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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

N.º 123 ANO DE 1942 11 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

SESSÃO N.º 118 DA ASSEMBLEA NACIONAL

10 do Fevereiro

Presidente o Exmo. Sr. José Alberto dos Reis

Secretários os Exmos. Srs.

Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira

Nota. - Foram publicados dois suplementos ao Dirio dns Scssffcg n." J28: o 1." insere o parecer da Câmara Corporativa nobre o projecto do lei n." 170, que revoga o § 8." do artigo S." Ho ãeoreto n." 38:003, do 31 do Agosto do 1037, considerando-se em plano vigor a doutrina do artigo único do dooreto-lci n." S3:51á, dá 22 cïc Jauc/ro Au 1034; o S." publifM o parecer da mesma Câmara sobre o projecto de lei »." 185, que altera o artigo SUS." do Código do Registo Civil.

SUMARIO:-O Ur. Presidente der.la.ron aberta a sessão ns 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi anroaado o -ultimo numero do Diário das Sessões. Leu-sr. o erpcdionto.
Usou da palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires, que mií-gou o significado da eleição do Chefe do Kstado.
O Sr. Deputado Jnreiutl de Araújo tawbfm se pronunciou afloro o mesmo aBSimío, sationlando a importância moral o política dessa eleição. *
O Sr. Doputtuln Salvação Barreia rafrriu-»a a um artigo do jornal O Século sobre o Bairro Social Dr. Oliveira Kdlasar, que foi abandonado, enviando para a Mata- um pedido de informações.
O Sr. Deputado Antunes Quimarais envio n para- a Mesa «11* projecto de lei sobre o Oasal da Escola.

Ordem do dia. - Entrando-se na ordem da dia, iniciou-sc a discussão, na generalidade, da proposta de lei relativa aos lucros de guerra, tendo usado da palavra os Srs. D.rputados Ulisses Cortes, Abel Varzlm e Manterá Bolara.
O Sr. Presidente encerrou a sessão As 17 horas e 35 minutos.

CAMARÁ CORPORATIVA. - 4 cordão An Co m IM/ÏO de Verificação de Poderes.

Srs. Deputados presentes à chamada, 52.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 4.
Srs. Deputados que faltaram á chamada, 14.

Srs. Deputados que responderam à chamada:

Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Eduardo Valado .Navarro.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.

Álvaro de Freitas Morna.

Álvaro Henríques Perestrelo de Favila Vieira.

Álvaro Salvação Barreto.

António de Almeida.

António de Almeida Pinto da Mota.

António Augusto Aires.

António Carlos Borges.

António Cortês Lobao.

António Hintze Ribeiro.

António Rodrigues dos Santos Pedroso.

António de Sousa Madeira Pinto.

Artur Águedo de Oliveira.

Artur Proença Duarte.

Artur Ribeiro Lopes.

Augusto Cancela de Abreu.

Carlos Mantero Belard.

Caxlos Moura d« Carvalho.

D. Domitila HormizLnda Miranda de Carvalho.

Fernando Tavares de Carvalho.

Francisco Cardoso de Melo Machado.

Gastão Carlos de Deus Figueira.

Henrique Linhares de Lima.

João Antunes GuimarSis.

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João Botto de Carvalho.
João Luiz Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Fina Guimarãis.
Manuel Pestana, dos Reis.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sebastião Garcia Ramires.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Borges.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama Yan-Zeller.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Ângelo César Machado.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Guilhermino Alves Nunes.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luiz Cincinato Cabral da Costa,
Luiz Maria Lopes da Fonseca:

O Sr. Presidente:- -Vai fazer-se a chamada. Eram 15 horas e 53 minutos. Fez-se
a chamada.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 52 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Considera-se aprovado o Diário, visto não haver reclamações. Vai ler-se o

Expediente

Leu-se na Mesa a seguinte exposição:

Sr. Presidente da Assembleia .Nacional.-Excelência. - As Uniões de Grémios de Lojistas de Lisboa, Porto e Coimbra, que representam dezenas de grémio de comerciantes que especialmente se dedicam ao comércio de retalho, vêm perante a Assembleia Nacional apresentar com a maior franqueza os resultados de uma crítica serena da proposta de lei sobre os denominados lucros extraordinários de guerra.

Se é certo que com patente justiça se tem em vista por tam importante diploma fazer reverter à comunidade os excessos de lucros, é certo também que a ales se torna necessário recorrer, para que o Estado possa auferir receitas extraordinárias que contrabalancem os encargos resultantes de emergências imprevistas e - pesadas, a que, para salvação comum, ele tem obrigação e necessidade de atender.

É com vista a este segundo aspecto que os comerciantes em geral, grandes ou pequenos, tomam sem contrariedade e com devotado amor pátrio a sua cota parte no que, sob as aparências de sacrifício, deve apenas ser dedicação espontânea.

Porém, se reconhecemos as dificuldades que existem para estabelecer sem lacunas uma enumeração legal, taxativa, das multíplices metamorfoses que apresentam os chamados lucros extraordinários de guerra tomados por anormais e excessivos, ou uma definição precisa dos mesmos, paralelamente temos de confessar que nos sentimos imerecidamente atingidos quando a proposta do lei parece dar a entende que esses excessos somente, foram obtido pelos sectores comerciais e industriais.

É essa a primeira ideia que genericamente, e à primeira vista, se apura, e, entretanto, se todo o imposto deve ter por fundamento primacial a justiça na distribuição, a leitura nos convence com rapidez de que não é completa a da proposta, se, como dela parece ser decorrente, há esquecimento de actividades que pelo saber o convicção de todos se incluem na farta recolha dos proveitos.

Aflora imediatamente aos bicos da pena esta natural dúvida: por que razão se não faz expressa menção, a par com os comerciantes e industriais tantas vezes ali citados, dos proprietários actuais, ou anteriores por os terem já vendido, de imóveis metalíferos ou de exclusivos de exploração, dos especuladores ocasionais de fundos ou de produtos, dos indivíduos desviados das suas naturais profissões para a senda dos negócios inominados, ia turba, em suma, dos milhentos agentes da alteração de preços e do desaparecimento ou rarefacção dos produtos e das matérias mais essenciais à vida colectiva?

Dir-se-á, talvez, que a esses se refere a base v na alusão a indivíduos ou empresas pertencentes às categorias designadas num futuro despacho.

Mus é explicável a nossa hesitação, porque, fazendo a base v .referência ao lucro extraordinário definido na base III e referindo-se essa por sua vez à base I, que toma por ponto de partida os lucros ilíquidos correspondentes à contribuição industrial, é lógico inquirir se também naquela base v se trata ou não só de comerciantes.

A classificação dos chamados rendimentos ilíquidos para efeito deste novo imposto induz-nos a fazer referência a algumas considerações que extraímos de um parecer subsidiário apresentado à Câmara Corporativa pelo Procurador destas actividades:

Existe um sistema tributário que foi estabelecido pelo Estado e que a massa contribuinte conhece perfeitamente.

Por esse sistema, em vigor há já alguns anos, o Estado cobra o que julga necessário, e pela sua parte o comércio e a indústria pagam as verbas que lhes são atribuídas.

A base da incidência do imposto é o rendimento ilíquido presumível, ou, antes, o rendimento ilíquido atribuído e fixado.

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Efectivamente, a taxa legal, como é sabido, não seria comportável se o rendimento ilíquido atribuído correspondesse ou se Aproximasse sequer do lucro ilíquido real.

Por isso mesmo, u s comissões criadas pelo decreto n.º 16:731 e pelo decreto-lei n.º 31:916 determinam os rendimentos tributáveis que devem, caber às diversas empresas, tendo em atenção que a contribuição a pagar ao "Estado deve corresponder ao produto da taxa pelo resultado ilíquido do exercício futuro, que antecipadamente se presume, e estabelecendo, portanto, a correcção indispensável, de modo a tornar aceitável o que de outra forma seria incomportável.

Se analisarmos o sistema, reconhecemos que, em rigor, existe uma aparente evasão de imposto, tacitamente aceite pelo Estado e compreendida pelo contribuinte.

Essa evasão varia nas áreas das diversas repartições fiscais, conforme o critério de atribuição usado, mas é corrigida pelas comissões na medida das suas possibilidades.

É de toda a evidência que nenhuma empresa comercial ou industrial poderia pagar ao Estado 20 por cento, aproximadamente, dos seus lucros ilíquidos normais.

No comércio o custo das mercadorias é constituído unicamente pelo preço real que o comerciante paga por elas; e ele tem depois de ganhar para pagar todas as despesas de exploração, tais como ordenados dos empregados, rendas, contribuições para o Estado, Fundo de Desemprego e impostos municipais, caixas de previdência, luz, telefone, seguros, gastos diversos dos estabelecimentos, a sua própria manutenção e da sua família, e ainda suportar a depreciação constante das mercadorias que se avariam, perdem oportunidade de venda ou saem de moda.

E neste momento ainda tem necessidade de constituir reservas para suportar as inevitáveis perdas que não deixará de sofrer quando se der a queda vertical dos preços, depois da actual curva ascendente.

Como poderia, satisfazendo todos estes gastos indispensáveis, pagar para o Estado quási a quarta parte do lucro bruto obtido?

O próprio Estado não desconhece que a diferença entre o ilíquido presumido e o ilíquido real é muito grande, chegando nalguns casos o primeiro a ser metade do segundo, um terço, um quarto ou mesmo muito menos, conforme a natureza do negócio.

Ora como a base I do novo encargo fiscal, só concede isenção para 15 por cento do excesso do lucro ilíquido atribuído, sucederia haver uma duplicação de imposto, visto o Estado passar a colectar resultados que tàcitamente já tinha considerado abrangidos pela contribuição normal.

Foi certamente com intenção de fixar doutrina e para evitar duvidosas interpretações que a Câmara Corporativa, no seu parecer, sugeriu a alteração à base I, não computando como lucro extraordinário de guerra a diferença entre o rendimento ilíquido que serviu de base no lançamento da contribuição industrial de 1941 e o rendimento ilíquido real obtido em 1940. Esta deve ter sido seguramente a intenção do legislador, embora com tradução menos feliz nos dizeres da proposta.

' Afirma o relatório, no seu n.º I, que «há necessidade de fazer reverter para a comunidade certos excessos de lucro, devidos não ao trabalho ou capacidade de direcção e organização, mas à valorização excepcional de certos produtos, etc.».
Quere dizer que se devem considerar lucros excessivos as diferenças entre os preços de compra e de venda das mercadorias.
Seria preferível talvez que, em lugar de se considerar, como se apreende das bases da proposta e do seu relatório, lucros extraordinários de guerra os que de um modo geral têm por causa genérica a valorização excepcional dos produtos, motivada, mas não resultante, do facto da guerra, se atendesse com preferência a outras circunstâncias que, não atribuíveis como aquelas à fatalidade de certas leis económicas, sobremodo à lei da oferta e da procura, têm um indefectível carácter especial de causalidade que as vincula directa e imediatamente à própria guerra.

Justa e moral finalidade da lei seria essa, pois iria inegavelmente alcançar a maioria, se não a totalidade, dos que a fortuna bafejou com a oportunidade de efectivos negócios, realizados unicamente para a guerra e pela guerra, em vez de atingir todos aqueles que, pela sua capacidade comercial, trabalho e longos anos de actividade arriscada, apenas acumularam razões que o legislador aproveita para os meter em círculos onde só por necessidade de profissão e com perigos mais avantajados influe a maior valorização dos produtos.

Ora a função do comércio regular ou estabelecido, e sobretudo o retalho, é comprar e vender ininterruptamente.

O capital investido na respectiva exploração só tem o valor relativo às mercadorias para cuja aquisição foi utilizado.

Assim, se com um determinado capital sé adquiriram produtos que, depois de vendidos, aumentaram o seu valor em escudos, dando uma aparente sensação de ganho, facilmente se constata o erro quando, na nova aquisição de outras mercadorias semelhantes, se verifica que com o tal capital aumentado se obtiveram as mesmas ou menos unidades.

Tirar destes factos ilação diferente conduz inevitavelmente ao erro fundamental de considerar os efeitos como sendo causas.

Se há comerciantes que podem ou puderam obter algumas vantagens com a valorização de mercadorias que tinham em depósito, esse facto nunca podia ter-se dado com os comerciantes de retalho, cujos estabelecimentos estão sempre patentes ao público, que àvidamente espreita as suas montras, no intuito de adquirir os artigos de preços não encarecidos.

Foi assim que eles viram desaparecer a pouco e pouco das suas casas as mercadorias obtidas por custos baixos, que tiveram de substituir por outras cada vez mais caras.

Esta circunstância determina o tal lucro aparente pelo aumento do valor dos stocks em escudos; mas, como fizemos ver, deve ser interpretado de modo bem diferente.

Assim, as diferenças entre os preços de compra o de venda das mercadorias, quando investidas em novas aquisições da mesma espécie, não constituem lucros extraordinários ou excessivos, mas simples conservação do património das empresas.

Deve notar-se que, apesar dêsses investimentos dos lucros aparentes, o património realmente deminue, aumentando embora a sua representação em escudos.

