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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 85

ANO DE 1940 6 DE MARCO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 84 DA ASSEMBLEA NACIONAL

Em 5 de Março

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Gastão Carlos de Deus Figueira

Secretários os Exmos. Srs.

Carlos Moura de Carvalho

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 47 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado, com emendas, o Diário das Sessões.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou a Câmara de que estava na Mesa a resposta ao pedido de informações formulado pelo Sr. Deputado Carlos Borges.
O Sr. Deputado João do Amaral usou da palavra para esclarecer o que há dias dissera acerca de unia venda de terrenos à Câmara Municipal do Lisboa.
O Sr. Deputado Facila Vieira referiu-se à reforma administrativa das ilhas adjacentes.
O Sr. Deputado Formosinho Sanches fez algumas considerações sôbre a próxima criação de albergues para mendigos.
O Sr. Deputado Gabriel Teixeira tratou da crise da Madeira.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu ocupou-se, da situação dos voluntários portugueses nas fileiras nacionalistas da guerra civil espanhola, pedindo uma amnistia para os que em Portugal ficara;», considerados desertores. E insistiu porque sejam galardoados, conforme já proposto, os oficiais, sargentos e outros voluntários que praticaram feitos heróicos.
O Sr. Deputado Sá Carneiro ventilou o caso dos laudémios da cidade do Pôrto.
O Sr. Deputado Melo Machado insistiu por que lhe fossam fornecidas, pela Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, as informações pedidas já há tempo.

Ordem do dia. - Foram votados os textos aprovados pela Comissão de Redacção relativos à proposta do lei n.º 36, sobre exploração de pedreiras, e ao projecto de lei n.º 77, que autoriza os portugueses em situação militar irregular a visitar a Pátria em 1940.
Foi aprovada, com emendas, a proposta de lei n.º 50, em que foi convertido o decreto-lei n.º 29:449, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Madeira Pinto, Augusto Crespo, Braga da Crus e Botelho Neves.
Foi ratificado pura e simplesmente o decreto-lei n.º 30:294, relativo à realização e pagamentos das despesas públicas.
Finalmente, o Sr. Presidente propôs que se concedesse um bill de indemnidade à Comissão de Redacção pelos trabalhos que ainda se encontram em seu poder.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados presentes à chamada, 63.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão 6.
Srs. Deputados que faltaram à sessão, 13.

Srs. Deputados que responderam à chamada.

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira
Álvaro Salvação Barreto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Augusto Correia de Aguiar.
António Carlos Borges..
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.

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Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
Cilotário Luiz Supico Ribeiro Pinto.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Nobre Guedes.
Francisco de Paula Leite Pinto.
Gabriel Maurício Teixeira.
Gastão Carlos da Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Maria Teles de Sampaio Rio,
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Diniz da Fonseca.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Beis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Augusto de Campos Metrass Moreira de Almeida.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Pestana dos Beis.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário de Figueiredo.
Pedro Augusto Pinto da Fonseca Botelho Neves,
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
João Luiz Augusto das Neves.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Figueira.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola,
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Angelo César Machado.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
João Antunes Guimarãis.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Belvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Manuel Lopes de Almeida.

O Sr. Presidente:-Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 63 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 47 minutos..

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
O Sr. Hintze Ribeiro: -Sr. Presidente: pedia a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário da última sessão: a p. 376, col. 1.ª, l. 6.ª onde está "o que é ouro ouro vale" deve ler-se o que ouro vale ouro é".
O Sr. Presidente:-Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre o Diário, considero-o aprovado com a alteração apresentada.
Vai ler-se o seguinte

Expediente

Telegramas

Ex.mo Sr. Presidente da Assemblea Nacional. Como representante Câmara Municipal concelho Figueira da Foz congratulo-me oportunas palavras proferidas Ex.mo Deputado Dr. Calheiros Veloso construção porto de mar afirmando V. Es.ª entusiástica expectativa população êste concelho espera deferimento justa pretensão. - Presidente Câmara.

De saudação e inteiro aplauso aos Srs. Deputados engenheiro Sebastião Ramires e Dr. Favila Vieira pelos seus discursos na Assemblea sobre a situação na Madeira, da Câmara Municipal do Funchal, nos seguintes termos:
"Manifestando inteira concordância discursos Dr. Fávila Vieira engenheiro Sebastião Ramires cumprimentando-os na pessoa de V. Ex.ª e em nome da Câmara Municipal do Funchal Assemblea Nacional exprime absoluta confiança Governo Nacional adoptará medidas tendentes debelar angustiosa crise Madeira. - Presidente Câmara.

Idênticos da Associação Comercial do Funchal, Câmara Municipal de Santa Cruz, Câmara Municipal de S. Vicente, Câmara Municipal de Machico, Câmara Municipal de Câmara de Lobos, Sindicatos Nacional e organismos corporativos do Funchal.

Esclarecimentos

Lisboa, 8 de Fevereiro de 1940. - Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior. - Acompanhando o ofício de V. Ex.ª n.° 39-ASS/L-l com data de 3 do corrente e ontem recebido, deu e trata nesta Direcção Geral cópia do requerimento- que em sessão de 25 do mês findo, o Sr. Deputado José Mendes da Costa Amaral apresentou à Assemblea Nacional.
Nesse requerimento formulam-se as seguintes preguntas:
1.ª Se se confirma ou infirma que as Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior distribuíram "há dias o Tribunal de Elvas uma acção de remição de fôro pagável em ouro ou prata, com base no valor atribuído, a esse fôro em face do disposto no decreto n.° 30:13 pendente da ratificação . . .";
2.ª Se a situação financeira daquelas Misericórdias é de molde a permitir-lhes fazerem a remição do dito fôro por força dos seus recursos normais;
3.ª No caso de, para esse afeito, terem recorrido a crédito, qual a entidade com quem eventualmente t

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tenham contraído o empréstimo e quais as condições de garantia e juro em que teria sido efectuado.
Quanto à primeira pregunta, esta Direcção Geral tem
honra de informar: .
Que não possue ainda elementos para esclarecer este ponto, porquanto nenhum pedido de autorização para remição de foro lhe foi até esta data dirigido por qualquer das Misericórdias em causa, depois daquele que consta da representação das mesmas, que deu origem à portaria de 28 de Abril de 1939, mas que não obteve deferimento.
Ontem mesmo se oficiou às Misericórdias referidas preguntando-lhes se haviam de facto distribuído no Tribunal de Elvas alguma acção de remição de foro pagável em ouro ou prata, com base no valor atribuído a asse fôro em face do disposto no decreto n.° 30:131, no caso afirmativo, com que meios contavam para proceder a essa remição.
Apenas se obtenha resposta se transmitirá.
Quanto à segunda pregunta posso responder o seguinte:
Consoante se verifica do inquérito mais recente à pontuação das Misericórdias e outras instituições de assistência, a Misericórdia do Alandroal e a de Campo maior têm, respectivamente, de receita média ordinária, produto de bens próprios, 13.849$53 e 17.024$02.
Pelos orçamentos ordinários destas mesmas instituías relativos ao ano de 1938 vê-se que a Misericórdia i Alandroal inscreveu 'como receita ordinária no eido ano 18.095$69 e a de Campo Maior 12.386$59.
A primeira figura no seu orçamento com um total de receita de 36.475$88 e a segunda de 41.586$59, em que estão incluídos os subsídios do Estado, das Câmaras Municipais respectivas e o produto provável de esmolas e donativos.
Daqui se conclue que não era desafogada a situação financeira de qualquer das duas Misericórdias quando, for esta Direcção Geral, foram autorizadas a contrair a empréstimo de 270 contos, metade para cada uma portaria citada de 28 de Abril de 1939), "com o fim de satisfazer encargos de duas herdades foreiras denodadas Xévoira de Baixo, Xévora de Cima e Courela Xavia, situadas no concelho de Campo Maior, que lhes foram deixadas pelo benfeitor D. João José de Portuga1 da Costa Mexia de Matos".
Presentemente, e se porventura as referidas instituições pretendem efectuar a remição do fôro, operação e não foi ainda superiormente autorizada, parece-me e só por meio de empréstimo a poderão realizar, uma vez que a sua situação financeira não melhorou sensivelmente.
No orçamento da Misericórdia de Campo Maior para ano que decorre inscreveu esta na sua receita um total de 43.700$, dos quais apenas 22.200$ como receita ordinária. Não temos ainda em nosso poder o orçamento da Misericórdia do Alandroal para este mesmo ano. É de presumir, porém, que a sua receita se mantenha em apreciável alteração.
Finalmente, quero esclarecer que a portaria atrás estava baseava-se na representação das Misericórdias referidas em que estas pediam autorização para contrair um empréstimo de 270 contos para pagamento dos foros de dívida, do imposto de sucessão da herança, e bem fim da doação e legados que ficaram a seu cargo a disposição testamentária que as contemplara, e, mais tarde, outro de quantia igual à verba necessária para a remição do fôro.
Os pedidos a que se alude eram formulados com auto viação prévia das assembleas gerais respectivas e plena renovação dos governadores civis - o que tudo consta
processo aqui arquivado.

Porém, como já se disse, só o primeiro dos dois pedidos foi tomado em consideração e obteve deferimento, Sobre eles informara a repartição: "Por agora parece-me que nada se opõe à realização do empréstimo de 270 contos, metade para cada uma, cujas assembleas gerais se pronunciaram favoravelmente, desde que não seja feito com juro superior ao da lei e que os encargos do mesmo e amortização não excedam um quinto dos rendimentos das Santas Casas em questão.
A margem deste parecer escrevi o seguinte: "Concordo e, assim, julgo de conceder a autorização que se solicita quanto ao empréstimo de 270 contos que pré tendem contrair".
Nele recaiu o seguinte despacho ministerial: "Autorizo nos termos da informação"
A portaria que se seguiu, e a que já fiz referência, é do teor seguinte: "Tendo as Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior solicitado autorização para contrair um empréstimo de 270 contos, metade para cada uma, com o fim de satisfazer encargos de duas propriedades foreiras denominadas . . ., servindo estas propriedades de caução ao respectivo empréstimo . . . manda o Governo "Ia República Portuguesa . . . conceder às impetrantes a autorização solicitada, desde que o respectivo juro não seja superior ao da lei e que os encargos do mesmo e amortização não excedam um quinto dos rendimentos das referidos Misericórdias".
Quanto à terceira pregunta- tenho a informar que, igualmente, nada posso esclarecer por agora, uma vez que se de facto as Misericórdias em questão realizaram qualquer empréstimo "para a remição de foro" foi com desconhecimento absoluto desta Direcção Geral.

A bem da Nação.

O Director Geral, Alberto de Afira Mendes.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 1940. - Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de S. Es." o Sr. Ministro do Interior. -7 A Misericórdia de Campo Maior, em resposta ao nosso ofício de 7 do corrente a que aludi no meu ofício de ontem dirigido a V. Ex.ª informa o seguinte:

". . . Sobre o seu conteúdo, cumpre-me informar V. Ex.ª que o advogado das Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior distribuiu, há dias, no Tribunal de Elvas unia acção de remição do foro pagável em prata ou ouro que onera as Herdades das Xévoras, com base no valor atribuído a esse foro em face do disposto no decreto n.° 30:131:
Devo ainda informar V. Ex.ª que para efectuar tal remição contam as Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior com a importância do empréstimo de 270-000$ que as mesmas Misericórdias foram autorizados a contrair, por portaria de 28 de Abril do ano próximo findo, publicada no Diário do Governo n.° 101, 2.ª série, de 2 de Maio do mesmo ano".
Daqui se conclue que efectivamente pelas Misericórdias de Campo Maior e do Alandroal foi distribuído há dias uma acção, no Tribunal de Eivas, para remição do foro em prata ou ouro que onera as Herdades das Xévoras, com base no valor atribuído a esse foro em face do disposto no decreto n.° 30:131.
Fica assim esclarecida a primeira pregunta formulada pelo Sr. Deputado João Mendes da Costa Amaral no requerimento que, em sessão de 25 do mês findo, dirigiu à Assemblea Nacional.
Tendo nós pedido às Misericórdias em questão que nos declarassem, na hipótese de efectivamente pretenderem remir, o fôro, com que meios contavam para

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efectivar tal operação, é-nos dada, no ofício que transcrevemos, resposta a essa pergunta. As ditas Misericórdias contam, para esse efeito, com o produto do empréstimo que foram autorizadas a contrair pela portaria de 28 de Abril do ano último.

A bem da Nação.

O Director Geral, Alberto de Mira Mendes.

O Sr. Presidente:-Está na Mesa uma informação, enviada pelo Governo, que havia sido pedida pelo Sr. Deputado Carlos Borges.
Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado João do Amaral.

