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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.º 115 ANO DE 1942 24 DE JANEIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 110 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 23 de Janeiro
Presidente o Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Ex.mos Srs. Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente referiu-se à nota oficiosa publicada, na imprensa acêrca dos acontecimentos de Timor, pondo em relêvo a boa marcha das negociações diplomáticas entre os dois países amigos e aliados.
O Sr. Deputado Cancela do Abreu aludiu ao mesmo assunto, destacando a acção pessoal de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Concelho.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Belfort Cerqueira, que apresentou um projecto do lei sôbre indústrias derivadas da produção agrícola, e Pinto da Mota, que versou alguns assuntos relacionados com a economia nacional.
Ordem do dia. - Prosseguiu a sessão de estudo do ensino prévio do Sr. Deputado Melo Machado, sobre hidráulica agrícola.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 39 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 57.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 2.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 11.
Sn. Deputados que responderam à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tavares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarãis.
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Pereira dos Santos Cabral.
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José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Manuel Pestana dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Van-Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Crus de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Angelo César Machado.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
António Carlos Borges.
Guilhermino Alves Nunes.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 15 horas e 58 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 57 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Considera-se aprovado o Diário, visto não ter havido reclamação alguma.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: o Governo fez saber hoje ao Pais que, em seguimento das conversações havidas com o Governo de Sua Majestade Britânica, foram mandadas partir de Lourenço Marques, com destino a Timor, as forças já preparadas para se encarregarem da defesa da parte portuguesa da ilha.
Esta comunicação não pode deixar de ser agradável a todos os portugueses...
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Presidente: - ... porque nos dá a segurança de que vão em bom caminho as negociações entre o Govêrno Português e o Govêrno Inglês para a solução definitiva do caso de Timor e nos permite a legítima esperança de que o incidente venha a ser resolvido com honra e dignidade para as duas nações secularmente amigas e aliadas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O processo ainda não está findo, mas está, sem dúvida, próximo do termo, e podemos confiar serenamente em que a decisão final há-de dar satisfação perfeita à soberania de Portugal e ao sentimento patriótico de todos os portugueses...
Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ... sem nenhuma deminuïção do prestigio do grande Estado que é a Inglaterra, porque não se deminue, antes se ennobrece, aquele que faz, de boa vontade, justiça a quem a merece.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Em nome da Assemblea Nacional exprimo a nossa viva satisfação pelo facto anunciado pelo Governo e dirijo ao Sr. Presidente do Conselho as mais calorosas saudações.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Cancela de Abreu : - Sr. Presidente: na sessão memorável de 19 de Dezembro, ouvida a impecável exposição do Sr. Presidente do Conselho sobre os melindrosos acontecimentos ocorridos em Timor e os seus antecedentes, a Assemblea Nacional aprovou, com solenidade e firmeza, uma moção cuja última conclusão era a seguinte:
Afirmar a sua absoluta confiança em que o Governo resolverá a pendência com honra e dignidade para a Nação e em harmonia com o sentimento patriótico de todos os portugueses.
Sentíamos bem, nós todos, naquela hora, o bem fundado desta afirmação. O Sr. Presidente do Conselho, pela extraordinária concorrência de méritos e virtudes que o distinguem e o impõem ao mundo inteiro, tinha bem o direito de esperar aquela garantia da confiança nacional.
Os factos, Sr. Presidente, através o laconismo e a sobriedade da nota hoje publicada pela imprensa e que V. Ex.ª acaba de comentar com a habitual justeza das suas valiosas palavras, vão já dando a medida de quanto o Presidente Salazar corresponde, mais uma vez, às esperanças, às ansiedades e aos votos da Nação e do seu Império.
Apoiados.
Não é ainda ocasião de se conhecer em pormenor a história completa do incidente de Timor. Mas o que já transparece da nota oficiosa que anuncia a partida de tropas portuguesas que vão reforçar a guarnição portuguesa daquelas terras portuguesas...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... é de molde a podermos antever tudo o que de dignidade, de prestígio e de ponderação caracterizou o procedimento e as diligências do Chefe do Govêrno. É já de molde a converter em certeza aquela nossa antecipada confiança em que se caminha para a solução que a nossa honra nacional pode aceitar, a honra nacional de que somos e seremos fiéis depositários, em herança sagrada de mais de oito séculos de valor, de prestígio e de direito.
Apoiados.
Na verdade, Sr. Presidente, como V. Ex.ª acaba de sublinhar, em face da pequena nota oficiosa de hoje a Assemblea Nacional, perante a qual o Sr. Presidente do Conselho veio dar contas ao País do que se passava,
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não pode deixar de se regosijar desde já com a boa marcha, que ela deixa transparecer, das conversações entre o Governo de Portugal e o Governo Central da Comunidade Britânica.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belfort Cerqueira: - Sr. Presidente: seja qual fôr a normalidade a que um dia regresse a economia nacional, há-de sempre considerar-se valor primacial a nossa decidida aptidão para a produção agrícola.