Não deve esquecer-se que o património do comerciante, mormente o de retalho, é representado quási exclusivamente pela existência em mercadorias. O comerciante de retalho não tem capitais circulantes, mas sim mercadorias para vender.

Da mesma forma se não deve considerar enriquecimento pessoal o facto de termos hoje, nas nossas casas, os adornos mobiliários mais valorizados.

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Perante as necessidades e por influência da guerra, o preço das mercadorias sobe desmesurada e imprevistamente, e, se o comércio pequeno ou de retalho vive de capitais - escudos limitados e apertado crédito, sucederá que a maior parte das vezes muitos que diminuem os seus stocks não auferem o lucro suficiente para repô-los sem quebra de grande vulto. O seu património realmente reduz-se.

Com que injustiça irá, puis, o imposto atingir as firmas em cujos exercícios estes factos tiveram lugar?

Necessita o Estado de receitas extraordinárias para cobrir despesas que a salvação comum impõe e pela qual o Governo tem a obrigaç3o de volar?

É legítimo o sacrifício, e todos o faremos, em cumprimento desse patriótico dever. Não há necessidade, sequer, de o justificar, mas também não se torna imprescindível alterar o sistema tributário dentro do qual temos vivido.

Por tudo isto se defendeu na Câmara Corporativa a criação do adicional de guerra sobre a contribuição industrial para os comerciantes retalhistas, admitida a isenção estabelecida na proposta do Governo para os contribuintes cujo rendimento ilíquido presumido não excedesse 35.000$.

E assim o Estado cobraria, extraordinariamente, o imposto a um sector da Nação, que com simpatia, o satisfaria, não porque tivesse obtido excessos de lucros que lhe competisse fazer reverter parcialmente para a comunidade, mas porque aquele carecia, na emergência, de auferir receitas - extraordinárias para enfrentar os encargos imprevistos motivados pela situação internacional.

Se o recurso a uma enumeração dos lucros extraordinários chamados de guerra, meramente exemplificativa, apresentava o natural inconveniente de deixar de fora alguns, cuja deficiência de elementos de apreciação fossa notória, não tinha o grave peso de tributar a êsmo todos os que, assoberbados pelos riscos constantes da própria valorização repentina e inevitável das mercadorias, não provocada mas por eles sofrida, se tinham encontrado, para aumentarem os seus réditos, em condições de luta permanente contra todas as dificuldades.

Ombreando, porém, com êsses, quantos negócios há que, sem contestação possível, aproveitando - embora alta de preços, se tornaram extraordinariamente rendosos pela sua ligação mais ou menos aproximada com a guerra?

Não seria difícil apontá-los seguida e longamente, mas bastam, para exemplo, os que pertencem, à indústria de armamentos e equipamentos para os exércitos, os do fornecimentos de mantimentos em larga escala para esse fim, as empreitadas com o Estados destinadas à defesa militar imposta pelo momento, construção, alteração e transferência de imóveis para adaptação àqueles destinos, transacções especuladoras em bolsas, operações bancarias meramente resultantes- da especulação, exportação extraordinária de certos produtos, tais como tecidos, conservas, minérios, sobretudo o decantado volfrâmio, que, fora os lucros de exportação, muitos outros produziu.

Bem sabemos que, de um modo geral, todos se acham compreendidos na intenção legislativa; mas estes, sem risco, aproveitam por dois canais - a valorização e a influência directa da guerra -, ao passo que todos os outros vêm a pagar também, mas aproveitando só por um e correndo todos os riscos. E «e, paira demonstração da justiça, se alega que não há desigualdades para ninguém, visto que se aplicam as mesmas taxas tributárias aos mesmos quantitativos de lucros de fontes diversas, não é fácil esquecer que não é d p mesma natureza a fonte do esforço que os produziu, nem para todos os resultados são iguais.

Há quem considere difícil, senão impossível, a tributação dos verdadeiros lucros de guerra obtidos por entidades mais ou menos estranhas ao comércio, justifican-do-se assim a determinação classificadora das firmas comerciais como sendo aquelas que, por não poderem fugir e já estarem sempre de antemão destinadas ao sacrifício, melhor e mais facilmente podem ser designadas para tal.

São interessantes algumas afirmações sôbre estes pontos contidas no já referido parecer, e que transcrevemos por terem íntima ligação com o que vimos deduzindo e apresentarem sugestões ponderáveis para casos omissos na proposta.

Transcrevendo:

Temos ainda um outro grupo, que classificaremos como actividade de exercício permanente em liquidação ou paralisação forçada - por virtude da guerra, em que colocaremos as firmas que liquidaram parcialmente os seus stocks e ficaram forçadamente com capitais disponíveis por não poderem adquirir mercadorias do seu comércio. Têm de manter as suas casas e os seus empregados mas não fazem transacções ou limitam-nas ao mínimo.

O caso que acabamos de citar é um dos que provoca reparos errados nos amantes das estatísticas. Verificando os números referentes aos depósitos bancários, e constatando o aumento desses números de um ano em relação aos anteriores, concluem erradamente por supor um acréscimo de riqueza.

Ainda há pouco, numa das sessões da Assembleia Nacional, um dos seus mais brilhantes componentes, ao apreciar a proposta de lei para a emissão do novo empréstimo de 3 1/2 por cento, se referiu êsse facto, concluindo por atribuir, muito justificadamente, o aumento destes depósitos a acréscimo de confiança pública nas instituições bancárias e à entoada de muitos capitais estrangeiros vindos em busca de asilo seguro onde abrigar-se.

Afinal o que se deve depreender é que esses capitais estão desviados da sua função principal, visto que se imobilizaram, o que é indício de paralisação e, portanto, de deminuïção de movimento para o comércio.

De tudo o que escrevemos não deverá deduzir-se que estejamos negando a existência de ganhos ou lucros extraordinários provenientes da situação anormal que se atravessa.

Esses existem e pode e deve o Estado- tributú-los como lucros de guerra incontestavelmente efectivados.

E não é tam difícil a sua busca como parece à primeira vista.

Num dos casos que citámos, o das vendas por preços quási fantásticos de terrenos em que se estão fazendo ou se fizeram explorações de minério, basta que as repartições de finanças e notários comuniquem as transacções de que tiveram conhecimento e as escrituras que lavraram. O resto é obra de informadores ; e depois vira o lançamento do imposto respectivo aos cedentes ou vendedores desses terrenos.

Aos particulares que, oportunamente fizeram negócios ou que neles intervieram, obtendo ganhos efectivos, também ao Estado é possível, sem grande dificuldade, colectá-los.

E natural que duas hipóteses se tenham dado: ou os ganhos foram depositados ou se aplicaram na aquisição de propriedades, etc.

O Estado não considera crime ou infracção o facto de se terem obtido lucros extraordinários. Portanto não há que temer o seu conhecimento.

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Transgressão será o fugir ao pagamento do encargo fiscal criado em virtude disso.
O Estado pode então mandar que os bancos dêem participação dos movimentos crescentes que tiveram extraordinariamente algumas dos contas de depósito ou a constituição de depósitos novos, e intimar os seus possuidores a manifestar a respectiva origem para feito do importo de guerra.
E para os que aplicaram os ganhos em imóveis basta notificar os que fizeram aquisições dessa ordem depois de Janeiro de 1940 (avariguável também pelas notas dos cartórios notariais, repartições de finanças e - conservatórias), para justificarem a origem dos dinheiros assim aplicados, deixando-lhes a faculdade de voluntariamente declararem, o que de facto foram lucros de transacções especiais desta ocasião, para sobre eles incidir o imposto de guerra. E nem importa saber o que os motivou.
Restará estabelecei as restrições ou isenções para que não haja injustiça na aplicação; assim as importâncias provenientes da venda de títulos, capitais imobilizados do comércio ou da indústria, traspasses de estabelecimentos ou vendas de imóveis, etc. (exceptuando os casos de minas ou outros que a legislação venha justamente a fixar), podem constituir depósitos bancários ou ser aplicadas em outras aquisições sem estar sujeitas ao imposto especial. O mesmo para os valores herdados.
Temos depois um movimento a que o imposto não deve ser estranho: é o da exportação, para certos produtos extraordinariamente alargada neste período. Mas para atingir os resultados desse movimento também não é aconselhável o sistema preconizado no projecto. O Estado tem hoje organismos oficiais onde pode colher os elementos referentes a cada firma; e, apurando a diferença para mais em valor exportado referente a cada entidade, determina, em colaboração com os organismos corporativos directamente interessados, uma taxa simples ou progressiva sobre o valor da mercadoria exportada extraordinariamente, que constituirá o imposto a cobrar.
Já a essa Assembleia Nacional, numa exposição dos organismos associativos representantes de sectores comerciais de grau diferente dos representados pelos organismos corporativos signatários, foi preconizada a constituição de reservas especiais para efeito de cotações, a criar pelos estabelecimentos comerciais e destinadas a ser absorvidas quando as mercadorias regressarem aos seus preços normais, deminuindo assim os prejuízos futuros certos.
Essas reservas seriam deduzidas ao calcular-se a matéria colectável da contribuição industrial enquanto durar o estado de guerra e a crise económica por ele provocada.
Concordando inteiramente com a sugestão apresentada, acrescentaremos que, se em muitos sectores das actividades do comércio e indústria virão a faltar máquinas, matérias primas e produtos, pelo que várias e bastantes dessas actividades terão que passar a uma inactividade sem prazo, onerada a todo o momento por despesas, encargos e obrigações criadas, será de prever, ou pelo menos de acautelar, que os lucros, até os chamados de guerra, terão de converter-se à força em reservas, para evitar, sen ao a ruína, pelo menos dificuldades de grande vulto.
Ninguém decerto contestará que tais reservas se tornam prudentemente mais exigíveis ainda para aqueles que, pela exiguidade das suas operações, têm mais débil capacidade para se defenderem da queda vertical dos preços na ocasião em que as forças económicas mudem a direcção, sendo especialmente no comércio a retalho que mais se impõe a necessidade de transferir lucros extraordinários de qualquer natureza para a cobertura de prejuízos de exercícios e os das naturezas já enumeradas.
Uma outra alteração foi sugerida pela Câmara Corporativa e que deve merecer a melhor atenção dessa Assembleia Nacional: é a que pretende substituir as bases VI, VII e VIII por outra igualando o lançamento e julgamento de recursos do referido imposto às normas utilizadas no actual sistema tributário.
De facto não se compreendia como, sendo as bases gerais do novo imposto as mesmas da actual contribuição industrial, se pusessem de parte algumas das partes usadas para esta e se criassem outras que, estabelecendo princípios novos no sistema tributário, tinham o condão de provocar uma imerecida antipatia paru a ideia do imposto e uma manifesta reacção contra esse princípio.
Se a alteração sugerida for aprovada, uma grande parte da opinião pública interessada, sossegados os espíritos por verem afastar-se os fantasmas dos vexames desnecessários e do regresso a processos usados em tempos já esquecidos, em que n Estado, mais do que ninguém, era o principal prejudicado, devolverá à proposta j sua. simpatia e passará a reconhecer mais justamente os verdadeiros desígnios do Poder Central ao apresentá-la.
Ë que os sectores comerciais, e entre estes o do retalho, não se furtam aos sacrifícios que o Governo lhes peça. Sc a gravidade do momento impõe que eles tenham lugar, a Nação pode contar inteiramente com os componentes destes sectores.
Somente desejam fazê-lo no âmbito das suas possibilidades e dentro de normas em que a equidade e o espírito de justiça não tenham sido esquecidos.
Por essas razões, e tendo em atenção as considerações que nestas páginas temos a honra de fazer, ousamos solicitar:
Que, para o comércio retalhista, o imposto de guerra seja substituído por um adicional sobre a contribuição industrial paga pelas firmas singulares ou colectivas que exerçam este grau de actividade e a quem tivessem sido atribuídos em 1941 lucros ilíquidos superiores a 35.000$. Seriam isentas as firmas cujos rendimentos atribuídos fossem inferiores.
Que, não merecendo esta sugestão a honra de ser tomada em consideração pela Assemblea Nacional, sejam aceites as alterações sugeridas pela Câmara Corporativa às bases I, VI, VII e VIII.

São estas as considerações que as Uniões de Grémios de Lojistas de Lisboa, Porto e Coimbra têm a honra de levar ao conhecimento da Assemblea Nacional no momento em que vai entrar em discussão proposta de lei criando um imposto sobre lucros de guerra.
Expressas em termos de absoluta sinceridade e baseadas nos sentimentos de disciplina e colaboração, as razões apresentadas tendem a fornecer à Assemblea Nacional elementos de estudo e de análise, a pai- de sugestões que, à falta de outro valor, terão o de pretenderem demonstrar que um só desígnio nos move: servir a Nação.
Com este intuito, rogamos a V. Ex.ª
que se digne mandar que aos dignos Deputados da Nação seja dado conhecimento da presente representação, que temos a honra de depor nas mãos de V. Ex.ª com a expressão da nossa respeitosa e elevada consideração.