O Sr. João do Amaral: - Sr. Presidente: na quinta-feira passada entrei nesta sala depois de estar aberta a sessão e depois do momento em que foram feitas as rectificações ao Diário da sessão anterior. Se estivesse presente teria pedido a V. Ex.ª que fosse preenchida uma omissão no relato e na parte em que intervim por amável deferência do Sr. Deputado Melo Machado, a respeito do caso Teixeira & Albuquerque e dos terrenos da sua propriedade de que se queria apropriar a Câmara Municipal de Lisboa. A omissão é apenas esta: declarei que não havia nos tribunais, na altura em que a Camará Municipal propôs a arbitragem que depois não cumpriu, nenhuma acção de expropriação desses terrenos.
É apenas este aditamento o que eu queria que constasse na acta.
Recebi a resposta a umas informações pedidas na sessão de 25 de Janeiro findo acerca da remição de um fôro em ouro ou prata que onera umas propriedades herdadas pelas Santas Casas das Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior; essa resposta consta de dois ofícios, cuja publicação no Diário das Sessões solicito de V. Ex.ª
Destes dois ofícios da Direcção Geral de Assistência, que tenho em meu poder, conclui-se:
1.° Que as Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior, em representação dirigida ao Ministério do Interior, tinham pedido autorização para fazerem a remição deste foro e que essa autorização lhes não fora dada;
2.° Que na mesma representação pediram ao Ministério do Interior autorização para contraírem dois empréstimos: um, de 270 contos, destinado ao pagamento e encargos que lhes tinham advindo da herança do seu benfeitor Mexia de Matos; outro, destinado à remição do foro.
O primeiro foi autorizado por portaria de 28 de Abril de 1939. O segundo, porém, não foi autorizado.
E diz ainda o ofício da Direcção Geral de Assistência, de 8 de Fevereiro deste ano, que, não tendo sido autorizada a remição do foro nem o empréstimo que se pretendia para essa remição, aquela Direcção Geral não tinha conhecimento que tivesse havido qualquer acção de remição de foro, não podendo, pois, informar-
-me sobre quem teria emprestado o dinheiro para tal e em que condições. Mas, num outro ofício, datado do dia seguinte, isto é, de 9 de Fevereiro último, informa que realmente as Santas Casas das Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior propuseram uma acção de remição de foro e que iam aplicar a essa remição o
produto daquele empréstimo de 270 contos que foram autorizadas a contrair pela referida portaria de 28 de Abril de 1939.
Portanto foi iniciada a operação de remição do foro sem autorização do Ministério do Interior e foi aplicada a essa operação um empréstimo que tinha sido autorizado para outros fins.
Em face disto, desejo enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Tendo conhecimento, por informação recebida do Ministério do Interior, de que as Santas Casas das Misericórdias do Alandroal e de Campo Maior promoveram a remição do foro pagável em ouro ou prata que (...) as Herdades das Xévoras, apesar de lhes não ter sido dada a autorização que pediram para esse efeito;
Sabendo mais, por informação oriunda da mesma fonte oficial, que, não tendo também obtido autorização para contraírem um empréstimo destinado a esta remição, resolveram aplicar nela o produto de um outro empréstimo que fora superiormente autorizado para fins diferentes:
Requeiro que pelo mesmo Ministério do Interior (...) seja dito qual a data deste empréstimo de 270 contos contraído ao abrigo da portaria de 28 de Abril de (...) com quem foi contratado e em que condições de garantia, prazo e juro.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de Março de 1940. - O Deputado «João Mendes da Costa Amaral». '
Tenho dito.

O Sr. Nobre Guedes: -Sr. Presidente: se V. Ex.ª me permite, eu desejava mandar para a Mesa o seguinte pedido de informações:

«Requeiro que me sejam fornecidos os elementos a seguir designados:

Pela 10.ª Repartição da Direcção Geral da Contabilidade Pública:

a) Relação dos estabelecimentos com autonomia administrativa dependentes do Ministério da Educação Nacional;
b) Enunciado sumário de irregularidades de qualquer natureza verificadas ou conhecidas através de relatórios de inspecções feitas por pessoal da Direcção Geral da Contabilidade Pública, ou por outros serviços nos estabelecimentos referidos, durante os anos economicos de 1929-1930 a 1939, inclusive;
c) Enumeração de despesas de anos económicos (...) pagas em relação a dívidas destes estabelecimentos contraídas ilegal ou irregularmente e ainda dos processas em curso.

Pela Direcção Geral do Tribunal de Contas:

a)Número de processos sujeitos a julgamento desde 1926 a 1939, relativos a serviços subordinados ao Ministério da Educação Nacional;
b) Número dos que foram recebidos fora do prazo legal;
c) Número de funcionários encarregados da sua apreciação;
d) Número dos processos julgados que não tinham qualquer deficiência;
e) Enumeração dos processos de contas julgados contendo faltas ou irregularidades de qualquer natureza que motivaram condenações;
f) Enumeração dos que se encontram ao abrigo das disposições do (...) 2.° do artigo 10.° do decreto n.º 29: e deixam por esse facto, de ser condenados;
g) Tempo decorrido entre as datas da entrada em cada um dos processos e as do seu julgamento;
h) No caso de demora, indicar a causa.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 5 de (...) de 1940. - O Deputado Francisco José Nobre (...)

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Eu sei, Sr. Presidente, que vai dar certo trabalho a estes serviços o organizar os elementos que peço, mas o meu escrúpulo ficou um pouco atenuado por me lembrar de que só em Novembro que vem esses elementos me serão fornecidos.
Tenho dito.

O Sr. Favila Vieira: -Sr. Presidente: anunciou V. Ex.ª na primeira semana de Janeiro, se não estou em erro, que recebera do Governo, para ser submetido a apreciação da Assembleia, o decreto-lei n.° 30:214, que respeita à reforma administrativa das ilhas adjacentes. O Sr. Presidente do Conselho oficiou a V. Ex.ª, entretanto, no sentido de dever ser considerada sem efeito essa apresentação, de acordo com os princípios constitucionais. O assunto não foi, assim, designado para ordem do dia.
Quem não tenha acompanhado a questão pode, todavia, estranhar o facto de a Assembleia não se ter pronunciado sobre esse importante diploma.
Ora o caso é simples e expõe-se em breves palavras:'
A Assembleia Nacional, depois de largo debate e emenda de algumas das suas bases fundamentais, votou, em Março de 1938, a proposta do Governo sobre o novo regime administrativo das ilhas, que o autorizava expressamente a aplicar à Madeira e aos Açores o Código administrativo, com as alterações de carácter especial definidas na proposta. Publicou-se, assim, o decreto-lei n.° 30:214, em execução da lei n.° 1:967, de Abril de 1938, em que se convertera a proposta aprovada na Assembleia Nacional.
O Governo não tinha, por isso, que enviá-lo à Assembleia nos termos do § 3.° do artigo 109.° da Constituição. Só por lapso o podia ter feito, como é evidente.
A oportunidade não comporta uma crítica, ainda que (...), do decreto-lei em questão. Não o permitem o tempo reservado a estas intervenções e o número de
(...) inscritos para a sessão de hoje. Mal se compreenderia, no entanto, Sr. Presidente, que, falando a seu respeito, nada dissesse sobre as soluções estabelecidas e a sua projecção nos diferentes meios insulares.
È inegável que estamos em face da primeira grande reforma administrativa das ilhas, de um sistema com (...), equilíbrio e maleabilidade, de largo plano, na ordem dos princípios. Adoptou-se um regime que torna solidários, na sua hierarquia própria, os interesses superiores do Estado e as exigências da administração do local. Dão-se às juntas gerais autónomas maiores contribuições e meios de acção, em obediência às necessidades da descentralização, ao mesmo tempo que, paralelamente, se estende e torna mais efectiva a fiscalização do Governo.
A aprovação pelo Governo do plano de acção destes
-rpos administrativos não só assegura uma melhor ïentação da administração local, defendendo-a dos us desvios naturais, como habilita o Estado a auxi-ir, por vários meios, mais oportuna e eficientemente
distritos autónomos insulares.
O estudo do ilustre Prof. Doutor 'Marcelo Caetano
-a quem a Revolução Nacional deve os mais altos rviços, no campo da interpretação e divulgação da sua iutrina- que serviu de base a reforma do Governo, ipõe-se pelo seu mérito. Não posso deixar de reconhe-
-lo, por aquele espírito invencível de justiça .que me ama na vida.
j O decreto-lei n.° 30:214 terá de ser, num ponto ou putro, rectificado, por conveniência de certos serviços, viações de injustiça ou um mais perfeito ajustamento realidades? Sem dúvida, como é natural numa re-rma desta envergadura. O próprio Governo o admitiu
expressamente. Entendo, contudo, que essas razões não atingem o seu valor substancial, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. FormosfnhoSanches:- 'Sr. Presidente: a notícia há pouco vinda aos jornais referente à próxima publicação de um decreto-lei que cria albergues •para mendigos é daquelas que não podem passar desapercebidas e que merece a nossa inteira aprovação.
A criação desses albergues para mendigos em todos os distritos do País é indiscutivelmente mais uma obra grandiosa do Estado Novo.
Sabido por muitos é já que S. Ex.* .o Sr. Ministro do Interior Vem preparando uma remodelação nos serviços de assistência, tendo sempre «m mina, coimo é justo, que tais serviços sejam organizados por forma a obedecerem a um só comando, isto é, assistência pública e particular subordinadas às mesmas directrizes, funcionando em perfeita harmonia, por forma a que resulte para os necessitados maior benefício, mão permitindo aos profissionais da miséria usufruíram benesses em duplicado. O que agora se conseguirá com o referido decreto-lei merece .que para ele seja chamada a atenção de V. Ex."
o Boina e Pavia não se fizeram num dia*.
Obras de assistência, quando se querem fazer e pôr • em prática com resultados benéficos e efectivos, não podem ser executadas em pouco tempo.
O caos a que tinha chegado a nossa, assistência necessitava de um grande e cuidadoso estudo para que resultasse eficiente o remédio a dar-se-lhe.
Com a criação dos albergues para mendigos, onde, depois de internados, uma escolha poderá ser feita entre aqueles que verdadeiramente o são por doença ou incapacidade de trabalho e os outros que apenas ee dedicam à mendicidade por não quererem trabalhar, o Estado bem assim a possibilidade de orientar as cousas
Sor-forma a poder internar os inválidos e tirar partido os válidos, fazendo-os trabalhar c, portanto, ganha? o Esta tirraçno d«e albergues vai ser o início seguro c firme de uma remodelação -nos -nossos serviços de assistência - e digo seguro e firme, porque todos estamos habituados a ver e a considerar seguras e firmes as obras do Estado Novo. Atrás dos albergues outras obras virão que, -no seu -conjunto, hão-de, para desilusão du muitos, marcar quam grandiosa é efectivamente a obra de ressurgimento nacional, começada em 28 de Maio e conduzida por Sol-azar.
A esmola ata aqui tem sido mal dividida, fazendo com que una tenham pão a mais e outros a menos.
^uido o que leve a dar por findo o mau princípio da esmola tilada na rua sem se saber Essa esmola, feita assim,, individualmente, concorre bastante para habituar muitos a, vivendo dela, se desacostumarem de com o (trabalho angariar meios de subsistência.
Como o grão de trigo que, isolado, para pouco ou nada serve, mas que junto a outros enche celeiros e dá pão a muitos, assim a esmola canalizada para o mesmo ponto, com o mesmo fim, dará bem-estar a muitos que por outra forma nunca o teriam.
Apoiemos, pois; a divulgação desses albergues e ificif temos todos a que para eles contribuam, senão com maior quantia, peio menos com a mesma que habitualmente dão nas ruas. .
33 com estas e outras obras de assistência (muitas já a funcionai- e outras em organização, tais como creches, postos de puericultura, asilos, sanatórios, pré véu-tórios, serviços hospitalares remodelados e ampliados,

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leprosarias, distribuição de sopa aos indigentes, maior expansão de cozinhas económicas para pobres) que se chegará a poder doer por terminada a obra da revolução iniciada.
Bem haja, portanto, o Sr. Ministro do Interior que, com decretos como o que ora se vai publicar, orienta os serviços de assistência no sentido de tentar que o pão seja por todos melhor dividido.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Gabriel Teixeira: - Sr. Presidente: a acuidade da crise que afecta a Madeira já foi posta nesta Assembleia em termos que mereceram todo o meu apoio e me dispensam de acrescentar-lhes uma palavra que seja.
De resto a insistência seria descabida.
Uma vez exposta nesta casa a gravidade da situação só há lugar: a reclamar por falta de atenção ou a louvar quando sejam adoptadas medidas de remédio efectivo.
Verifica-se o segundo caso, como aliás todos esperávamos, e é, portanto, para louvar que faço uso da palavra.
Sr. Presidente: tenho conhecimento concreto de que dentro de breves dias será publicado um diploma, pela pasta da Agricultura, reduzindo o preço do pão na Madeira, e esta medida não representa apenas uma melhoria das condições materiais de vida da sua população.
Para o País representa a aplicação literal da doutrina «Enquanto houver um lar sem pão, a revolução continua» e para a população da Madeira, além do benefício material, (representa ainda o conforto moral de sentir o amparo do Governo da Nação neste momento de angustiosa crise.
E, Sr. Presidente, tanto como de pão para a boca, a gente da minha terra carece de amparo moral que lhe dê ânimo para suportar as duras e evitáveis privações que a guerra lhe está impondo ... e imporá.
Ignoro de quanto será reduzido o preço do pão, assim como os meios que serão adoptados para atingir aquele objectivo, mas a altíssima consideração que sob todos os aspectos me merece S. Ex.ª o Sr. Ministro da Agricultura é para mim garantia plena de que aquela redução será levada ao máximo, e mais ainda: que serão cortados cerces todos os interesses ilegítimos que, deturpando e falseando a lei, se tinham criado à sombra do regime cerealífero actual.
Sr. Presidente: se dei o merecido relevo ao efeito moral desta medida, não se conclua que o seu valor material seja inapreciável.
Ignoro, repito, as disposições que vão ser adoptadas, mas estudei e conheço o problema, e antes da guerra poderia apontar importâncias com apreciável exactidão.
Mercê, porém, da previdência do Governo existe na Madeira um stock de trigo bastante para o consumo de vários meses.
Com este trigo, impondo certas restrições - aliás justas - aos lucros das diferentes actividades que intervêm na sua transformação em pão e distribuição deste ao público, suponho possível uma redução que, a ser de $10 em quilograma de pão de tipo comum, dará lugar a um benefício anual de 1:000 contos à população da Madeira.
A instabilidade de cotações de trigo e de fretes, em resultado da guerra, não permite a mínima previsão fundamentada - e portanto honesta- sobre as condições de aquisição de trigo quando se esgotar aquele stock, mas, ainda que as circunstâncias do momento não permitam manter o preço do pão que agora seja estabelecido, o benefício recebido até lá é um facto real, e nem a população da Madeira, nem ninguém pode exigir de boa fé que o Governo da Nação vá alem do possível.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Cancela de Abreu: -Sr. Presidente: em Julho de 1936 desencadeou-se em Espanha a tragédia da sua guerra civil. Durou qnási três anos essa tragédia. Não é preciso alongar-me discorrendo sobre o que foi essa guerra, o seu significado e o seu alcance, quais os princípios que se digladiaram e quais os que venceram a virtude que estava de um lado e a vilania que estava do outro. Tudo isso o sentimos bem nós, os portuguesa os portugueses amarguradamente receosos dos nossos próprios destinos; sentimo-lo bem então, e sentimo-lo bem hoje ainda.
Basta-me agora sublinhar, Sr. Presidente, que naquela guerra também Portugal estava em causa; que nela se jogava o nosso próprio futuro, a nossa independência política, a continuidade do ressurgimento a que nós votámos, a paz e dignidade do nosso viver. O sangue que ali se verteu salvou a Espanha, mas salvou Portugal também. Aquela trincheira era também nossa.
Apoiados.
Houve por essa altura em Portugal uma reacção benéfica da consciência nacional - que às vezes para adormecer; houve a noção do perigo. E desse alvoroço nasceu a Legião Portuguesa, para poupar e auxiliar o exército na vigília e na luta eventual. Houve dezenas de milhar de portugueses que se dispuseram a pegar em armas para defender a Nação e o seu Governo.
Mas, Sr. Presidente, houve quem fizesse muito mais para bem da Pátria do que nós, os que passámos a usar na lapela esto honroso distintivo da Legião Portuguesa. Houve os que não dominaram o seu impulso, houve os que desde logo quiseram partilhar da batalha, houve os que foram de facto, embora alguns, talvez, por razões menos espirituais, oferecer a vida contra o inimigo já em armas. Houve, em suma, milhares de voluntários portugueses nas fileiras sangrentas da Espanhã Nacional! E foi a muitos desses que se referiu, (...) poucos meses, do alto da tribuna desta sala da Assembleia Nacional, num dos seus notáveis e autorizados dos cursos, o Sr. Presidente do Conselho.
Disse ele:

«Contra os compromissos tomados pelo Governo (...) bem compreensível necessidade política, e como se (...) compromissos contradissessem a razão e profundo sentimento do povo, alguns milhares de portugueses, (...) por mil formas a vigilância das autoridades abandonaram a sua vida, interesses e cómodos, foram combater pela Espanha, morreram pela Espanha. Orgulha-me que tenham morrido bem e todos - vivos e mortos- tenham escrito pela sua valentia mais uma página heróica da nossa e de alheia história».
Pois bem, Sr. Presidente, homens que se anteciparam mo cumprimento do dever patriótico; homens que «abandonaram a sua vida, interesses e cómodos», para correr a alistar-se onde o perigo era maior; homens que tiveram de se esconder, «iludindo por mil formas de vigilância das autoridades» para poderem alcançar com frente avançada do bom combate pela defesa e tranquilidade da sua Pátria; homens entre os quais há (...) seja motivo de orgulho para Salazar -extraordinária honra-, muitos desses homens foram, e são ainda agora, considerados desertores.
Reparem V. Ex.ªs no acre sabor que isto tem: desertores por irem para a guerra!

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E como tal, Sr. Presidente, porque sem autorização trocaram a fileira quieta de um exército em paz pela trincheira revolta de um exercito em luta - e sem autorização, porque esta não podia, oficialmente, ser-lhes concedida, embora como se tais compromissos contradissessem a razão e o profundo sentimento do povo», êsses homens não podem regressar à sua terra, ou, se regressarem, sofrerão nela os rigores e a vergonha de uma prisão.
Alguns são grandes mutilados; pagaram já, bem duramente, o preço da sua aventura. Outros foram heróis e são gloriosos condecorados da Espanha; lavaram bem, em valentia, a sua culpa. Alguns jazem ainda internados nos hospitais de sangue, juntas 55 dores do corpo as dores da alma, ansiosos por poderem acolher-se ao carinho dos seus e ao calor do sol da sua terra. Outros, honrando o nome de Portugal nos postos mais arriscados da Legião Estrangeira, onde é tradicional a bravura temerária e a vida se despreza a cada passo, foram, por distinção ao seu heroísmo e à sua galharda coragem, de simples soldados a sargentos e a oficiais.
Pois êsses homens, para entrarem e para viverem na sua tetra, têm novamente de desiludir por mil formas a vigilância das autoridades», muitos têm de esmolar como vulgares miseráveis, têm de andar a monte como grandes criminosos!
Quero ler a V. Ex.ª e à Assemblea uma carta, de entre algumas que tenho em meu poder. Julguem V. Ex.ªs se ela merece ou não ser o estímulo definitivo da resolução que se impõe. Escreve-a de Tuy, em 5 de Janeiro, para um distinto oficial português que foi companheiro e amigo dos «viriatos» em Espanha, um mutilado da Legião Estrangeira que é desertor em Portugal:

«Eu, Laurentino de Sousa Barreira, natural de Valbom (Pôrto), pedia a fineza de me informar desta deserção.
Eu estava na tropa, no batalhão de caçadores n.º 3, em Chaves, no ano de 1937, e desertei para vir à guerra para defender o meu ideal e agora me encontro mutilado, portanto pedia a V. Ex.ª encarecidamente o favor de mandar dizer se o meu castigo é muito ou se está tudo perdoado. Sem mais me despido de V. Ex.ª que Deus lhe guarde a vida muitos anos.

Laurentino de Sousa Barreira.

Falta-lhe talvez um braço ou uma perna, perdidos no campo da honra, e tem ainda de preguntar se o seu castigo é muito ou se está tudo perdoado ...
Que extraordinária grandeza a desta simplicidade! E que comovente lição a deste conformismo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É urgente, Sr. Presidente, remediar esta situação. É urgente que o Govêrno a considere. É urgente, em suma, amnistiar amplamente esta espécie sui generis de desertores que fugiram para a guerra, bem diferente dessa outra dos que em 1919 foram amnistiados e que eram desertores por terem fugido à guerra. (Apoiados}. Êsses, Sr. Presidente, é que nunca deviam ter sido amnistiados! (Apoiados}.
Eu não invoco 1940. Não invoco oportunidade ou pretexto de excepção. Não é tolerância, não é benevolência, que peço para êsses voluntários portugueses em Espanha, Sr. Presidente. É justiça!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E tenho ainda outra cousa a pedir. Em missão oficial do Governo Português, embora voluntários, foram também para Espanha numerosos
oficiais e sargentos é alguns cabos aviadores do nosso exército. Missão de estudo, missão de observação, ela transformou-se, para todos ou quási todos, em intenso, valioso e arriscado serviço de campanha.
Alguns - uns mortos, outros vivos - foram os que mais linhas de ouro escreveram, pela sua valentia, nessa página heróica da nossa e de alheia história» de que Salazar falou. Praticaram feitos de tal ordem, e por tal forma, que assombraram aquelas fileiras dos mais destemidos batalhadores; que se ouvem contar e quási não se acreditam!
Sei, Sr. Presidente, que estão propostas e decididas por quem de direito, para uma escassa dezena dêsses heróicos combatentes que foram de Portugal e que felizmente sobrevivem, algumas merecidíssimas promoções por distinção e algumas honrosas condecorações portuguesas. Creio que só formalidades burocráticas têm demorado a efectivação dessas distinções, que, dignificando quem as recebe, prestigiam simultaneamente quem as concede.
Mas, Sr. Presidente, o tempo- vai passando. Já lá vai um ano sobre o fim dessa guerra. As acções desvalorizam-se à medida que se vai afastando a sua boa oportunidade. (Apoiados}. Peço ao Governo que não deixe afastar mais a oportunidade desta acção, que o País inteiro aplaude e deseja com entusiasmo, em agradecimento, devido e sentido agradecimento, a quem deu tam nobre exemplo das mais altas virtudes cívicas e, sobretudo, do mais alto valor militar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Carneiro:- Sr. Presidente: a Diário das Sessões n.º 76:, de 16 de Fevereiro último, inseriu a representação das forças económicas da cidade do Porto sôbre o decreto n.º 29:840, de 19 de Agosto de 1939.
O problema dos laudémios nos antigos prazos eclesiásticos, de importância capital para a economia portuense, tem sido já tratado nesta Assemblea. E, se o período legislativo não estivesse no seu termo, eu faria um aviso prévio acerca dessa questão.
Porque tal aviso já não era possível quando do recebimento da aludida representação, limito-me a pedir ao Governo, e especialmente ao Sr. Ministro da Justiça, que o assunto seja estudado de novo. São tam justos e fundamentados os Queixumes das forças económicas do Porto que estou certo de que o Governo as atenderá na sua pretensão.
No decreto n.º 29:840 revela-se já o propósito de reduzir os encargos dos enfiteutas, visto que para as remições pedidas no prazo de dois anos se concede o desconto de 20 por cento nos foros, censos, pensões e quinhões e é de 50 por cento nos laudémios, salvo quando sejam de quarentena ou de vintena, pois nêsses casos terão apenas os descontos de 10 e 20 por cento.
E dá-se ainda ao enfiteuta a faculdade de requerer o pagamento em prestações.
Mas a artigo 7.º dispõe que a remição não isentará os possuidores ou antepossuidores do pagamento de laudémios e foros vencidos, que serão pagos com as actualizações e tiros de mora fixados nas leis vigentes, além da multa; que seja devida; e o § único dêste artigo apenas faz beneficiar da redução aludida e isenta de juros de mora e multa os laudémios e foros vencidos cujo pagamento seja voluntàriamente requerido no prazo de um ano a contar da publicação do decreto n.º 29:840.
Estes benefícios são de indiscutível valor; mas não deram o efeito desejado, porque estão muita longe de satisfazer às justas reclamações dos enfiteutas.

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A redução de foros e laudémios não deveria limitar-se ao caso de remição. Muitas vezes convém ao enfiteuta a compra do domínio directo. A distinção tem efeitos jurídicos de relevo. E nada obsta a que se conceda o abatimento também na compra e venda, embora o adquirente não possa reclamar de terceiro mais do que a parte proporcional ao preço por que comprou os direitos dominicais.
A maior parte dos laudémios do Pôrto são de 4-1 e 5-1. Ficarão, por efeito do decreto n.º 29:840, reduzidos a 8-1 e 10-1, o que é ainda exorbitante.
No longo período da prescrição contra o Estado dão-se com frequência duas, três e quatro transmissões.
Actualizado o laudénio por coeficientes que excedem o de 20 e acrescentadas as alcavalas legais - os juros da mora orçam por 60 por cento -, pode suceder que a Comissão Jurisdicional receba importância superior ao que valem os prédios e os terrenos aforados antes das construções.
Para os domínios directos encorporados nos próprios da Fazenda Nacional obrigou-se à remição, reduzindo-se o laudémio ao mínimo.
Afirma-se no relatório do decreto n.º 29:840 que não existem para os domínios directos administrados pela Comissão Jurisdicional irregularidade de cobrança e dificuldades de administração.
Sei que é modelar a gerência daquela Comissão e não pode deixar de merecer simpatia a obra de protecção a menores, que é o destino das receitas obtidas com os direitos dominicais pertencentes outrora a entidades eclesiásticas.
Mas a obrigatoriedade da remição dos domínios encorporados nos bens próprios da Fazenda obedeceu primacialmente ao fim, expresso no relatório do decreto n.º 24:429, de 29 de Agosto de 1934, de libertar a propriedade privada dêsse encargo, tornando alodiais prédios enfitêuticos, embora o Estado sacrificasse - e em larga escala - alguns interêsses legítimos.
Não me parece necessário obrigar à remição dos domínios directos em causa.
Bastaria facultar essa remição ou a compra do domínio durante prazo mais longo do que o estabelecido no decreto n.º 29:840 - dez anos, por exemplo.
Os enfiteutas que nesse período libertassem o prédio beneficiariam de redução no capital do foro e pagariam o laudémio de quarentena.
Este benefício é o mais importante, pois a maior parte dos prédios de que se trata não estão sujeitos a foro, e apenas a laudémio, o que constituo anomalia jurídica.
Seria justo conceder a mesma redução aos enfiteutas que nêsse prazo pagassem os laudémios atrasados.
Nesse ponto, o decreto n.º 29:840, se, por um lado, dá a redução, aliás insuficiente, por outro limita-a ao caso de pagamento voluntário, no prazo de um ano.
É sabido que um antigo funcionário da mitra, que, por efeito de estranho contrato, durante muito tempo recebeu a maior parte do que se cobrava, tem ainda hoje percentagem, sem dúvida modesta, nas cobranças de prestações atrasadas feitas por seu intermédio.
Ora é natural que o interessado promova a cobrança coerciva dos laudémios em dívida antes que os devedores requeiram a remição.
Estou firmemente convencido de que a concessão de maiores facilidades aos enfiteutas trará vantagens gerais.
Para os devedores de foros e laudémios, que verão muito reduzidos os encargos a que estão sujeitos. E não será despropositado consignar que muitos adquirem os prédios convencidos da sua alodialidade, pois não há cadastro das propriedades oneradas, e as próprias comissões concelhias, quando se lhes requere certidão de alodialidade, passam-na por forma a não comprometerem futura cobrança.
E a Comissão Jurisdicional veria muito aumentados os fundos que destina à obra admirável que encetou.
Os devedores de laudémios ou enfiteutas têm usado de um meio de defesa, que cada vez tende a generalizar-se mais: quando executados no tribunal fiscal, intentam acção declaratória no tribunal comum, embargando o processo fiscal com base num litígio.
E a Comissão Jurisdicional, no juízo ordinário, dificilmente poderá identificar o prédio foreiro; os elementos de que ela dispõe para prova da enfiteuse vêm enumerados no artigo 9.º, § 1.º, do decreto n.º 29:840, referente à destrinça.
Tudo leva a crer que, se a lei não for humanizada, será cada vez maior o número de prédios declarados alodiais, embora porventura sejam foreiros.
No entanto, se o encargo fosse comportável, os interessados prefeririam satisfazê-lo, mesmo na dúvida de ele existir, furtando-se às despesas e contingências do pleito.
Finalmente, o Sr. Ministro da Justiça teria ensejo de aplicar a estes domínios - os princípios que formulou na resposta enviada a esta Assemblea e a que demos o nosso caloroso aplauso.
Disse.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: o ter ouvido dizer meu ilustre colega Sr. Dr. João do Amaral que tinha recebido resposta a um requerimento feito fez-me cometer o mau pecado da inveja e lembrar que já há tempo fiz um requerimento para obter informações da Administração Geral dos Correios, Telégrafos o Telefones, que ainda não chegaram.
Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de insistir por elas.
Tenho dito.

