de substituição, assinada pelos Srs. Albino dos Reis, Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, foi a proposta aprovada.
O Sr. Presidente: - Há ainda uma base nova, sugerida pela Câmara Corporativa e que foi adoptada pelo Sr. Deputado Garcia Pereira, com um aditamento proposto pelo Sr. Antunes Guimarãis.
Quanto a esta base há uma proposta de substituição, assinada pelos Srs. Albino dos Reis, Mário de Figueiredo e outros Srs. Deputados. V. Ex.ªs não têm conhecimento dela e por isso vou lê-la.
Leu.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Antunes Guimarãis, mantém o seu aditamento?
O Sr. Antunes Guimarães: - Sim, senhor. Quando eu propus que fossem nomeados os parentes dos proprietários foi por entender que isso iria de encontro às doutrinas defendidas pelo Estado Novo, no que se refere à família.
É evidente que o pai, por exemplo, continua a ser proprietário das quintas; mas, sucedendo ter um filho noutro concelho, é esse, naturalmente, que o deve representar.
O Sr. Presidente:- Parece que a idea está compreendida nesta fórmula ...
O Orador: - Está compreendida, mas não está compreendido o altíssimo significado que visava com a minha proposta.
O Sr. Presidente: - V. Ex.ª, portanto, mantém a sua proposta?
O Orador: - Mantenho.
O Sr. Presidente: - Se mais ninguém quere usar da palavra, vai proceder-se à votação.
Vai votar-se a base nova, com o aditamento proposto pelo Sr. Dr. Antunes Guimarãis. V. Ex.ªs conhecem êste aditamento.
É o seguinte:
Leu.
Submetida à votação, foi aprovada a base nova, com o aditamento proposto pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
O Sr. Presidente:- Parece que está prejudicada a proposta do Sr. Deputado Albino dos Reis ...
O Sr. Albino dos Reis: - Suponho que a votação feita não prejudicou a minha proposta, que é mais ampla.
O Sr. Presidente:- Vou então submetê-la à votação.
Posta à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está, portanto, concluída a discussão dessa proposta de lei.
Esgotada assim a matéria da ordem do dia, tenho a satisfação de dar conhecimento a V. Ex.ªs de que fui há pouco cumprimentado pela Embaixada da Colónia Portuguesa do Brasil.
Os ilustres embaixadores tiveram a gentileza de vir apresentar-me os seus cumprimentos. É claro que esses cumprimentos são para a Assemblea Nacional.
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Comunico o facto a V. Ex.ª com a mais viva satisfação, porque V. Ex.ªs sabem qual é o seu alto significado.
Congratulo-me, pois, com esses cumprimentos e agradeço-os sinceramente em nome da Assemblea.
O Sr. Vasco Borges: — Talvez nunca, como hoje, eu tenha lamentado tanto não ser um grande orador. É que não posso esquecer-me de que vão escutar-me pessoas que, no país onde vivem, conhecem o mais fino ouro do verbo português, e sinto-me, por isso, sem o valor necessário para elas me ouvirem com agrado. E, no entanto, eu desejaria que a recepção dispensada pela Assemblea Nacional à embaixada extraordinária, vinda das terras de Santa Cruz para saudar o Sr. Presidente da República e o Sr. Presidente do Conselho, fosse qualquer cousa de verdadeiramente apoteótico.
Essas palavras de justa e merecida apoteose, infelizmente, eu não as sei dizer. Mas porque são espontâneas e comovidas as que vou proferir, acaso elas conseguirão ser eloquentes, possuir, pelo menos, a eloquência em que transluz o que é simples e é sincero^ Emociona-me a presença nesta sala da Assemblea Nacional dos portugueses que constituem a embaixada, porque neles vejo homens encanecidos, longe da sua Pátria, numa vida de labuta sempre timbrada pela honradez ; porque entre eles se me deparam rostos vincados por uma saudade-da sua terra que nós nunca tivemos ocasião de sentir; porque são portugueses que num país estrangeiro se tornaram ilustres pelos seus méritos e a sua benemerência, j Emfim, nesses portugueses de eleição vejo o Portugal vitorioso alérn-mar! Em concorrência dura, por vezes impiedosa, com espanhóis, com italianos, com franceses, com alemãis, com asiáticos, a todos puderam exceder e tudo sobrelevar. No Brasil, iguais aos portugueses só há os próprios brasileiros, afinal seus irmãos pela raça e pelo sangue.