Parece, assim, que há propriedade inegável - e mais precisamente agora- na revelação de cuidados políticos que permitam colocar à disposição, cada vez mais ampla, da lavoura os elementos que se julgam essenciais ao avigoramento do seu concurso para a riqueza da Nação e que suprimam, dentro das possibilidades correntes, as causas mais conhecidas do seu indesejável depauperamento.
Nenhuma hesitarão há-de por certo atrasar a prestação do esforço que todos neste momento esperamos da agricultura portuguesa, mas isso constitue, sem dúvida, fundamento ainda mais sólido para que neste lugar e na oportunidade actual se não deixe de obedecer ao conhecimento, que é público e muitos até já tem sentido, dalgumas razões contrárias à iniciativa do trabalho agrícola para que se apela.
E então logo ocorre como primeiro motivo de depreciação na economia rural a margem com que frequentemente deparamos entre os preços que se praticam na origem da produção e aqueles a que nos submetem em tantos casos do consumo.
Mas, se isto assim pode acontecer quando as utilidades da produção agrícola se oferecem ao comércio no mesmo estado em que são obtidas, ainda mais precária parece poder tornar-se a defesa do que se produz na agricultura e é destinado à transformação industrial. Os agricultores, absorvidos na maioria dos casos pela actividade da sua própria exploração, ignoram quási sempre as flutuações de valor que interessam nos mercados consumidores aos produtos derivados das suas matérias primas e mais ainda quando estes se destinam à exportação; e então, se podemos felicitar-nos pela faculdade de relações que a organização corporativa no nosso Pais proporciona às actividades respectivas da lavoura e da industria, e por seu intermédio é realmente possível que se oponham, justos limites aos excessos especulativos, nus não devemos esperar - até mesmo porque isso seria inadaptável à pureza- da doutrina- que o corporativismo realize para a lavoura o aproveitamento industrial das suas produções, adicionando à sua economia, pelo comércio correspondente, os proveitos que dele é lícito esperar.
Sr. Presidente: há poucos meses ainda, nesta mesma sala e a propósito do condicionalismo criado para os lacticínios, não deixou de ser referido por dois ilustres membros desta Assemblea, os Srs. Deputados Albino dos Reis e Antunes Guimarãis, como das circunstâncias correntes que se praticam ou pretendem praticar no comércio e na indústria de certos produtos derivados da produção agrícola é possível e flagrante o prejuízo do produtor; e ontem ainda o nosso ilustre colega Sr. Deputado Pinto da Mota novamente destacou com notável oportunidade a critica situação que resulta do negócio intermediário.
O estimulo indispensável para o aperfeiçoamento dos métodos e da qualidade não parece já hoje compatível com o exercício de actividades que absorvam ou reduzam uma compensação suficiente para a lavoura, intercalando-se entre ela e o consumo dos seus produtos transformados industrialmente,
E daqui, do afastamento em que a classe agrícola tem vivido da valorização industrial do que produz, deriva em grande parte uma notável carência de meios, que não deixa satisfazer a conveniência social do trabalho assegurado com mais permanência e com remuneração condigna.
Julgo, ainda neste aspecto social, que só nos teríamos de felicitar se a economia da colonização interna, além de aproveitar apenas à manutenção dos rurais e suas famílias, significasse também uma contribuição positiva para a fortuna nacional, pelo engrandecimento da produção que dela derivasse.
Não parecerá assim surpreendente que, ao procurarmos colaborar na solução deste estado de cousas, se tenha julgado oportuno promover do mesmo mudo, tanto para os proprietários agrícolas como para os colonos rurais agricultores que a Junta de Colonização Interna vier a estabelecer, iguais facilidades de participação nos interesses que possam revelar-se pelo tratamento industrial das matérias primas que produzirem.
Parece assim que para tudo isto seria necessário propor a definição de um sistema legal que coordenasse nas várias regiões do País os valores dispersos, não só da lavoura mas também da indústria estabelecida em precárias condições, e permitisse a concessão do crédito indispensável em grandeza suficiente para a instituição de novas unidades industriais, localizados e dimensionadas na obediência de uma economia tam perfeita quanto possível.
Afirma-se, portanto, a intenção de dar novo impulso às iniciativas da produção pelo refôrço das normas de solidariedade que estão na essência dos métodos da Revolução Nacional quando procura solução para os problemas da economia.
Sem duvidar de que neste momento as circunstâncias traduzem novos aspectos para o apreço das conveniências industriais, que são também diferentes as dependências sociais do que se empreende e ainda que em matéria de organização da indústria ou do comércio parece particularmente apropriado que esta Assemblea se pronuncie, tenho a honra de apresentar um projecto de lei que interessa à transformação industrial das matérias primas produzidas pela agricultura nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O projecto de lei apresentado pelo Sr. Belfort Cerqueira é do seguinte teor:
Projecto de lei
É imperativo do interesse nacional procurar-se valorizar as forças da produção por forma a fazer contribuir os benefícios obtidos no seu aproveitamento para a melhor conservação do trabalho ou dos meios da existência. Este é um objectivo social que se prende com o problema da justiça no usufruto dos recursos disponíveis, e que por isso mesmo não deve ser desconsiderado pelo Estado na sua função de facilitar ou orientar o desenvolvimento da indústria e do comércio.
