24 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 147
O que a experiência tem demonstrado é que a idea só poderá ter pleno desenvolvimento quando a delegacia nos concelhos for aliviada de serviços exclusivamente burocráticos, como o das folhas de vencimentos, que a absorvem e que, com lógica e proveito certo, se centralizariam nas secretarias dos distritos escolares. O desenvolvimento da rede de escolas e postos impô-lo-á com evidência.
Ao mesmo tempo revelou-se a necessidade de remodelar os serviços de orientação num sentido prático e para uma acção contínua, ao que visou já, como primeiro passo, a junção dos inspectores orientadores e disciplinares em um único quadro de doze inspectores (1936), sem limitação de área jurisdicional, e o seu recrutamento deverá recair, de preferência, em professores do ensino primário que se mostrem aptos para tam delicadas funções.
51. Quanto ao ensino particular em estabelecimento, ele foi cedo e sempre submetido, como corolário da própria liberdade, às mesmas regras de inspecção que o oficial.
«As autoridades inspectoras das escolas públicas poderão visitar os colégios e escolas particulares e examinar a educação e aproveitamento moral e literário dos alunos» (1844), fórmula facultativa que logo foi substituída pela de que «devem ser, como as escolas e estabelecimentos públicos, visitados e inspeccionados pelas autoridades inspectoras» (1851), obrigação e competência que se mantiveram nas sucessivas remodelações do ensino.
São suspensos ou inibidos de funções os directores dos colégios e professores «por qualquer modo indignos de se lhes confiar a educação da mocidade» e promove-se a punição dos que «abusarem do seu ministério, ensinando doutrinas subversivas da ordem estabelecida, imorais, ou irreligiosas» (1844, 1851, 1870, 1878 e 1881).
Fecham-se as escolas «quando as condições higiénicas ou pedagógicas forem más ou o ensino nelas ministrado não satisfizer aos requisitos mais elementares da educação» e proíbe-se o exercício do magistério «sempre que se verificar que o professor ensina doutrina contrária à lei do Estado ou à prática dos bons costumes por palavras ou por exemplos» (1901-1902).
52. Com a implantação da República é mantida a fiscalização oficial do ensino particular, mas a preocupação de laicizá-lo desvia-a dos objectivos próprios da educação.
«Os inspectores inspeccionarão também, uma vez ao menos em cada ano, as escolas e colégios particulares onde se ministra o ensino primário de qualquer dos graus, seja qual for a sua designação, a fim de averiguar se o ensino é dado conformemente à lei, se o pessoal docente satisfaz e se os edifícios respectivos se encontram em condições regulares para o fim a que os destinam; e a fiscalização do ensino e a disciplina das escolas de ensino primário geral, tanto oficiais como particulares, incumbem ao inspector do respectivo círculo» (1911, 1916 e 1919).
Sob pena de encerramento da escola ou curso, «será proibido o exercício do magistério primário particular aos indivíduos que ensinarem doutrinas contrárias às leis do Estado, à liberdade dos cidadãos e à moral social» (1911, 1916 e 1919).
«Não pode ser provida em qualquer cargo dos estabelecimentos de ensino nem ser inscrita no professorado livre qualquer pessoa que não tenha provado por actos e factos a sua franca adesão às instituições republicanas e o seu respeito e acatamento à Constituição e às leis da República Portuguesa», ao mesmo tempo que, com excepção dos pensionistas, «nenhum pároco poderá exercer o lugar de professor das escolas móveis» e também não o será «qualquer indivíduo que não ofereça, por documentação fidedigna, inteira segurança de adesão às instituições republicanas e de respeito à Constituição e às leis da República» (1915 e 1916).
Por este espírito sectário, que privou a Nação de algumas das melhores iniciativas nos domínios da educação, e pela insuficiência da inspecção técnica, que não se exercia sequer em relação ao ensino oficial, facilmente se compreendem a anarquia e a lastimável decadência em que a Revolução Nacional encontrou, salvo raras excepções, o ensino particular: concorrência desregrada, instalações miseráveis, professorado incompetente ou pago por honorários aviltantes, rotina, ausência de acção educadora.
53. Definindo-se no seu Estatuto como objectivos da fiscalização «que o ensino seja ministrado sómente por pessoas física, moral e profissionalmente idóneas para o respectivo exercício» e, «no caso de ser ministrado a alunos em comum, que a função docente seja desempenhada de harmonia com as convenientes regras dá higiene e da pedagogia», criou-se uma Inspecção Geral, a actual Inspecção do Ensino Particular (1935), à qual ficou competindo.
A fiscalização efectiva-se mediante inspecções, exames, vistorias ou outras diligências, que deverão ser executadas pelo inspector ou seu adjunto e por professores de qualquer grau ou ramo de ensino, médicos escolares, inspectores e outros funcionários do Ministério da Educação Nacional, dentro das respectivas aptidões oficiais.
Sob a sanção de encerramento, e sem prejuízo da responsabilidade penal que couber, «é rigorosamente proibido o ensino de doutrinas contrárias à independência e integridade da Pátria, ao respeito pelas tradições nacionais portuguesas, à segurança do Estado e à moral social».
À superioridade desta nova linguagem corresponderam alguns resultados apreciáveis da actividade da inspecção privativa do ensino particular, sobretudo no combate às instalações insalubres e ao apetrechamento didáctico.
54. Quási restrita, porém, a inspecção por insuficiência de meios, à acção preventiva na fase da instalação, é justo atribuir também a melhoria alcançada à inibidora aplicação do velho prolóquio «o mêdo é que guarda a vinha».
Em relatório da própria Inspecção (1934) se afirma não lhe haverem as circunstâncias permitido, «senão em parte exígua, a realização de outra série de operações de mais transcendente alcance, que à sua competência pertence», qual é «ada inspecção caracteristicamente pedagógica aos serviços docentes dos estabelecimentos do ensino particular».
Se o ensino particular entrar, como convém, em franco desenvolvimento, cada vez será menor a possibilidade de realizar-se aquela, sem a cooperação efectiva dos órgãos de fiscalização e orientação do ensino oficial; e também a desarticulação se não compreenderia.
55. O certo é que, em problema de tam grande monta como a fiscalização dos agentes do ensino primário, tanto oficial como particular, a qual só com directrizes definidas e aplicadas com autoridade e permanência pode ser eficiente, a análise feita revela flutuação de critérios, inexequibilidade de soluções, instabilidade nos órgãos de execução, interferências, heterogeneidade de funções, insuficiência de serviços.