A bem da Nação. - 10 de Fevereiro de 1942. - Pela União de Grémios de Lojistas de Lisboa, Vergílio Fon-

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SCOU, - Pela União de Grémios de Lojistas do Porto, Domingos Ferreira - Pela União de Grémios de Lojistas de Coimbra, Abílio Lagoas.

O Sr. Presidente:-Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sebastião Ramires.

O Sr. Sebastião Remires: - Sr. Presidente: os números já conhecidos do sufrágio de domingo e as noticias que chegam de todas as partes do Império fazem antever o resultado excepcional da eleição do Sr. general Carmona à Presidência da República. Todos nos devemos regozijar com isso. Não se trata apenas de uma homenagem dos portugueses prestada a quem há dezasseis anos dirige os altos destinos da Nação com o aprumo, a inteligência, o patriotismo e o desejo de servir de S. Ex.ª O Sr. general Carmona não conquistou apenas as inteligências, penetrou profundamente no coração do povo. Trata-se, sobretudo, da afirmação dama unidade nacional, coesa e profunda, neste momento grave e tumultuoso que vivemos e da perfeita consciência dos portugueses, não só do continente como de todas aã partes do Império, na permanência e continuidade do Poder e na compreensão absoluta do respeito pelas suas obrigações e deveres.
Fosse apenas homenagem prestada ao venerando Chefe do Estado e nem por isso o voto tinha menor significado. Mas ele vem também continuar e consagrar uma política de dezasseis anos de renovação nacional e que serve de exemplo ao mundo, a um mundo que nos olha agora com carinho e procura no nosso exemplo um rumo para porto de abrigo.
Uma pequena aldeia da Beira, logo apus a eleição, afirmava, num telegrama dirigido a S. Ex." o Presidente do Conselho: «Votámos todos; nós compreendemos». Estava dada a resposta à magistral alocução que S. Ex. tinha pronunciado nas vésperas do acto eleitoral. Todos os portugueses podiam subscrever Osso telegrama: todos votaram, porque todos compreenderam.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O, Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: ó com viva satisfação que neste momento de exaltação patriótica uso da palavra para referir-me à reeleição, de que também acaba de ocupar-se o nosso ilustro colega Sr. engenheiro Sebastião Ramires.
Sendo natural que tenham nesta Assemblea o competente registo todos os grandes actos colectivos da Nação, parece-me bem que o que anteontem se verificou, em condições de tanto relêvo e de tam excepcional significado moral e político, é dos que merecem mais assinalada anotação no volume dos nossos anais.
Em todo o Império, desde a sua capital e grandes cidades até ao seu mais recôndito concelho de província, o brado erguido foi só um, a vontade expressa uma só, com aquela espontaneidade, aquela simplicidade e aquela nobreza que são, em determinados momentos, timbre dos grandes gestos da consciência dos, povos.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - E é de justiça reconhecer-se que, se este emocionante testemunho de tam exemplar e demonstrado sentimento do unidade nacional constituo motivo de Loura para a doutrina política que o inscreve e o levanta no topo dos seus princípios e dos seus objectivos, é acima de tudo titulo do glória* bem justificada pura o País, que tam profundamente o tem compreendido e tam elevadamente o vem praticando.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Sr. Presidente: ó a esta saúde de consciência, ó a esta alta o admirável compreensão geral do que é o verdadeiro interêsse e o puro dever da Nação que daqui quero dirigir a minha homenagem, na hora em que, superior a todos as querelas o a todos os elementos de desagregação que a possam comprometer ou deminuir, e unida como um só homem em volta do seu chefe supremo, a Nação Portuguesa demonstra mais uma vez estar tam perfeitamente à altura das circunstâncias especiais do momento, altura da sua História gloriosa, à altura das responsabilidades da sua missão no mundo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso, duas exclamações que se amalgamam e confundem, hoje mais do quo nunca, nos acodem ao espírito e bem legitimamente podem ecoar nesta sala, como síntese do verdadeiro acontecimento nacional de que tanto nos orgulhamos:
Honra ao Sr. Presidente da República!
Honra à Nação Portuguesa!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O Sr. Salvação Barreto: - Sr. Presidente: no dia 29 do Agosto de 1941 publicou O Século, na sua primeira página, um artigo intitulado como segue: «O bairro económico Dr. Oliveira Salazar, concluido há três anos, com habitações modernas para 152 famílias pobres, está em ruínas e nunca foi habitado».
O artigo é acompanhado de uma fotografia, que abrange parte importante do bairro e permite apreciar a sua importância. Já são passados mais de seis meses e a pergunta implicitamente formulada no artigo não teve qualquer resposta, o que permite supor que o referido bairro enfileira na categoria das obras condenadas a não servir para o fim a que foram destinadas.
Sr. Presidente: eu servi nu Câmara Municipal de Lisboa como vice-presidente da sua comissão administrativa na época em que esse bairro foi construído. Assisti a todo o esforço despendido pelo presidente da direcção da Caixa de Socorros o Reformas dos Operários e Assalariados da Câmara Municipal de Lisboa, o Sr. Álvaro Nunes Frade, então meu colega na vereação; à dedicação que outro vereador, o arquitecto Sr. Paulino Montês, pôs ao serviço daquele empreendimento, fazendo graciosamente o respectivo projecto e dirigindo as obras, e liguei, portanto, o meu nome a essa obra interessante, que revela uma grande vontade de servir a colectividade.
Ninguém estranhará, por certo, que, usando do direito quo me confere esta carteira o cumprindo até o dever que ela me impõe, en solicite o esclarecimento devido a este caso incompreensível.

O caso não é único, Sr. Presidente, o, por o não ser, maior ó a obrigação do chamar a atenção de quem possa e deva dar noticia circunstanciada dele.
Até o nome por que se designou, com a prévia automação necessária, o referido Bairro, só por si, impõe que se tomem as resoluções indispensáveis para que cesse em curto prazo o injustificável abandono a que foi votado. Exige-o o bom senso o o decoro.
Muitos apoiados.
Aí por volta de 1939, a uma observação publicada sobre o assunto respondeu a Câmara Municipal de Lisboa, pelos seus Serviços Contrais, que «em breve» o Bairro seria entregue ao Instituto Nacional do Trabalho. Essa entrega nau se fez, que eu saiba, até hoje. E entretanto aumenta a ruína, que, por este andar, se completará sem beneficio para ninguém, o antes com prejuízo para 102. famílias que ali poderiam acolher-se, para a Caixa de Socorros, quo na construção despendeu 3:000 contos, ali

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empatados desde então sem rendimento, para a Câmara Municipal de Lisboa, que em terraplenagens, canalizações e esgotos e pavimentos gastou 510 contos, para as centenas de crianças que não beneficiaram, durante o tempo decorrido, do ensino e da assistência médica que as esperava e com prejuízo também, consequentemente, para o bom nome da administração pública. Diz-se no artigo referido:

«Causa mágoa ver como um bairro novo que nunca foi habitado se encontra actualmente. Ás paredes exteriores, que eram brancas, têm grandes manchas amarelas. A erva cresceu à vontade nos pátios e à beira dos arruamentos. A maioria das portas estilo emperradas; as fechaduras não funcionam porque as comeu a ferrugem. Desapareceram torneiras e tubos. Muitas janelas não têm vidros. O mobiliário e material escolar estão cobertos de poeira. Algumas portas e janelas dos andares superiores foram arrancadas por ocasião do ciclone. Ao material médico foi dado outro destino. Calcula-se que serão precisos corça de 1:000 contos para reparar os estragos que o tempo causou».

O quadro não é reconfortante. Mas haverá, Sr. Presidente, uma razão sólida, respeitável, digna, paru justificar êste desdouro? Era isto que interessava saber para que, ao confranger-se-nos o coração perante o que deixo descrito, ao menos a razão compreenda, sem se sentir ofendida, a causa insuperável dêste desastre.

Apoiados.

Requeiro, pois, a V. Ex.ª se digne solicitar da Câmara Municipal de Lisboa e por intermédio do Ministério do Interior as informações seguintes:

1.ª Qual a razão por que se não deu ao Bairro Dr. Oliveira Salazar o destino para que foi construído;

2.ª Se a Câmara Municipal de Lisboa entendeu não dever autorizar a utilização do Bairro pelos operários e assalariados da C. S. K. O. A. da Câmara Municipal de Lisboa, porque não fez a entrega ao Instituto Nacional do Trabalho, conforme declaração já publicada pelos Serviços Centrais da Câmara Municipal de Lisboa de que o faria " em breve "?;

3.ª Se a essa sua decisão se opõe qualquer razão insuperável, que destino reserva a Câmara Municipal de Lisboa ao referido Bairro ou que medidas tenciona adoptar para evitar que ele se arrutne ainda mais do que está?

Tenho dito.

Vozes: — Muito bem, muito bem!

O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar um projecto de lei sobre o «Casal da Escola». Porém, antes de o fazer quero associar-me às palavras aqui pronunciadas acGrca da reeleição do Sr. Presidente du República, que constituiu um grande triunfo.

Tive a honra e o alto prazer do assistir a sessão realizada no Porto, na qual compareceram milhares de pessoas, soldados devotados do Estado Novo, e vi que essa sessão se transformou numa apoteose por todos os títulos merecida ao Sr. Presidente da República, apoteose que tive a satisfação de ver repetida no dia seguinte em todos as secções de voto da capital nortenha, e que sei que mais não foi do que a imagem do que se passou em todo o Império Português.

Vozes: — Muito bem, muito, bem !

O Orador: — Ditas estas palavras de congratulação, entro no tema que me determinou a pedir a palavra a V. Ex.ª , Sr. Presidente, que, como disse, é para apre-

sentar um projecto de lei em que se visa a instituição do «Casal da Escola».
Tema da maior importância e oportunidade, tivera eu a satisfação, no dia da Padroeira, no ano findo, de o concretizar em dez bases, que só hoje me õ possível submeter à Assemblea Nacional.
A necessidade de me certificar da sua viabilidade dá a razão de somente dois meses volvidos se verificar a formalidade regimental da sua apresentação.
Trata-se de um estorço para coordenar a série de disposições felizes constantes de vários diplomas do .Estado Novo, ã fira de garantir a manutenção de cantinas escolares e criar no espírito da criança o amor a terra e aos trabalhos do campo.
Apoiados.
A instituição, em 1936, da Obra das Mãis pela Educação Nacional, para estímulo da acção educadora da família e para assegurar a cooperação entre esta o a escola, dispensando aos filhos dos pobres a assistência necessária para que possam cumprir a obrigação de frequentar as aulas, designadamente pela instituição de cantinas e fornecimento de uniformes (da Mocidade Portuguesa) e outros artigos do vestuário, bem como pela distribuição de livros e fortalecimento das caixas esco1 lares;
A aprovação em 1935, pela Assemblea Nacional, dos princípios sãos e oportunos acerca do ensino primário rural, assim redigidos:
«O ensino primário nas escolas rurais compreendera noções gerais de agricultura, tanto quanto possível adaptadas a actividade agrícola das regiões em que essas escolas funcionam.
Os fins e métodos do ensino rural serão definidos em instruções elaboradas e expedidas por acordo entre as Direcções Gerais do Ensino Primário e do Ensino Técnico. As noções gerais de agricultura a ministrar nas escolas rurais obedecerão especialmente ao duplo objectivo de criar no espirito da criança o amor à terra e de lhe facultar os conhecimentos rudimentares tendentes à compreensão dos fenómenos e operações que interessam à vida agrícolas;
A aprovação pela Assemblea Nacional, também em 1935, das seguintes bases:
1.ª Nas reformas de instrução primária a realizar o Govêrno instituirá o ensino agrícola elementar nos estabelecimentos oficiais de assistência.
2.ª É o Governo autorizado, a subsidiar as corporações ou instituições particulares que realizem ou possam realizar eficientemente êsse mesmo ensino.
O decreto-lei n.° 27:207, de 16 de Novembro de. 1936, que ordenou a constituição da Junta de Colonização Interna, entre outros fins, para tomar conta dos terrenos que lhe foram entregues pela Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola e efectuar o reconhecimento e estabelecer a reserva dos terrenos baldios do Estado e dos corpos administrativos, a fim de neles instalar casais agrícolas, podendo também, quando superiormente autorizada, efectuar a aquisição de terrenos para promover a colonização respectiva.
A lei de autorização do receitas e despesas para 19.41, que no artigo 7.° diz:
«O Govêrno iniciará em 1941 a execução do plano geral da rede escolar, que será denominado dos Centenários e em que serão fixados o número, localidade e tipos de escolas a construir para completo -apetrechamento do ensino primário».
E o despacho do Presidente do Conselho datado de 15 de Julho de 1941, que no n.° 7.° diz:
... Quanto as cantinas ... No caso de haver bemfei-tores que ofereçam ao Estado — câmaras, juntas de freguesia ou comissões especialmente criadas para êsse

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efeito - fundos suficientes para assegurar a manutenção dos cantinas, o Estado deveria corresponder a tais actos de benemerência construindo, anexos às escolas primárias, os respectivos edifícios.
Para isso, no referido Plano dos Centenários, foram estimadas as respectivas despesas em 500:000 contos, para a construção de 12:500 salas de aula, e prevendo-se desde logo anexos para cantinas escolares na importância de 17:500 contos, vastíssimo programa previsto na lei de reconstituição económica, na qual fôra também incluído outro importante capitulo de fomento nacional, o da hidráulica agrícola, irrigação e povoamento interior, bem como o do aproveitamento da vastíssima área de baldios, na sua quási totalidade ainda improdutivos, um e outro de grande envergadura o largamente dotados.
Com a sua realização virá o País a dispor de numerosos casais agrícolas, espalhados pelos diferentes distritos (mais predominantemente nas regiões nortenha e central), os quais, embora possam continuar, em parte, a destinar-se, como preceitua o § único do artigo 173.º do decreto-lei n.º 27:207, de 16 de Maio de 1936, a ser distribuídos a chefes de família moradores na área do concelho ou freguesia a que pertencerem os terrenos, justo seria que, preferentemente, se entregassem, sempre que possível, bem como os do Património Nacional, ou na posse da Fazenda Pública, livres de quaisquer encargos, à Obra das Mãis pela Educação Nacional, a fim de, com o trabalho gratuito das famílias dos alunos e restante comunidade, o concurso das autarquias e organismos corporativos e orientados por técnicos do Estado, produzirem o preciso para a manutenção das cantinas escolares, concorrendo, simultaneamente, para criar no espírito da criança aquele amor à terra e aos trabalhos de campo eloquentemente expresso em 1935 na votação desta Assemblea Nacional.
Apoiados.
Sr. Presidente: apresento este projecto do lei a duas semanas do fim dos nossos trabalhos, sem a esperança de que possa ainda ser discutido pelos meus ilustres colegas, como eu muito desejaria, pela honra e valor que as suas lições trariam para o autor e para esta sua obra, modesta, mas desde muito acarinhada.
Apresentando-a agora, correspondo ao desejo de que a instituição do «Casal da Escola» fique ligada a esta legislatura, que é a do ciclo memorável dos Centenários, como complemento indispensável e valioso da rêde escolar, que ficará também assim imorredouramente registada na história.
Penso que, entre tantas celebrações soleníssimas que fizeram vibrar a alma nacional, e de entre as quais destaco a realizada em Gnimarãis, concelho em que nasci, para consagração dos heróis da batalha de S. Mamede, e a homenagem prestada aos precursores da independência na Citânia de Briteiros, minha freguesia natal, penso que, vinha dizendo, a «Rêde Escolar dos Centenários» e a «Rede dos Casais da Escola», que lhe serve de indispensável complemento para que se fortaleça o amor à terra e o culto da lavoura, ficarão a perpetuar o Estado Novo como homenagem justificadíssima aos fundadores de Portugal genialmente comandados pelos reis, a quem devemos a epopeia da reconquista, mas que, simultânea e tenazmente, se distinguiram como povoadores e lavradores.
Disse.

Vozes: - Muito bem!
O projecto de lei do Sr Deputado Antunes Guimarãis é o seguinte:

O Casal da Escola
Ao Estado Novo cumpriu pôr têrmo á desequilibrada marcha do fomento nacional, expressa em melhoramentos de vulto - rêde de entradas nacionais, caminhos de ferro, portos de maior tráfego, institutos de ensino secundário e superior, a contrastar com o deplorável atraso das zonas rurais, onde o avanço era lento e irregular, porque tudo ali dependia, da influência muito rara de algum político ou da generosidade de filantropos, na sua maioria regressados do além-mar, onde era frequente serem guindados à fortuna pelas virtudes da raça, o que lhes permitia o apreciável confôrto de poderem dotar as terras em que nasceram com melhoramentos materiais, instituições de beneficência e de instrução e outras garantias de elevação do respectivo nivel material e espiritual.
Mas à política bairrista, que desviava apenas para certas localidades mais protegidas os magros recursos do erário, tinha de substituir-se o critério de maior equidade que orienta a política do Estado Novo; e as manifestações de altruísmo que, felizmente, ainda se registam, e das quais têm brotado a criação de escolas, de cantinas e de outros melhoramentos, tendem a decrescer, devido às crises devoradoras de fortunas, sendo certo que os benefícios que delas resultam para algumas povoações tam generosamente distinguidas mais evidente tornam a situação confrangedora de outras terras, onde as crianças não vão n escola por falta de vestuário ou de alimentação, ou as frequentam rotinhas, descalças, caritas de fome ...
Males que já vêm de longe.
No testamento de meu padrinho e tio-avô, paterno, João Antunes Guimarãis, que em 1875 fundara e dotara a escola, primaria da minha terra natal, freguesia de S. Salvador de Briteiros, do concelho de Guimarãis, onde estudei as primeiras letras, filantropia que foi galardoada pela Sociedade de Martins Sarmento (que à causa da instrução vem, com geral reconhecimento o louvor, consagrando um concurso muito valioso) com a distinção de sócio honorário, no seu testamento, dizia eu, que é demonstração eloquente de já naquela remota época se compreender que não basta criar escolas, porque ao alimento do espírito cumpre juntar o «pão nosso de cada dia», contemplou com um legado o Asilo-Hospital de Donim, por êle também fundado e dotado, para «distribuição diária de tejelas de caldo bem feito e 20 réis de pão de milho, devendo ter preferidas as crianças que frequentarem a Escola de Briteiros (freguesia confinante com Donim, por onde passaram muitos alunos que de longe afluíam à escola de Briteiros), pois que muitas vezes ficam um dia inteiro sem alimento, ou por serem de longe, ou por não poderem as mãis no tempo de maior serviço arranjar-lhes a comida».
Que desde remota data se reconhecia aquela grave lacuna e se procurava, removê-la, embora baldadamente, verifica-se pelo relatório que precedeu a proposta da Reforma do Ensino Primário, apresentada em 1937 pelo antigo e ilustre Ministro da Educação Nacional Dr. Carneiro Pacheco.
Assim, em 1870 fôra publicada uma reforma do ensino em que se previam comissões escolares para promover a frequência das escolas, distribuindo vestuário, livros e o mais que visasse o bem da educação e instrução primária.
Na reforma de 1878 estabelecia-se que as câmaras, de colaboração com a autoridade administrativa, párocos e juntas de paróquia, organizassem comissões promotoras de beneficência e ensino, nas quais interviriam três senhoras.
Em 1880 determina-se que a verba orçamental para subsídios às juntas e câmaras se destine também a auxiliar a iniciativa privada em assuntos de assistência à instrução e autoriza-se o Governo a criar uma medalha de ouro para os beneméritos da instrução primária.

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EM 1901 criam-se nas escolas de instrução primária as caixas económicas escolares.
Em 1911 são constituídos conselhos de assistência escolar nos diversos concelhos, com receitas provenientes de dotações anuais das câmaras e das juntas, cotas, legados, subscrições e festivais.
Entre outras atribuições, competia-lhes a organização de cantinas, jardins de recreio, balneários; colónias de férias, etc., e na regulamentação da reforma aconselhava-se que se procurasse o concurso das pessoas importantes da localidade, entre outras cousas para fornecer aos alunos elementos para frequência regular e proveitosa da escola.
Em 1914 é estabelecida a concessão de subsídios a favor de cantinas junto de escolas primárias oficiais e autorizava-se o Govêrno a, fornecer gratuitamente móveis, louças, livros, calçado, roupa e outras artigos de utilidade para as crianças.
Em 1917 é o Govêrno autorizado a constituir a Comissão Central das Cantinas Escolares, com a faculdade da criação de sub-comissões em todo o País, para promover a criação de cantinas e angariar fundos para a sua manutenção.
Em 1919 confia-se a uma junta escolar a criação de caixas e cantinas, a organização, de, colónias de férias, distribuição da vestuário, calçado e utensílios escolares. Compunha-se de vereadores da Fazenda e da instrução, representante das juntas de freguesia, três professores primários eleitos, do inspector do círculo e do secretário de finanças. Assim se burocratizava a assistência escolar.
Em 1922 cria-se a caixa escolar junto de todas as escolas primárias, para aplicação do produto de multas cobradas como sanção de obrigação da escolaridade, entre outros fins, a excursões escolares e à compra de livros e mais material escolar para alunos pobres.
Em 1925 criam-se em Lisboa e Pôrto niutalidades escolares para a constituição de dotes infantis podendo, em determinadas condições, criar-se idênticos organismos noutras escolas. 0s fundos saíam de cotas dos alunos, subvenções do Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Providência Geral, subsídios dos corpos administrativos, donativos de particulares e produto de festivais. As mutualidádes passaram a ser administradas por professores da escola respectiva e representantes dos associadas e dos pais dos alunos. Embora com alterações, introduzidas em 1933, as mutualidades sofreram de excesso de burocratização.
Ainda em 1933, obrigam-se os inspectores dos distritos, escolares e directos das zonas a cooperar na execução dos serviços de protecção e assistência escolar, a fim de estimular e coordenar as vontades e ,auxílios materiais em favor dos alunos pobres.
As Casas do Povo, criadas em 1933, atribue-se competência para promover a criação de bibliotecas e de escolas ou postos de ensino para ministrar o aperfeiçoamento da profissão e promover preceitos educativos para elevação do nivel social, podendo também instalar campos de jogos e projectar fitas adequadas à formação de caracteres fortes, trabalhadores e cidadãos inteiramente votados ao serviço da Pátria.
Mas, conforme se diz no citado relatório a despeito do generoso pensamento revelado em tantos diplomas de longe vindos, o certo é que o problema da assistência e da cooperação extra-escolares continuava sem solução.
Eram poucas as cantinas, as caixas escolares não correspondiam às necessidades e reconhecia-se a urgência de estimular e sistematizar a acção beneficente dos particulares.
Para obviar a tam manifesta insuficiência é então criada, em 1936, a Obra das Mãis pela Educação Nacional, destinada a estimular a acção educadora da família e a assegurar a cooperação entre esta e a escola, nos termos da Constituição. Designadamente, entre outros fins incontestavelmente vantajosos, compete àquele organismo a instituição de cantinas, fornecimento de vestuário, distribuição de livros e fortalecimento das caixas escolares.
A organização da Obra das Mãis pela Educação Nacional vai até à freguesia, onde deverá ser constituída a comissão paroquial, com a colaboração do pároco e do professor, sendo-lhe garantida também a cooperação da Mocidade Portuguesa.
Estabelecida, por esta forma, a cooperação extra-escolar, sem a qual a acção da escola não se exerceria completamente, ao Estado Novo mereceu a maior atenção, desde o seu advento, a construção de edifícios escolares. Com o título de «Rêde escolar dos Centenários» foi muito acertadamente resolvido iniciar a construção de 12:500 salas para aulas, à qual será consagrada em 1941 a elevada verba de 500:000 contos, dos quais 17:500 se destinam desde já à construção de cantinas anexas às escolas primárias.
A fórmula adoptada para distribuição das importâncias a despender com tam grandiosa obra atribue 50 por cento ao Estado, 50 por cento às câmaras, e conta-se com o auxílio de bem feitores para a manutenção das cantinas escolares.
É o princípio de comparticipação que já orientara a política dos melhoramentos rurais estabelecida pelo decreto n.º 19:502, de 20 de Março de 1931. Princípio que já havia presidido à oferta (comunicada em 1872 pelo Ministério do Reino à Câmara Municipal de Lisboa), feita pelos beneméritos António José Fernandes Guimarãis e Justino José Fernandes, de um donativo em dinheiro para a construção de uma escola de instrução primária, composta de quatro aulas e com habitação para quatro professores, sob a condição de que o Govêrno concorreria com igual quantia e o Município da Lisboa daria o terreno e os fundos que faltassem para a construção.
No relatório do Dr. Luiz Jardim, sôbre instrução primária no Município de Lisboa, apresentado em 1877, diz-se:

O Município de Lisboa, incitado por uma pequena doação, fundou a Escola Municipal da Rua da Inveja (actual Rua do Conselheiro Arantes Pedroso), e, desde 1871 até 1877, foi aumentando em seu orçamento a verba destinada à instrução primária. E, todavia, para sentir que os bons desejos dêste Município não fossem secundados pelo Govêrno, que suprimiu nos orçamentos de 1875-1876 e de 1876-1877 a verba destinada a organizar na Câmara a repartição competente e, bem assim, a ti br ir a Escola Municipal n.º 2.

Em sessão de 2 de Janeiro de 1883 o vereador do respectivo pelouro, o Dr. Teófilo Ferreira, leu o relatório do serviço da instrução, onde, acêrca dos citados doadores, se diz: «E a causa determinante deste facto importantíssimo nas suas consequências, que foi a acção nobilíssima praticada por êsses dois beneméritos, que, talvez, sem esperarem tanto deram impulso a uma das obras que melhor poderia perpetuar seus nomes, já hoje proferidos com respeito e acatamento - António José Fernandes Guimarãis e Justino José Fernandes -, descerraram novos horizontes à instrução popular no Município de Lisboa; por isso entendemos que tais cidadão serão louvados e engrandecidos na posteridade, quando a pena inflexível da história relatar a acção patriótica com que se ennobreceram. O oferecimento de uma pequena verba destinada à edificação de uma escola, em que se guardem todos os preceitos recomendados pêlos

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mais abalisados pedagogistas e higienistas: eis a origem da escola n.º l».
Àqueles beneméritos, meus tios-avós maternos, se deve também a construção da escola de instrução primária de S. Martinho de Gondomar, do concelho de Guimarãis, sua terra natal.

Ao discutir as bases dos projectos de lei apresentados pelo antigo e ilustre Deputado Sr. engenheiro agrónomo Cândido Duarte sôbre ensino primário rural e ensino agrícola elementar nos estabelecimentos de assistência, a Assemblea Nacional apreciou nos debates, em que tomei parte, a conveniência da ruralização do ensino primário nas zonas acentuadamente agrícolas, acabando por aprovar, quanto ao primeiro daqueles projectos: «O ensino primário nas escolas rurais compreenderá noções gerais de agricultura, tanto quanto possível adaptadas à actividade agrícola das regiões em que essas escolas funcionam.
As noções gerais de agricultura a ministrar nas escolas rurais obedecerão especialmente ao duplo objectivo de criar no espírito da criança o amor à terra e aos trabalhos do campo e de lhe facultar os conhecimentos rudimentares tendentes à compreensão dos fenómenos e operações que interessam à vida agrícola».
Quanto ao segundo projecto, foi votado que: «Nas reformas de instrução ou assistência a realizar o Governo instituirá o ensino agrícola elementar nos estabelecimentos oficiais de assistência. E o Gôverno autorizado a subsidiar as corporações ou as instituições particulares que realizem ou possam realizar eficientemente êsse mesmo ensino».
Neste segundo projecto, cuja primeira redacção era muito diversa das bases aprovadas, aludia o seu ilustra autor especialmente à Colónia Agrícola Ferreira Lapa, administrada pela Junta Geral do distrito do Pôrto, a que eu tive a honra de presidir, à Escola Agrícola de Semide, em Coimbra, e ao Colégio dos Órfãos de S. Caetano, de Braga, do qual fôra provedor, no comêço dêste século, meu falecido pai, Conselheiro Serafim Antunes Rodrigues Guimarãis, a cuja iniciativa se deve a criação, naquele importante instituto, de uma escola agrícola para a qual o Estado nomeou como professor um técnico de agronomia:
Cito neste relatório os nomes de quatro antepassados meus porque muito contribuíram paru o desenvolvimento da instrução popular e eficiente assistência às crianças pobres, tendo eu aprendido nas suas lições as normas que me têm orientado na vida privada e na actuação política.
A criação da Rêde escolar dos Centenários, com instalações para cantinas, a organização da Obra das Mãis pela Educação Nacional, a atribuição às Casas do Povo de competência para concorrerem para a instrução dos filhos dos sócios, a fim de aperfeiçoar-lhes a profissão e elevar-lhes o nivel social, a agremiação dos lavradores em Casas da Lavoura para garantia de realização de todas as vantagens cooperativos no campo principal da actividade portuguesa, e estímulo de seu comprovado espírito de solidariedade, constituem penhor de que, finalmente, dispõe o Estado Novo de elementos para, após muitos anos de esforços estéreis, se resolver o momentoso problema da assistência escolar.
Porque nasci e me criei entre lavradores, pude escrever no relatório do decreto n.º 19:502, de 20 de Março de 1931, que lançou os bases da política de comparticipação do Estado, autarquias e habitantes das aldeias para a realização dos melhoramentos rurais, as palavras seguintes:

Sendo notório o concurso gratuitamente dispensado, em trabalhos materiais, pelo povo rural às obras de manifesto interêsse para às suas freguesias, como se tem verificado na construção das escolas primárias, e de estradas, o Govêrno julga oportuno estimular e auxiliar aqueles sentimentos, distribuindo subsídios.

Uma década de mais acendrado civismo dos povos das aldeias em prol dos melhoramentos rurais, que ocupam lugar primacial na obra de ressurgimento nacional, demonstra que O Govêrno não se enganara ao contar com o generoso concurso do povo para um plano de tam grandiosa envergadura.
Hoje com mais razão eu confio no espírito de solidariedade dos habitantes das aldeias para que as instalações das cantinas, com que o Estado Novo vai dotar suas escolas, se encham de crianças agasalhadas pèzitos calçados, caritas satisfeitas.
Para campo de acção dos factores valiosos a que tenho aludido, afigura-se-me possuir todos os requisitos precisos o Casal da Lavoura, instituição tradicional a que grande parte do País, e notoriamente o Minho, deve a fixação de famílias, que ali encontram equilíbrio económico, defesa contra a proletarização e estímulo para a prática da mais generosa e útil solidariedade. Asada oportunidade para a constituição de grande parte dêsses casais, onde as crianças trabalhem ao lado dos habitantes da freguesia, orientados por mestres competentes, aprendendo noções muito gerais de agricultura, desenvolvendo o amor à terra, e dela tirando o bastante para abastecer a sua cantina, nos oferece a inteligente política de colonização visada pelo Govêrno com o aproveitamento de baldios, enxugo de pântanos e irrigação de sequeiros, da qual resultará a transformação de grandes áreas estéreis em numerosos casais, sendo de toda a justiça e conveniência que os melhores se destinem a auxiliar o ensino primário, sob o título de Casal da Escola.
Com o andar dos tempos, a perseverança de todos os que nêle hão-de trabalhar sob a inteligente orientação do Governo, esses casais virão a valorizar-se com pomares, instalações zootécnicas e, quem sabe, pequenas oficinas complementares da lavoura.
Conjugando todas estas realidades, autênticos títulos de honra para as virtudes da raça e acertada política do Estado Novo, tenho a honra de submeter à Assemblea Nacional o projecto de lei do Casal da Escola, conforme as bases que seguem, a fim de que sejam apreciadas na Legislatura correspondente ao memorável ciclo dos centenários e possam enfileirar, como complemento indispensável, ao lado da «Rede escolar dos Centenários», que fica a ilustrar o actual Governo.

BASE I
É criada a instituição do Casal da Escola para que a instrução primária, ruralizando-se, contribua para o ataque à rotina, estimule o amor à terra, evitando que os alunos venham a sair do seu meio natural, e, ajudados pelos habitantes da freguesia, de colaboração com a Obra das Mãis pela Educação Nacional, e ainda auxiliados pelo Estado, pelas autarquias e organismos corporativos; garantam o abastecimento da cantina escolar.

BASE II
Compete a sua constituição e gerência à Obra das Mãis pela Educação Nacional, para o que terá o concurso do professor, do pároco Casas do Povo e da

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Lavoura, junta de freguesia, e de pessoas competentes, nos termos que vierem a ser regulamentados.

BASE III
O casal da Escola pode constituir-se com prédios obtidos por compra, arrendamento, dádiva ou herança, sendo o Estado autorizado a distribuir a esta instituição terras ou casais resultantes dó aproveitamento de baldios, obras hidroagrícolas e outros empreendimentos da política de colonização, bem como prédios do Património do Estado ou na posse da Fazenda Nacional.

BASE IV
Poderão o Estado e as autarquias isentar de impostos, taxas, licenças e de quaisquer outros encargos a transmissão, posse, exploração e tudo o que diga respeito ao Casal da Escola.

BASE V
O Govêrno determinará as condições em que o Estado, as autarquias e organismos corporativos deverão assegurar, com assistência técnica, atribuição de verbas, fornecimento de árvores, sementes, exemplares zootécnicos e outros factores inerentes às suas funções e compatíveis com os respectivos recursos, a prosperidade do Casal da Escola.

BASE VI
As dèrramas que, nos termos do Código Administrativo, as juntas de freguesia são autorizadas a cobrar poderão destinar-se também ao Casal da Escola, nas condições que o Govêrno determinar.

BASE VII
Na construção de edifícios escolares, bem como de anexos para instalação de cantinas, o Estado poderá dar preferência às regiões onde esteja assegurado o funcionamento eficiente do Casal da Escola.

BASE VIII
Para a constituição do Casal da Escola podem reunir-se várias freguesias que, pela sua proximidade e outras circunstâncias que o Govêrno apreciará, demonstrem ser vantajosa essa solução.

BASE IX
O Casal da Escola, embora adaptando-se às condições agrícolas da região, deve realizar, tanto quanto possível, a fórmula de policultura do casal completo - searas, prado, horta, pomar, bravio-, anexando-se-lhe instalações zootécnicas que os recursos locais permitam e possam contribuir para a manutenção da cantina escolar.

BASE X
Anexas ao Casal da Escola poderão instalar-se pequenas indústrias complementares da lavoura, susceptíveis de contribuir para a educação dos alunos e manutenção da cantina escolar.

Assemblea Nacional, 10 de Fevereiro de 1942. - O Deputado João Antunes Guimarãis.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei que autoriza o Govêrno a criar um imposto sôbre os lucros extraordinários da guerra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Cortês.

O Sr. Ulisses Cortês:- Sr. Presidente: em todas as propostas governamentais de leis de meios apresentadas após o deflagrar do actual conflito internacional se previa, como medida de emergência e em contrapartida das deminuições de certas receitas públicas, a tributação dos lucros extraordinários derivados do estado de guerra.
Em execução dêsse pensamento, e não obstante ao Govêrno ser lícito, por direito próprio e no uso dos poderes que esta Assemblea lhe conferiu, legislar directamente sobre a matéria, preferiu submetê-la à nossa apreciação, certamente com o intuito de sôbre ela provocar amplo debate e de aproveitar assim a contribuição que o processo parlamentar pudesse fornecer ao esclarecimento de tam magno problema.
A questão, porém, é delicada e comporta atitudes de espírito tam distanciadas entre si que tudo tem sido discutido - já não apenas a forma e pormenores da tributação, mas a própria existência dos lucros de guerra, pondo-se assim em causa, inclusivamente, a base económica da medida.
Se quisermos, pois, proceder com lógica e dar certa ordem às considerações que vamos produzir, temos de começar por resolver duas questões prévias -a da existência dos lucros e a da legitimidade da tributação- e só depois poderemos entrar no exame do problema em si, isto é, no estudo da fórmula que convirá adoptar-se para que os resultados sejam eficientes e se dê satisfação às exigências da justiça tributária.
Antes de recorrer a estatísticas e ao vasto arsenal de elementos de estudo habitualmente utilizados pelos economistas, cremos poder afirmar-se, apenas com fundamento no conhecimento dos factos que na vida se nos deparam e se desenrolam à nossa volta, que existem sectores de actividade onde se revela actualmente uma euforia, que em grande parte, senão na sua totalidade, só pode filiar-se no facto da guerra e nas circunstâncias anormais dela resultantes.
Mas esta verdade tam límpida e tam simples, que pareceria dever impor-se aos espíritos com a fôrça persuasiva dos axiomas, tem sido objecto de contestação e obriga, por isso, as consciências reflectidas a uma análise detida dos elementos de facto que hoje caracterizam a vida económica portuguesa e a perscrutar, através dos meios de conhecimento ao nosso alcance, a sua essência verdadeira e o seu exacto significado.
Não obstante as discrepâncias que o parecer da Câmara Corporativa revela quanto a interpretação dos factos económicos que serviram de base às suas conclusões, e sem embargo de nem sempre aceitarmos as respectivas proposições, quere-nos parecer que êle fornece, pela abundância da sua documentação, valiosos elementos demonstrativos da existência de lucros excepcionais na actual conjuntura da vida económica nacional.
Tem-se afirmado - é certo - que a proposta carece de base objectiva, pois que, na verdade, não existem lucros extraordinários, mas apenas maior volume aparente das transacções, resultante exclusivamente da depreciação da moeda, e que não deve ser objecto de tributação especial, sob pena de ficar comprometida a reconstituição dos stocks ou de se provocar uma considerável redução dos negócios e actividades.
Mas será assim?
Parecerá estranho aludir-se a desvalorização da moeda num país de finanças sãs, em que a paridade com as moedas estrangeiras se mantém sem alteração e em que o aumento da circulação, em vez de provir de necessidade do Estado, resulta de exigências do meio e das actividades económicas e foi acompanhada do fortalecimento da situação do banco emissor, cujas reservas, quer de encaixe-ouro, quer de disponibilidades no estrangeiro e outras, aumentaram consideràvelmente,

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como aumentou também a proporção entre as responsabilidades à vista e a sua cobertura.
Mas o facto é que o meio circulante se elevou de 2.279:000 contos em 1938 para 3.911:000 contos em Novembro de 1941, correspondendo a um aumento de 71 por cento; e, embora êsse facto, pelas circunstâncias que o determinaram e pelas garantias de que foi acompanhado, em nada afecte a solidez da nossa moeda e tenha até em parte sido provocado pela confiança no escudo e na sua estabilidade, certo é que, por si só, êle pode constituir e constitua em certas circunstâncias, à luz dos ensinamentos da ciência económica, um factor de desvalorização, e, portanto, de alta dos preços.
É que todas as flutuações da quantidade da moeda emitida, tendo como consequência aumentar as disponibilidades monetárias dos particulares e criar nalguns sectores um excessivo aumento do poder de compra, geram alterações do nivel geral dos preços, em detrimento da maioria da população, que vê reduzida assim a sua capacidade aquisitiva, como demonstra uma experiência histórica secular e pode considerar-se hoje verdade adquirida no campo da economia.
Para obviar ao inconveniente apontado torna-se necessário actuar directamente sobre as disponibilidades do mercado, absorvendo-as por meio de empréstimos, como o que o Govêrno resolveu contrair recentemente, ou exercer uma acção sôbre a produção e o consumo em ordem a provocar, inclusivamente pela compressão coactiva dêste último e pela redução do poder de compra, um equilíbrio, que chamaremos dirigido do conjunto do movimento económico.
Mas, Sr. Presidente, se a quantidade da moeda é susceptível de influir nos preços em medida que em matéria tam complexa não pode determinar-se com exactidão, tem de reconhecer-se também que essa influência é atenuada quando se trata não de aumentos arbitrários do instrumento de trocas, mas de uma elevação determinada pelo volume dos negócios e destinada a adaptar o meio monetário às exigências das transacções.
Um aumento da circulação monetária - ensina o professor Lescure - não tem os inconvenientes clássicos da inflação desde que êste aumento tenha por contrapartida um acréscimo da produção e das trocas. Idênticos pontos de vista são defendidos por Baudin e, entre nós, pelo Prof. Marcelo Caetano na sua excelente monografia A depreciação da moeda depois da guerra.
Ora, desde que o aumento do meio circulante proveio exclusivamente de necessidades económicas, isto é, desde que hoje a quantidade da moeda se mede pela economia do País e não pelas finanças do Estado, como sucedeu na outra guerra, é manifesto que estamos em face menos de um fenómeno de inflação do que de elasticidade monetária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Portanto a alta dos preços, que todos conhecemos por dolorosa experiência pessoal, e que constitue hoje um fenómeno mundial, mesmo para os preços expressos em ouro, se pode em parte resultar do factor quantidade monetária, provém essencialmente do uma forte redução da produção de bens de consumo e da acção conjugada de outros e múltiplos factores - políticos, económicos e até psicológicos e morais - cuja especificação não interessa à nossa ordem de considerações.
Evidentemente, a deminuição do poder aquisitivo da moeda, traduzindo-se em elevações de preços, que atingem actualmente uma média elevada em relação a 1938, revela-se também num aumento puramente nominal dos lucros, que podem ser substancialmente os mesmos, mas revestirem uma mais alta expressão monetária, e esse facto não pode efectivamente deixar de ser considerado se se quiser prevenir iniquidades fiscais.
Nessa parte assistiria razão aos reclamantes se a proposta não se tivesse antecipado à objecção, com a margem de 15 por cento, isenta de incidência do imposto estabelecida na base I.
Resta sòmente averiguar se essa percentagem é suficiente para acautelar o coeficiente médio da depreciação, ou se carece de ser elevada para se ajustar mais rigorosamente à verdade.

Mas - acrescenta-se ainda - os lucros que se verificam constituem mera ilusão, pois são inteiramente absorvidos pela renovação dos stocks, que exigem, em virtude do encarecimento dos produtos, maiores dispêndios de capital.
Cremos que ninguém contesta que o argumento tem alguma consistência, se bem que na apreciação deste aspecto do problema não possa deixar de entrar-se em linha de conta com a circunstância de a especial natureza das causas da alta determinar uma evolução de preços relativamente lenta e sem nenhuma paridade com os movimentos vertiginosos da última guerra.
De resto ainda recentemente um ilustre economista, que é também professor e político eminente, aludindo em artigo publicado num dos nossos jornais de maior circulação aos abusos resultantes da frequenta reavaliação dos stocks, escreveu as seguintes palavras, a que não pode negar-se uma profunda verdade:

... esta reavaliação e até certo ponto justa, mas pode dar origem às piores extorsões quando feita sem estudo, sem justiça e no desejo de qualquer nas épocas de crise procurar fugir inteiramente a esta, quando sabe que a todos ela deve atingir.

Em tudo o caso é de reconhecer que uma tributação sem discernimento dos lucros aparentes, quando o preço obtido pela venda de um produto é igual ou inferior ao valor necessário para o substituir, pode conduzir a uma verdadeira consumpção patrimonial e traduzir-se, portanto, numa injustiça.
Para a evitar, a solução mais indicada é a do estabelecimento de taxas progressivas, benévolas nos primeiros escalões, onde é de admitir uma margem de aparência, mas de quantitativo forte a partir da percentagem que, pela sua elevação, indubitàvelmente denuncia a existência de sobre proveitos excepcionais.
É êste o processo adoptado na proposta, á qual procura conciliar assim as necessidades do fisco e a equidade tributária com os justos interesses da economia nacional.
Apoiados.
Passemos agora a outra parte da nossa análise:
A guerra - escreveu um francês especialmente qualificado neste género de estudos - fere de atonia muitos ramos do comércio e da indústria, ao mesmo tempo que estimula e desenvolve outros, criando assim uma classe de beneficiário, excepcionalmente favorecidos pela perturbação que esta espécie de conflitos produz necessariamente «na estrutura dos mercados».
Essas perturbações atingem todos os ciclos do processo económico, pois se repercutem na produção, na circulação e no consumo, e, se nalguns sectores produzem prejuízos e depressões, resultantes da falta ou encarecimento das matérias primas, da contracção ou desaparecimento dos mercados e, de uma maneira geral, dos embaraços que a situação internacional criou à economia portuguesa, noutros originam, em compensação, condições excepcionalmente lucrativas ao exercício de certas actividades, sem que a disciplina corporativa e

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a acção repressiva do Estado possam inteiramente eliminá-las.
Os proveitos de emergência, assim realizados, podem resultar ou de preços excessivos em relação aos custos - e são êsses propriamente os lucros de guerra - ou de lucros acrescidos em consequência de um ritmo mais intenso da actividade produtora.
Em boa justiça, só os primeiros deveriam ser tributados, mas as dificuldades de discriminação entre ambos e a necessidade fiscal de assegurar ao imposto uma ampla incidência levaram, na generalidade dos países, a considerar-se como lucros extraordinários, para fins tributários, todos os ganhos realizados em período de guerra superiores aos lucros normais realizados em tempo de paz ou que excedam uma certa percentagem considerada como justa retribuição do capital investido.
Se quisermos demonstrar as afirmações produzidas e dar alguns exemplos esclarecedores, bastar-nos-á colhêr, quási ao acaso, dois factos, documentadamente referidos no parecer da Câmara Corporativa.
Analisemos os números, referentes à produção mineira. Em 1938 o número total de toneladas vendidas no País e exportadas foi de 932:428; em 1940 êsse número baixou para 652:521; no entanto o valor correspondente foi, nos referidos anos, respectivamente, de 107:245 e de 189:136 contos. Quere dizer, a uma deminuïção de 31 por cento no pêso correspondeu um aumento de 76 por cento no valor.
A conclusão tornar-se-á mais expressiva se examinarmos os números relativos a 1941, dos quais resulta que só num dos produtos compreendidos naquela designação o número-índice relativo ao pêso subiu apenas de 100 em 1938 para 219 em 1941, ao passo que o número-índice relativo ao valor ascendeu nos mesmos anos de 100 para 777, ou seja 677 por cento.
Fenómeno idêntico, embora menos marcado e em muitos casos de diferente significação, se nota, de uma maneira geral, no comércio de exportação, em que se observa também, por motivos de todos conhecidos, uma deminuïção considerável da quantidade de mercadorias exportadas, aliada a um forte aumento de valor, o que, diga-se de passagem, precedeu a alta dos preços no mercado interno e constituíu até um dos factores que a determinaram.
Por outro lado, como os próprios interessados reconhecem nas suas representações dirigidas a esta Assemblea, actividades existem onde se operou um aumento do coeficiente de lucros, em consequência de uma maior produção, resultante da falta de produtos estrangeiros e da redução de encargos, proveniente do desaparecimento da respectiva concorrência.
O acréscimo da actividade económica do Pais que êste facto reflecte exprime-se, senão com rigor, pelo menos com nitidez, no volume da compensação efectuada nas Câmaras de Lisboa e Pôrto, cujo total anual passou de 8:787 milhares de contos em 1938 para cêrca de 20:000 em 1941.
Não nos alongaremos em mais exemplificações, porque a matéria é vasta e o tempo urge, impondo-se-nos um esfôrço de síntese que permita considerar os vários aspectos do problema no plano de generalidade em que queremos confinar-nos e a que de resto nos constrangem os preceitos do Regimento.

A existência dos lucros de guerra tem sido em quási toda a parte objecto de especial tributação e - caso singular - na outra guerra foram os países neutros - a Dinamarca, a Suécia e a Noruega - os primeiros a adoptá-la.
Além dêstes estabeleceram-na também a Bélgica, a França, a Inglaterra, os Estados Unidos, a Holanda, a Rússia, a Alemanha, a Áustria-Hungria, etc.
No decurso da presente guerra tributaram já os lucros de guerra a França, a Inglaterra, a Finlândia, a Espanha, a Suíça, a Bélgica, o México, o Canadá, a Austrália e a África do Sul, além de outras nações compreendidas na comunidade britânica.
Não o fez - é certo - a Alemanha; mas isso por virtude das concepções monetárias nacionais socialistas, em que a moeda tende a ser considerada sòmente como instrumento de trocas e a perder, portanto, a sua função de medida comum de valores, e porque nesse país se obteve, através de um regime complexo, lùcidamente exposto por Lescure no seu livro Regimes de liberté et régimes autoritaires, uma estabilização geral de preços, que tem reagido com êxito a todos os factores de desequilíbrio.
Fê-lo, porém, recentemente a Itália, onde, a despeito do uso dos métodos alemãis, os preços têm variado em proporções semelhantes às que se verificam nos países de tendência liberal, mostrando assim que «ás leis económicas podem em certas circunstâncias mais do que os esforços dos governantes».

A legitimidade desta tributação parece-nos evidente. Justificam-na razões de natureza política e económica, sendo certo ainda que ela tem um fundamento ético, pois corresponde a exigências imperativas de moralidade e de justiça.
Num país onde até há pouco tempo se exigiu o imposto do salvação pública aos funcionários do Estado, que são, com os detentores de rendimentos fixos, as grandes vítimas dêstes períodos perturbados, e onde grandes massas de população sofrem agruras e privações, seria afrontoso da miséria de tantos permitir que alguns privilegiados pudessem amontoar ganhos exorbitantes, devidos mais à acção das circunstâncias do que aos seus méritos e empreendimentos.
Equivaleria isso a reconhecer-lhes o direito de negar à comunidade uma comparticipação que lhe é devida nesta partilha geral de sacrifícios e sofrimentos que é imperativo da hora que passa, (Muitos apoiados).
Mas esta tributação tem ainda a justificá-la uma razão de ordem económica, que não deixaremos de aduzir, embora em rápida síntese.
Tivemos já ocasião de acentuar que na base da alta universal dos preços está a redução da produção e que a forma de atenuar os seus efeitos reside na intensificação da actividade produtora e na deminuïção do consumo, quer por medidas directas, como os racionamentos, quer por medidas indirectas, como a redução do poder de compra.
Esta redução tem de operar-se, como já acentuámos, por meio de empréstimos, e também por meio de impostos, os quais, como é óbvio, devem incidir, principalmente, sôbre as camadas favorecidas com réditos anormais, até para evitar que elas possam exercer sem descrição o seu poder de compra, determinando consumos excessivos ou satisfações de necessidades novas, profundamente perturbadoras do equilíbrio económico na actual emergência.
Oferece - bem sabemos - a determinação dos lucros de guerra dificuldades graves.
Poucas legislações como esta inspiraram tantas e tam severas críticas, até certo ponto inteiramente fundamentadas, sem que, em todo o caso, elas provocassem a eliminação de uma espécie tributária que quási todos, senão todos os Governos, apressadamente ressuscitaram logo que se restabeleceram as condições que em 1914 a haviam determinado.
A proposta do Govêrno corresponde à tendência legislativa geral e procura obviar às dificuldades que apontamos, ao mesmo tempo que revela um sentido de prudência e de justiça, que nunca será demais encarecer.

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À base da tributação é idêntica às da França e Itália, com a simples diferença de que, emquanto nestes países se tributa o excesso sôbre a média dos lucros normais em certo período de tempo, na proposta se considera como lucro normal o correspondente à contribuição industrial, acrescido de 15 por cento, o que, pelos motivos expostos no relatório da proposta, dá, pela estabilidade da incidência, garantias de uma justiça, pelo menos, aproximada.
Prevê-se também na proposta que o lucro de emergência seja devido não a valorizações extraordinárias dos produtos, mas a uma mais intensa actividade dos negócios, hipótese em que a tributação se faz pelas taxas
normais da contribuição industrial, salvo quanto às valorizações excessivas, e sómente quanto a elas, às quais são aplicáveis as taxas progressivas do n.º 2.º da base III.
Nesta parte a proposta estabelece, pois, um regime mitigado relativamente ao das legislações estrangeiras, demonstrativo de que a ela presidiu um louvável espírito de moderação, traduzido até na modéstia da previsão orçamental relativa à receita desta proveniência, que é de 15:000 contos sòmente.
Mas há ainda na proposta um aspecto que, pela sua transcendência no ponto de vista económico, não pode passar sem relêvo.
Refiro-me à parte em que procura estimular-se, através de reduções tributárias, novos investimentos de capitais em empresas e actividades de reconhecido interêsse para a economia nacional.
As dificuldades de produção e de circulação da outra guerra perturbaram gravemente o regime normal das trocas internacionais e promoveram em muitos países, principalmente de além-mar, pela dificuldade ou impossibilidade da aquisição de certos produtos, um esfôrço de equipamento no sentido de lhes assegurar, no domínio industrial, uma auto-suficiência que os pusesse a coberto da sua dependência do estrangeiro e dos riscos e contingências a ela inerentes no caso de guerra.
A evolução iniciou-se pela montagem de indústrias destinadas ao aproveitamento das matérias primas locais para uso industrial, passou em seguida à transformação destas matérias primas e ampliou-se por fim a todos os ramos da indústria, tendo-se em vista já não apenas o consumo do mercado interno, mas as próprias necessidades do mercado internacional.
Esta evolução, que Sigfried analisou com aguda penetração no seu livro A Crise da Europa, está na base da prosperidade de grande número de países e pode ser-
nos de suma utilidade se soubermos aproveitar os seus ensinamentos.
Julgo haver muito que fazer entre nós no capítulo do desenvolvimento industrial, e só pode merecer-nos louvores a atitude do Govêrno, procurando utilizar esta emergência para remediar deficiências e fomentar iniciativas de decisivo alcance para o futuro económico do País.
Apoiados.

É manifesto, Sr. Presidente, que, ao aplaudir a proposta, pretendemos sòmente manifestar concordância com a sua oportunidade, com os seus objectivos, de justiça fiscal e com os princípios fundamentais que a inspiram, sem de maneira alguma ser nosso propósito significar que ela não careça, no pormenor, de correcções e aperfeiçoamentos tendentes a melhorá-la.
Leis da complexidade da que ora se discute reclamam estudo profundo e meditada atenção, mas estou certo de que os esforços convergentes do Govêrno, da Câmara Corporativa e desta Assemblea, esclarecidos pelas exposições dos interessados e pelos ensinamentos que fornece a experiência dos outros países, contribuirão para que a lei venha a realizar, não a justiça ideal, que é irrealizável, mas a justiça possível, que constitue objectivo fácil quando se está de boa fé e se tem boa vontade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abel Varzim: - Sr. Presidente: poucas palavras direi, embora a minha intervenção no debate a respeito do imposto sôbre lucros de guerra não seja de todo descabida, pois me parece oportuno fixar alguns princípios de carácter moral e social por demais esquecidos de todos nós.
Discutiu-se durante largos anos se o pagamento dos impostos obrigava ou não em consciência, e não faltaram teólogos a defender n opinião negativa, partindo do princípio de que as leis fiscais tinham carácter penal. Depois que o famoso cardeal Mercier reuniu em Malines os mais esclarecidos teólogos e sociólogos do seu país para estudar e resolver o assunto, ficou ponto assente que o pagamento do imposto era obrigatório em consciência.
E com razão. De facto, o cidadão faz parte de uma sociedade necessária à sua própria vida e progresso. Dela retira imensos benefícios. O imposto representa a parte exigida a cada um para que não faltem a esta sociedade organizada os meios indispensáveis de vida e de continuidade. Pagar o imposto é, portanto, um dever.
É evidente que este dever tem um duplo carácter do obrigatoriedade: o de justiça social e o de justiça particular ou comutativa. Fugir ao pagamento do imposto é colocar o bem individual acima do bem comum e submeter o bem de todos aos interêsses do nosso bem particular. É um atentado contra a justiça social. Mas como o Estado, para cumprir a sua missão, necessita da mesma soma de meios, pela nossa fraude obrigamos os que não defraudam a contribuir com soma maior, lesando assim os seus direitos individuais.
Dever de justiça social, o pagamento do imposto é também dever de justiça comutativa, cuja violação obriga, em consciência, à restituïção.
Não oferece igualmente dúvidas que é justo contribuírem mais para o bem colectivo os que da vida em comunidade auferem maiores benefícios, ou os que dos bens comuns, isto é, das riquezas da Pátria - que é de todos nós -, usufruem parte maior. O imposto sôbre lucros de guerra é, consequentemente, um imposto justíssimo.
Deixará, no entanto, de haver justiça no imposto quando o Estado force os indivíduos ao seu pagamento arbitrariamente ou para além das possibilidades económicas de cada um. Não tenho receio em afirmar a pouca justiça dos impostos que, não tendo em atenção os encargos familiares dos contribuintes, os colocam em situação de inferioridade económica perante os que se recusam a dar à Nação a maior de todas os riquezas, que é a vida humana.
Mas será êste porventura o caso da proposta de lei em discussão? Quere dizer, o imposto sobre lucros de guerra aparece-nos, na proposta do Govêrno, com carácter arbitrário ou exagerado?
Em exposições várias parece que tal se afirma, pois receia-se a arbitrariedade quando se diz que a proposta governamental vai colectar como lucros de guerra lucros que o não são; e teme-se o exagêro do fisco quando se nos apresenta esta lei - tal qual está redigida pelo Govêrno - como inevitável causa de ruína para muitos comerciantes e industriais.
Não me parece, Sr. Presidente, pela leitora atenta que fiz da proposta de lei, que sejam, por culpa da lei, fundamentados tais receios.

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São colectados os lucros extraordinários de guerra e não outros.
E entendeu-se por lucros extraordinários os que excedam em mais de 15 por cento os correspondentes à contribuição industrial.
É natural que parte do comércio ou da indústria esteja a pagar uma contribuição industrial inferior à devida. E, neste caso, ver se-iam muitos forçados a pagar um imposto pela taxa dos lucros de guerra, quando o deveriam ter pago pela taxa ordinária da contribuição industrial. Mas então seria necessário rever-se o assunto, pois o Estado não pode ter interesse em aplicar taxas elevadas sôbre rendimentos que as não suportariam.
Talvez que a proposta de lei sõbre os lucros de guerra venha ainda a contribuir para êste são objectivo, com o qual todos terão a beneficiar.
Causou-me, porém, maior impressão o argumento de que há lucros que, bem examinados, tais se não podem considerar, pois representam apenas lucros em moeda cujo poder de compra, na renovação dos stocks, em muito deminuíu.
Parece justo considerar êste caso, que será certamente discutido quando se debater a proposta na especialidade. Deixo-o, porém, aos técnicos, pois não me sinto com suficiente competência para o tratar.
Outras considerações tenho ainda a fazer, mas reservar-me-ei para a discussão na especialidade.
Por agora dou o meu inteiro apoio nu generalidade à proposta governamental, convencido de que o imposto sobre lucros de guerra, além de ser um imposto justo, é um poderoso meio de corrigir a anomalia social que vem a ser poderem enriquecer alguns, sem nada para tal terem feito além de aproveitar de um estado de cousas que é fruto de muita e inenarrável tragédia que vai por êsse mundo fora e que também, em pequena parte embora, já entrou cá dentro das nossas fronteiras.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: não é dado ao homem de Estado ignorar as realidades para assentar a sua acção no mundo efémero das ilusões.
No campo restrito cem que nos cinge o debate, esta verdade impõe-se em toda a sua extensão.
Os lucros extraordinários de guerra devem ser tributados por quatro ordens de motivos - morais, económicos, fiscais e políticos.
Tem sido orientação constante do Estado Português conservar a Nação tanto quanto possível imune dos malefícios da guerra. Mal havíamos transposto o limiar desta trágica época, quando o Chefe do Govêrno, ao enunciar os princípios que haviam de guiar o Estado, verberou, com a calma das suas fortes convicções, o espirito de lucro que amealha tesouros sôbre tumbas, escarnecendo dos sofrimentos que gera.
Condenado no campo moral pelo Estado e, acima dêle, pelas consciências, como se compreende que, mesmo assim, o lucro de guerra seja reconhecido pela lei? A lei permite-o deminuído, reduzido a proporção justa, por razões de ordem puramente económica, porque êle é o prémio pago à iniciativa privada com o fito de estimular a produção num período de desequilíbrio acentuado entre a produção e o consumo, quando a produção escasseia e os consumos se desbordam.
Mas se a ética o repele e a economia o tolera, a finança pública, intervindo a meio caminho, quási o acarinha. E que êle lhe pode dar farta receita sem agitar as camadas fundas da economia nacional, sem afectar as fontes essenciais da receita pública. É, por excelência, a contribuição directa menos susceptível de ser retransmitida, e atinge um número limitado de contribuintes.
Assim se explica o conflito de ideas e de sentimentos que o lucro de guerra levanta.
Sr. Presidente: o Govêrno apresentou a esta Assemblea uma proposta de lei criando o imposto sôbre os lucros extraordinários de guerra. Não se pode, em verdade, acusar o Govêrno de ter andado precipitadamente. Com efeito, êle foi paciente, não interveio logo, quis assegurar-se primeiro, por forma indiscutível, da existência de lucros de guerra, e só agiu quando estes eram evidentes e estavam atingindo, em certos casos, proporções que excediam a justa medida da sua função económica.
A proposta do lei tem dado aso a acaloradas discussões e profundas divergências, de que o parecer da Cãmara Corporativa é a expressão mais autorizada.
Há no fundo destas divergências uma verdade comum que ressalta, talvez vagamente sentida - o empobrecimento nacional. Com efeito, por mais estranho que isto pareça, esta guerra, com os seus altos preços, com os seus lucros fabulosos, com as suas serras de notas, tem consumido a riqueza nacional.
O nosso capital flutuante, o stock do mercadorias, está desfeito.
Em contrapartida da riqueza perdida, os depósitos nos bancos aumentaram. As mercadorias sumiram-se na voragem dos consumos acrescidos, ou trocaram-se por ouro o por moeda estrangeira, e estes por notas do Banco de Portugal; ouro, cambiais o notas inconvertiveis em novas mercadorias, na sua maior parte.
Não vi nunca um cálculo dos stocks de mercadorias do País. Portugal é tanto um país de comerciantes como de agricultores. Comerciar é vocação nacional. A nossa história responde por esta afirmação. O português emigra para comerciar, não se expatria para lavrar. Por isso eu creio que a parte da riqueza nacional que cabe ao comércio è mais elevada do que geralmente se pensa; penso que em tempos normais os stocks de mercadoria são proporcionalmente maiores aqui do que em muitos países mais ricos do que o nosso. Está no jeito do português possuir mercadorias. Dêste espirito de providência derivou, em grande parto, a solidez da nossa economia. Muito do que se poupou em séculos aqui se acumulou em mercadorias, que, por vezes, afogaram o mercado em crises prolongadas, mas representaram sempre verdadeira riqueza, que nos salvou de apuros em tempos difíceis. Se a acção previdente das economias particulares durante esta guerra não foi mais longe foi porque a iniciativa privada teve, muitas vezes, de ceder o passo a organismos do hierarquia superior, onde nem sempre a previsão foi acertada e a previdência norma.
Por isso, a enorme redução sobrevinda nos stocks nacionais gravemente afectou a riqueza pública, e portanto a solidez da nossa economia.
Ficamos com menos mercadorias e mais notas, as das mercadorias e as dos capitais aqui refugiados. A situação monetária interna agravou-se pois em progressão geométrica.
Contra as notas emitidas ficou-nos ouro e moeda estrangeira. Êsse ouro e essa moeda são dificilmente convertiveis em mercadorias. Estão, praticamente, congelados. Assim se encontra a nossa acrescida circulação monetária sem representação em bens úteis. O ouro só consolida a nota quando tem poder de compra internacional e a livre disposição dos bens comprados. E assim, apesar de estritamente ortodoxa, a nossa política monetária criou um estado de cousas que tem todas as características da inflação.
São numerosos os índices que a confirmam. Os preços de retalho no continente tinham subido em Novembro

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de 1941 cêrca de 24 por cento sôbre os preços médios de 1938-1939, os do custo do consumo doméstico em Lisboa cerca do 31 por cento, emquanto os preços por grosso já em Maio de 1941 haviam subido 50 por cento, e de então para cá muito mais ainda.
Nos valores de capitalização encontramos entre a média de 1938/1939 e o mês de Novembro de 1941 uma alta de 70 por cento quanto às acções cotadas na Bolsa de Lisboa.
(Assumiu a Presidência o Sr. Albino dos Reis).
È esta inflação de nova índole, Sr. Presidente, um dos fenómenos específicos dos tempos, determinado pela generalização da guerra económica. O fenómeno entre nós surgiu em Agosto do 1940, quando o alargamento do bloqueio da Europa atingiu as nossas costas, e, paralelamente a êste bloqueio, os Estudos Unidos da América sujeitaram a sua exportação ao sistema do licenças, quando numerosos países passaram a importar contra divisas ou ouro e a exportar contra mercadorias e a progressiva redução do meios de transporte tornou as comunicações dia a dia mais precárias.
Nestes dezóito meses o fenómeno desenvolveu-se em toda a sua plenitude, verificada no crescente aumento dos depósitos, da circulação, dos preços e na acentuada redução das importações.
O País sente-o e o Govêrno conhece-o, a ajuizar pela orientação económica recentemente empreendida.
Procura-se sustar a avalanche de notas contra divisas ou ouro e recolher quanto se puder das que estão em circulação, através do empréstimo e da tributação daqueles que excepcionalmente beneficiaram da situação inflacionista criada pela desmedida, importação de ouro.
A recolha de notas através do empréstimo não afectará grandemente o volume de notas em circulação, pois se resumirá a uma transferência de depósitos no Banco do Portugal, entre as contas dos bancos e a do Tesouro Público. A recolha do notas através do novo imposto, além de muito morosa, é forçosamente limitada e também se resumirá, em grande parte, a transferencia de depósitos.
Resta a redução do poder de compra particular que esta recolha envolve. Essa é real apenas quanto às notas recolhidas pelo imposto. Infelizmente, porém, essa redução pouco ou nada afectará os preços, porque envolve somas deminutas comparadas com a imensidade dos números que representam a circulação. De resto, o poder de compra extraordinário dos beneficiadores da guerra está, em parte, esterilizado nos bancos sob a forma do depósitos sem aplicação, ou já foi por êles gasto e retransmitido a outros, dissolvido na comunidade.
Apesar da disciplina dos preços, o fenómeno tem mais vitalidade que a repressão: os preços sobem.
Só quisermos exercer sôbre os preços uma acção saneadora, temos de descer aos fundamentos, considerar a sua universalidade, a relatividade do fenómeno, a influência quantitativa da moeda e, acima do tudo, a noção humana do valor.
Considerarei agora, Sr. Presidente, apenas o factor monetário, que parece ser o que mais preocupa o legislador.
Estabeleceu-se o desequilíbrio entre o volume da moeda, o volume de mercadorias, o preço dos bens do capitalização, o preço dos bens fungíveis e o volume dos consumos. Estabeleceu-se o desequilíbrio porque se ignorou que o escudo, mais procurado que oferecido, deveria oportunamente ter sido valorizado à medida da intensidade da procura, o que teria dado como resultado uma menor entrega de notas portuguesas contra o ouro estrangeiro, e portanto, um volume de circulação menor, ao mesmo tempo que teria sido menos acentuada a alta nos preços internos e menor a massa de escudos vadios, sem aplicação. As oscilações de câmbios não devem ser causa de preocupação, antes são convenientes, quando operam como factor de estabilizarão dos preços internos. São um dos factores mais eficazes e menos dolorosos dessa estabilização.
No pé a que as cousas chegaram, ou se contrai fortemente o volume da moeda, estabelecendo a relação conveniente com o volume de mercadorias disponíveis ao nível do preço desejado, ou se deixa subir êste nível ao que lhe corresponda para a relação do volume do mercadorias existentes com o volume da moeda, visto não se poderem efectuar importações em massa para reconstituir os stocks nacionais.
A situação actual, a manter-se, será fonte inexaurível de perturbações de toda a ordem - económicas, suciais e até políticas.
Alguém pensou, porventura, no perigo que representa, entre nós, uma massa de depósitos bancários que em 31 de Outubro já excedia 7.000:000 de contos, excluídos os depósitos inter-bancários, massa que nesta ocasião está em grande parte inactiva, mas que pode, do um momento para outro, multiplicar-se, transformada em massa de crédito muito mais temível ainda?
O que sucederá amanhã, quando, a guerra terminada, a circulação sofrer forte contracção por efeito das exportações maciças de ouro para se proceder à reconstituïção dos stocks nacionais?
Emquanto na primeira fase, na fase da inflação que vivemos, as forças económicas desencadeadas fortemente alteram a relação preexistente dos valores num determinado sentido, na segunda fase, a fase da deflação, esta relação, estabelecida à custa de tantos sacrifícios, sofrerá novas e profundas transformações no sentido oposto.
Em vez de uma crise teremos do suportar duas crises, que, sobrepostas, poderão bem ser mais fortes do que a vontade dos homens e imprimir às cousas uma feição singular
0 que sucederá amanhã se, uma vez a guerra passada, o mundo não estiver preparado a receber ouro em pagamento das suas exportações e exigir, em sua vez, mercadorias, certas mercadorias? Então, a primeira crise, a da inflação, perdurará tanto tempo que a nova relação de valores terá de ser considerada definitiva.

(Reassumiu a Presidência o Sr. José Alberto dos Reis).

Se não o atalharmos a tempo, o processo inflacionista seguirá, impávido, a seu curso. Os rigores da disciplina imposta aos preços e à movimentação das mercadorias libertarão poder do compra, que derivará em desmedida proporção para os valores de capitalização, móveis e imóveis, os quais subirão até se estabelecer, á sua custa, o novo equilíbrio de valores e de preços.
Por contra, se chegarmos à, deflação após um prolongado processo inflacionista, ou os preços das mercadorias e dos valores de capitalização baixam simultaneamente; mais acentuadamente estes do que aqueles, ou os preços das mercadorias se mantêm ou sobem ainda mais, e, neste caso, os preços dos valores de capitalização baixam abruptamente.
O fenómeno monetário é muito complexo e por isso se lhe chama circulação, pois atinge os vasos capilares da economia.
Analisado sob o aspecto da contracção da circulação monetária, o imposto sôbre os lucros de guerra pequena contribuição será.
Isto, que parece certo, não destrói outra certeza, a existência de casos individuais do lucros de guerra provenientes da redistribuição da riqueza nacional operada durante o processo da sua destruição parcial.
O que importa é que a observação deste fenómeno do empobrecimento nacional esteja sempre bem presente na inteligência do homem do Estado, para que se não agravem com o imposto as injustiças económicas da nova re

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11 DE FEVEREIRO DE 1942 191

distribuição daa riqueza e se não vá contribuir para tornar mais pobre ainda uma economia que a guerra já empobreceu e dia a dia agrava.
Eu creio, Sr. Presidente, que é esta a convicção que se generalizou, sem ter encontrado expressão adequada.
Por isso o contribuinte treme perante um aumento de tributação, que aparece a muitos com o carácter de verdadeira espoliação.
Com efeito, a proposta estipula que o novo tributo será lançado sôbre a diferença entre o rendimento ilíquido real e o rendimento ilíquido tributado em contribuição industrial, deduzida de várias quantias previstas na proposta, o que levou muita gente a supor que o rendimento ilíquido real seria apurado nos termos da circular n.º 58, de 21 do Fevereiro de 1935, da Direcção Geral das Contribuições o Impostos.
Ora as cousas não podem passar-se assim. É evidente quo o rendimento ilíquido real deve ser computado por forma que muito o aproxime do rendimento liquido real, pois não é legitimo supor quo o Govêrno queira tributar lucros extraordinários e afinal venha a tributar a diferença entro o preço de compra ou o custo de produção e o preço das vendas, o que são duas cousas muito distintas.
Sr. Presidente: outro temor, e não somenos, é o de um grande agravamento da contribuição industrial do grupo C por motivo da averiguação que vai fazer-se do um rendimento ilíquido real muito superior ao colectado. Assim, pois, os contribuintes viriam a pagar no ano de 1942, além do imposto sôbre os lucros de guerra de 1941, uma contribuição industrial grandemente acrescida. Em muitos casos a actual taxa de 21,4 por cento excederia os próprios lucros líquidos roais das emprêsas, e em numerosos outros poucos ou nenhuns lucros líquidos deixaria. De facto, a taxa do 21,4 por cento sôbre os rendimentos ilíquidos, conforme os define a Direcção Geral das Contribuições o Impostos, corresponderia a uma taxa sôbre os lucros líquidos que oscilaria, na maioria dos casos, entre 40 e 100 por cento e em muitos casos até excederia a totalidade dos lucros líquidos.
É sabido que, apesar da definição da Direcção Geral das Contribuições o Impostos, se tem atribuído às empresas rendimentos ilíquidos que mais se aproximam dos lucros líquidos reais do que dos rendimentos ilíquidos, como êles são oficialmente definidos, num esfôrço para se fugir às injustiças e às violências de uma tributação feita por outra forma. A realidade condenou já a definição contida na circular n.º 58, pois a sua aplicação na prática fiscal verificou-se inexequível.
Não pode, por isso, supor-se que a intenção do Govêrno seja tributar as emprêsas abrangidas pelo grupo C pelos rendimentos ilíquidos reais averiguados de harmonia com a antiga definição da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, mas antes com o apuramento do rendimento ilíquido real feito por forma a aproximá-lo, se não mesmo a fazê-lo coincidir, com o lucro líquido real.
Apoiados.
No apuramento dos lucros extraordinários não devem deixar de pesar as circunstâncias gerais que indicam um estado de inflação e as circunstancias particulares que informam cada caso. Certas emprêsas terão sido forçadas a liquidar os stocks, outras impossibilitadas de os repor, outras ainda terão feito a reposição por preços superiores aos da venda. Em muitos casos as emprêsas terão cessado a sua actividade, noutros terão sido forçadas a limitá-la a proporções antieconómicas, noutros casos ainda os lucros extraordinários terão sido absorvidos pelos credores das empresas e estas, não tendo disponibilidades liquidas, não poderão pagar o imposto, sem entrar em liquidação ou agravar o seu passivo.
Quando as emprêsas não puderem refazer os stocks, o seu capital ficará improdutivo, a desvalorizar-se em moeda, pois a presente ordenação da economia nacional fecha-lhos as portas de outras actividades no comércio o na indústria. Assim, pois, aos maiores lucros de um ano contrapõem-se os prejuízos ou a insuficiência dos lucros dos anos subsequentes.
Apoiados.
Terá o fisco de dar cuidada atenção às circunstâncias especificas de cada caso o não se deixar guiar apenas por diferenças do preços representados em moeda, que não expressam diferenças de valores, no sentido económico do têrmo, mas simplesmente a conversão, mais ou menos forçada, do valores reais em papel-moeda.
O perigo de confundir uma diferença lucrativa entre o preço do compra e o de venda do mercadorias com lucro económico é, pois, evidente. A uma diferença de preço lucrativo pode corresponder uma perda de valor, o empobrecimento e não o enriquecimento da emprêsa.
Apoiado.
Os contabilistas não curam, em geral, de valores económicos mas simplesmente de preços, que são duas cousas distintas. Por isso, apresentam balanços e situações que expressam apenas o resultado do jogo de preços.
No critério do contabilista prevalece a constatação do preço; no do homem de Estado deve prevalecer a noção do valor.
Fugir à verdade económica, perder de vista a consideração do valor, pode levar-nos a uma depredação maior ainda da riqueza nacional, anti-económica e injusta, a uma espoliação da riqueza particular acentuadamente desigual.
Numa operação de troca a riqueza só se acresce, só há lucro, quando o valor cedido é menor que o valor adquirido, independentemente da sua expressão monetária.
Sr. Presidente: ao submeter a proposta à análise económica, curei apenas de averiguar honestamente quais as suas vantagens e os seus inconvenientes, o que há nela a fazer valer e o que há a prevenir.
Ao passá-la à fieira do critério puramente fiscal, procurei esclarecer algumas das passagens mais discutidas, indicando como, em meu entender, elas devem ser interpretadas.
O meu voto à proposta traduzirá o meu pensamento. Por mim apoio incondicionalmente toda a acção política que contribua a corrigir com justiça o desequilíbrio da valores criados pelo aumento inconveniente do volume da moeda e a redução desordenada do volume de mercadorias, de encontro à rigidez actual dos preços não funcionais, do salário o dos rendimentos fixos em geral.
Muito mais haveria a dizer sôbre a proposta, tam vastos e profundos são os seus reflexos, mas, sujeito ao rigor do Regimento, não está na minha mão dominar o tempo que passou.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - O debate continua na sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.

O REDACTOR- Costa Brochado.

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CÂMARA CORPORATIVA
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes

À Comissão de Verificação de Poderes ria Câmara Corporativa foi presente o processo do admissão a esta Câmara do novo representante das Misericórdias, em substituicão do antigo provedor da Misericórdia de Coimbra, cujos poderes haviam sido já verificados por esta Comissão no inicio da presente legislatura.
O processo é constituído por:
a) Um ofício do secretário da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra comunicando que, em virtude do resultado da eleição realizada em 25 de Janeiro último, foi eleito provedor o Ex.mo Sr. Padre Dr. Luiz Lopes do Melo, o qual, nessa qualidade, é o representante das Misericórdias na Câmara Corporativa;
b) Cópia da acta da eleição;
c) Cópia do auto de posse.

Tudo visto, a Comissão de Verificarão de Poderes, em face do disposto no decreto-lei n.º 29:111 e no decreto n.º 20:112, de 12 de Novembro de 1938, o da relação a que se refere o artigo 8.º daquele diploma, delibera por unanimidade reconhecer a validade dos poderes do novo digno Procurador Padre Dr. Luiz Lopes de Melo.

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 9 de Fevereiro de 1942.

Domingos Fezas Vital.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano de Sousa.
Francisco Gonçalves Velhinho Correia.
João Baptista de Almeida Arez.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Ivo Cruz.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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