Não poderá então esquecer-se, no propósito de assim melhorar as economias regionais e de aumentar a solicitação do trabalho, que, se é na agricultura onde se regista a utilização do maior número de actividades individuais neste País; se as nossas condições naturais permitem que dela já provenham ou se possam ainda obter algumas matérias primas de alto valor industrial, e que se é ainda com o auxílio da sua competência que esperamos realizar uma obra de colonização interna, será também de admitir que os efeitos se produzam com a maior amplitude quando pudermos intensificar a produção agrícola susceptível de transformação industrial e fazer aproveitar o próprio meio onde ela se originar
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da maior valia alcançada pelos produtos na fase final do seu acabamento.
Quere dizer: é lícito acreditar que o Estado contribue de facto para o fomento das economias regionais, para o engrandecimento das possibilidades de trabalho e para um rendimento eficiente da obra de colonização interna, se criar as condições necessárias para o estabelecimento de novas indústrias transformadoras de matérias primas apícolas è der viabilidade à participação dos proprietários e colonos rurais que as produzirem, nos resultados obtidos pelo comércio das respectivas produções fabris.
Bastará recordar apenas algumas indústrias, como por exemplo a do linho, a dos lacticínios, da pasta de papel, da destilação da gema de pinheiro, na sequência futura do seu desenvolvimento actual, e outras, para que logo se compreenda a probabilidade de ser criado um valioso estímulo para a intensificação de certas culturas ou para a criação de gados, tanto no domínio da propriedade privada como nos baldios reservados pela obra de colonização interna, desde que os produtores antevejam novas perspectivas de interesse nas facilidades concedidas para a instalação de fábricas que lhes assegurem tanto ó consumo das matéria» primas disponíveis como a melhor remuneração, pela faculdade de participarem directamente nos resultados finais da venda dos produtos em que elas se transformem.
Emprêsa esta certamente de grande utilidade pública, que, se justifica facilmente a aplicação dos recursos necessários, haverá também de os exigir por forma a não dispensar que se preparem as melhorem condições para o aproveitamento do crédito. O decreto n.º 16:666, de 27 de Março de 1929, criou, anexo à Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, o instituto autónomo e competente para a concessão do crédito agrícola e do crédito industrial; neste projecto de lei há-de atender-se em parte ao objectivo de procurar a sua melhor e mais larga utilização em proveito do fomento económico regional, pela definição de uma ordem que possa atribuir às iniciativas a capacidade de realização suficiente.
Entendeu-se que seria de adoptar, como orientação, o princípio de fazer condicionar a intervenção política que facilite a concessão do crédito à cooperação entro os produtores, requerida para se atingir no empreendimento a grandeza de uma unidade económica; à correcção das circunstâncias eventualmente defeituosas da laboração de algumas indústrias existentes; ao aproveitamento coordenado dos recursos que a legislação tem tornado disponíveis e, em súmula, ao estabelecimento de um novo sistema industrial perfeitamente apropriado, pelas suas dimensões e pela sua localização, a produzir os melhores e mais permanentes rendimentos.
Se bem que a lavoura esteja habilitada a produzir um parte valiosíssima das nossas matérias primas, e até em muitos casos já delas possa dispor, a verdade é que havemos de facilitar a sua depreciação ou menor utilidade para base do crédito, desde que se não evite o exagerado parcelamento das indústrias que as transformem e se não estabeleça unia organização comercial suficiente para assegurar, pela sua importância, a uniformidade dos produtos oferecidos e que delas derivem nas quantidades solicitadas pelos hábitos do consumo.
No caso específico destas indústrias derivadas da produção agrícola, em que os detentores das matérias primas são vários e diversamente localizados, poderá acontecer, quando o número das emprêsas que as exploram seja excessivo, que se procure satisfazer as momentâneas necessidades do abastecimento de cada uma ao sabor das concorrências desordenadas e na perfeita independência, dos interesses colectivos. O custo da matéria, prima seria diferente para cada fabricante, os agricultores perderiam a noção, indispensável da economia nos dispêndios da produção e seríamos inevitavelmente conduzidos a servir as tendências especulativas dos mercados, pela oferta da nossa, produção agrícola-industrial a preços desorientados.
Julgou-se assim que o princípio da concentração seria de aceitar, embora com pormenores diferentes e apropriados em cada um dos planos que se entende dever relacionar, com o objectivo de tornar mais intensa uma conveniente acção de fomento económico regional. Procurou-se por isso criar uma razão de interesse que compelisse os produtores de matérias primas congéneres a reunirem-se num primeiro plano, pela forma cooperativa que a lei já definiu e permite por iniciativa dos grémios da lavoura, com o fim de realizar nas melhores condições de economia a sua produção e o seu transporte até às fábricas respectivas.
No plano imediatamente superior das indústrias transformadoras está prevista uma segunda concentração em unidades fabris dimensionadas e localizadas dentro dos limites determinados pela maior facilidade dos abastecimentos e pelas qualidades próprias ou particulares das matérias transformadas. Há-de confirmar-se assim no domínio destas fábricas a tradição existente, e já criada pelas pequenas indústrias domésticas locais, de uma produção de características regionais, embora diferenciadas.