O Sr. Presidente:- Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Faz parte da ordem do dia, em primeiro lugar, a votação dos textos aprovados pela Comissão de Redacção, o primeiro dos quais só refere à proposta de lei n.º 36, sobre exploração de pedreiras.
V. Ex.ªs leram esse texto e se algum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação pode apresentá-la.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto não haver nenhuma reclamação, considera-se o texto aprovado.
Em segundo lugar temos o projecto de lei n.º 77, relativo aos portugueses em situação militar irregular que desejem visitar a Pátria em 1940.
Se algum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, pode apresentá-la.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto não haver nenhuma reclamação, considerasse o texto aprovado.
A 2.ª parte da ordem do dia é constituída pela discussão da proposta de lei n.º 59, em que foi convertido o decreto-lei n.º 29:449.
Acaba de chegar à Mesa uma proposta assinada pelo Sr. Dr. Madeira Pinto e outros Srs. Deputados, no sentido de se adoptar para o artigo 1.º o texto sugerido pela Câmara Corporativa, em substituição do texto do decreto.

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Está era discussão o artigo 1.º tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Acaba de chegar à Mesa uma proposta de alteração deste artigo, assinada pelo Sr. Dr. Albino dos Reis o outros Srs. Deputados. É no sentido do se eliminarem do texto sugerido pela Câmara Corporativa as palavras «se essa indemnização representar um rendimento de capital».
Como ninguém mais pede a palavra, vai votar-se.

Consultada a Assemblea, foi aprovado o artigo 1.º com o texto sugerido pela Câmara Corporativa e com a eliminação proposta pelo Sr. Dr. Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º
Quanto a êste artigo, não há diferenças entre o texto sugerido pela Câmara Corporativa e o texto do decreto.

O Sr. Madeira Pinto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: como V. Ex.ªs tiveram ocasião de verificar, a doutrina que se pretende estabelecer no artigo 2.º desta proposta de lei é no sentido de acabar com a dúvida respeitante a saber se nas execuções por dívidas à Caixa Geral de Depósitos, Crédito o Previdência ora ou não aplicável o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais, artigo êsse em que só diz que ao empregado do Estado ou de qualquer corpo ou corporação administrativa que, depois do esgotados todos os meios executivos, se mostrar não ter bens por que possa ser paga a sua dívida à Fazenda Nacional, será feito na totalidade dos seus vencimentos o competente desconto, na razão de um terço, até completo pagamento.
O decreto n.º 16:899, de 27 de Maio do 1929, determinou que a cobrança das dívidas à Caixa Geral do Depósitos, Crédito o Previdência passasse a ser feita pelos tribunais das execuções fiscais e que o processo a seguir fôsse o mesmo das execuções fiscais.
No domínio desta legislação levantou-se a dúvida do saber se um empregado do Estado, ou do qualquer corpo ou corporação administrativa, que fôsse demandado por dívidas à Caixa Geral do Depósitos, Crédito e Previdência poderia sofrer um desconto na razão de um terço dos seus vencimentos no caso de não ter bens por onde a dívida pudesse ser paga.
O tribunal da 1.ª e 2.ª instância do contencioso das contribuições e impostos entendeu que era de aplicar o preceito, mas o Supremo Tribunal Administrativo discordou desta maneira de ver, por entender que o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais era um preceito substantivo, ao passo que o preceito do artigo 1.º do decreto n.º 16:899, em virtude do qual se aplicava às dívidas à Caixa o regime de execução das dívidas ao Estado, era do direito adjectivo.
Estabeleci a esta divergência, o decreto que veio à, ratificação desta Assemblea legislou no sentido de ser aplicado, nêste caso da execução de dívidas à Caixa Geral de Depósitos, o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais.
A Câmara Corporativa, onde o decreto baixou, defende o preceito e justifica-o dizendo que, se o decreto n.º 16:665, artigo 26.º, estabelece que as execuções por dívidas à Caixa são equiparadas e se realizam nas mesmas condições das execuções por dívidas ao Estado, deve entender-se que aquelas dívidas gozam de todas as garantias de execução destas.
E acrescenta: «.... não é senão lógico que as dívidas à Caixa sejam equiparadas às dívidas ao Estado e lhes seja reconhecida a garantia que o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais confere para as segundas».
Em harmonia com estas considerações, parece-me que se o artigo 2.º do texto que a Câmara Corporativa sugere, para esta proposta, fôsse redigido pura o simplesmente nestes termos: se aplicável às dívidas à Caixa Geral do Depósitos, Crédito e Previdência o disposto no artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais», o assunto estava inteira e completamente esclarecido e não dava margem a dúvidas de espécie alguma. No entanto, a Câmara Corporativa propõe que o texto que há-de regular esta divergência seja redigido da seguinte forma:
Leu.
Parece-me que desta redacção algumas dúvidas podem surgir, designadamente depois que a Câmara Corporativa se manifestou no sentido do equiparar, de uma maneira completa, as dívidas da Caixa Geral de Depósitos às dívidas ao Estado.
V. Ex.ªs não desconhecem que há um sem-número de instituições de socorros mútuos, entre as quais avulta, por exemplo, o Montepio Geral, que têm caixas económicas que aplicam os seus capitais em empréstimos hipotecários.
E se por um momento do texto deste artigo e das palavras da Câmara Corporativa se pudesse depreender que uma primeira hipoteca, por exemplo, a uma instituição desta natureza, podia ser suplantada por uma segunda hipoteca à Caixa Geral de Depósitos, Crédito o Previdência, teríamos, a par do um revoltante atropelo de direitos, um verdadeiro cataclismo na vida destas instituições.
Parecia-me, por isso, e subi à tribuna especialmente para o registar, que a Câmara, votando, embora, o texto proposto pela Câmara Corporativa, não lhe reconhece outro alcance que não seja o do entender que o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais tem aplicação ou pode ser aplicado nas execuções da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e nada mais. É que a equiparação das dívidas da Caixa aos débitos do Estado não pode ter o alcance da exposição que formulei.
Parece-me até que talvez o artigo nem precisasse de ser redigido ou de figurar entre os da proposta, visto que hoje, pelas disposições do novo Código de Processo Civil, artigo 821.º, n.º 14.º, esta faculdade de penhorar um têrço dos vencimentos dos funcionários ó geral e, portanto, aplica-se até a dívidas de natureza particular, e não só a dívidas à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência e à Fazenda Nacional.
Em todo caso parece-me estar a interpretar o pensamento da Câmara dizendo que ela, votando este texto da Câmara Corporativa, não lhe atribuo outro alcance que não seja o de considerar, pura e simplesmente, o artigo 134.º do Código das Execuções Fiscais aplicável às execuções por dívidas à Caixa Geral de Depósitos, Crédito o Previdência e nada mais.

Apoiados.
Tenho dito.

O Sr. Presidente:- Visto que mais nenhum Sr. Deputado quero usar da palavra, vai votar-se o artigo 2.º sugerido pela Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente:- Está em discussão o artigo 3.º

Pausa.

O Sr. Presidente:- Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se..

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Crespo.

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396 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 80

O Sr. Augusto Crespo:- Sr. Presidente: venho defender a doutrina do artigo 4.º tal como se acha consignada na proposta do Govêrno.
Igual atitude tomei quando, na sessão de 11 de Janeiro, defendi a doutrina do decreto-lei n.º 29:449, então submetido à apreciação desta Assemblea.
Votou-se então a ratificação do decreto - repito: a ratificação do decreto - com emendas, tendo então sido discutidos os artigos 4.º e 6.º e tendo, por sinal, sido mais viva a discussão com referência no artigo 6.º

Por estas razões, presumi que as emendas que a Câmara desejava com a sua votação deveriam incidir especialmente sôbre o artigo 6.º
Surge porém o parecer da Câmara Corporativa, que introduz emendas nalguns artigos e nomeadamente no 6.º, sem alterar a doutrina em que o mesmo assentava, mas que, com relação ao artigo 4.º do decreto aprovado com emendas, se não limitou a emendá-lo, mas sim a alterá-lo, estabelecendo doutrina perfeitamente contrária.
Poderia discutir neste momento se, tendo sido na generalidade aprovadas a oportunidade e vantagens dos princípios legais insertos no decreto, a Câmara Corporativa não foi além do que lhe fora marcado pela votação da Assemblea Nacional, estabelecendo o princípio legal contrário ao do consignado aio artigo 4.º do decreto.
Não o farei, mesmo porque o julgo desnecessário e porque entendo que melhor é discutir o valor do princípio estabelecido no decreto.
Devo desde já declarar que o parecer da Câmara Corporativa - de que foi relator um grande professor de direito, a quem o antigo discípulo presta, neste momento, a mais respeitosa homenagem - não veio alterar a minha maneira de encarar o problema.
Disse na sessão de 11 de Janeiro que o problema tinha de ser discutido num plano diferente daquele em que foi visto pelo Sr. Deputado Braga da Cruz, que e agora também o da Câmara Corporativa,.
De facto, a Assemblea não tem de averiguar qual a melhor interpretação das leis existentes e a que melhor se adapta aos textos legais - função do intérprete juiz -, mas sim, quando muito, qual a que neste momento melhor se integra no sistema fiscal e princípios legais correntes e serve o interesse e ordem social - função do intérprete legislador.
Foi neste sentido toda a minha argumentação e posso sintetizar, para as não repetir, todas as razões então apresentadas da seguinte forma:

A orientação seguida pelo Govêrno e manifestada nos últimos diplomas sôbre a tributação da propriedade urbana e sôbre o selo do traspasse do estabelecimento comercial e industrial é no sentido de se proibir ao proprietário a avaliação do prédio por este achar deminuto o seu rendimento colectável;
Só o interesse fiscal, e não outro, tem de ser atendido quando se pedem quaisquer avaliações nas repartições competentes, e assim não podem elas servir para a fixação de rendas no inquilinato comercial;

O Estado dispensa quaisquer avaliações da propriedade urbana, visto merecerem-lhe inteira confiança os valores hoje expressos nas novas matrizes, e apenas as permite, no interesse dos proprietários, quando estes acharem excessivo o rendimento colectável.
As restrições à liberdade contratual em matéria de inquilinato, que não permitem o aumento de rendas, e que razões de ordem moral e política impuseram e mantêm, abrangem o inquilinato comercial.
Poderei agora dizer, referindo-me à doutrina do artigo 4.º, segundo o parecer:

E ela contrária a toda a orientação do Govêrno, expressa em vários diplomas.

O Sr. Mário de Figueiredo (interrompendo): - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - E para preguntar a V. Ex.ª se no decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, não está consignado um princípio em consequência do qual era possível aos senhorios, por virtude da avaliação, permitir o aumento de renda?

O Orador: - Está, mas entendo que não se acha em vigor.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso é uma questão a discutir. Mas não parece contrária à nossa intenção legislativa a possibilidade de num determinado espaço de tempo se dar o aumento da renda. E tanto assim que no decreto estava consignado o princípio de que, em caso de traspasse, podia o senhorio ter direito à cobrança de uma renda igual ao rendimento do prédio fixado por avaliação.

O Orador: - Mas eu não disse que não estava consignado tal preceito. Sei muito bem que no decreto n.º 15:289 estava consignado esse princípio, como outros lá estão consignados, alguns dos quais ainda estão em vigor.
O que disse foi que a orientação ultimamente seguida em todos os diplomas emanados do Ministério das Finanças é no mesmo sentido do artigo 4.º do decreto em discussão.
Como daqui a pouco vou referir-me a esses diplomas, V. Ex.ª terá ocasião de ver que não fiz uma afirmação gratuita.

Continuando:
Agrava ainda mais as condições do inquilinato comercial;Estabelece no sistema fiscal, que actualmente nenhuma relação tem com o inquilinato, uma excepção que razão alguma justifica.
Entendeu a Câmara Corporativa que devia, declarando sem hesitação interpretativa a disposição, mostrar apenas que a interpretação era a contrária à que o Govêrno lhe deu. Assim o fez.
Vejo-me, pois, forçado a demonstrar que a interpretação dos textos legais existentes à data do decreto, e nomeadamente dos artigos 3.º e 4.º do decreto n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, era a que naquele foi consignada, isto é, de que nos casos de traspasse de estabelecimento comercial ou industrial não é permitido ao proprietário requerer a avaliação para o efeito de aumentar a renda ao inquilino.
Transcrevem-se no parecer da Câmara Corporativa vários períodos do relatório do projecto da comissão nomeada em 1926 quanto à restrição da liberdade contratual e à necessidade de se estabelecer, em prazo de tempo relativamente curto, o princípio da liberdade contratual, devendo permitir-se que no período de transição se fosse permitindo a elevação gradual das rendas antigas.

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O Sr. Meio Machado: - E V. Ex.ª acha bem?

O Orador: - O que eu não acho bem é que se estabeleça para o inquilinato comercial uma cousa e outra para o de habitação. Eu também posso achar bem que se vá para a liberdade contratual, mas sou forçado a reconhecer que as condições da vida de hoje não o permitem. Eu sei que o inquilinato comercial tem gozado de mais regalias do que o outro; mas neste caso especial dos traspasses é preciso ter em conta que a razão da maior valia dos prédios é das obras que são feitas pelo inquilino.
Prosseguindo, devo lembrar que do referido relatório da comissão são também os períodos seguintes:

«... impõe-se a organização de novas matrizes com a inscrição do que poderíamos chamar o rendimento normal dos prédios. Votou-o a comissão em princípio, deixando ao Govêrno a escolha do momento em que lhe pareça conveniente a organização do serviço».

Serve esta referência para demonstrar que na fase preparatória - chamemos assim ao trabalho da aludida comissão de 1926- havia necessidade de recorrer a factores de correcção para actualizar um pouco mais o rendimento colectável das matrizes, bem defeituosas, e emquanto estas não pudessem ser reorganizadas.
Com a publicação do decreto n.º 15:389, de 30 de Março de 1928, entra-se noutra fase, cuja primeira parte vai até à promulgação do decreto n.º 27:154, de 31 de Outubro de 1936, logo substituído pelo decreto-lei n.º 27:235, de 23 de Novembro seguinte.
Os artigos projectados pela aludida comissão passaram quási integralmente, e apenas com diferenças de detalhes, para os artigos 22.º a 31.º do decreto n.º 15:289 já referido e que o parecer transcreveu «para se ver como este decreto foi pautado sôbre aquele projecto».
Na realidade assim é.
Êste decreto determina no seu artigo 22.º que c emquanto não forem corrigidas ou organizadas de novo as matrizes prediais» se apliquem, nos termos dos artigos 23.º e seguintes, factores de correcção aos rendimentos matriciais - segundo as épocas de inscrição parcial ou total dos prédios.
Combinando o disposto no artigo 31.º e § 1.º com o artigo 12.º do decreto n.º 15:291, pode afirmar-se que a avaliação obrigatória, nos casos de traspasse, tinha por fim principal obter mais garantida compensação, pela contribuição predial urbana, na perda da contribuição de registo por título oneroso, que a legislação então vigente mandava se liquidasse em tais actos.
As razões foram-se mantendo, pois as matrizes prediais urbanas permaneciam defeituosas e menos verdadeiras, conforme a comissão expusera no seu trabalho.
E o decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929, que inicia o propósito de se fazer obra mais perfeita.
Diz-se no relatório:

«O que temos hoje nas matrizes não são no geral rendas efectivamente percebidas, nem rendimentos normais, nem nada».

E mais adiante:

«Quanto aos proprietários de casas arrendadas, prevê-se a hipótese, aliás já não provável nesta altura, de o rendimento colectável ser superior à renda que pode ser exigida em face da lei; a solução justa é que possa ser obrigado o inquilino à parte da contribuição respeitante ao rendimento que o senhorio não pode perceber».

Previu-se no artigo 21.º que se a contribuição viesse a ser liquidada por um rendimento superior à renda por que o prédio no seu conjunto estivesse arrendado a diferença seria exigida do inquilino ou inquilinos que pagassem rendas inferiores ao valor locativo atribuído ao prédio ou parte do prédio ocupado por eles.
E então no artigo 22.º determinou-se que:

«Os prédios ou parte de prédios urbanos ocupados por estabelecimentos comerciais ou industriais ou suas dependências serão sempre avaliados desde que haja mudança de inquilino ou novo arrendamento, salvo o caso de não ter decorrido mais de um ano contado da data da última avaliação, sendo nulo o traspasse ou contrato de arrendamento que não tenha sido precedido desta formalidade».

Sendo expresso o § único, em que:

«A avaliação será requerida pelo proprietário ou novo inquilino e far-se-á nos termos do Código da Contribuição Predial».

Ainda, segundo o artigo 23.º, se determinou que nas avaliações referidas no artigo anterior se deveriam ter em consideração os factores económicos que pudessem influir no rendimento colectável na época em que aquelas se realizassem.
Antes, porém, de continuar a citação da subsequente legislação sôbre o assunto convém frisar que os transcritos artigos 22.º e 23.º do decreto n.º 16:731 são a reprodução da doutrina contida no também já transcrito artigo 31.º do decreto n.º 15:289, com as seguintes modificações:
Por êste diploma era sempre obrigatória a avaliação do prédio ou parte no prédio objecto de traspasse, emquanto que pelo decreto n.º 16:731 se ressalvou a hipótese de ainda não ter decorrido mais de um ano contado da data da última avaliação, estabelecendo-se de novo a nulidade do traspasse ou contrato de arrendamento que não tivesse sido precedido de tal formalidade - a avaliação.
Os artigos dizem:

Artigo 31.º, § 1.º (decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928):

«A avaliação dos prédios ou parte de prédios em que o estabelecimento ou sua dependência esteja instalado será requerida pelo proprietário, o qual poderá cobrar do novo arrendatário a renda fixada pela comissão avaliadoras.

Artigo 22.º, § único (decreto n.º 16:731, de 13 de Abril de 1929):

«A avaliação será requerida pelo proprietário ou pelo novo inquilino e far-se-á nos termos do Código da Contribuição Predial».

Convém em primeiro lugar esclarecer que o legislador de 1928 não era ao tempo da publicação do decreto n.º 15:287 o ilustre Ministro das Finanças que fez publicar o decreto n.º 16:731. Aquele só se inspirou no parecer da comissão. Esta era presidida pelo Sr. Dr. Oliveira Salazar, ao tempo professor de finanças na Universidade de Coimbra.

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tes da Associação da Agricultura, da Associação Lisbonense dos Proprietários, da Associação Industrial, da Associação dos Lojistas, emfim, os vários representantes das forças vivas do País.
Portanto, não me parece bem invocar o que se acha escrito no relatório, que, em qualquer hipótese, não obrigava, nem podia obrigar, a actuação do futuro Ministro das Finanças quando no desempenho da sua missão de Ministro.
Isto vem a propósito de por vezes se citar o que se encontra no relatório para de alguma forma se pretender mostrar que os homens públicos mudam de opinião. Ora, oeste caso, como em muitos outros, isso não tem razão de ser. Entendo dever referir o motivo por que foquei agora êste assunto: recebi, como naturalmente muitos outros Srs. Deputados, uma petição da Associação Lisbonense dos Proprietários dirigida ao ilustre Presidente da Câmara Corporativa onde se faz demasiado uso deste processo.
Desapareceu da lei a faculdade de o senhorio poder requerer a avaliação para o fim de aumentar a renda.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Por que diz V. Ex.ª que desapareceu?

O Orador: - O artigo 23.º do decreto n.º 16:731 quando diz no parágrafo citado que se pode requerer a avaliação retira as últimas palavras do § único do citado artigo 31.º do decreto n.º 15:289 «poderá cobrar do novo arrendatário a renda fixada pela comissão avaliadora».
Esta diferença é importante. E pode-se tirar uma ilação: é que de diploma para diploma se caminha para maiores restrições à liberdade contratual.
A lei fiscal começa a emancipar-se, expurgando dela matéria diferente. E tanto assim é que o § 1.º do artigo 31.º do decreto n.º 15:289 parece ter ficado revogado, pois, na hipótese de a avaliação se ter feito há menos de um ano, nunca êle podia aplicar-se. E como a lei para hipóteses semelhantes não deve estabelecer regimes diferentes, tem logicamente de se concluir que o regime era apenas um - o da revogação do parágrafo referido. Para a interpretação contrária era preciso que a lei claramente o dissesse. O pensamento do legislador é claro e terminante - logo que mereça confiança o rendimento por avaliação do prédio, não se fazem mais avaliações, nem por virtude delas o senhorio poderá aumentar a renda. O pensamento dominante é só o da correcção justa dos valores da matriz. E se permitiu as avaliações nos termos restritos do decreto n.º 27:235 foi em virtude dos clamores de que os rendimentos inscritos nas matrizes eram excessivos.

Convém agora dizer que mercê dos decretos-leis n.08 25:502, de 14 de Junho de 1935, e 26:338, de 5 de Fevereiro de 1936, foi possível pôr em vigor as novas matrizes prediais urbanas.

Houve o cuidado de evitar agravamento tributário para os proprietários, como aliás se havia previsto no decreto n.º 16:731, que contém a notável reforma tributária, e assim o artigo 44.º do decreto n.º 25:502 preceituou que:

«Se o rendimento colectável tiver sido fixado em função do valor locativo presumível ou por comparação, e êste seja superior ao. da renda paga ao senhorio, poderá o mesmo exigir do inquilino a parte da contribuição que lhe for lançada sobre a importância excedente ao rendimento colectável que resulte da renda paga».

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª acha bem que se vá cobrar mais contribuição, mas não se permita ao senhorio aumentar a renda?

O Orador: - Como êsse assunto não vem trazer mais esclarecimentos para uma ou outra interpretação, V. Ex.ª permitir-me-á não responder.
O que estava dizendo corrobora a demonstração de que o senhorio não tinha - como ainda hoje não tem - a faculdade de exigir do inquilino aumentos de renda superiores aos que a lei permite, e que o desejo, aliás legítimo e justo, de terminarem as restrições à liberdade contratual, era ainda irrealizável. Pode-se afirmar que no inquilinato comercial as tem sempre de haver.
Entrando agora na fase marcada com a vigência das novas matrizes urbanas, passo a apreciar o decreto-lei n.º 27:235, de 23 de Novembro de 1936, dispensando-se a do decreto-lei n.º 27:154, de 31 de Outubro de 1936, por já desnecessária.
Feitas as novas avaliações da propriedade urbana e postas em vigor as respectivas matrizes prediais com bases mais verdadeiras que as anteriores, impunha-se a necessidade de modificar a liquidação e cobrança do selo de 5 por cento devido pelos traspasses e novos arrendamentos.
Reconheceu-se ainda que a obrigatoriedade da avaliação retardava a realização das escrituras, pelas longas formalidades de que aquela se reveste, ocasionando por vezes prejuízos às partes interessadas, sem que deles adviessem interesses para quem quer que fosse.
Além disso, o principal e quási único indicador para a liquidação do imposto consistia na diferença encontrada entre a avaliação e a matriz, forma esta que então se julgou conveniente e compensadora, em virtude de os valores se não encontrarem até então actualizados.
Ora uma vez actualizados, como foram, tais valores, o imposto quási que desapareceria, porque, logicamente, já não deverá existir diferença - para mais - entre u avaliação e a matriz.
Havia que assegurar ao Estado o mesmo rendimento verificado anteriormente à vigência das novas matrizes urbanas, podendo aproveitar-se a oportunidade para ser simplificada a incidência, liquidação e cobrança do aludido imposto.
E, uma vez condenado pela experiência o sistema de avaliação obrigatória, que retardava a liquidação do imposto e a realização das escrituras, e que já não tinha sentido nem fins práticas, restava achar o meio de, sem prejuízo para o Estado nem novos encargos para os contribuintes, se prescindir de tal avaliação, fazendo incidir o imposto sobre o rendimento matricial.
Finalmente aproveitou-se a oportunidade para reunir num só diploma todas as disposições que ficassem em vigor sobre esta matéria.
E assim surgiu o decreto-lei n.º 27:235, que no seu artigo 3.º determinou:

«A taxa a que alude o artigo 1.º recairá sobre o valor do traspasse do local do estabelecimento, não podendo tomar-se como tal quantia inferior a cinco vezes o rendimento colectável correspondente ao prédio, ou parte dele, que for objecto de traspasse. Nos novos arrendamentos a base de incidência da taxa será determinada da mesma forma».

E no artigo 4.º que:

«Se os contraentes julgarem excessivo o rendimento colectável inscrito na matriz proceder-se-á de harmonia com o disposto no § 1.º do artigo 20.º do regulamento de 23 de Dezembro de 1899 e a avaliação efectuar-se-á dentro de sessenta dias. Esta poderá ser também requerida pelo senhorio».

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§ 3.º:

«As despesas de avaliação ficam a cargo do requerente, reclamante ou recorrente, observando-se o disposto no § 4.º do artigo 20.º do regulamento de 23 de Dezembro de 1899».

Importa lembrar, nesta altura, o artigo 20.º e §§ 1.º e 4.º do regulamento de 23 de Dezembro de 1899 para se demonstrar que a sua aplicação aos processos para liquidação do imposto do selo sôbre traspasses representa um benefício a favor de senhorios ou inquilinos quando o rendimento fôr exagerado, porquanto as custas eram pagas anteriormente apenas por êles, e hoje, embora sejam sòmente os salários aos louvados, repartem-se entre o Estado e a parte reclamante, na proporção da parte desentendida, o que se não daria se estivesse em vigor o artigo 31.º e § 1.º do decreto n.º 15:289, porquanto a avaliação ali permitida era de exclusivo interêsse do senhorio.
Diz êle:

«Artigo 20.º Quando os contratantes julgarem excessivo o rendimento inscrito nas matrizes prediais poderão requerer se proceda à avaliação dos prédios que se pretende transmitir.
§ 1.º Nesse caso a contribuição será paga segundo os valores declarados pelas partes, e a diferença entre essa importância e a que resultaria de ser paga segundo o rendimento Colectável entrará desde logo na Caixa Geral de Depósitos, para ser entregue à Fazenda Nacional, ou restituída aos contratantes conforme dos respectivos processos de avaliação e liquidação se mostrar..

§ 4.º Se pela avaliação se verificar que o valor dos prédios é superior ao que foi indicado pelos reclamantes, serão estes condenados nas custas do processo, proporcionalmente à parte desatendida da reclamação».

Vê-se, pois, que o Estado somente quis permitir estas avaliações nos casos de ser excessivo o rendimento matricial e nunca para o fim de aumento de rendas.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Ex.ª dá-me licença? ...
Mas excessivo em relação a quê?

O Orador:- Excessivo em relação ao valor locativo. Quando o contraente ou o senhorio o julgue excessivo.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas V. Ex.ª sabe que a Câmara Corporativa defende opinião oposta, dizendo que a avaliação pode ser requerida em qualquer hipótese, não é assim?

O Orador: - Assim é efectivamente. E por isso adiante analisarei com cuidado o disposto no referido artigo 4.º
Foi pelo que há pouco disse que se entendeu desde logo em todas as repartições fiscais não poder ser requerida a avaliação, tendo surgido em 18 de Janeiro de 1937 no 4.º bairro fiscal de Lisboa o primeiro caso, contestado administrativamente, no qual a Direcção Geral pôs à evidência a revogação do referido § único do artigo 31.º do decreto n.º 15:289, doutrina esta mais tarde sancionada por despacho ministerial lançado numa reclamação apresentada em 20 de Outubro de 1937 pela Associação Lisbonense dos Proprietários.
Nos tribunais superiores do contencioso apenas se projectou um único caso, o referido pela Câmara Corporativa, decidido definitivamente em 25 de Maio de 1938, nove meses antes do decreto-lei n.º 29:449 e quinze meses depois de fixada a doutrina referida pelas repartições,
Na 1.ª instância, e em 21 de Agosto de 1937, o julgador considerou o caso do reclamante como regulado pelo artigo 151.º do Código da Contribuição Predial, para oportunamente incluir o prédio na proposta anual a fim de ser novamente avaliado. E considerou que, nos termos do artigo 4.º do decreto-lei n.º 27:235, o senhorio apenas poderia requerer a avaliação quando os contratantes julgassem excessivo o rendimento colectável inscrito na matriz.
Esta decisão foi confirmada por unanimidade as 2.ª instância em 2 de Fevereiro de 1938, tendo o parecer favorável do representante da Fazenda Nacional - director de finanças do distrito de Lisboa - e sendo destacável a seguinte passagem do respectivo acórdão:

«Além do exposto pelos decretos n.ºs 25:502 e 26:338, foram postas em vigor as cadernetas de avaliação da propriedade urbana que estiveram em reclamação pelo prazo indicado no § 1.º do artigo 1.º deste último decreto, demonstrando os autos negativamente que os recorrentes tivessem usado da faculdade que lhes era concedida, pelo que legitimamente se pode concluir que se conformaram com o rendimento atribuído ao seu prédio.
Vê-se desta maneira que não se podia ordenar a avaliação requerida, por, no caso dos autos, se não dar a hipótese prevista pelo mencionado decreto n.º 27:235».

De facto o n.º 3.º do artigo 3.º do decreto-lei n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935, não se opunha a tal reclamação, porquanto dizia:

«Injusta fixação do rendimento colectável ou da percentagem atribuída para despesas de conservação;».

Porém no Supremo Tribunal Administrativo, e ainda que por maioria, assim não foi entendido - pelo referido acórdão de 25 de Maio de 1938 -, ordenando-se a requerida avaliação, mas dizendo-se aí a certa altura que:

«Há no decreto n.º 15:289 disposições fiscais e disposições sobre inquilinato.
Só as primeiras nos interessam para a hipótese dos autos.
O que as leis prescrevem sobre inquilinato não está em discussão, nem podia estar.
Isso é com os tribunais ordinários, se as partes se não entenderem, e eles é que hão-de dizer se o senhorio pode ou não aumentar a renda da parte do prédio cuja avaliação pede.
O que aqui se discute, e unicamente se discute, é se o senhorio pode ou não requerer a avaliação».

Neste venerando tribunal foi, pelo representante da Fazenda Nacional, de harmonia com o despacho ministerial de 7 de Dezembro de 1937 proferido na exposição da Associação Lisbonense dos Proprietários, e com a opinião já emitida no processo referido, ou seja ao instaurado em Janeiro de 1937, sustentado parecer contrário ao provimento do recurso, isto é, que a avaliação não podia ser requerida para os fins do § único do citado artigo 31.º do decreto n.º 15:289.
É esta a única interpretação admissível.
Com esta atitude julgo não manifestar menos respeito pelos dois ilustres juizes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, que entenderam diversamente, nem pelos membros da Câmara Corporativa que assinaram o projecto.
A propósito convém referir que aos tribunais do contencioso das contribuições e impostos, e sobre a hipótese em discussão, apenas subiu em recurso até ao Supremo

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Tribunal Administrativo um único processo, tendo três juízes da 2.ª instância e um do Supremo Tribunal Administrativo julgado em sentido contrário àqueles dois juízes.
Lembro-me agora do primoroso discurso feito há dias nesta Assemblea pelo ilustre Deputado Dr. Acácio Mendes, onde referia a tirania da aritmética, que irreverentemente altera o valor da frase impressionante «os tribunais julgaram». No caso ali apontado seis juízes tinham votado a favor do foreiro e cinco apenas a favor do senhorio.
No presente quatro juízes togados votaram a doutrina do decreto e dois a contrária.
Até agora tem seguido a doutrina que defendo todos os serviços fiscais, como adiante referirei, quatro juízes dos tribunais superiores do contencioso e o Govêrno.
Diz-se mais no parecer da Câmara Corporativa:

«Tem sido discutida, porém, a extenxão da faculdade de requerer a avaliação. Só poderá ser requerida pelos contratantes do traspasse e pelo senhorio para fazer baixar o rendimento colectável ou também poderá ser requerida pelo senhorio para o fazer subir? Tal é o preceito cultural da questão».

E acrescenta-se então:

«A faculdade de exigir a renda fixada pela comissão avaliadora não tem sentido se o § 1.º do artigo 31.º do decreto n.º 15:289 foi revogado pelo decreto n.º 27:235».

Conclue-se, pois, que tal faculdade caducou com a revogação - ainda que tácita - do § 1.º do artigo 31.º do decreto n.º 15:289.
E o próprio parecer não deixa de admitir tal possibilidade quando diz que:

«Em primeiro lugar é certo que o decreto n.º 27:235 não devia revogar aquele preceito do decreto n.º 15:289 sem o dizer expressamente e sem o substituir».

Posso, em contrário, afirmar que êste decreto, no artigo 4.º, o não admite. Diz mais o parecer:

«O artigo 4.º reconhece aos contraentes, isto é, ao antigo e ao novo inquilino, a faculdade de requererem a avaliação se êles acharem excessivo o rendimento colectável inscrito na matriz, e, portanto, para obter a baixa eventual deste rendimento, e isto porque a taxa do selo é, segundo o artigo 3.º, igual a cinco vezes o rendimento colectável correspondente ao prédio.
Ora bem pode acontecer que a comissão avaliadora, em vez de baixar, mantenha ou eleve o rendimento colectável».
Julgo que o não pode elevar. E preciso organizar um processo contencioso, com base numa petição, e é princípio de direito que não se pode ir no julgamento além do pedido que por lei aqui é limitado.
A avaliação a que a segunda parte do artigo se refere quando diz «esta também pode ser requerida pelo senhorio» não pode referir-se a outra que não seja a do corpo do artigo, isto é, quando se julgue o rendimento excessivo na matriz, e nunca a qualquer outra para «fins úteis», incluindo a do aumento de renda.
Diz o parecer que o artigo não qualifica a avaliação.
Pelo contrário, qualifica-a duas vezes, uma com as suas primeiras palavras «Se os contraentes julgarem excessivo ...», outra com a referência ao artigo 20.º do regulamento de 1899, onde as mesmas palavras também estão insertas. A palavra esta não tem outra significação nem pode ter outro sentido. Compreende-se que a referência ao senhorio não esteja junta à dos contraentes, em primeiro lugar porque assim se estabelece a correspondência com o último período do artigo anterior e em segundo lugar porque o senhorio pode ser ou deixar de ser contraente.
Vejamos: no artigo 3.º separaram-se as hipóteses de traspasse de local do estabelecimento - traspasse propriamente dito - e de novos arrendamentos - considerados traspasses para o efeito do pagamento do sêlo.
No artigo 4.º a separação aparece feita com a correspondência lógica.
No primeiro período aparecem os contraentes do traspasse propriamente dito.
No segundo toma extensiva a faculdade de requerer aquela avaliação ao senhorio que tem interêsse na liquidação do selo quando há novo arrendamento.
Isto é claro e lógico.
E igualmente o é concluir que o senhorio só pode requerer a avaliação quando houver novo arrendamento. Na outra não tem interêsse, a não ser que use do direito de opção permitido no § único do artigo 9.º da lei n.º 1:662, mas então já êle figura na sua qualidade de contraente.
Assim, respondo ao considerado grande argumento oposto, de que ficaria sem finalidade o último período do artigo.
Acrescento, para a hipótese de ser contestada esta clara interpretação:

A avaliação pode convir ao senhorio, não só nos novos arrendamentos, quando os prédios estiverem elevadamente tributados, o que determina o afastamento dos pretendentes ao estabelecimento, ou, no caso de usar do direito de opção, êle próprio pagar menos selo de traspasse, e fazer baixar o rendimento colectável ao que for justo.
Outro aspecto do problema:

Como se diz no relatório da comissão nomeada em 1926, na parte transcrita no parecer, um dos elementos do traspasse é «a capitalização da diferença, como no inquilinato de habitação, entre as rendas que o senhorio é obrigado a receber e as que seriam pagas sem as restrições legais».

Ora as restrições à liberdade contratual e a proibição do aumento de antigas rendas continuam, tanto no inquilinato de habitação como no comercial.
Se algumas dúvidas restassem, bastaria lembrar que pelo artigo 44.º do decreto n.º 25:502, de 14 de Junho de 1935, já referido ao proprietário foi concedido o direito de exigir do inquilino a diferença de contribuição predial entre o valor resultante das rendas pagas e o da matriz urbana.
Daqui resulta um encargo para o inquilino e mostra bem que nesta data o legislador já tinha posto de parte o seu manifestado desejo de em curto prazo poder estabelecer a liberdade contratual. Houve então um agravamento para o inquilinato e nomeadamente para o inquilinato comercial.

O Sr. Carlos Borges:- Essa agora!

O Orador:- De facto assim é. O inquilino, por virtude desta disposição, fica agravado, porque ela corresponde a um aumento de renda, isto é, tem de desembolsar mais dinheiro ao dar essa diferença ao senhorio,

O Sr. Melo Machado: - ... que é mais do que justa.

O Sr. Carlos Borges:- E um princípio de justiça.

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É bom referir que, por virtude desta disposição da lei, houve um real benefício para os senhorios, visto que parte da carga tributária passou a ser suportada pelos inquilinos, que tinham sido quem valorizou os prédios com as obras que lhes fizeram. Anteriormente tinham, como todos os outros, recebido o benefício da actualização de rendas, conforme os vários factores de correcção das antigas matrizes.
Mesmo há que considerar que aqueles elementos do traspasse a Capitalização da diferença de rendas» - têm hoje na grande maioria dos casos pouca importância, pois é bem sabido que desde 1926 até agora muitos inquilinos valorizaram, por exigências da vida moderna, os prédios onde têm os seus estabelecimentos comerciais e industriais. Aquele elemento desaparece completamente, visto que ao determinar-se por avaliação o valor de certo prédio não é tomado em conta e perde-se ante as obras de transformação quási sempre efectuadas no prédio.
Os senhorios comerciais com rendas inferiores ao rendimento colectável tiveram o benefício referido e os inquilinos comerciais tiveram um agravamento que representa aumento de renda.
Pretende-se agora agravar ainda mais as condições do inquilinato comercial?
Mas diz-se, na hipótese especial em causa, que não há para os respectivos senhorios qualquer garantia, nem faculdade de poderem aumentar as suas rendas. Isto podia ser assim, por não haver razão de os exceptuar dos restantes senhorios, mas, de facto, êles tem uma faculdade que, indirectamente, os coloca em condições de aumentarem a renda aos inquilinos: é a da opção, direito que lhes é especialmente consignado no § único do artigo 9.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924.
Quis o acaso que ainda há momentos um ilustre Deputado - que não é jurista- viesse dizer-me que, havia pouco tempo, ao tratar-se do traspasse de um estabelecimento, o , inquilino teve de pagar maior renda, embora na lei não conhecesse disposição pela qual devesse ser aumentado, e eu respondi-lhe: o senhorio tinha direito de opção, e servindo-se naturalmente dele aumentou a renda. O nosso colega disse-me: é isso, está certo.
De facto, armados com êstes direito, impõem ao inquilino, em troca do seu exercício, o aumento de renda.
No estado actual da legislação do inquilinato isto representa um benefício bem considerável em prejuízo dos inquilinos.
Referi-me por mais de uma vez ao facto de não poder ser posto em prática pelo Govêrno o desejo manifestado em 1926 de se ir para a liberdade contratual, em matéria de inquilinato. Assim tem sido, pois as restrições continuam.
Eu não sei, nem nesta altura me compete dizer, se é justo, se é injusto.
Os inquilinos dizem que é justo, os senhorios o contrário. Eu direi: se é justo abolirem-se as restrições, então alargue-se o benefício a todos os senhorios, e não só aos comerciais, no caso especialíssimo e complexo do traspasse.
Direi, finalmente, que quando, em 1930, o ilustre Ministro da Justiça de então, o Deputado Sr. Dr. Lopes da Fonseca, alterou várias disposições do Código Civil, não quis alterar as disposições sobre inquilinato. Porquê? Porque só deveria rever a respectiva matéria tendo em atenção o seu aspecto jurídico, o que nessa altura lhe não foi possível porque só o aspecto social imperava, como hoje ainda sucede.
Mais tarde, nesta Assemblea, foi posto outra vez o problema, e a Assemblea votou, salvo erro, por unanimidade, que se deixasse ao Govêrno o direito de rever esse estatuto do inquilinato, e p que é certo é que o Govêrno até hoje não julgou, nem julga ainda, momento oportuno para alterar o regime actual. & Vamos nós agora, neste momento, vibrar o primeiro golpe às restrições impostas, agravando as condições do inquilinato comercial? Julgo que a Assemblea assim não procederá.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: o douto o notável parecer da Camará Corporativa trata por uma forma tam completa o assunto que ora se acha em discussão que eu, indo demais a mais a hora adiantada, não tenho a pretensão de apresentar ou aditar quaisquer outras razões àquelas que tam proficientemente nesse parecer se acham consignadas.
Portanto duas palavras apenas, mais para significar o meu voto quanto ao artigo que se acha em discussão do que por veleidade de apresentar a V. Ex.ªs qualquer novo argumento que não esteja já consignado naquele notabilíssimo parecer.
Demais eu não quereria que o meu ilustre colega Sr. Dr. Augusto Crêpo considerasse menos delicadeza da minha parte o não vir apreciar, embora muito ligeiramente, as considerações que acaba de, com tanto brilhantismo, produzir nesta Assemblea.
No entanto eu devo dizer a V. Ex.ª que não posso, por princípio algum, concordar com as considerações que S. Ex.ª acaba do expender aqui, por me parecer que nelas há uma pequena contusão entre aquilo que deveremos considerar o aspecto fiscal e o aspecto civil.
O direito do traspasse e o co-relativo direito de indemnização foi estabelecido pela primeira vez nos artigos 32.º o seguintes do decreto de 12 de Novembro de 1910.
E devo dizer a V. Ex.ªs que estou de acordo com alguns dos motivos que nessa altura levaram o legislador a consignar êstes preceitos de lei, que mais tarde foram mantidos pelo decreto n.º 4:499, do 27 de Julho de 1918, mas lamentavelmente exagerados pelo decreto n.º 6:411, de 17 de Abril de 1919.
E, se analisarmos um pouco ainda mais a legislação, vamos ver que esse exagero chegou ao máximo na lei n.º 1:662, do 4 de Setembro de 1924, em que se chegou a anunciar um regime do liberdade contratual para 31 de Dezembro de 1920, mantendo-se, no entanto, até hoje, isto é, quinze anos já passados, as mesmas restrições a essa liberdade contratual.
Quando foi votada a lei n.º 1:662 houve - permitam V. Ex.ªs o termo, que não encontro outro que melhor possa traduzir a idea que tenho em mente - a habilidade de anunciar para 31 de Dezembro de 1925 o estabelecimento do início da liberdade contratual, quando era absolutamente outro o fim em vista.
Creio que se, na realidade, uma cousa é o aspecto fiscal do problema, outra cousa muito diversa é o seu aspecto civil.
Quanto ao aspecto fiscal, sei que o Estado não tem querido permitir muitas vezes as avaliações, no intuito de não perturbar os seus serviços, dado que já foram actualizadas em grande parte as respectivas matrizes prediais.
Mas se isso é certo, certo é também que o nosso ilustre colega Augusto Crespo não pode citar qualquer disposição em que se revogue o preceito claramente estabelecido no decreto n.º 10:289.
Precisamente o decreto n.º 27:230 tem um artigo em que determina expressamente quais as disposições de lei que revoga, e não se refere ao decreto n.º 10:289.

O Sr. Augusto Crespo (interrompendo):- V. Ex.ª sabe muito bem que hoje está posta de parte a antiga

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fórmula «Fica revogada a legislação em contrário». E compreende-se que está revogada a legislação em contrário sempre que um preceito que se encontra numa lei tem um sucedâneo.

O Orador: - O preceito do § 1.º do artigo 31.º do decreto n.º 10:289 não tem sucedâneo.
Há realmente no traspasse os três elementos constitutivos de que já se falou várias vezes nesta tribuna, mas ninguém poderá deixar do dizer em boa verdade que se o valor «clientela» pertence ao inquilino, também é bom corto que o valor do local pertence ao proprietário, o qual para o demonstrar poderá ter necessidade do recorrer à avaliação.
Não é razoável nem está na lei que assim não seja.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: -Visto que mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sôbre o artigo 4.º, vai proceder-se à votação deste artigo.

Consultada a Assemblea, foi aprovado o artigo 4.º tal como consta do parecer da Câmara Corporativa.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.º

Pausa.

O Sr. Presidente:-Visto que nenhum Sr. Deputado pede a palavra sôbre este artigo, vai proceder-se à votação dele.

Consultada a Assemblea, foi aprovado o artigo 5.º

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 6.º Tem a palavra o Sr. Deputado Botto de Carvalho.

O Sr. Botto de Carvalho:- Sr. Presidente: a Câmara Corporativa, no seu parecer, resolveu alterar profundamente o artigo 6.º do decreto lei n.º 29:449.
A leitura e o estudo tanto deste primitivo artigo 6.º como da redacção que lhe foi depois dada pela Câmara Corporativa implicam necessariamente a resolução de três problemas, que se me afiguram inteiramente distintos. Posso expô-los pela forma seguinte:
O primeiro destina-se a averiguar se, porventura, as certidões do dívida passadas pelos Hospitais Civis devem ou não ter força executiva.
O segundo consiste em saber-se se, tendo força executiva, devem ser executadas simplesmente contra. o doente a quem foi ministrado o tratamento, seus herdeiros, representantes ou fiadores, ou se, na hipótese de provir a doença de acidente de viação, devem ser também exequíveis contra os responsáveis por êsse acidente.
O terceiro problema consistiria em saber-se qual a entidade competente para estabelecer essa responsabilidade.
São, em meu entender, três problemas distintos, sôbre os quais deve incidir a nossa atenção. E notem V. Ex.ªs que no fundo parece deverem ser apenas dois, porquanto no parecer da Câmara Corporativa, acerca do primeiro problema, encontro unicamente a seguinte frase: «devo admitir-se a sinceridade das contas apresentadas pelos Hospitais Civis».
E, no entanto, o problema parece-me estranho. Pela primeira vez se decretará a infalibilidade de uma contabilidade. O próprio Estado não goza a êsse respeito do tam grande privilégio, visto que do próprio lançamento das contribuições podem os contribuintes reclamar contra qualquer possível erro.
Embora ninguém possa pôr em dúvida, como muito bem se diz no parecer da Câmara Corporativa, a sinceridade das contas apresentadas pelos Hospitais Civis, o que me parece que toda a gente pode admitir é a possibilidade de, na prática, se dar um erro; o errar é próprio da condição humana. Mas aceito, quero aceitar, este raro diploma que se pretende passar aos serviços de contabilidade dos Hospitais Civis. E passemos adiante.
Sr. Presidente: o problema das responsabilidades consequentes dos acidentes de viação não é um problema simples; encontra-se regulado na legislação em vigor, tem sido objecto do largo estudo e de há muito que por ela se têm encontrado as soluções justas convenientes à, sociedade. Sabemos, Sr. Presidente, o que o chamado Código da Estrada estabelece em matéria de reparação civil; sabemos o que êsse mesmo Código estabelece quanto a responsabilidade criminal e sabemos consequentemente que o acidente de viação de que resultam ferimentos dá sempre lugar a instaurar só um processo criminal, visto que o Código Penal pune todos aqueles que por sua imperícia, inconsideração, negligência, falta de destreza ou falta de observância de algum regulamento, cometa homicídio involuntário ou der causa a ferimentos ou a qualquer dos efeitos das ofensas corporais.
Anteriormente à publicação do decreto-lei n.º 29:449 o decreto n.º 20:454 havia estabelecido que:

«As contas de despesa pelo tratamento de doentes nos Hospitais Civis do Lisboa, extraídas dos respectivos livros por certidão, têm força de sentença e como tais são exequíveis contra os mesmos (doentes), seus herdeiros, representantes fiadores ou responsáveis, como se fôssem dívidas de contribuição do Estado».

Evidentemente que se entendeu, e parece-me que muito bem, que faltava um pormenor, e êsse seria o de se conhecer antes de a execução poder ser efectuada quem era na verdade o responsável pelo acidente a quem impendesse a obrigação de efectuar o pagamento da conta do Hospital.
Quero dizer: a legislação em vigor encontrava-se tècnicamente perfeita, porquanto não só ia mais além daquilo que seria de pressupor, admitindo a infalibilidade das contas apresentadas pelos Hospitais Civis, como ainda estabelecia que elas seriam executadas como dívidas ao Estado contra aquele que tivesse obrigação de as pagar.
Êste decreto apenas não dizia, nem podia dizer, quem eram os responsáveis por qualquer acidente de viação. Ora os Hospitais Civis resolveram considerar-se entidade competente para estabelecer essa responsabilidade. Porque os pressupostos responsáveis nem sempre estiveram para estar de acôrdo, nem eram obrigados, nasceram os embargos e as execuções (a meu ver mal deduzidos), consequência lógica e necessária do execuções por sua vez mal distribuídas, numa altura em que ainda não se sabia quem era o responsável.
Sucedo que, tanto à data dêste decreto como hoje, em consequência do um acidento de viação surge necessariamente um processo-crime em que essa responsabilidade é obrigatoriamente definida. Essa responsabilidade é definida por um tribunal comum, que tem por função e missão fazer a averiguação dos factos, classificá-los, quando delituosos, e aplicar a respectiva sanção. E pregunto: se assim é, faz parte da organização judiciária do meu País, «por que razão havemos nós do fugir ao estabelecimento de uma responsabilidade feita por via do tribunal ordinário, e havemos de constituir ao lado, seja uma comissão particular, seja uma comissão legal, porá fazer aquilo que já se faz, já está feito, regulamentado e estabelecido?
Devo chamar ainda a atenção do V. Ex.ªs para o que suponho serem dois problemas diferentes na situação dos Hospitais Civis.

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Um, é o do pagamento das contas dos doentes entrados em condições normais, para os quais, em regra, é exigido um fiador. O outro, o dos doentes recebidos de urgência, sem essa formalidade.
Devo declarar que me merece a melhor simpatia o espírito de colaboração a situação dos Hospitais Civis; que me parece fora de dúvida assistir-lhes o direito de promover a entrada rápida nos seus cofres das contas que lhes são devidas.
Este aspecto do problema, para mim, não tem discussão; não há que pô-lo.
Mas o outro tem um carácter totalmente diferente, porquanto assume já um aspecto de definição do responsabilidades em função de diplomas legais, do averiguação de factos, que - repito e insisto - sempre foi feita e continua a sê-lo.
A Câmara Corporativa, no sou parecer, foi de opinião que se devia dar forma legal à comissão que já existe, e que se devia dar ao pretenso responsável ou responsabilizado modos de defesa.
E então assistimos a este espectáculo, a que eu, por amor aos princípios e por vício de educação e da profissão que exerço, não posso deixar de marcar uma discordância.
Sr. Presidente: quando estudei direito e recebi dos mestres os ensinamentos que me têm servido para caminhar pela vida fora, quando estudei processo e organização judiciária, sempre me foi ensinado que os tribunais especiais se justificavam apenas quando um certo número de fenómenos sociais e jurídicos de transcendente importância tinha lugar, mas mesmo assim como uma medida de excepção, visto serem tribunais especiais.
Recordo-me até de que, no tempo em que os tribunais especiais eram raros no meu País, já um professor de direito dizia: «entre nós há porventura superabundância de jurisdições privativas».
Isto passava-se no tempo em que eu não pensava sequer ainda em me matricular na Faculdade de Direito.
Mas caminharam os tempos, e verificamos que em 1932 S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, no relatório do decreto pelo qual foram extintos os tribunais privativos do comércio, a que se chamou extinção da jurisdição comercial, dizia o seguinte, que se pode ler no Diário do Governo de 29 de Setembro daquele ano, a p. 1957:

«Nada justifica a existência de uma jurisdição comer* ciai, mas pode afirmar-se que a existência dos tribunais privativos constituo um elemento perturbador da boa administração da justiça».

Nessas escolas aprendi, com esses mestres procurei cultivar-me, e não posso, por uma questão de princípios, deixar de entender que é prejudicial a criação de mais um tribunal especial no momento em que, a meu ver, disso se tem abusado no meu País.
Eu não sei se aqueles próprios que, não lidando no foro, têm no entanto larga cultura jurídica, se deram já ao trabalho de pesquisar o número de tribunais especiais existentes funcionando ao lado dos tribunais comuns. A lista é de tal forma extensa que, por amor ao tempo, me dispenso de a ler. No entanto posso dizer a V. Ex.ª que neste momento funcionam em Portugal seguramente mais de 20 ou 30 tribunais especiais.
Acontece, porém, que esses tribunais especiais, na maioria dos casos, funcionam em matéria de competência exclusiva para a qual foram especialmente criados. Reparem, no entanto, V. Ex.ª que, na hipótese em discussão, nem sequer essa circunstância se dá, porque este tribunal -que outra cousa lhe não posso chamar êste tribunal, criado para os Hospitais Chãs, vai definir uma responsabilidade que há-de vir a ser ao mesmo tempo definida por um tribunal comum.
E então eu pregunto: se porventura esse tribunal, porque é sumário em seus processos, decidir mais depressa que o tribunal comum, e que fôrça ou que influência tem a sua decisão no julgamento a realizar-se perante o tribunal comum?
Admitamos a hipótese: o Sr. A atropela, uma pessoa, que é conduzida a um hospital, onde recebe tratamento. O Sr. A não se julga responsável pelo atropelamento. Mas a comissão que funciona nos Hospitais julga-o responsável, porque entendo de boa consciência ser assim. Entretanto o processo criminal há-de necessàriamente organizar-se o há-de seguir os seus termos. O atropelado requero certidão da resolução da comissão dos Hospitais o junta-a ao processo criminal.
Essa primeira decisão informa necessariamente a segunda? Então vamos repetir uma produção do prova? Vamos discutir o apuramento de uma responsabilidade que já está definida? Para quê? Mas, se não informa, tenho de admitir ser a mesma pessoa considerada irresponsável perante os tribunais comuns e responsável perante os Hospitais?
Parece-me, Sr. Presidente, que se poderia justificar a doutrina de um foro próprio para julgamento dos acidentes do viação, como já existe um para os acidentes de trabalho. Mas a criação desta comissão só para uso dos Hospitais Civis parece-me que não tem um fundamento aceitável.
Não trago nenhuma proposta, quer para modificar o decreto quer o texto da Câmara Corporativa, e isto porque me parece preferível a qualquer deles o texto contido no decreto n.º 25:404, de 4 de Junho de 1935; para os Hospitais Civis a situação estava resolvida desde que, quando a dívida lhes não fôsse satisfeita pelos próprios internados, participassem o facto ao Conselho Superior de Viação, o qual informaria os Hospitais do juízo criminal e cartório por onde o respectivo processo corre e para onde devia ser dada participação da despesa efectuada. Essa despesa não podia deixar de ser compreendida na sentença final ao estabelecer-se a indemnização a pagar, pois a responsabilidade consiste não só no pagamento da indemnização à vítima como também no pagamento dessas despesas.
Fazer o contrário disto parece-me ser colaborar no agravamento de uma situação já confusa sob o ponto de vista de organização judiciária.
Se no entanto eu não tiver logrado convencer V. Ex.ª e se entenderem que devem aprovar qualquer dos dois textos, quer o do decreto quer o da Câmara Corporativa, só me resta esperar que o Governo entenda tal medida como de carácter meramente transitório e dê em breve a este caso a solução urgente de que êle passará a ter necessidade.

Vozes:- Muito bem!

O Sr. Augusto Crespo: - Serei muito breve.
Pelo que acabo de ouvir, a sensibilidade jurídica do Sr. Deputado Botto de Carvalho foi de alguma forma atingida.
Ouvimos há dias nesta Assemblea analisar o valor da sensibilidade jurídica quando se trata de leis de carácter excepcional, que vem dar provimento a uma necessidade social manifestada.
« O meio colectivo, afirmou o ilustre Deputado Dr. Tavares de Carvalho, apenas cuida de saber se a norma da lei é justa ou injusta, e se ela satisfaz ou não o mínimo da finalidade que lhe atribuem». Poderia acrescentar, para o caso presente - se ela vem pôr termo a um abuso cometido que feria a nossa própria sensibilidade, e cuja supressão se tornara uma necessidade social. Julgo que toda a Assemblea deu assentimento e concordância aos princípios então expostos.

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Não defendo hoje, como não defendi na sessão de 11 de Janeiro, outros princípios.
O Sr. Dr. Botto de Carvalho revolta-se contra a existência de tribunais especiais. Devo dizer a S. Ex.ª que não se trata aqui da criação de tribunais especiais; pretende-se constituir uma comissão sucedânea daquela que existe nos Hospitais Civis, com a diferença de que esta comissão deve ter a presidi-la um juiz.

O Sr. Botto de Carvalho:- Desculpe V. Ex.ª uma interrupção.
Se essa comissão resolve, se a sua resolução tem força executiva, ela não é um tribunal?

O Orador: - Julgo que não. Vou dizer a V. Ex.ª já o seguinte: as atribuições dessa comissão, os efeitos das suas decisões, a alçada e recursos, tudo isso deve ser tratado quando se estabelecer o regulamento ou providência governamental respectiva. E então nada mais simples do que estabelecer que as decisões dessa comissão não serão tomadas em consideração perante os tribunais comuns. V. Ex.ª encontra já hoje na nossa legislação um caso semelhante: as decisões das comissões de assistência judiciária junto dos tribunais ...

O Sr. Botto de Carvalho: - Essas não são exequíveis; estas são.

O Orador: - Tanto são exequíveis que V. Ex.ª vê que, consistindo as decisões das comissões de assistência judiciária na concessão de justiça gratuita, o respectivo processo vem depois a seguir seus termos isento de pagamentos.
Por sinal que há uma certa afinidade entre a situação dos pobres que solicitam das comissões de assistência judiciária os meios de exercer os seus direitos e a situação dos sinistrados, quási sempre pobres também, que sofrem os sinistros e têm de entrar nas enfermarias dos Hospitais, e ainda a destes, que prestam tam nobres serviços de humanidade e vivem uma vida difícil. Deve ser, portanto, afim o regime jurídico a estabelecer.
Também a duplicação de provas não deve afligir, porque é natural que se estabeleça o preceito proposto pela Câmara Corporativa de se requisitarem os elementos de prova já produzidos ou prestes a produzir nos tribunais competentes.
Bom é que os interessados por esta forma sejam obrigados a abreviar o julgamento desses processos, «m vez de os protelar, como está acontecendo.
Quanto a alçada e recursos, o Govêrno os decretará como julgar mais conveniente, não me parecendo mesmo acertado que os recursos sejam interpostos nos tribunais comuns, e sempre para o tribunal que esteja para julgar o processo respectivo, encorporando então este e sendo julgado conjuntamente.

O Sr. Botto de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença para uma interrupção que eu tinha o máximo empenho em fazer.
Nós estamos no nosso País a promover, em relação à prova, uma situação de tal natureza que acabamos por não ter possibilidades de obtenção e produção dessa prova. V. Ex.ª deve ter lido nos jornais de há dias um anúncio aflitivo de um desgraçado, que pedia, por amor de Deus, às pessoas que tinham presenciado um desastre, que lhe aparecessem, porque queria afiançar-se e não podia, em virtude de não ter testemunhas presenciais da ocorrência, uma vez que todos tinham fugido do local na ocasião em que se lhes ia pedir o nome.
Hoje não se conseguem testemunhas para levar aos tribunais duas vezes; uma na fase da instrução do processo, outra por ocasião do julgamento.
Agora agrava-se ainda mais esse problema, porque é preciso fazer prova perante os Hospitais.

O Orador: - A isso respondo o seguinte: a lei determina a presunção de responsabilidade para o causador do sinistro ou possuidor do veículo respectivo, e por esse motivo o ónus da prova incumbe-lhe. O que é que pode acontecer? Se não for feita essa prova perante a comissão, é esse indivíduo quem paga.
Pregunto: é isto não é mais de aceitar do que ser o desgraçado que sofreu o desastre, que suportou as dores, ou os Hospitais, que fizeram a despesa, a produzirem a prova?

O Sr. Botto de Carvalho: - V. Ex.ª preguntou e eu respondo. O mal é para a impossibilidade de se administrar justiça.

O Orador: - Atas a melhor justiça administra-se perfeitamente pela forma que defendo.

O Sr. Botto de Carvalho: - Por essa forma, duvido.

O Orador:- Sr. Presidente: para terminar direi que me satisfaz plenamente a forma proposta pela Câmara Corporativa, que traduz a idea que dominou o espírito do legislador do decreto e dá eficiência ao sistema da determinação do responsável já usado nos Hospitais Civis de Lisboa.
Fica assim intacta essa idea, que era a de afastar dos tribunais das execuções fiscais a chicana e os abusos cometidos à face da lei, isto é, por intermédio dos embargos às execuções, com fundamento na inculpabilidade e irresponsabilidade, únicos fundamentos alegados.
Não manifesto qualquer opinião sobre a forma como estão reguladas as atribuições da comissão e o processo perante ela, por simplesmente entender que tal assunto, como regulamentar, pertence ao Govêrno e não a esta Assemblea, a quem compete apenas estabelecer as bases gerais dos regimes jurídicos, e ainda porque sei que vai ser apresentada a proposta de supressão dos parágrafos respectivos do artigo 6.º
Claro está que o Govêrno, ao definir as atribuições da comissão proposta e ao estabelecer o processo para as exercer, terá certamente em conta todos os elementos de informação e até as sugestões que hoje sejam apresentadas.

O Sr. Botelho Neves: -Sr. Presidente: a hora vai adiantada e a matéria para mim é bastante complicada.
Julguei-me porém obrigado por um dever de consciência a subir a esta tribuna para, rapidamente, dizer algumas palavras sobre esta proposta de lei, em que cada artigo se poderia chamar uma lei.
Trata o artigo 6.º de resolver de uma forma rápida, e tanto quanto possível justa, as dívidas aos Hospitais.
Inicialmente esta proposta foi trazida de uma forma que não era de aceitar, qual era a de que uma vez determinado pelos Hospitais o devedor, a quantia fixada como dívida, não sendo logo paga, seguia para os tribunais das execuções fiscais.
Estou convencido de que este artigo foi uma das cansas porque a referida proposta não foi aprovada pura e simplesmente.

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tasse ao mesmo tempo que se fabricassem, sem provas, devedores, crivo esse a que outros chamam um tribunal de excepção, e talvez bem, mas eu não subi a esta tribuna com a intenção de tratar profundamente da matéria, mas apenas de alguns detalhes.
Para isso propõe o texto da Câmara Corporativa uma comissão composta por um representante dos Hospitais Civis, outro da Direcção Geral dos Serviços de Viação e presidida por um juiz do tribunal do trabalho. Justifica essa escolha de juiz do tribunal do trabalho, em meu entender, por a Câmara Corporativa julgar que há uma flagrante semelhança entre o processo de um desastre de viação com o de um desastre de trabalho. É aqui, neste ponto, que me permito discordar do parecer da Câmara Corporativa, porque suponho que são totalmente diferentes quer a matéria, quer a forma do processo. No acidente de trabalho o juiz tem de conhecer principalmente e apreciar as causas técnicas que deram origem ao acidente e depois conhecer a sua legislação, de forma que lhe permita fixar com segurança quem é o responsável pelo acidente. No acidente de viação é indispensável conhecer a legislação referente aos acidentes de viação e graduá-los principalmente, indicando quem é o responsável.

O Sr. Presidente: - Parece-me que V. Ex.ª não interpretou bem o pensamento da Câmara Corporativa.

O Orador:- Isto foi, como V. Ex.ª muito bem me chamou à ordem, entrar pela seara alheia, mas agora vou entrar por seara própria, que é a possibilidade de se dar um acidente do trabalho.
A média dos processos apresentados aos tribunais do trabalho é anualmente em número aproximado do 15:000.
Estou convencido de que, se a justiça cara é um mal, a justiça de graça também pode ser inconveniente.
A certeza de que nada se perde em levar a questão para o tribunal é uma das causas de o aumento das questões apresentadas aos tribunais do trabalho ter crescido não numa progressão aritmética, mas numa progressão geométrica.
Neste momento estou absolutamente convencido de que o Govêrno não encontrará possibilidade de dar cumprimento à lei.
Não vejo razão especial para que essa comissão seja presidida por um juiz do trabalho.
Insisto na parte prática da questão.
Assim, tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª uma proposta assinada por mais oito Srs. Deputados, em que, para obstar aos inconvenientes que apontei, a parte final do artigo 6.º seria substituída pela seguinte redacção: se por um magistrado da nomeação do Govêrno, que será o presidente».

O Sr. Carlos Moreira: - Mas um magistrado de que natureza? Um magistrado administrativo? Um magistrado judicial?

O Orador: - O que se pretendo é dar ao Govêrno possibilidade de encontrar um magistrado.
É claro que, feita esta proposta, há razões para me dispensar de propor a eliminação de algumas alíneas, que em meu entender representam símbolos de regulamentação.
Proponho também a eliminação do § 2.º da proposta da Câmara Corporativa.
Pela mesma razão que determinou V. Ex.ª a chamar há pouco a minha atenção, não quero alongar-me na defesa destas propostas de eliminação, mas também encontro, dentro dos meus conhecimentos, possibilidades de as justificar.

O Sr. Presidente: - Em consequência das propostas que V. Ex.ª faz, terá de ser também eliminada do corpo do artigo a palavra «atribuições».

O Orador: - É minha intenção propor igualmente a eliminação dessa palavra.
Pôsto isto, vamos apreciar aquela matéria que para mim é mais difícil, embora a ela me não escuse - a de justificar a proposta de eliminação do § 2.º
Em resumo, este parágrafo da proposta da Câmara Corporativa diz que se a dívida exceder determinada quantia e o interessado desejar interpor recurso poderá fazê-lo para o Supremo Tribunal Administrativo, mas não sé esclarece se se mantém o recurso ou não.
Pela forma que proponho parece-me que se concilia a necessidade de resolver a situação financeira dos Hospitais com aquele desejo que a Assemblea tem sempre manifestado, de pôr o maior cuidado nas suas votações, para que não seja possível nunca que, através da intenção de melhorar, a situação venha a piorar.
Eu admito, Sr. Presidente, que talvez em circunstâncias normais não fôsse de aprovar a constituição dum tribunal especial, porque todos nós sabemos como se fabricam, por vezes, devedores aos Hospitais. Determinado indivíduo é atropelado, declara que foi o senhor fulano, sem ter disso convicção. Se êle não oferece garantias de pagamento e se, em contrapartida, a pessoa indicada as oferece, está achado imediatamente um devedor dos Hospitais.
Mas para evitar que através de uma suposição, não justificada por vezes, se possa exercer uma violência, eu aceito para o momento actual, e até mesmo com carácter transitório, este tribunal, que irá, sobretudo, julgar se de facto o indivíduo apresentado como devedor o é ou não, se é, na verdade, êle o responsável.
Não acredito que esta comissão se tenha de pronunciar sobre o preço das compressas, das radiografias, etc.; são preços de tabela e não há que dizer se são exagerados ou não; o que há é que procurar definir o responsável.
Em condições normais, os tribunais podiam fazê-lo; mas a verdade é que, hoje e na prática, a situação dos Hospitais é precária e os embaraços que lhes estão sendo criados para cobrança das dívidas obriga a esta excepção.
Suponho, Sr. Presidente, que a proposta de emenda que envio para a Mesa está devidamente justificada.
Tenho dito.

A proposta é a seguinte:

Propomos que a parte final do § 1.º do artigo 6.º tenha a seguinte redacção:

«... e por um magistrado de nomeação do Govêrno, que será o presidente».
sendo eliminadas as alíneas dêste mesmo parágrafo, bem como o § 2.º

Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 5 de Março de 1940. - Os Deputados: Pedro Botelho Neves - Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - Alexandre de Quental Calheiros Veloso - Sebastião Garcia Ramires - Luiz Supico Pinto - António Hintze Ribeiro - António Santos Pedroso - João Garcia Pereira - João Garcia Nunes Mexia - Alberto Cruz.

O Sr. Presidente: - Se mais ninguém quere fazer uso da palavra, vai proceder se à votação.
Vai votar-se em primeiro lugar o corpo do artigo 6.º e seu § 1.º, mas com a alteração que resulta da proposta enviada para a Mesa pelo Sr. engenheiro Botelho Neves e que é subscrita também por outros Srs. Deputados.

Submetidos à votação, foram aprovados.

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406 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 85

O Sr. Presidente: - Propõe-se em segundo lugar a eliminação das alíneas a) a e) do § 1.º

Submetida à votação, foi esta proposta aprovada.

O Sr. Presidente: - Propõe-se também a eliminação do § 2.º

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o actual § 3.º, que é o que consta do parecer da Câmara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 7.º Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 8.º Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 9.º Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Para concluir o assunto da ordem do dia resta a ratificação do decreto-lei n.º 30:294, que promulga várias disposições atinentes à aplicação de sanções às infracções dos preceitos legais que regulam a realização e pagamento das despesas públicas.
Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como ninguém pede a palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada a ratificação pura e simples.

O Sr. Presidente: - Está concluída a ordem do dia.
Como V. Ex.ªs sabem, é esta a última sessão do segundo período legislativo. Congratulo-me, pois, com V. Ex.ªs pelo modo como decorreram os trabalhos desta Assemblea e apresento-lhes os meus cumprimentos.
Antes de encerrar a sessão queria pedir a V. Ex.ª que concedam um bill de indemnidade à Comissão de Redacção, pois essa Comissão tem ainda trabalhos a realizar, como sejam os de dar forma definitiva à proposta de lei em que se converteu o decreto que reorganizou os serviços da Câmara Municipal de Lisboa e à proposta de lei que acaba de ser aprovada. Parece-me que V. Ex.ªs, como aliás é costume nos outros anos, deverão habilitar essa Comissão a realizar esses trabalhos e dar-lhe um bill de indemnidade, visto que a Assemblea não pode reunir para lhes conceder a sua aprovação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Em vista da manifestação da Assemblea, considero concedido êsse bill.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

O REDACTOR - M. Ortigão Burnay

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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