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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 123 ANO DE 1942 11 DE FEVEREIRO

II LEGISLATURA

CÂMARA CORPORATIVA

Parecer sôbre o projecto de lei n.º 169, para concessão da patente de vice-almirante, a titulo honorário, ao ex-oficial da armada João António de Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira

Consultada, nos termos do artigo 103.º da Coustituïção, acêrca do projecto de lei n.º 169; (concessão da patente de vice-almirante, a título honorário, ao ex-oficial da armada João António Azevedo Coutinho Fragoso de Siqueira), da autoria do ilustre Deputado Dr. Vasco Borges, a Câmara Corporativa, por intermédio das secções de Defesa nacional e de Política e economia coloniais, emite o seguinte parecer:
Em sessão de 21 de Janeiro último foi apresentado à Assemblea Nacional um projecto de lei que honra o Deputado que o assina. A elevação do propósito ajusta-se à alta concepção dos deveres morais do Estado com que naquela casa servem os representantes da Nação.
Propõe-se que um grande português vista de novo a farda que dignificou, durante longos anos, em excepcional carreira de bravo militar e insigne colonial. As secções desta Câmara que agora se reúnem exprimem quanto lhes apraz interferir nesta homenagem a quem tanto a mereceu.
Azevedo Coutinho. já estava consagrado. Uma vida de esforços coragem, de honradez e trabalho, de valor e saber ao serviço da Pátria, mostrou-o ao País em toda a estrutura da sua alma forte, como um dos construtores da história nacional.
Fez-lhe a consagração o povo de Lisboa, quando se lhe atrelou à carruagem no regresso do Chire e do M'lolo. Fê-la El-Rei D. Carlos por múltiplas mercês e com oferta pessoal das insígnias da Ordem da Tôrre e Espada. Fizeram-na O reconhecimento de seus méritos mostram-no os louvores que enchem a sua fôlha militar, as condecorações altas que possue, o prestígio entre amigos que o serviram e até inimigos que bateu, as dedicações que conquistou por seu elevado proceder.
Faltava devolver-lhe a farda que por direito de sangue lhe pertence. Mais que qualquer outra, restava prestar-lhe essa homenagem - a êle e à marinha. Com ela se ennobrecem aqueles que representam a Nação e em seu nome lha prestam - e todo Portugal pelos seus representantes.

João Coutinho foi sempre modelar na força de carácter e no patriotismo. Se outro fim não houvesse na distinção proposta, bastaria a lição a dar à gente nova, mostrando gratidão por um levantado exemplo.
Não nos afastaremos da função de apreciar o projecto de lei, nem iremos entrar na de biografar, ilustrando o parecer com alguns episódios da brilhante carreira que Coutinho traçou.
Serviu como soldado e marinheiro, por dilatados anos, no mar e em várias terras do Império, como só servem os maiores da raça cujos nomes e feitos se têm de memória. Não vá este relato apoucar quanto fez, por defeito de côr ou muito resumir. Mas não há que temer. O pouco que se diga não relega para a sombra quanto é inevitável que fique por dizer.
Também os mais modestos que o viram combater em terras africanas, puderam descrevê-lo, com singela expressão das suas almas simples, na síntese de termos que se ajusta ao que é grande. Por vezes a justiça de um cognome vale a imposição de uma mercê. Coutinho mereceu, dos que o serviram, títulos de aprêço que, a despeito da forma, mereciam, pela intenção, alinhar com as veneras de El-Rei e do Govêrno.
Coutinho transformou as oportunidades em triunfos; e pelo dinamismo, pela fé, pelo valor, moldou as cir

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cunstâncias e criou ocasiões. Podia ter nascido em qualquer tempo ou ter actividade em qualquer campo; marcaria a passagem na sua época.

Foi mais na ocupação de Moçambique que, longa e fortemente, se sentiu sua acção. Para lá seguiu, jóvem guarda-marinha, trocando a ambição de uma estação na China pelo risco e privações de uma campanha de África. Começou a carreira por uma demonstração do seu alto carácter.
Era missão espinhosa servir em tais paragens na profissão das armas, mesmo a quem não tivesse tam exaltado brio.
A uma estreita faixa junto do litoral se limitava o mando da coroa portuguesa. Tomava-se difícil reprimir, na extensíssima costa, o tráfico de escravos que potentados negros e mouros exerciam. Era mais, que precária a nossa soberania sôbre régulos hostis com arraiais assentes junto às autoridades. E pesavam ainda sôbre terras, nossas de longa data, as pretensões de estranhos.
Para obra de tal monta, de pouco se dispunha, além do muito que era a coragem dos homens. Deu-lhe Coutinho a valentia e toda a resistência da sua juventude, a decisão segura e a prudência do seu carácter forte, o bom senso e o saber, e, além do mais, a modéstia e a bondade que tanto o impuseram a amigos e inimigos.
Dêle disse Serpa Pinto em relatório enviado ao Ministro:

... sendo rigorosíssimo no castigo e fazendo-se amar de tal modo dos pretos que qualquer arrisca a sua vida por êle. Eu atrevo-me a chamar a atenção, de V. Ex.ª para êste heróico oficial, que tem apenas vinte e quatro anos de idade.

E sobre a tomada de Chilomo, informou nestes termos:
Serviu debaixo das minhas ordens o tenente da armada real João de Azevedo Coutinho; se todos os oficiais que tive a honra de comandar foram dignos de elogio, nenhum se igualou ao tenente Coutinho em bravura e coragem. À frente da tripulação do vapor Cherim tomou a povoação fortificada de Chilomo, que era defendida por quatro mil macololos, pondo-os em debandada completa. A êle confiei o comando de uma coluna que submeteu o país até às cataratas, missão que desempenhou com a sua habitual coragem e ainda com prudência superior a todo o elogio, porque conseguiu pacificar o país, convertendo os vencidos em amigos.

Só inteíro desinterêsse de, si próprio e inexcedível devoção ao serviço da Pátria podiam permitir levar a cabo quanto Coutinho fez em Moçambique. Nêle concorreram, no mais alto grau, os grandes predicados dos que primeiro entraram no sertão africano e o desbravaram; cujo entusiasmo não era de ceder às privações e a quem o saber das cousas e dos mistérios de África dava fôrça e prestígio para lutar e vencer.
Dêsse saber, se armou em todas as campanhas; não menos que a bravura lhe serviu uma visão equilibrada e clara.
Sôbre o ataque a Mafunda, em que, mal ferido já, seguia combatendo, escreveu Aires de Orneias:

... experimenta-se um profundo sentimento de respeito por tamanha energia. Não fica mal mesmo se a compararmos à de D. Lourenço de Almeida, sentado no chapitéu da nau, com as pernas partidas e comandando tranquilamente o combate naval contra os rumes.

E o governador geral Joaquim Machado, ao confiar-lhe o comando da expedição Júlio de Vilhena que iria para o Mataca, disse-lhe:

A V. Ex.ª está entregue o mais valioso e honroso serviço que na actualidade podia ser cometido nesta província a um oficial português. Faço votos por que a Providência o ajude e fico certo que V. Ex.ª aliará à sua provada bravura a prudência indispensável que devem ter todos os chefes que, pelos seu actos e pela sua posição, podem realçar ou prejudicar o nome e os interesses da Pátria.

Mas o militar esforçado e valoroso das guerras da Zambézia não só em Moçambique vincou a sua acção. A pouca permanência por Angola não impediu que firmasse domínio entre povos do Zaire. Nem na vida do mar faltou a evidência, em provas repetidos, do seu ser animoso e pleno de recursos.
E não se vá esquecer, por ver o militar, como continuou em seus governos a obra que pelas armas encetara. Fala Mousinho do seu forte prestígio quando por duas vezes governou a Zambézia. Governador geral, e mais tarde Ministro, juntou por seu saber sucessos novos aos muitos conquistados, dos combates do Chire à campanha do Barué.

Não há que provar a justiça do projecto. Atestam-na os chefes junto de quem serviu Azevedo Coutinho; e o aprêço do Rei, do Povo e do Govêrno por, quem com tal denôdo soube servir a Pátria.
Informa êste parecer a fôlha dos serviços que prestou. Não há comentário a acrescentar. 0 ilustre Ministro da Marinha, com sua autoridade, assim julgou também quando escreveu a carta que vem junta, ao projecto.
Com promulgar a lei se enaltece a Nação. E com distinguir o heróico marinheiro se dignifica a armada, por ser êle um dos seus, e porque, se escolheu, para distinção, restituir-lhe a farda da marinha.
Também, como o Ministro, a Câmara Corporativa, dando parecer favorável ao projecto, o faz com «caloroso aplauso».

Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Secção de Defesa Nacional, 10 de Fevereiro de 1942.

Eduardo Augusto Marques.
João Batista de Almeida Arez.
José de Almada.
Vasco Lopes Alves, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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