Postas naturalmente em relêvo as afinidades de certas cooperativas de produtores agrícolas - proprietários ou colonos rurais estabelecidos por competência da Junta de Colonização Interna-, considerou-se bastante mas necessário para que as diversas indústrias a estabelecer pudessem ser exercidas com suficiente idoneidade técnica e administrativa que elas se reunissem em uniões de cooperativas, de modo a poderem constituir empresas industriais com autonomia e personalidade próprias.
Previu-se no entanto que as instalações fabris destas uniões de cooperativas podiam e deviam, rendo um atenção os cuidados que se requerem para o seu empreendimento, substituir o conjunto daquelas actividades fabris que estivessem a exercer-se em termos que porventura não interessam à economia das suas regiões abastecedoras, se por meio da capacidade de laboração que pertencesse às primeiras fôsse realizada a fusão destas últimas fábricas elementares existentes, excedendo quando fosse possível a totalidade dos suas forças de produção até ao limite das disponibilidades regionais de matérias primas. Foi assim que se verificou também a necessidade de fazer participar nestas uniões industriais as cooperativas constituídas entre os fabricantes de condição insuficiente, e não êles próprios, individualmente, atendendo, como se verá, às necessidades da organização. Considerou-se até que, depois de satisfazer às exigências da melhor técnica para os estabelecimentos e explorações fabris das uniões, geriu da importância capital que se mantivessem sem deminuïção, mas antes com novas perspectivas de valorização, os direitos adquiridos pelas empresas industriais cuja concentração se realizasse.
Isto determinou o critério pelo qual se dimensionariam as participações respectivas das várias Cooperativas no capital das uniões de que fossem associadas. E aqui poder-se-á referir que, se os participantes das uniões tinham de assumir a sua cota parte de responsabilidades nos compromissos tomados para com as entidades financiadoras das suas respectivas instalações fabris, melhor o fariam desde que - por serem pessoas morais tal como as associações cooperativas consideradas- pudessem assegurar mais duradouramente a satisfação das amortizações indispensáveis.
A singular harmonia desta circunstância, com as vantagens técnicas e económicas que é possível esperar das cooperativas ou das suas uniões, primeiro na pró-
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dução e transporte das matérias primas e depois na sua transformação fabril, constitue sem dúvida uma suficiente garantia para a solvência dos compromissos assumidos perante as entidades financiadoras que se definem como intermediárias na concessão do crédito.
Em verdade, se a organização cooperativa da produção e transporte das matérias primas agrícolas, promovida pelos grémios da lavoura, promete realizar o abastecimento, das fábricas das uniões nas melhores condições de qualidade e economia; se em relação a êle são dimensionadas, as instalações industriais; se entre a produção e a transformação das matérias primas houve facilidade de definir a forma de uma relação particular, julgou-se que isso não bastaria para assegurar a conservação dos meias de trabalho e portanto para fundamentar o crédito com estabilidade, desde que se não facultasse o modo de impedir uma concorrência inconveniente entre os produtos congéneres fabricados pelas uniões de cooperativas da mesma região, a que seria naturalmente contrária à uniformidade dos padrões comerciais, e por isso à sua melhor procura e valorização nos mercados.
Procurou-se então a figura jurídica que se julga melhor poder corresponder num plano superior à coordenação dou valores mencionados, e que há-de justificar os privilégios que lhe são conferidos tanto pelas concessões financeiras que outorga, como pela missão fomentadora que terá de desempenhar.
Assim se estatuíu a obrigação para todas as uniões de cooperativas de participarem em determinadas sociedades centrais de fomento regional e de lhes concederem o privilégio de vender exclusivamente os seus produtos, no propósito de criar para esses organismos uma dimensão suficiente que lhes permita dispor dos melhores recursos de competência administrativa e de uma capacidade de crédito progressiva e sempre relacionada com as necessidades de expansão do fomento agrícola-industrial das várias regiões do País.
Êsse é o objectivo que se procura pela recomendação de atribuir uma zona de influência a cada uma das sociedades centrais de fomento regional, facilitando-lhes uma melhor probabilidade de lucros pela diversidade da sua proveniência, que a oferta das diferentes produções regionais permite, e realizando principalmente a forma prática de associar progressivamente e também no proveito dos interesses comerciais obtidos os próprios produtores das matérias primas, cujo valor em parte se mobiliza como um dos fundamentos do crédito concedido.
No domínio corporativo, tanto as uniões de cooperativas, como as sociedades centrais de fomento regional, hão-de vir agremiar-se na organização da indústria ou do comércio que respectivamente corresponda às suas actividades.
Considerando o interêsse público do que se objectiva e particularmente as consequências que é lícito esperar deste sistema para que se intensifique e consolide a obra social da colonização interna, propõe-se o seguinte projecto de lei:
BASE I
É autorizada a constituïção das sociedades por acções, de capital variável, designadas Centrais de Fomento Regional, que venham a estabelecer-se com o objectivo de fomentar o desenvolvimento e a valorização da economia agrícola-industrial das várias regiões do País e designadamente com as seguintes finalidades:
a) Promover o financiamento das despesas de instalação e primeiro estabelecimento de indústrias transformadoras de matérias primas agrícolas, de origem animal ou vegetal, quando vierem a ser exercidas pelas uniões de cooperativas suas associadas;
b) Exercer o exclusivo da venda de todos os produtos provenientes das fábricas instaladas e financiadas por seu intermédio;
c) Colaborar com os grémios da lavoura na organização de sociedades cooperativas de que, respectivamente, participem os proprietários agrícolas e os colonos rurais estabelecidos por iniciativa ou com o patrocínio da Junta de Colonização Interna;
d) Promover a constituição de cooperativas entre indústrias transformadoras de matérias primas agrícolas da mesma espécie e auxiliar a sua associação com as cooperativas referidas na alínea anterior em uniões de cooperativas que êste projecto de lei considera;
e) Explorar a concessão, dada pelas câmaras municipais, de centrais pasteurizadoras e postas de recepção de leite com o exclusivo de fornecimento para consumo público, nos termos da lei.
BASE II
Só podem ser accionistas das sociedades centrais de fomento regional as uniões de cooperativas constituídas pela forma e com a finalidade considerada neste projecto de lei.
BASE III
As sociedades centrais de fomento regional, definidas e constituídas nos termos deste projecto de lei, é concedida autorização para contrair empréstimos a longo prazo na Caixa Nacional de Crédito, ou em quaisquer outras instituições de crédito, quando se destinem unicamente aos financiamentos considerados na alínea a) da base I.
BASE IV
Para os efeitos deste projecto de lei só se consideram as uniões de que façam parte cooperativas cuja criação tenha sido promovida por iniciativa dos grémios da lavoura, em colaboração com as sociedades centrais de fomento regional, e, mais designadamente, aquelas que se formarem, para produção e transporte das matérias primas, pela associação dos proprietários agrícolas ou dos colonos rurais estabelecidos nos baldios por iniciativa ou com o patrocínio da Obra Nacional de Colonização Interna, bem como as cooperativas formadas pela associação de empresas industriais que possam eventualmente existir em condições de precária economia nos limites da zona interessada.
§ único. Quando, pela inexistência das entidades interessadas, se não puder verificar a criação de qualquer das espécies de cooperativas consideradas nesta base, as uniões formadas com a participação das restantes conservam inalteráveis todos os direitos e obrigações que neste projecto de lei se atribuem a essas sociedades.
BASE V
O estabelecimento de qualquer indústria por iniciativa das uniões de cooperativas depende de autorização, concedida nos termos da lei, e de parecer favorável do organismo de coordenação económica - quando existir - sobre as condições de boa economia que tiverem sido previstas para a sua laboração futura.
BASE VI
Compete às uniões de cooperativas transformar nos seus estabelecimentos fabris todas as matérias primas que lhes forem cedidas e para eles forem transportadas
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pelas cooperativas suas associadas, bom como realizar, por meio da sua actividade industrial, a fusão de fábricas eventualmente existentes em condições defeituosas nas zonas de influência que lhes disserem, respeito.
BASE VII
Nenhuma união de cooperativas poderá beneficiar dos meios facultados neste projecto de lei sem que prèviamente tenha feito prova:
a) De ter assegurada pelo menos a participação de duas cooperativas de composição diferente;
b) De que as cooperativas suas associadas dispõem da quantidade de matéria prima indispensável à laboração da fábrica respectiva e se obrigam a entregá-la, bem como a contribuir com determinada percentagem do seu valor para o fundo instituído na central de fomento regional como garantia do financiamento da união;
c) De que as cooperativas suas associadas são produtoras de matérias primas de uma única espécie determinada ou fabricantes de produtos provenientes da sua transformação;
d) De ter sido averbada em seu nome uma importância do capital accionista emitido pela central de fomento da região a que pertencer, de valor igual ao do empréstimo que fôr utilizado no financiamento das suas instalações e primeiro estabelecimento;
e) De se ter obrigado a integralizar o capital accionista mencionado na alínea anterior, pelo pagamento de anuïdades equivalentes ao juro e amortização do empréstimo que fôr concedido à central de fomento regional para efeito do seu financiamento;
f) De que as cooperativas suas associadas se obrigam a contribuir, pela liquidação anual da rota que respectivamente lhes couber, para o pagamento das anuidades referidas na alínea e);
g) De ter concedido o exclusivo da venda de toda a sua produção industrial que exceder as necessidades do abastecimento local à central de fomento regional de que for accionista e de lhe ter feito promessa de entrega de todos os seus produtos.
BASE VIII
No capital de cada uma das uniões de cooperativas será sempre reservada para a cooperativa de industriais que nela venha a associar-se uma participação de valor correspondente à relação que existir entre a soma das capacidades de produção dos fabricantes nela associados e a capacidade de produção total da fábrica considerada, destinando-se a diferença que houver para o capital da união à participação das cooperativas de proprietários agrícolas e de colonos rurais.
§ 1.º Na participação da cooperativa de industriais referida nesta base há-de sempre considerar-se incluída e integralizada uma importância do mesmo valor que tiver sido atribuído às instalações fabris dos seus associados.
§ 2.º A participação disponível para as cooperativas de proprietários agrícolas e de colonos rurais será dividida entre elas na proporção que existir entre as suas respectivas capacidades de produção de matérias primas.
BASE IX.
O capital de cada uma das uniões de cooperativas terá pelo menos o valor da série completa de acções averbadas em seu nome nos registos da central de fomento regional a que pertencer e será acrescido do valor que for atribuído às instalações fabris que eventualmente existirem o cuja actividade venha substituir realizando a sua concentração industrial.
§ único. Quando se verifique a existência das instalações fabris que paralisem a sua actividade por motivo da concentração prevista nesta base, a propriedade, dessas instalações será transferida para o activo da união de cooperativas em que estiver directamente, interessada a sociedade formada pelos seus primitivos proprietários.
BASE X
Os lucros de cada uma das uniões de cooperativas serão repartidos entre as entidades suas associadas, na proporção das participações calculadas em obediência ao que determina a base VII e seu § 2.º
BASE XI
A responsabilidade de cada uma das cooperativas de industriais na liquidação do capital accionista que estiver averbado em nome da união de cooperativas a que pertencer será definida pelo saldo que se obtiver deduzindo da sua participação social o valor que tiver sido atribuído às instalações fabris dos seus associados; as responsabilidades das cooperativas de proprietários agrícolas o de colonos rurais serão respectivamente equivalentes às suas participações sociais.
BASE XII
Nenhuma central de fomento regional poderá promover o financiamento da instalação e do primeiro estabelecimento de mais de uma fábrica em benefício da mesma união de cooperativas, desde que se não trate de exercer a mesma indústria com o fim de ampliar a sua primitiva capacidade de produção.
BASE XIII
A cada empréstimo que tenha sido concedido às centrais de fomento regional corresponderá a emissão de uma série de acções de valor equivalente, que deverá ser averbada à união de cooperativas que for empresária da indústria cuja instalação e estabelecimento sejam financiados com o produto da respectiva operação de crédito.
BASE XIV
As uniões de cooperativas ficam autorizadas a integralizar as importâncias dos capitais accionistas averbados em seus nomes e que respectivamente correspondam aos financiamentos de que beneficiem pelo simples pagamento das anuidades referidas na alínea e) da base VII deste, projecto de lei.
BASE XV
Constituem garantia de cada empréstimo concedido às centrais de fomento regional e ficam consignados ao pagamento da sua amortização e juro:
1.º O produto dos vários fundos considerados e referidos na base XVI deste projecto de lei;
2.º O produto das anuidades a cuja liquidação se tenham obrigado as uniões de cooperativas, nos termos da alínea a) da base VII;
3.º A cota parte dos lucros da sociedade central de fomento regional que pertencer à união de cooperativas sua accionista e beneficiária do financiamento que o empréstimo tenha permitido;
4.º A hipoteca do estabelecimento fabril financiado;
5.º Os cadastros das propriedades onde se originem as matérias primas e das propriedades e instalações
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industriais, bem como das propriedades privadas dos empresários das indústrias existentes, até aos valores que respectivamente respondam de modo solidário pelas partes do empréstimo que corresponderem às responsabilidades assumidas pelas cooperativas dos proprietários e pelas cooperativas das empresas industriais;
6.º À fiança prestada pelas caixas de crédito agrícola mútuo, constituídas nos termos da lei por iniciativa da Junta de Colonização Interna, e que tiver sido julgada, suficiente para responder pela parte do empréstimo correspondente à responsabilidade das cooperativas dos colonos rurais.
BASE XVI
As sociedades centrais do fomento regional ficam obrigadas a instituir um fundo de garantia por cada empréstimo que lhes seja concedido.
§ único. Constitue receita dêstes fundos uma percentagem do valor da matéria prima entregue para transformar na fábrica considerada.
BASE XVII
Às sociedades centrais de fomento regional finam autorizadas a caucionar operações de crédito industrial a curto prazo com a produção das fábricas que respectivamente financiarem, para pagamento das matérias primas às cooperativas de produção.
§ único. Neste caso compete a cada uma das centrais de fomento regional proceder à liquidação do valor das matérias primas, reservando a favor do fundo de garantia correspondente a percentagem referida no § único da base XVI dêste projecto de lei.
BASE XVIII
Os limites da região classificada para o exercício da competência de nada uma das centrais de fomento regional serão definidos, a seu requerimento, pelo Ministro da Economia, e dentro deles não será permitida a constituição de mais do que uma sociedade central de fomento regional.
BASE XIX
Da administração de cada uma das sociedades centrais de fomento regional farão sempre parte um delegado municipal, designado em reunião das câmaras municipais da zona interessada, e um representante das uniões de cooperativas que forem suas associadas e exerçam actividades industriais da mesma espécie.
§ único. Do mesmo modo, cada grupo de cooperativas congéneres designará um representante para a administração da união de cooperativas de que forem associadas.
BASE XX
Tanto as sociedades centrais de fomento regional como as uniões de cooperativas só poderão exercer as suas respectivas, actividades quando estiverem respectivamente agremiadas nos organismos corporativos do comércio e da indústria que existirem e lhes disserem respeito.
BASE XXI
As sociedades centrais de fomento regional e as uniões de cooperativas poderão livremente estatuir as normas das suas respectivas organizações internas, desde que não desobedeçam às bases contidas neste projecto de lei.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 23 de Janeiro de 1942. - O Deputado Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: antes de tratar dos agradecimentos e reclamações que tenciono apresentar ao Sr. Ministro das Finanças, desejo proferir duas palavras de homenagem ao meu patrício padre José Alaria Rodrigues, que faleceu há poucos dias.
Êle nunca se gastou pela esfera política, mas foi um dos valores da nossa terra, e em particular da minha terra - o Minho.
José Maria Rodrigues era, talvez, um pouco brusco e um pouco «azêdo», mas não deve isto fazer nenhuma impressão, porque ele, como disse, era minhoto, e todos os frutos minhotos têm muita umidade e pouco sol, sendo, por isso, um pouco azedos ...
Visto que nós somos, na feliz expressão de Jacques Bainville, uma república de professores, está bem falar e homenagear quem foi um professor preclaro.
Por mim devo dizer que tenho uma grande satisfação em servir uma república de professores, embora nunca o tenha sido, e isto porque fui educado em Coimbra e foi na Universidade que colhi muitos ensinamentos, carrilando o meu espirito, e porque esta república de professores é caracterizada pela seriedade, ciência, competência e consciência. Dá-me, pois, isto orgulho e vaidade, até porque me fax lembrar a época dou Antoninos, e em especial a de Marco Aurélio, que também era uma alta consciência.
Pôsto isto, vou entrar no capitulo dos agradecimentos e reclamações que desejo apresentar ao Sr. Ministro das Finanças.
Em primeiro lugar quero agradecer a S. Ex.ª o ter tido em atenção aquilo que aqui pedi a respeito da participação da guarda fiscal nas apreensões.
Manda a verdade dizer que foi uma medida inteligente, porque dessa maneira se foi galvanizar a boa vontade e a iniciativa desse corpo de tropa, qualidades essas que estavam um pouco amortecidas. E não é porque a guarda fiscal seja uma guarda especial que mereça pouca consideração no que diz respeito a interesses e a moral de interesses. Não; são como os outros, precisam de ser estimulados. Haja em vista o que dizia Santo Inácio: que desejava a Companhia de Jesus sempre perseguida, para não caírem em amolecimentos e facilidades; e todavia ser jesuíta não é para qualquer, exigem-se altas qualidades de carácter e cultura.
O contrabando deve ser, como eu tenho aqui dito e repetido várias vezes, combatido tenazmente, todos os dias, sempre e sempre.
Se o Sr. Ministro das Finanças reforçasse a guarda fiscal, dando-lhe uma fôrça para apoio do seu serviço, com certeza que gastava uma importância que não seria muito pequena, mas a despesa que fizesse seria altamente proveitosa não só para a economia nacional mas até parti a própria higiene do País.
Dizem que em Espanha, próximo das nossas fronteiras, existe uma moléstia cansada pelo chamado «piolho verde». Se a guarda fiscal fosse reforçada como pretendo, não só se evitaria o contrabando de fora para dentro e do dentro para fora, como conseguiríamos ao mesmo tempo uma boa medida higiénica.
Não sei se com isto estou a afrontar uma exigência muito moderna, segundo a qual parece que os requisitos da higiene serão um pouco proscritos. Quero referir-me à propaganda da criação de coelhos e galinhas, até mesmo nus varandas das casas particulares.
Nós temos escapado da guerra por virtude da nossa situação geográfica, e graças também a prudência e à inteligência do nobre Chefe do Governo. Não há dúvida de que é muito difícil manter uma posição como a nossa, de absoluta neutralidade. Por experiência própria o digo, porque talvez eu não fõsse capaz de conservar tal atitude. Bom; tenho o sentimento de que havemos de continuar a escapar à guerra.
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Também penso que escaparemos à fome, não obstante a existência de alguns grémios e sindicatos; mas, a continuar esta propaganda a favor da criação dos coelhos e das galinhas, haverá uma cousa a que não poderemos escapar - é à peste.
Lisboa não é das cidades que se encontram em melhores condições de higiene, e basta ver a poeira que se deposita nos nossos chapéus para se fazer uma idea da atmosfera da capital.
Se, além disso, se instalar em cada janela uma coelheira e em cada saguão uma capoeira, não só há-de ser difícil arranjar alimento para os animais, como também veremos que não haverá saúde que possa resistir as consequências insalubres que o facto há-de originar.
Mas eu não quero ofender êsses propósitos; vou continuar: desejo apenas que o Sr. Ministro das Finanças se disponha a arranjar uma guarda fiscal reforçada que nos defenda não só sob o ponto de vista da economia nacional mas também da epidemia do «piolho verde».