Mas o que mais me impressiona, exalta e comove é o admirável, o formoso, o magnífico exemplo de amor pátrio e civismo que os portugueses de além Atlântico dão a todos nós. Dir-se-ia que o crisol da saudade os transformou na melhor essência da alma portuguesa. Com efeito; o amor da Pátria pôde despi-los dos compromissos e preconceitos políticos que algumas vezes subordinam e inferiorizam os homens, a ponto de os levar a faltarem ao que devem à terra em que nasceram. Os portugueses de além Atlântico aloaoiça.ram ascender tam alto -nas asas sagradas do seu patriotismo que as paixões capazes de os dividir se sumiram, no esquecimento. Assim os portugueses de aquém Atlântico possam também ascender e dominar todos os dissídios e todas as desordens. Eu faria até votos por que os 7 milhões de portugueses que vivem neste canto da Europa, fossem apenas 1 milhão, contanto que os aglutinasse ao máximo1 o civismo e o amor pátrio dos seus irmãos do Brasil.
E já agora hei-de também acentuar que os portugueses do Brasil são homens todos independentes, que não precisam dos Governos de Portugal, aliás frequentemente tam esquecidos daquela nossa colónia, e que não lhes pedem nada além do engrandecimento da Pátria comum. Pois são esses mesmos portugueses, que não pretendem empregos, nem benesses, nem dádivas de qualquer espécie, que, alheios a sacrifícios e incómodos, vêm trazer de tam longe ao regime de ordem e progresso material que nos governa o seu aplauso, o seu apoio e a contribuição do seu esforço para a unidade nacional tam necessária nesta hora grave. j Que formidável exemplo para os portugueses negativistas e facciosos! j Que soberba lição para os portugueses egoístas e corruptos! (Apoiados].
Foram sempre o mesmo, em todos os tempos, esses portugueses, cujo nacionalismo a saudade multiplica.
Foi há trinta anos; tinha ido em viagem de visita ao Rio de Janeiro a canhoneira Pátrm, adquirida pelo produto da grande subscrição nacional provocada pelo chamado ultiiiiatwm. O navio precisou de ser levado para um plano inclinado, com o fim de sofrer reparações. Os trabalhadores do porto do Rio de Janeiro não consentiram que aquele bocado da Pátria portuguesa fosse arrastado pela força de um reboque estrangeiro. E centos de portugueses, músculos retesados e peitos arquejantes, mas as almas ao alto, à força de pulso e de vontade puxaram o navio até onde era preciso. Também agora a Pátria portuguesa se encontrava num plano inclinado, prestes a despenhar-se não se sabe em que abismo. Uma inteligência e uma vontade, a força prodigiosa de um só homem, propôs-se erguê-la e guindá-la a altitudes julgadas inacessíveis. E, de novo, logo os portugueses do Brasil acudiram, exaltados pela grandeza de Portugal, a colaborar com a sua fé e a sua abnegação na obra gigantesca do seu grande compatriota.
Bem hajam os portugueses do Brasil de há trinta anos e bem hajam os mesmos corações portugueses de agora. Bem mereceram os de então e bem merecem os de hoje da gloriosa e eterna Mãi-Pátria.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Correia Pinto: — Sr. Presidente: o Sr. Dr. Vasco Borges, tam emocionado e tam eloquente, numa das fases da sua bela oratória impressionou-me profundamente.
Lamento não ter a oratória que este momento re-quere, e lembro-me daquele orador francês que, em circunstâncias análogas, dizia: «pobres oradores que nós somos».
O mais que eu posso dizer, meus senhores, são apenas lugares comuns, embora eu meta dentro deles toda a minha alma e todo o meu coração.
Bemvindos os portugueses da embaixada à Assemblea Nacional.
Nós somos os representantes da Nação, eleitos também por vós, eleitos pela vossa terra, eleitos pela vossa gente, eleitos pelo vosso amor a Portugal, eleitos pelas vossas saudades.
Um dia veio a esta Câmara o Deputado brasileiro Joaquim Nabuco, e António Cândido levantou-se, e propôs que dois Deputados o introduzissem na sala.
O Brasil, a grande nação irmã, ampliação da nossa alma, merece bem essa homenagem que o nosso grande tribuno fez à eloquência de Joaquim Nabuco.
Agora não é preciso fazer unia proposta igual, porque os portugueses da embaixada sentem que, ao entrar nesta Sala, entram na nossa alma, no nosso coração.
Vós sois também os representantes da Nação, os Deputados da Nação; vós representais lá fora as melhores energias e as invulgares qualidades da nossa raça. Vós representais o nosso esforço, a nossa iniciativa e a nossa actividade.
Vós sois os representantes da Nação num meio muito distante e acentuadamente cosmopolita, vós sois o exemplo da honradez e da temeridade que através da história temos manifestado.
Vós viestes em romagem entregar uma mensagem ao Presidente da República e ao Chefe do Governo Português.
A mensagem resume-se em poucas palavras: vós vedes o vosso Portugal engrandecido e tendes mais honra e mais orgulho em serdes, como todos nós, portugueses. Portugal acima de tudo.
Disse num discurso fúnebre de um grande rei: «Abaixo de Deus, a Pátria; acima da Pátria está Deus». É realmente este o vosso lema.
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Não há Chefe de Estado que melhor interpretasse o sentir da Nação do que S. Ex.ª o Sr. general Carmona.
A grande virtude desse li ornem, que na vida pública portuguesa há-de ficar memorável, é a sua firmeza e lealdade.
Teve S. Ex.ª a felicidade de encontrar um homem como o Sr. Dr. Oliveira Salazar para colocar à frente do Governo, pois o Sr. Dr. Oliveira Salazar é, para portugueses e brasileiros, um dos maiores estadistas europeus contemporâneos.
E porque não havemos nós de dizer o maior estadista do nosso tempo? Ele é, de facto, o maior estadista europeu contemporâneo, pelo senso moral e pelo zelo com que defendeu sempre os direitos do espírito dentro da terra portuguesa.
É preciso, pois, que nos habituemos a falar a linguagem da história.
Nestas condições a homenagem deve ser para o Sr. Presidente da llepública e para o Chefe do Governo.
Oliveira Salazar é um bom português, um português que realizou uma obra admirável, uma obra de construção, com um desinteresse absoluto, porque não procura nem quere .compensações materiais, que são afinal a ambição de tanta gente.
Ele não quere servir por interesse, mas sim por amor à nossa querida terra portuguesa.
Não procura a homenagem da turba; quere ter a consciência de servir apenas o bem comum, o bem da terra portuguesa, de servir até aqueles que não servem para ninguém, que não servem para nada.
Ainda há pouco ouvistes como ele fala; e, diante de estrangeiros, ele fala de igual para igual, procurando demonstrar que Portugal faz hoje por toda a parte e em todos os sentidos a política da verdade, e sobretudo a política da independência da Pátria Portuguesa.
É por isso que o Dr. Salazar pode dizer o que dizia no fim da vida o cardeal llichelicu: o Eu só tenho como inimigos os inimigos do Estado».
Com a vossa vinda mostrastes que, diante de Salazar, diante do Estado Novo, não há na colónia portuguesa do Brasil monárquicos ou republicanos, mas apenas portugueses que muito amam a sua terra, e nós adivinhamos, nós sentimos que, por detrás da vossa amizade, do vosso amor, está o amor da grande nação brasileira, porque o Brasil hoje sente, sem dúvida nenhuma, mais orgulho em ter sido português, carne da nossa carne, sangue do nosso .sangue, alma da nossa alma e terra da nossa terra.
A vossa mensagem vale muito. Vós sois decididamente os melhores, os mais fortes, os mais optimistas e os mais confiantes nas energias da raça. E, se vós não tivésseis vivido no Brasil, mas tivésseis vivido noutras eras em Portugal, iríeis à conquista, à descoberta da navegação, e lançaríeis o vosso sangue e o vosso suor naquele sulco radioso que abriu a passagem de Portugal para o mundo.
Vós sois incontestavelmente os melhores. O vosso amor foi submetido à grande prova da ausência, e esse amor aumentou mais ainda, ficou a ser devoção, ficou a ser culto, ficou a ser saudade.
O produto do vosso trabalho acode às privações da família, espalha-se por obras de mutualidade, assistência e cultura, que têm uin carácter monumental e engrandecem a terra onde se praticam.
Mas eu preciso-terminar.
Vós sabeis que o Parlamento, tal como funcionava antigamente, era uma instituição condenada, mas o Parlamento português, é preciso confessá-lo, teve grandes e excelsos oradores.
Não admira: as causas perdidas passam pelas mãos de grandes advogados.
Tivemos José Estêvão, um grande tribuno; Garrett, que se media com ele, menos arrebatado talvez, mas com a fama, ainda hoje, de ter sido na tribuna parlamentar um grande artista da palavra; Costa Cabral, um batalhador formidável como o granito da Beira; Fontes Pereira de Melo, a sobriedade militar; Pinheiro Chagas, que foi um improvisador admirável; Vieira de Castro, outro improvisador admirável; António Cândido, uma eloquência privilegiada; João Arroio, acen-tuadamente teatral, e tantos outros.
Vou-me calar. Agora são eles que falam. Todos eles saúdam os representantes dos portugueses no Brasil, todos eles sentem a sua Pátria a abençoá-los e a estreitá-los de encontro ao coração.
quero acrescentar, apenas, que agradeço a Deus, do coração, o ainda estar no ocaso da vida, para dizer estas palavras aos meus irmãos do Brasil.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Álvaro Morna: — Sr. Presidente: nunca, como hoje, me foi tam difícil subir a esta tribuna —.depois das palavras de ouro aqui proferidas pelo Sr. Dr. Correia Pinto e da eloquência vibrante do Sr. Dr. Vasco Borges.
Mas, não podia eu neste momento, como marinheiro e Deputado, deixar de me associar à justíssima homenagem prestada aos portugueses do Brasil, representados pela distinta missão que hoje visita a Assem-blea Nacional.
Embaixada espiritual e patriótica, traz no coração as credenciais de centenas de milhar de portugueses que, do outro lado do oceano, tam alto sabem levantar o nome de Portugal e ao mesmo tempo fortalecer os laços de amizade e comunhão que nos ligam à grande Nação irmã — o Brasil!
O significado desta visita, no momento histórico que passa, assume transcendência que, calando profundamente na alma de todos nós, constitue nobre demonstração de solidariedade, de carinho, de conforto e da mais nítida compreensão do caminho seguro que Portugal vem trilhando na sua finalidade histórica.
Sr. Presidente: situações há que afectam profundamente a sensibilidade e elevam a alma a uma grandeza de que não nos podemos dar fé na tranquilidade normal do nosso viver.
É preciso estar longe de Portugal, ter no coração toda a saudade da família e das amizades, rememorar a aldeia, os ranchos das romarias e o reboar do campanário, para que vibre, em toda a majestade da sua grandeza e da sua beleza, o sentimento sublime que é o amor da Pátria.
É lá ao longe que os irmãos do nosso sangue, filhos da mesma terra, sabem bem sentir, pelas lágrimas que lhes afloram aos olhos, quando pisam as toldas dos
nossos navios de guerra e contemplam a bandeira de Portugal desfraldada nos seus mastros e abraçam em delírio os seus tripulantes, é lá ao longe, repito, que sabem bem1 sentir todo o amor da Pátria distante.
É, também, longe de Portugal, longe das paixões que tantas vezes dividem injustamente os homens, que, com serenidade e reflexão, se pode apreciar e medir todo o esforço realizado, todo o bem alcançado nesta terra, que é a nossa, de nós todos, e que todos nós desejamos forte e engrandecida.
É o amor pátrio, pela saudade e pela distância elevado à maior pureza, que traz até nós, neste abraço fra*
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ternal, de conforto e de carinho, a nobre missão que aqui recebemos de braços abertos e alma rasgada.
j Sejam bemvindos os nossos irmãos de aléminar!
E em nome da Marinha de Guerra, tantas vezes por eles acarinhada, aqui lhes rendo a homenagem de todo o nosso apreço e da nossa maior e mais profunda gratidão.
Disse.
Vozes:—Muito bem, muito bem!
A Sr.ª D. Maria Cândida Parreira: — Sr. Presidente : é arrojo da minha parte pedir a palavra depois das brilhantes e espontâneas orações produzidas aqui pelo Sr. Dr. Vasco Borges, pelo Sr. Dr. Correia Pinto e pelo Sr. comandante Álvaro Morna. Mas um facto fez com que eu pusesse de parte todo o acanhamento que devia sentir depois de tam brilhantes orações, para pedir a palavra, e esse facto é o encontrarem-se mulheres portuguesas do Brasil entre a embaixada portuguesa, pois sentir-me-ia talvez deprimida se não tivesse uma palavra de carinho, uma palavra de amor para lhes entregar em nome de todas as mulheres de Portugal.
Pouco ou nada tenho a acrescentar, porque nada sei acrescentar, às brilhantes frases produzidas pelos três oradores que me precederam. As orações de qualquer deles foram ramos de flores caras, de raro perfume, que eles vieram ofertar à Embaixada dos Portugueses do Brasil.
Eu, minhas senhoras e meus senhores, que sou a mais Immilde de todos os representantes desta Assemblea Nacional (Não apoiados), quero pedir-lhes que levem às portuguesas do Brasil, às vossas mais, às vossas noivas, às vossas irmãs, àquelas que ainda um dia lhes hã-de dar filhos para virem a Portugal conceder-nos o prazer de tanto amor, como este que acabam de nos dar neste momento, um pequenino ramo de rosmaninho — desse rosmaninho que nasce nas nossas serras, mas que tanto cheira a Portugal —, única flor que posso ofertar-lhes, porque as flores da eloquência foram todas daquele ramo dos ilustres oradores que me precederam. Esta é a flor mais humilde, mais pequenina, é a flor da serra, mas não deixa, por isso, de ser bem sentida, não deixa por isso de levar-vos o maior amor e carinho de todas as mulheres de Portugal a todas as mulheres portuguesas do Brasil.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
A oradora não reviu.
O Sr. Presidente: — Como V. Ex.ª sabem, é esta a última sessão deste período suplementar. Estava prevista, e continua a estar prevista, uma sessão extraordinária. Julgava eu que seria possível que essa sessão extraordinária se seguisse imediatamente ao período que finda hoje, e era também o desejo do Sr. Presidente do Conselho, desejo derivado da circunstância de uma sessão extraordinária muito distanciada desta que finda hoje causar certamente perturbações aos serviços públicos. Mas foi de todo em todo impossível realizar este pensamento. Averiguou-se que os trabalhos na Câmara Corporativa não estão suficientemente adiantados para que fosse já realizado esse propósito. Se a sessão legislativa extraordinária se seguisse imediatamente, eu ver-me-ia forçado, dentro de poucos dias, a suspender os trabalhos.
Nestas condições, a sessão legislativa extraordinária só começará no dia 1 de Maio.
Será publicado, provavelmente amanhã, o decreto de convocação e indicação das matérias que hão-de fazer o objecto dessa sessão.
Antes de encerrar a sessão quero comunicar a V. Ex.ªs que o Sr. Presidente da República me encarregou, por intermédio dos nossos ilustres comissionados, de significar a V. Ex.ªs o seu agradecimento pelos cumprimentos que a-Assemblea lhe dirigiu.
Como V. Ex.ªs sabem, a Comissão de Ultima Redacção vai proceder íi elaboração do texto das propostas que foram aprovadas, e que são três. Como não é possível submeter à aprovação da Asseinblea esses textos, peço a V. Ex.ªs que dêem um voto de confiança a essa Comissão, para ela redigir definitivamente as respectivas propostas.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Para dar satisfação ao desejo que foi expresso a esta Assemblea pelo Sr. Deputado Cancela de Abreu, nomeio uma comissão, que ficará encarregada de fazer os seus estudos, por forma a apresentar na primeira sessão legislativa ordinária as sugestões tendentes à revisão do Regimento desta Assemblea e porventura mesmo à revisão da Constituição. Essa comissão ficará constituída pelos Srs. Deputados Cancela de Abreu, João Amaral e Diniz da Fonseca.
A ordem do dia da sessão extraordinária será oportunamente designada, mas julgo conveniente prevenir V. Ex.ªs de que a primeira proposta que entrará em discussão será relativa à remodelação dos serviços dos correios, telégrafos e telefones; seguir-se-á a proposta relativa ao recrutamento militar e por fim a proposta referente à reorganização do exército.
Está encerrada a sessão.
19 horas e 15 minutos.
Propostas apresentadas ou submetidas a votação nesta sessão:
BASE VII Princípio a consignar:
Os grémios poderão agrupar-se em uniões regionais ou em federações concelhias, distritais ou provinciais.
O Deputado Diniz da Fonseca.
Tenho a honra de apresentar, relativamente à base vn, as seguintes propostas de aditamento e eliminação:
I) Que se acrescente no fim. do primeiro período: asem prejuízo do carácter de unidade dos casais agrícolas».
II) Que se elimine o-segundo período.
Lisboa e Sala das Sessões, 13 de Abril de 1937. — O Deputado António Pedro Pinto de Me.tq-ui.ta.
Proposta de aditamento à base VII
Às palavras «Os grémios da lavoura podem agrupar -se em federações, com base nas províncias» juntar com a faculdade de [...]de concelhos das províncias vizinhas, para. realização, etc.
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Base VII-A, ou aditamento à base VII
As federações provinciais podem, exclusivamente para os fins gerais indicados na base in, agrupar-se numa confederação unitária.
Francisco Cardoso de Melo Machado — José Penalva Franco F razão.
Tenho a honra de apresentar, relativamente à base viu, a seguinte proposta de aditamento:
Que no fim do segundo período se acrescente: asem prejuízo da apreciação jurisdicional da legalidade das respectivas deliberações pelas competentes instâncias do coníencioso».
Lisboa e -Sala das Sessões, 13 de Abril de 1937. — O Deputado António Pedro Pinto de Mesquita.
Proposta de perfilhação da base IX-sugerida pela Câmara Corporativa
Propomos que a base IX sugerida pela Câmara Corporativa, que adoptámos, seja alterada, acrescentando-se, adiante da palavra «parceiros», as seguintes: a ou administradores na ausência do proprietário B.
Lisboa, 15 de Abril de 1937. — Albino dos Reis — Mário de Figueiredo — Alexandre de Albuquerque — Alberto Pinheiro Torres — Manuel Ribeiro Ferreira.
Proposta de alteração
Propomos que a base XII tenha a seguinte redacção:
Cada secção dos grémios da lavoura terá um director e um adjunto, podendo também o mesmo indivíduo ser eleito como director ou adjunto para duas secções.
Quando nos grémios não houver secções a direcção será composta de três membros efectivos e três substitutos.
Quando houver secções será a direcção constituída pelos directores das secções e igual número de substitutos, mas se aqueles forem menos de três proceder-se-á à eleição de tantos membros efectivos e correspondentes substitutos quantos os necessários para obter este número.
A eleição é feita pelos agremiados, nos termos do regulamento respe.ctivo, e é de três anos o período do mandato, e só é válida depois de sancionada pelo Sub-Secretário de Estado das Corporações e Previdência Social, sob parecer favorável do Ministro da Agricultura.
Transitoriamente pode efectuar-se o provimento dos corpos directivos dos grémios e Casas da Lavoura por nomeação do Governo.
Salvo o caso de manifesta impossibilidade, só poderão ocupar cargos de direcção nos grémios e Casas da Lavoura os indivíduos residentes nas respectivas áreas.
Albino dos Reis — Mário de Figueiredo — Miguel da Costa Braga — Joaquim, de Moura Relvas — Joaquim Rodrigues de Almeida.
Proposta de aditamento
BASE IX
Adopto e proponho a sugestão da Exma. Câmara Corporativa.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 12 de Abril de 1937. — João Garcia Pereira.
Base nova sugerida pela Câmara Corporativa Proponho a sua adopção com o seguinte aditamento:
«... e, ainda, parentes do proprietário em quem este tenha delegado a administração de parte ou de todos os seus bens no concelho».
Lisboa, 9 de Abril de 1937. — João Antunes Guima-rãis.
O REDACTOR — Costa Brochado.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA