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31 DE MARÇO DE 1938 609

O Sr. Moura Relvas: - Mas há uma área de um certo número de quilómetros para se estabelecer essa rede, e isso vem na proposta.

O Sr. Marques de Carvalho: - Há uma distância mínima. Cada criança tem de estar a uma distância mínima da escola.

O Orador:- Isso nada tem que ver com. a afirmação que acabei de fazer.
Os postos escolares destinam-se a preencher as malhas da rede escolar, pulverizando, por assim dizer, de um ensino rudimentar as regiões onde isso se mostrar mais necessário. E a este facto que eu chamo a distribuição do ensino ao domicílio. Este processo encontra, aliás, bons antecedentes nos cursos elementares temporários da reforma de 1878.
E que nessa reforma de 1878 havia sido tido em conta o senso prático, e é precisamente a esse sentido que nesta proposta de lei se regressa.
Sr. Presidente: a escola primária entre nós não sofreu apenas da falta do sentido prático a que me tenho referido. Sofreu também e muito da confusão que se estabeleceu em todo o ensino de alto a baixo ou quási de alto a baixo.
O ensino secundário, ou seja o chamado ensino liceal, funcionava, no tempo em que me ocupei dos interesses da instrução pública, com certa normalidade. Observava-se nos professores probidade profissional, ou, por outra, notava-se neles menos mercenarismo do que se via noutros graus de ensino. Este estado de cousas , relativo ao ensino secundário, segundo creio, ainda tem melhorado. Em contraste, o ensino superior não oferecia o mesmo espectáculo. Esse, exceptuada a Universidade de Coimbra - e não digo isto por estar na presença de ilustres Deputados que são distintos professores dessa Universidade, e entre eles o nosso venerando Presidente, mas porque, devido talvez a respeitar-se melhor a honra do convento, ali se notava maior dedicação pelos interesses do ensino-, deu-me a impressão de que funcionava menos lisonjeiramente.
Noutras ou, antes, na Universidade de Lisboa, que foi a que eu conheci mais de perto, a falta de espírito universitário, a confusão e uma deficiente devoção pelo ensino, por parte de alguns, davam lugar, por vezes, a aspectos e sucessos que não eram de desejar.

O Sr. Marques de Carvalho (interrompendo): - ¿ Tudo isso se refere a quando V. Ex.ª era Ministro?

O Orador: - Tranquilize-se V. Ex.ª - Quando eu era Ministro.
Nas nossas escolas superiores houve sempre professores dedicados ao progresso e desenvolvimento do ensino e da ciência e houve sempre vultos de relevo no mundo científico. E também é certo que o advento da República trouxe uma notável propulsão às Universidades e escolas superiores pelo ambiente que lhes criou a legislação, inclusive a autonomia administrativa.
Mas, quási do mesmo passo, estabeleceu-se uma confusão ou, antes, uma desordem, que quási anulou ou, pelo menos, prejudicou os efeitos que havia a esperar do desenvolvimento que a República deu aos institutos de ensino superior.
Essa confusão generalizou-se e a sua sede, a bem dizer, o seu quartel general, era o próprio Ministério da Instrução.
Havia nele funcionários distintíssimos. Mas à volta de cada Ministro criaram-se grupos, camarilhas de sábios e de pedagogos, e cada grupo ou camarilha procurava fazer vingar o seu critério, digladiava-se com outro grupo, às vezes até truculentamente, para alcançar os seus objectivos pedagógicos, promovendo assim uma confusão e uma barafunda que não deixavam assentar-se definitivamente cousa nenhuma.
Os sábios e pedagogos que se juntavam em volta dos Ministros e os aconselhavam faziam que de ano para ano variasse o critério pedagógico e não concorreram pouco para que aqueles que frequentavam as escolas como discípulos fossem vítimas da variabilidade dos que orientavam o ensino público.
Quando há pouco me referi às minhas reminiscências do Ministério da Instrução esqueceu-me dizer a impressão que colhi do que era o ensino primário nesse tempo. Ministrado através do ambiente político da época, pode dizer-se que Se encontrava muito longe de satisfazer às exigências de um ensino eficiente, e ainda menos capaz de corresponder às suas responsabilidades de processo educador.
Os professores primários eram em grande número políticos partidários, e não poucos chegavam a manifestar ideas contrárias à ordem social vigente.
Já nesse tempo existia uma inspecção do ensino primário, mas, além de andarem as funções administrativas misturadas com as pedagógicas ela não se isentava da política, porque os próprios inspectores, na maior parte dos casos, também eram políticos partidários.
Como já disse, a reforma em discussão procura tornar o ensino primário mais acessível, e também humanizá-lo. Mas, além destes objectivos, ela tem outro de suma importância, porque o considero estritamente ligado ao próprio problema de conseguir debelar-se o analfabetismo. Com efeito, penso que só com escolas disseminadas pelo País não conseguiremos atingir o fim em vista. Há .necessidade de mais alguma cousa, porventura indispensável e insubstituível: uma propaganda intensa e pertinaz junto da família, no sentido de finalmente, se integrar a escola aia viria nacional.
O obscurantismo da família, o desinteresse completo da família pula questão de os filhos saberem ler e escrever, contribue muitíssimo, como já afirmei, para que tantos esforços despendidos hajam tido um resultado quási inútil.
Ora a proposta em discussão tem precisamente em vista erguer o uivei educativo da família. Julgo-o excelente, porque é um meio directo de procurar introduzir no seio das famílias o convencimento de que um homem que não sabe ler e escrever, por mais robusto que esse homem seja, por mais fortes braços que possua para trabalhar, será pela vida fora como se tivesse eternamente esses braços amarrados.
Torna-se pois absolutamente necessário levar à família a convicção deste facto e erguer o seu nível moral, até porque é perigoso que suba o nível material da família sem que ao mesmo tempo procuremos erguer o seu nível moral.
Muitas pessoas e entidades podem tomar a seu cargo essa missão. O próprio professor pode fazê-lo, mas também isso se torna possível, e muito mais facilmente, para o padre, dado o seu acesso fácil e natural junto das famílias e o papel social que lhe pertenço desempenhar.
E porque não encarregar-se também o padre, onde não houvesse professor, de ensinar a ler e escrever as crianças da sua paróquia. Ao Estado esse concurso não custaria mais do que uma pequena subvenção. Mas nem. esta seria necessária para se obter essa prestimosa colaboração, porque o ensino às crianças está na tradição de todos os párocos das aldeias.
No parecer da Câmara Corporativa levanta-se a questão de o ensino pre-escolar ser ou não da atribuição do Estado, e parece-me transparecer dele o critério de que deve ser atribuição do Estado.