Devo também agradecer ao Sr. Ministro das Finanças o ter acabado com uma cousa que se chamava «mercadorias em trânsito», mas que, afinal, não era senão uma protecção oficial ao contrabando. Não é preciso dizer porquê.
E, mais uma vez, insisto por que S. Ex. também só não importe de fazer uma pequenina despesa com lanchas-gasolinas, mandando pôr no rio Minho umas três ou quatro destas Lanchas, que fiscalizem aquela fronteira, para assim se acabar com o contrabando, o que é fácil, pois de um lado e de outro há interesse em fazê-lo, e muitos trechos do rio ficam em zona morta em relação aos pontos de vigilância.
Tenho ainda a fazer uma outra reclamação sôbre umas exigências a que serve de pretexto o decreto-lei n.º 31:203, de 1 de Abril de 1941.
Por êsse decreto cria-se ou restabelece-se a zona fiscal da fronteira, determinando-se no artigo 3.º:
Presumir-se-ão em contrabando ou descaminho, conforme os casos, as mercadorias que forem encontradas dentro da zona fiscal tal como é definida no artigo 1.º, sem ser acompanhadas do passe a que se refere o artigo 53.º da 2.ª parte do Manual, das Praças da Guarda Fiscal, aprovado por decreto de 23 de Agosto de 1888; na hipótese prevista no artigo 2.º, igualmente se presumirão em contrabando ou descaminho as que se dirijam à raia fora dos caminhos directos dos postos fiscais».
Não pude completar o meu estudo sôbre êste assunto, porque não encontrei, na biblioteca desta Assemblea, o Manual da Guarda Fiscal. É talvez uma edição esgotada.
No entanto, posso dizer que na fronteira de Valença, graças a êste decreto, toda a mercadoria, para poder transitar nessa zona de 4 quilómetros e que exceda o valor do 100$, necessita de uma guia da guarda fiscal que custa 2$50, além do tempo perdido e transtornos causados.
É uma perda de tempo e de dinheiro, e isto faz-se numa região em que as contribuições representam a terça parte do rendimento ilíquido e em que o comércio está também muito tributado e quási paralisado por lhe faltar o crédito comercial.
Como na lei se diz «presume-se», parece não estar bem que tudo se considere contrabando ou descaminho de direitos. O excessivo está bem em evidência.
Quere dizer: as receitas não têm senão razão para deminuir, ao passo que as despesas não têm tendência senão para aumentar.
Em matéria de tributação, nós temos obrigação de dizer ao Governo, visto que estamos em contacto com as classes tributadas, que o plafond está atingido. Para me servir de outra expressão: a propriedade minhota, sob o ponto de vista de encargos, está na carga de rotura; ou ainda, por outra imagem da rainha profissão: que a estaca está na nega; podem continuar abater-lhe, a cabeça esboroar-se-á, mas a estaca não entra mais; e é essa a razão de ser de algumas manifestações que se têm dado no Pais.
Não obstante toda a justificação literária que o nosso saudoso colega (saüdoso porque nos faz falta) e ilustre professor Dr. Mário de Figueiredo pôs nas suas considerações, eu continuo a supor que é possível que possam dar uma idea da situação as palavras que Hippolyte Taine põe no comêço de um dos seus volumes das Origens da França contemporânea.: «Sire, não é uma revolta, é uma revolução...».
Quere dizer, Sr. Presidente, se continuarmos assim, pode acontecer que o determinismo económico se junte ao almejado determinismo político dos nossos inimigos e forme um circulo vicioso desagradável, passando cada um a ser causa e efeito do outro.
Pedia, pois, ao Sr. Ministro das Finanças a abolição da exigência dos 2$50 a que há pouco fiz referência.
Há uma ou outra mercadoria em que existe realmente descaminho ou contrabando, acredito; mas que seja tudo contrabando ... não pode ser. Que senão possa mandar uma vaca, um touro, um boi a uma feira sem ir buscar primeiro uma guia à guarda fiscal, que custa 2$50, é que me parece extraordinário e estravagante. Pedia, pois, a S. Ex.ª que acabasse com isto.
Há uma outra cousa com que S. Ex.ª podia acabar, e que se baseia na chamada defesa dos interêsses do Estado. Quando os guardas fiscais fazem apreensões do sabão, por exemplo, a mercadoria é a seu tempo arrematada em leilão por preços bastante altos. Isto não deve suceder, porque, embora seja a favor dos interesses quantitativos e materiais do Estado, vai de encontro aos interêsses morais dêsse mesmo Estado.
Se foi o Estado que classificou de delito o assambarcamento e especulação, não faz sentido que proceda depois o leilão, pois que, ipso facto, vai proteger o assambarcamento e a especulação, que estão um para a outra como o caso da galinha e do õvo. Para haver especulação é preciso haver assambarcamento.
Desejava também que S. Ex.ª acabasse com isso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será na quarta-feira, 28 do corrente, com a seguinte ordem do dia: discussão, em sessão plenária, do aviso prévio do Sr. Melo Machado, sôbre hidráulica agrícola.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 39 minutos.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA