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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 126
ANO DE 1942 14 DE FEVEREIRO
II LEGISLATURA
SESSÃO N.º 121 DA ASSEMBLEA NACIONAL
Em 13 de Fevereiro
Presidente o Ex.mo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários os Ex.mos Srs.Carlos Moura de Carvalho
Gastão Carlos de Deus Figueira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões. Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães ocupou-se da questão do equipamento dos veículos automóveis de transporte público com gasogénios, da falta de gasolina no Norte e da paralisação da comboios na linha do Vale do Tâmega.
O Sr. Deputado Nunes Mexia tratou do problema da iluminação em Lisboa c das providências que devem ser tomadas.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre a proposta de lei que cria um imposto sobre lucros extraordinários de guerra, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Cancela de Abreu, Melo Machado, Pinto da Mota, Botto de Carvalho, Cariou Mantero, Abel Varzim, Angelo César c, novamente, Águedo de Oliveira.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados presentes à chamada, 58.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão, 5.
Srs. Deputados que faltaram à chamada, 7.
Srs. Deputados que responderam, à chamada:
Abel Varzim da Cunha e Silva.
Alberto Cruz.
Alberto Eduardo Valado Navarro.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Gaiteiros Veloso.
Alfredo Delesque dos Santos Sintra.
Álvaro de Freitas Morna.
Álvaro Salvação Barreto.
Angelo César Machado.
António de Almeida.
António de Almeida Pinto da Mota.
António Augusto Aires.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Hintze Ribeiro.
António Rodrigues dos Santos Pedroso.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Cancela de Abreu.
Augusto Faustino dos Santos Crespo.
Augusto Pedrosa Pires de Lima.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Moura de Carvalho.
D. Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho.
Fernando Tarares de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Guilhermino Alves Nunes.
Henrique Linhares de Lima.
João Antunes Guimarães..
João Botto de Carvalho.
João Garcia Nunes Mexia.
João Garcia Pereira.
João Luiz Augusto das Neves.
João Maria Teles de Sampaio Rio.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Rodrigues de Almeida.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alberto dos Reis.
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José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria Dias Ferrão,
José Pereira dos Santos Cabral.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Figueira.
Luiz José de Pina Guimarães.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Sílvio Duarte de Belfort Cerqueira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Acácio Mendes de Magalhães Ramalho.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Manuel Pestana dos Reis.
Sebastião Garcia Ramires.
Vasco Borges.
Srs. Deputados que faltaram â sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Júlio Alberto de Sousa Schiappa de Azevedo.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 3 minutos. Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 58 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário da última sessão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Considera-se aprovado o Diário, visto não haver reclamações. Vai ler-se o
Expediente
Ex.mo Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - O Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe do Barlavento do Algarve, com sede em Portimão, vem expor e pedir a V. Ex.mo o seguinte:
E este Grémio um organismo corporativo, constituído nos termos do decreto-lei n.º 23:049, de 23 de Setembro de 1933, e do decreto-lei n.º 26:775, de 10 de Julho de 1936, em que se agrupam as empresas, sociedades ou firmas singulares ou colectivas que exercem a indústria de conservas de peixe nos centros industriais de Lagos e Portimão.
Como tal tem personalidade jurídica e representa legalmente toda a indústria de conservas de peixe instalada nos concelhos de Lagos e Portimão, tendo por isso qualidade legal para dirigir a V. Ex.ª esta representação.
A Câmara Municipal de Lagos foi autorizada pelas leis de 21 de Julho de 1912 e n.º 918, de 20 de Dezembro de 1919, a lançar e cobrar um imposto ad valorem de 1 por cento sobre as mercadorias, géneros ou produtos exportados do concelho de Lagos para o estrangeiro, ou saídas desse para outros concelhos do País.
E efectivamente tem a Câmara Municipal de Lagos estado a cobrar esse ad valorem não só sobre as mercadorias, géneros ou produtos exportados do seu concelho para o estrangeiro como também sobre as saídas para outros concelhos do País.
Mas ultimamente decidiu em definitivo o Supremo Tribunal Administrativo, em seu acórdão de 9 de Janeiro de 1942, proferido em recurso intentado por este Grémio, que a Câmara Municipal de Lagos não podia legalmente cobrar tal ad valorem, por deverem considerar-se revogadas pelo Código Administrativo aquelas disposições legais que instituíram esse imposto.
Sucede, porém, que pelo decreto-lei n.º 31:855, de 16 de Janeiro de 1942 (publicado portanto sete dias depois de ter sido proferido aquele acórdão do Supremo Tribunal Administrativo), foi legislado que continuam em vigor as referidas leis de 21 de Julho de 1912 e n.º 918, de 20 de Dezembro de 1919, e respectivas disposições regulamentares.
Este decreto tem de ser presente à Assemblea Nacional para efeito de ratificação.
E é para esse acto que este Grémio vem solicitar a esclarecida atenção de V. Ex.ª e a dos dignos membros da Assemblea Nacional.
Com efeito, vê-se de diferentes disposições dos Códigos Administrativos de 1936 e 1940 e dos decretos que os mandaram publicar que foi intenção do legislador criar, a partir de 1 de Janeiro de 1938, um novo regime tributário municipal, fixando o limite de acção das câmaras municipais em matéria de impostos, taxas e licenças. Já assim foi julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo no seu acórdão acima mencionado e também nos seus acórdãos de 2 de Maio e 5 de Dezembro de 1941, publicados respectivamente no Diário do Governo, 2.ª série, de 27 de Junho de 1941, e de 3 de Fevereiro de 1942.
Portanto, temos de concluir que o regime de impostos municipais é o que está estabelecido no Código Administrativo, pelo que admitir a legalidade de outros impostos é restabelecer a desigualdade fiscal entre os diferentes concelhos do País e restaurar a desordem tributária que precisamente se pretendeu evitar com a publicação do Código Administrativo.
Nestas condições, espera este Grémio, e assim o solicita da digna Assemblea Nacional, que seja negada a ratificação do referido decreto-lei n.º 31:855.
Ë isto o que a este Grémio parece justo e harmónico com os princípios que presidiram à elaboração do Código Administrativo e que são, nesta matéria, os da igualdade tributária entre os diferentes concelhos do País.
Mas quando, por hipótese, se entenda que deva ser ratificado, então chamamos a atenção de V. Ex.ª para as seguintes considerações:
Tanto pelo artigo 131.º da Constituição Política como pelo n.º 3.º da base XXVIII da lei n.º 1:940, de 3 de Abril de 1936, com as alterações constantes da lei n.º 1:946, que a doutrina dos artigos 612.º, § 1.º, e 616.º, § único, do Código Administrativo de 1936 e a dos artigos 714.º, § 1.º, e 718.º, § único, do Código Administrativo de 1940 confirmaram - o regime tributário dos corpos administrativos não poderá dificultar a livre circulação dos produtos e mercadorias entre as circunscrições do País.
E como a cobrança do ad valorem sobre as conservas ou quaisquer outros produtos ou mercadorias saídas do concelho de Lagos para outros concelhos do País difi-
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culta a sua livre circulação, evidente se torna que é ilegal e inconstitucional tal cobrança.
Consequentemente, se a Assemblea Nacional entende que merece ser ratificado o dito decreto-lei n.º 31:855, então deve ser ratificado com emendas, ficando expressamente consignado nele que o lançamento e cobrança do ad valorem só podem incidir sobre as mercadorias ou produtos que forem exportados do concelho de Lagos para o estrangeiro. Só assim se respeitarão, nesta hipótese, os princípios constitucionais. Mas este Grémio espera, na verdade, que o referido decreto-lei não será ratificado.
Portimão, 12 de Fevereiro de 1942. - Tomaz Henrique Leiria Pinto - João Francisco Leote - José Joaquim Mendes Furtado.
Ex.mo Sr. Presidente da Assemblea Nacional. - Lisboa. - Por uma carta-circular da direcção do Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe «Io Barlavento do Algarve, com sede na cidade de Portimão, de 4 do mês corrente, dirigida aos industriais seus agremiados, tem esta Câmara Municipal conhecimento de que aquele organismo corporativo está empregando os seus esforços no sentido de conseguir que não seja concedida ratificação, pela Assemblea Nacional, ao decreto-lei n.º 31:855, de 16 de Janeiro passado, que considerou em vigor as leis especiais que autorizaram este Município a continuar a cobrar um imposto ad valorem de exportação, cujo produto garante encargos legalmente contraídos, para execução de obras de interesse público geral.
Porque a não ser concedida a ratificação àquele decreto-lei a vida económica deste Município virá a sofrer um rude golpe, que dificilmente poderá ser sanado, tomo a liberdade de dirigir esta pequena exposição a V. Ex.ª
Por leis especiais de 1912 e 1919 foi a Câmara Municipal de Lagos especialmente autorizada a lançar e cobrar um imposto especial ad valorem de exportação, para com o seu produto garantir os encargos necessários para execução de obras de grande interesse público, que de outra forma jamais se poderiam realizar.
Precisamente porque as leis gerais então vigentes não permitiam a cobrança de impostos municipais ad valorem sobre as exportações - artigo 75.º, n.º 2.º, do Código Administrativo de 1896 e artigo 116.º da lei n.º 88 - é que foi necessária a promulgação de leis especiais para que esta Câmara pudesse cobrar tal imposto.
Quando da publicação do Código Administrativo do Estado Novo, na sua redacção provisória - 31 de Dezembro de 1936 -, entrou-se em dúvida sobre se as leis especiais já referidas teriam ou não sido revogadas por aquele diploma.
A mesma dúvida subsistiu após a publicação do actual Código Administrativo, em 31 de Dezembro de 1940.
O Grémio dos Industriais de Conservas de Peixe do Barlavento do Algarve, em Dezembro de 1940, requereu a esta Câmara Municipal que não mais cobrasse o imposto ad valorem que incidia sobre as conservas de peixe exportadas do concelho de Lagos, visto tal imposto ter sido abolido pelo § único do artigo 599.º do Código Administrativo de 1936 e § único do artigo 703.º do Código Administrativo de 1940.
Como a Câmara de Lagos tivesse indeferido tal requerimento, levou o referido Grémio recurso dessa deliberação para a Auditoria Administrativa, que lhe deu provimento, tendo a questão subido ao Supremo Tribunal Administrativo.
No Supremo Tribunal Administrativo obteve a Câmara parecer favorável do douto magistrado do Ministério Público, tendo, porém, o recurso sido julgado contra ela por maioria de um único voto.
Logo que se levantaram estas dúvidas, e não querendo esta Câmara cobrar um imposto que, porventura, não fosse legal, consultou o Ministério do Interior e vários jurisconsultos, tendo obtido sempre parecer favorável: de que o Código Administrativo, lei geral, não revogou as leis especiais que autorizaram o Município de Lagos a cobrar um imposto especial destinado a fins também especiais.
No entanto, apesar de firmemente convencida do direito que lhe assistia, a Câmara Municipal de Lagos fez uma consulta formal ao ilustre autor do projecto do Código Administrativo, que melhor do que ninguém poderia informar sobre esta matéria. Assim, ouvido a este respeito o ilustre administrativista Prof. Dr. Marcelo Caetano, deu o seu parecer de que as leis especiais de 1912 e 1919, que autorizaram a cobrança do ad valorem, à Câmara Municipal de Lagos, não foram revogadas pelo Código Administrativo.
Afirmou mesmo que «... o Código Administrativo não pode impedir a vigência de todas e quaisquer leis especiais. Tratando-se de leis que estabeleceram um regime fiscal temporário, consequente de certas operações administrativas, só o termo do prazo de vigência da lei, u inobservância das condições da sua vigência ou uma disposição expressa podem revogá-las».
No exercício da autorização legal concedida a esta Câmara contraiu o Município de Lagos vários empréstimos na Caixa Geral de Depósitos que estão caucionados pelo produto da cobrança do imposto ad valorem.
A cessar tal cobrança, ver-se-á este Município em grandes dificuldades para pagar tais empréstimos, com grande prejuízo não só da Caixa Geral de Depósitos, como também do Município de Lagos, que virá a ficar numa situação de quási insolvência.
No dizer do ilustre autor do projecto do Código Administrativo, chá um compromisso solene da Nação, tomado sob a forma de lei, a caucionar a execução de contratos, pelo que essa lei deverá considerar-se em vigor».
Para pôr termo às dúvidas aliás infundadas sobre a questão da legalidade ou ilegalidade do ad valorem, foi promulgado e publicado o decreto-lei n.º 31:855, de 16 de Janeiro passado, em que se determina a continuação da vigência das leis especiais de 21 de Julho de 1912 e n.º 918, de 20 de Dezembro de 1919, e respectivas disposições regulamentares.
Nos termos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição Política da República, foi esse decreto-lei proposto à ratificação da Assemblea Nacional.
Sr. Presidente: vai a Assemblea Nacional, a que V. Ex.ª muito doutamente preside, pronunciar-se a respeito daquele diploma.
Da decisão desse órgão da soberania da Nação está dependente o futuro da Câmara Municipal de Lagos, pois da ratificação ou não ratificação desse decreto-lei dependem as condições de vida deste Município.
Em nome da Câmara Municipal que represento, peço a V. Ex.ª que envide todos os seus esforços no sentido da ratificação do decreto-lei n.º 31:855, que vem pôr fim a uma dúvida absolutamente infundada, pelo que anteriormente se expôs.
Assim procedendo, fará a douta Assemblea Nacional inteira e sã justiça.
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Apresento a V. Ex.ª, Sr. Presidente, em meu nome pessoal e no da Câmara Municipal que represento, os protestos da minha mais elevada consideração.
A bem da Nação. - O Presidente da Câmara, Francisco Gonçalves Correia. Velhinho, coronel.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: com data de 3 do corrente foi publicado o decreto-lei n.º 31:877, que ordena o equipamento com gasogénios de pelo menos um quarto do número de veículos utilizados em carreiras regulares de serviço público para o transporte de passageiros ou mercadorias, à escolha da Direcção Geral dos Serviços de Viação, com modelos aprovados pelo Instituto Português de Combustíveis, devendo as instalações estar concluídas até 1 de Outubro próximo.
Criam-se subsídios até 5 contos por cada veículo equipado com gasogénio até 1 de Agosto próximo e são autorizados empréstimos até 10 contos e por três anos pela Caixa Geral de Depósitos. Além disso continua em vigor o benefício de 50 por cento de redução de direitos para os veículos automóveis importados quando munidos de gasogénio.
Nas suas linhas gerais a doutrina deste diploma está certa, sendo apenas de lamentar que não tenha sido publicado logo no começo da guerra, ou mesmo antes dela irromper, em continuação da política que o Estado Novo iniciara logo após o 28 de Maio.
De facto, se não me atraiçoa a memória, desde 1929 que o Governo vem estimulando o emprego de gasogénios para utilização das nossas lenhas e carvões vegetais em veículos automóveis, sendo incontestável que, desde então, o sen aperfeiçoamento é notório., permitindo também a utilização de lignite e variados carvões minerais para produção de gás pobre, cujo consumo se vai generalizando, não só nos motores de grande cilindrada, tanto fixos como empregados na camionagem, mas até em automóveis ligeiros.
O Governo promovera estudos para o conveniente aproveitamento dos nossos combustíveis, e ao substituir, em 1930, os impostos de viação, municipais e outros que incidiam sobre a circulação de automóveis por taxas aplicadas no consumo de pneus e, sobretudo, de gasolina, isentou assim os veículos equipados de gasogénio da principal verba tributária, sendo lamentável que tam importante estímulo não se tivesse traduzido em compensador aumento de veículos a gás pobre.
Recordo que no programa do último Circuito do Minho fora incluída, com marcada oportunidade, a categoria de camionetas equipadas com gasogénios, tendo concorrido algumas, o que foi geralmente apreciado e louvado.
Apoiados.
Contudo, apesar dos esforços do Governo, da imprensa e de alguns «carolas» propugnadores previdentes do largo emprego de gasogénios, a guerra veio encontrar-nos quási exclusivamente dependentes da gasolina para garantir um sistema de transportes de passageiros e de mercadorias, de tanta importância e vastidão que a economia nacional seria ferida de morte se ele viesse a faltar.
É que a rede ferroviária ainda não atinge, como muito seria para desejar e fora previsto, muitas regiões, e a redução de comboios que sucessivamente vem verificando-se, com gravíssimos transtornos para o público e prejuízos do maior vulto para as actividades económicas, demonstra que, duma maneira geral, as empresas não estavam preparadas para a situação difícil que agora atravessamos.
Na linha do Vale do Tâmega, de ligação do caminho de ferro do Minho e Douro com Amarante e Basto, a circulação de comboios foi completamente suspensa, embora com carácter provisório, mas, segundo me informaram hoje na estação do .Rossio, ainda não vendem bilhetes para ali.
Incomportáveis são os prejuízos que assim resultam para toda aquela região de grande importância agrícola e industrial e de alta densidade demográfica. Se viessem a parar as poucas camionetas que transitam naquela importante região, seria o seu completo isolamento, porque já não seria possível o triste recurso a veículos de tracção animal do século passado. E, não obstante, parece não só atender a que os comboios não precisam de pneus, cuja falta se agrava dia a dia; e que as locomotivas, se tivesse havido o cuidado de adaptar algumas delas para queimar lenha, que tam abundante é no Vale do Tâmega, poderiam agora circular e contribuir para a economia de gasolina e de pneus, que bem úteis seriam em regiões onde a rede ferroviária não chegou.
Apoiados.
Sr. Presidente: cumpre ainda lembrar que a linha do Vale do Tâmega não se destina a ter como terminus a fértil região de Basto: além do sen prolongamento até à região trasmontana para entroncar na linha do Vale do Corgo, alturas de Pedras Salgadas, fora prevista, no plano da rede ferroviária aprovado em 1931, a sua continuação pela Portela de Casares (a dois passos do importante planalto barrosão, rico em minérios, em gados e constituindo a zona principal de cultura de batata para semente) aos concelhos de Vieira, Lanhoso e ao de Guimarães, onde serviria uma das mais importantes zonas industriais - Campelos, Pevidem, Iliba de Ave e Caniços - e onde entroncaria na linha de Guimarães, que lhe daria acesso a Leixões e à cidade do Porto. Contudo, ainda não se disse porquê, foram suspensos os estudos de tam importante e justificado melhoramento ferroviário, como suspensos foram, também sem razão bastante para tam grave deliberação, os comboios a que me referi, com percurso desde a Livração e Amarante até Basto, com prejuízo de tantos interesses que ali existem e que nem por isso foram aliviados das contribuições que pagam ao Estado.
Peço ao Governo que aprecie novamente este problema, ordenando sem demora o restabelecimento do trânsito na linha do Vale do Tâmega (Apoiados) e o prosseguimento dos estudos da continuação daquela linha segundo o traçado estudado, isto é, pelo Vale do Ave, mas havendo o cuidado de a aproximar das povoações, pois o critério seguido nos estudos que foram suspensos afastava-o justamente das zonas onde vive a população e se produzem os géneros que constituirão a garantia de tráfego indispensável à exploração económica da futura linha.
Apoiados.
Sr. Presidente: voltando ao problema dos gasogénios, direi como o nosso povo: amais vale tarde que nunca. Contudo chegaram até mim solicitações de muitos interessados na indústria de transportes automóveis que, mercê do referido decreto, são obrigados a equipar, até Outubro próximo, uma quarta parte dos seus veículos (à escolha da Direcção Geral dos Serviços de Viação) com gasogénios aprovados pelo Instituto Português de Combustíveis, chegaram até mim, vinha dizendo, pedidos instantes para que nesta Assemblea afirme que eles estão prontos a colaborar com o Governo para atenuar a crise de combustíveis e garantir os transportes de passageiros e de mercadorias.
Mas pedem que na escolha das suas viaturas para adaptação de gasogénios, eles, como principais interessados, não deixem de ser ouvidos.
Mais pretendem que se faça ver que até Outubro seria absolutamente impossível, por escassez de matéria prima
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e congestionamento das oficinas, dotar tam elevado numero de camionetas com as instalações precisas.
E, sobretudo, solicitam que não os forcem a tam grandes despesas sem previamente lhes garantirem o fornecimento de pneus, que actualmente escasseiam no mercado, pois constituiria a ruína de muitas empresas se, após tam dispendioso equipamento, os veículos tivessem de parar antes que a respectiva amortização fosse possível.
Apoiados.
Sr. Presidente: ainda duas palavras sobre transportes automóveis. De uma maneira geral, em todo o Norte, e particularmente na cidade do Porto, tem havido a mais lamentável falta de gasolina. Quási todas as bombas se encontram fechadas; e se alguma recebe gasolina logo se formam extensas filas de veículos, longas horas à espera de vez, acontecendo serem forçados a retirar sem que se abasteçam.
Falta também o gas-oil, que é fundamental para a laboração de muitas industrias; e então petróleo, dificilmente se consegue um quartilho. Transtornos na vida doméstica e pequenas indústrias em sérias dificuldades. Citarei a recauchutagem, que carece absolutamente de petróleo, mas não consegue o preciso para dar vazão aos pneus e câmaras de ar que ali se amontoam à espera de remendo com que se procura atenuar a gravíssima falta daquele artigo.
E a propósito: todos perguntam o destino de algumas remessas de pneus que consta terem chegado ao nosso País e lamentam que a tempo não se tivesse providenciado para que se garantisse o abastecimento de um artigo impossível de suprir (como felizmente se pode conseguir com os gasogénios em relação à gasolina).
Concluindo. às limitações resultantes da fórmula (aliás muito discutível, sobretudo na sua execução) de racionamento de gasolina junta-se outro racionamento, ainda pior, como consequência da má distribuição daquele combustível, com prejuízo de algumas regiões, entre as quais avulta a cidade do Porto e todo o Norte.
Apoiados.
Sr. Presidente: termino pedindo ao Governo urgentes providências para que ao automobilismo seja garantida a escassa litragem de gasolina constante dos livretes de racionamento; que a distribuição de pneus se faça com a possível equidade, a fim de não serem prejudicadas nos seus interesses vitais e legítimos determinadas regiões; que as aludidas considerações dos industriais de transportes em automóveis sejam, como merecem, devidamente atendidas; que aos povos do importante Vale do Tâmega não seja negada a satisfação muito legitima de ver restabelecida a circulação de comboios na sua linha; que os estudos da linha do Vale do Ave prossigam; e, finalmente, que o momentoso problema dos transportes seja urgentemente coordenado e obedeça a um só comando.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: desejo tratar hoje de um assunto do maior interesse para a cidade do Lisboa - o da sua iluminação.
Trata-se de um problema em que são inúmeros os aspectos técnicos, todos eles exigindo soluções muito especializadas. Se, pois, tivéssemos em vista obter as melhores soluções técnicas, é evidente que este problema só aqui poderia ser levantado por quem dispusesse de uma excepcional competência neste campo.
As circunstâncias do momento que vivemos criaram, porém aspectos de emergência que em muito sobrelevam os aspectos técnicos, .motivo por que me atrevo a tratar deste instante problema..
Dispõem as Companhias Reunidas Gás e Electricidade de uma reserva de carvão inglês e americano que, lotado com carvões nacionais, lhe permitirá assegurar durante alguns meses o fornecimento de energia eléctrica, fazendo durante esse tempo face a um consumo que oscila entre 8:000 e 10:000 toneladas mensais. Também a fabricação de gás, absorvendo cerca de 1:000 toneladas mensais de carvão, estará assegurada durante uns meses, mercê de soluções várias que vêm sendo adoptadas, como seja a utilização presente dos bagaços de azeitona e a mistura, com o carvão importado, de lignites e de lenha em percentagens variáveis, mas sempre dentro do limite máximo de 25 por cento para cada um dos dois combustíveis mencionados.
Posto assim o problema, parece afastado o risco imediato, mas não eliminada a ameaça de falta de energia eléctrica a partir do próximo outono, motivo por que, pondo de parte as soluções definitivas, agora impossíveis de resto, e também as soluções de ocasião, julgo que seria a altura de se estudarem, com a necessária antecipação algumas soluções de emergência.
Fornecendo presentemente as Companhias Reunidas Gás e Electricidade à cidade de Lisboa e a toda a zona por elas abastecida cerca de 105.000:000 de KW por ano, todos eles produzidos a partir do carvão, torna-se indispensável o adoptar desde já medidas restritivas no que se refere não só u iluminação, quer pública quer particular, como ainda no que respeita ao consumo da força motriz.
Certo de que se acham em estudo soluções várias, como, por exemplo, a alteração da hora, desejaria contudo alvitrar que, sem demora e dentro de limites aconselháveis, fosse reduzido o número de lâmpadas empregadas na iluminação pública e que aos particulares fosse também imposta lima deminuição de consumo, tomando-se para base os consumos médios de alguns anos, correspondentes a cada época do ano, e onerando, a título de penalidade e a favor do Estado, a tarifa da energia que excedesse uma determinada percentagem fixada em relação ao consumo normal considerado. Isto pelo que respeita à iluminação.
Quanto à força motriz, havendo que acautelar ao máximo a situação de corça de 80:000 operários que da referida forca motriz dependem, mas, havendo também, que fazer economias neste campo, parecia-me da maior conveniência que técnicos ao serviço do Estado estudassem com os respectivos industriais todas as soluções condicionadas pelas realidades, susceptíveis de substituição parcial ou total da energia eléctrica por outros tipos de energia, ainda que para isso o Estado tivesse de emprestar, a um juro mínimo, grande parte do capital necessário à referida transformação. Idênticas soluções se poderiam estudar em relação a algumas povoações abrangidas na zona presentemente abastecida pelas centrais térmicas.
Focada nas suas linhas gerais a possibilidade de deminuição do consumo, passo a apreciar a possibilidade de abastecimento de combustíveis susceptíveis de utilização quer na produção de corrente eléctrica, quer na produção de gás, tais como as antracites, as lignites e as lenhas.
Tomou o Governo medidas tendentes a fazer regressão grande número de vagões que se achavam para além das nossas fronteiras, o que permitirá sustar o agravamento da situação quanto a insuficiência de combustíveis em vários pontos do País; não creio porém que seja sensível o aumento de capacidade transportadora de carvões e lenhas com vista a ocorrer a novas necessidades, motivo por que se me afigura indispensável o encarar duas outras soluções:
1) Possibilidade de transporte fluvial ou marítimo, e neste caso ao longo da costa, de lenhas e de carvões
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nacionais, com destino aos grandes centros consumidores e em especial com destino a Lisboa.
2) O transporte até Lisboa, ou pelo menos até à zona que dela hoje depende, de energia eléctrica obtida quer pela hulha branca quer por lignite queimada à boca da mina.
Não me iludo quanto às dificuldades que existem pana a utilização da primeira das soluções consideradas, motivo por que entendo ser a segunda aquela que poderia trazer algum contributo à solução do problema.
Estabelecidos cabos condutores de energia entre Pombal e Torres Novas, por um lado, e Torres Novas e Santarém, pelo outro, ficariam estabelecidas as ligações entre as redes da Electra dei Lima, da Hidro-Eléctrica Alto Alentejo e das Companhias Reunidas Gás e Electricidade. Feito isto, para o que haveria que proceder às necessárias substituições de transformadores e de isoladores, com vista a possíveis aumentos de voltagem, seria possível nos meses de inverno e já nos de 1943 trazer até Lisboa, ou pelo menos até à zona por ela abastecida, alguns excedentes de energia eléctrica, quer obtidos com hulha branca, quer obtidos com lignites queimadas à boca das minas solução essa de adoptar, atendendo a que as possuímos na região servida por este sistema de cabos condutores de energia e que o seu transporte por caminho de ferro parece de momento bastante dificultado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vai discutir-se na especialidade a proposta de lei relativa aos lucros extraordinários resultantes da guerra.
Estão em discussão na especialidade as bases I, II, III e IV, com relação às alterações publicadas no Diário das Sessões.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: devo antes de mais nada, ao entrar na discussão da especialidade desta proposta de lei, fazer uma leve rectificação às minhas palavras de outro dia.
Fui informado de que o Presidente Sidónio Pais, essa flor de cavalheirismo lusitano, publicara, já no fim do seu consulado, uma lei relativa aos lucros de guerra. Simplesmente, por virtude de uma campanha levantada na imprensa, essa lei não chegou a entrar em execução.
Portanto, não era inteiramente exacto que o Estado nesse tempo não tivesse publicado qualquer diploma a esse respeito. Realmente, o Presidente Sidónio Pais chegou legalmente a tiibutar os lucros de guerra, ainda que sem qualquer seguimento.
Sr. Presidente: tem-se discutido muito em roda da base I e tem-se feito «cavalo de batalha» da circular chamada n.º 58.
Não há dúvida de que, quer a proposta primitiva, quer o texto actualmente sujeito à discussão, assentam como base de arquitectura não só no sistema de contribuição industrial, como na prática habitual das repartições de finanças a propósito dos próprios lucros industriais e comerciais. A base é a mesma.
E isso não pôde perder-se de vista no campo das realidades actuais e das que se projectam. E quem se meter dentro da mecânica da proposta sujeita à discussão não esquecerá isto nem poderá afastar-se do espírito com que tal mecânica funcionará, de molde a respeitar a prática tradicional que lhe serve de base.
A circular n.º 58 refere-se realmente a rendimento ilíquido e dele dá uma certa noção económica.
A verdade é que quando a lei tributária emprega a designação de rendimento ilíquido não apresenta uma noção absoluta e filosófica, mas sim uma noção relativa, uma noção humana, digamos.
Assim é que se calcula em regra o rendimento ilíquido por uma forma a que eu chamarei razoável, por uma forma que eu direi mesmo modesta, por uma forma adaptável às condições portuguesas.
Em toda a proposta aparece realmente a noção do rendimento ilíquido normal, e esta própria normalidade do rendimento ilíquido pressupõe que não se trata de um rendimento bruto, severamente julgado, e pode ser percebido por quem leia pela primeira vez uma proposta de lei desta natureza.
Em regra, os repartições e as comissões respectivas pegam no rendimento que não é o real, nuas sim o rendimento presumível, deduzem-lhe um certo número de encargos gerais e chegam a uma noção temperada do rendimento ilíquido tributável. A seguir a este cálculo é que se considerará o excedente como lucro extraordinário da guerra.
O próprio Deputado Sr. Mantero Belard fez uma exposição muito interessante sob o ponto de vista económico, e constatou, como já era conhecido do relatório da Câmara Corporativa, o que era o conceito tradicional e habitual do rendimento ilíquido.
A mecânica da proposta, relativamente singela, é esta: avalia-se o rendimento ilíquido que é dado pela noção da prática fiscal, dele se deduzem os encargos respectivos, e quando se trata de um certo excedente, paxá além dos 20 por cento, é esse certo excedente, segundo a mecânica da base IV, dividido em duas fracções, sobre a primeira das quais recai a taxa do grupo C, que é de 15 por cento, e sobre o excesso recai então a taxa progressiva que consta dos escalões mencionados na alínea b) do n.º 2.º da base IV.
Podia talvez melhorar-se o texto da base I, introduzindo outra noção mais próxima da realidade económica. Mas isso alteraria a base estrutural da proposta, que assenta na prática fiscal da contribuição industrial. Abriríamos por outro lado um alçapão e as perspectivas financeiras passariam para uma dúvida singular, perigosa, sob o ponto de vista da produtividade.
Creio que está no ânimo de todos que não estamos no âmbito de uma acção reformadora, total, do nosso sistema de tributação.
O Sr. Melo Machado (interrompendo): - Perdoe V. Ex.ª a interrupção.
Desde que há uma actuação benévola na aplicação da contribuição industrial, vai-se então comparar um elemento benévolo com outro que nós temos, e que é real, e assim não há outro termo de comparação.
O Orador : - Mas qual é a base para a tributação de lucros de guerra? Vai ter como base a repartição e a comissão de liquidação do valor das transacções, e como elemento subsidiário, como elemento corrector, é que aparece a declaração do contribuinte. Quere dizer: nós não temos no nosso sistema de lucros de guerra uma tributação assente na realidade dos lucros do comércio e indústria. E só como elemento esclarecedor e integrador é que essa tributação aparecerá neste particular.
Julgo que é isto que teve em vista a elaboração da proposta.
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For outro lado, é preciso afastar um pouco o temor de que toda a gente vai ser tributada por lucros de guerra, pois constituirão naturalmente uma minoria aqueles que hão-de pagar o imposto.
E posso bem dizer que os milhares de contribuintes por contribuição industrial, por esse País fora, deixarão de ser abrangidos por esta tributação.
No grupo A da contribuição industrial, por exemplo, - e chamo agora a atenção de V. Ex.ª para a base in da proposta em discussão - estão incluídos 92:685 contribuintes, os quais não serão abrangidos pela tributação dos excedentes de guerra.
O Sr. Melo Machado: - Então esses não têm de fazer nenhuma declaração?
O Orador: - Nenhuma. Mas V. Ex.ª não deve fazer-me perguntas sobre o que tam claramente está escrito na proposta de lei que estamos apreciando. Mesmo assim, eu vou ler a V. Ex.ª o que diz a base III:
O orador leu a referida base.
Depois de ter lido a V. Ex.ª estas disposições, devo ainda dizer-lhes que há 92:685 contribuintes do grupo A que nada pagarão.
Vamos agora ao grupo B, que é o referente às sociedades anónimas: só serão colectadas aquelas que realizarem lucros superiores a 8 por cento.
Claro está que há muitas sociedades anónimas que, além do seu capital próprio, trabalham também com suprimentos, empréstimos e obrigações e uma grande massa de capital desconhecido; e, sendo assim, torna-se naturalmente difícil apurar, u face da estatística, quais as que serão tributadas; mas o que se pode afirmar é que bastantes serão exceptuadas.
Quanto ao grupo C: taxa de 15 por cento, que nalguns concelhos, com os adicionais, sobe a 20 por cento. No continente e ilhas há 211:586 contribuintes.
Ficam isentos desta contribuição os contribuintes que tenham um rendimento ilíquido inferior a 35 contos. Pois de 35 contos para baixo há nada menos de 207:321 contribuintes; quere dizer: a grande massa dos contribuintes do grupo C não é tributada nos lucros de guerra. Ficam sujeitos à tributação dos lucros de guerra sómente 4:265 contribuintes.
A maior parte, pois, dos concelhos deste País escapa à tributação dos lucros de guerra. Assim é que, se eu levar a minha documentação estatística mais longe, encontro números expressivos.
Portanto, repito, a grande maioria, a esmagadora maioria dos contribuintes não será tributada em lucros de guerra.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: quis V. Ex.ª designar-me para fazer parte do núcleo das sessões de estudo da proposta de lei relativa ao imposto sobre lucros extraordinários de guerra. Julguei-me, por isso, na obrigação de estudar essa proposta de lei, embora seja, por formação e por temperamento, absolutamente avesso a todas as questões financeiras e fiscais, que sempre se me afiguraram complicadíssimas e confusas para o meu espírito, alheado dos seus pormenores.
Pois devo confessar a V. Ex.ª Sr. Presidente, que desta vez, ao tentar, e com devoção, penetrar esses pormenores, ainda achei mais complexa e menos clara essa matéria tributária.
Na verdade, Sr. Presidente, eu pretendia ver esta questão dos lucros de guerra traduzida em artigos de uma lei, com a mesma clareza e a mesma simplicidade com que ela aparece ao meu espírito de cidadão tipo comum e, certamente, aos outros espíritos comuns dos meus concidadãos.
Sabemos, eu e os outros, que nesta desgraçada emergência que estamos vivendo, ao lado da miséria e do sacrifício do grande número, há proveitos injustos, riquezas inesperadas, benefícios imerecidos de alguns, através da excepcional valorização do fabrico ou do comércio de certos produtos.
Sabemos que, em alguns casos, esses proveitos, essas riquezas, esses benefícios em nada são devidos ao mérito de quem os usufrue; são devidos a circunstâncias mais ou menos fortuitas, para as quais esses pouco ou nada contribuíram, e que podem até assentar sobre prejuízos e dificuldades de terceiros.
E pensamos e sentimos -os tais cidadãos tipo comum que é justo ir buscar a esses lucros anormais uma parte que ajude a comunidade desfavorecida a suportar as tais circunstâncias, as mesmas circunstâncias que dão lugar a esses lucros.
Isto é realmente justo; e isto, Sr. Presidente, exige-o formalmente a opinião pública do nosso País, neste momento.
Mas isto, Sr. Presidente, que é tam simples de conceber, é, ao que parece, dificílimo de realizar, ou, pelo menos, de pôr em artigos de lei por forma que resulte isto e só isto.
Parece à primeira vista - isto é, à minha vista - que tudo estará em se dizer que aqueles que tenham realizado em 1941 lucros que ultrapassem certa margem razoável dos lucros normais esses pagarão certo tributo sobre esse excesso. E se assim se disser, e se assim se fizer, - não haverá com certeza atropelos nem injustiças. Apoiados.
E que eu empreguei a palavra lucro, e lucro, pelo meu dicionário, quere dizer a utilidade, vantagem, interesse, ganho liquidou. Se alguém tem mais lucro, por motivo da guerra, do que anormal, deve, de facto, pagar um imposto pela parte anormal.
Mas esta noção de lucro, como nós a compreendemos - nós, os cidadãos tipo comum - não existe nos conceitos ou na nomenclatura tributária, não tem realidade fiscal. E o que se colecta pela contribuição industrial não é de facto, como parecia natural, um lucro na acepção corrente e verdadeira do termo. E uma cousa muito diferente, tam diferente e imprecisa que pode até não corresponder totalmente a qualquer lucro. Apoiados.
Daqui resulta, Sr. Presidente, uma extraordinária hesitação e dúvida sobre a forma por que, logo de entrada, se há-de redigir a base I desta lei; e depois dela todas as outras. Ao estabelecer-se a primeira linha dispositiva da matéria topa-se logo com a dificuldade de definir lucro de guerra, a partir de uma comparação com aquele que serviu de base à contribuição industrial ou com o verificado em anos anteriores. Começa porque o que serve de base à contribuição industrial, e que afinal não é lucro, é, além disso, confuso, indefinido, variável com os critérios que se adoptam em cada repartição, influenciado por múltiplas circunstâncias. Eu faço até votos, Sr. Presidente, por que se não tarde a meter essa matéria dentro dos princípios sãos e das regras justas e uniformes como as que caracterizam, de maneira geral, as outras disposições e a legislação de carácter financeiro desde 1928 para cá.
O que se pretende é que paguem este novo imposto todos aqueles que o devem pagar; mas também se pretende que não o paguem aqueles que, bem vistas as cousas, o não devem pagar. Apoiados.
Ora para se chegar a uma fórmula que dê satisfação a este equilibrado desiderafrum é preciso perscrutar
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lautas hipóteses, conhecer tam completamente os critérios fiscais, analisar tam pormenorizadamente as circunstâncias basilares e influentes, que não é de uma assemblea parlamentar que pode sair obra perfeita e consciente, mas sim de uma conferência de peritos.
Apoiados.
Pelo menos assim o penso eu - eu e os outros concidadãos da mesma qualidade ...
E concluo, em consequência, Sr. Presidente, com estas poucas afirmações com que pretendo marcar a minha posição de componente oficial das sessões de estudo: - o articulado desta proposta é, quanto a mini, mais matéria de decreto do que de lei; o Governo estava já autorizado, pelo artigo 5.º da lei de meios, a criar este imposto, e eu quero crer e confio em que ele saberia e saberá usar devidamente dessa autorização, sem que seja preciso ou haja alguma cousa a lucrar em indicar-lhe pormenores. Ainda, quanto a mim, nem é clara a redacção da base I da proposta de lei, nem é bastante clara ou isenta de defeitos a da proposta de substituição.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Em todo o caso V. Ex.ª não está armado com uma nova redacção dos artigos criticados.
O Orador: - Não estou, mas já respondo a V. Ex.ª
O Sr. Águedo de Oliveira: - Se V. Ex.ª quere fazer uma crítica construtiva, deve apresentar realmente uma redacção diferente.
O Orador: - Já responderei, indirectamente, a V. Ex.ª Dizia eu, Sr. Presidente, que receio as más consequências, tanto da redacção inicial como da redacção aqui proposta; e más consequências tanto num sentido como noutro. Quero dizer: tanto para sobrecarregar injustamente, como para isentar injustamente.
E agora é que eu concluo.
Não aprovarei, portanto, nem a redacção inicial da base nem a alteração. Aprovei a generalidade da proposta de lei; é tudo quanto em consciência posso fazer. E foi justamente para satisfação de consciência que vim dizei- estas cousas a esta tribuna.
O Sr. Albino dos Reis: - Ex.ª não aprova nada na especialidade?
O Orador: - Onde justamente não posso votar criteriosamente é na especialidade, pelas razões que já apontei.
O Sr. Albino dos Reis : - Então votava-se a proposta de lei na generalidade e na especialidade não se votava cousa nenhuma!?
O Orador : - Eu digo a V. Ex.ª Seria exactamente isso se eu ou alguém quisesse ter posto esta questão na generalidade. Se o Governo reconheceu conveniência política em trazer esta proposta de lei ao Parlamento, sem ter obrigação de o fazer, nós tínhamos de discutir essa proposta de lei.
E, por com ela concordarmos de facto, manifestaríamos, como manifestámos, a nossa opinião favorável à sua generalidade. Mas poderíamos ter acabado a discussão com uma moção em que consignássemos expressamente essa concordância e reforçássemos a confiança já manifestada no Governo, através a lei de meios, para que articulasse e regulamentasse ele próprio essa nova tributação sobre lucros extraordinários resultantes da guerra, confessando-se assim a impossibilidade de um estudo perfeito da mesma dentro de uma assemblea parlamentar.
O Sr. Viterbo Ferreira: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o prazer.
O Sr. Viterbo Ferreira: - Eu fui também designado para fazer parto da sessão de estudo desta proposta de lei; porém circunstâncias da minha vida não permitiram que estivesse presente a nenhuma das sessões de estudo que se realizaram.
Quero, por isso, dizer que ouvi com muito agrado as considerações que V. Ex.ª fez, que, de resto, coincidem com aquilo que eu diria, embora menos brilhantemente, se tivesse ensejo de estar presente nas sessões de estudo ou nesta sala durante a discussão na generalidade.
Portanto regozijo-me com as considerações de V. Ex.ª
O Orador: - Registo com muito prazer a concordância de V. Ex.ª e nada mais tenho a dizer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e meus senhores: nós, portugueses, somos citados pelos feitios diferentes e opostos, provenientes, aliás, da mesma origem. Ou somos excessivamente económicos, até ao ponto de tirarmos às necessidades dos próprios filhos, ou somos imprevidentes e gastadores, absolutamente imprevidentes, como se demonstrou, e se está demonstrando ainda, com a questão do volfrâmio. Ambos estes feitios provêm do- mesma origem, que é a miséria.
Vem isto a propósito de me parecer que o exagero fiscal pode contribuir paira que o nosso feitio esbanjador se agrave, em lugar de ser corrigido, quando se chegue à conclusão de que não vale a pena poupar, porque o Estado tudo levará. Então ainda se gastará mais do que se gasta até aqui.
Esta proposta, que quási se pode definir na sua base I está, a meu ver, assente inteiramente sobre areia movediça. Não encontramos absolutamente nada de definitivo, de seguro e de certo, de que se possam tirar conclusões com que se possa descansar o espírito de quem, porventura, haja de ser abrangido por ela.
De facto, há ainda outra circunstância que me impressiona profundamente. E que me parece que o conteúdo desta proposta está até em divórcio com o nome que ela tem de lucros extraordinários de guerra. No fim, estes lucros extraordinários de guerra, que diríamos excepcionais, são representados por uma diferença de 20 por cento no movimento bruto de qualquer casa.
20 por cento no movimento bruto de qualquer casa é uma cousa que sucede normalmente de ano para uno; isso depende da freguesia, daquilo que se pode fazer e até do número de fregueses que entram a porta do estabelecimento. Deste modo, num ano haverá mais de 20 por cento e noutro haverá menos. Uma pequena diferença, pois, nunca poderá ser considerada como um lucro excepcional de guerra.
É fácil, como V. Ex.ª compreendem, trazer aqui um exemplo: o de uma casa que tem de lucro bruto 100 contos e que actualmente passa de 121 contos já fica sujeita aos lucros de guerra. Então eu pregunto, Sr. Presidente: se essa casa, que tem empregados com naturais exigências que lhes dá q carestia da vida, não puder deixar de atendê-los, podem esses 20 por cento ser suficientes para pagar o respectivo aumento de despesa?
Além disso, Sr. Presidente, a base movediça desta lei são os tais lucros ilíquidos presumíveis que estão na comparação de uma cousa que se presume e outra verdadeira.
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Não há nas repartições nenhum conhecimento directo dessa matéria; as repartições não conhecem qual é o valor real das transacções; esse cálculo é feito por uma série de números que fornecem as firmas visadas e que são apenas determinados encargos e nem sequer são todos os encargos.
Também se disse esta cousa extraordinária: que é tam pesada a contribuição da taxa industrial que as repartições se vêem na necessidade de fazer um cálculo benévolo. E que vamos nós agora fazer para cotejar esses lucros presumíveis? E é legítima esta pregunta: vai-se comparar um valor real com um valor presumível? Mas então não escapará ninguém a- este imposto. Então, Sr. Presidente, eu direi que pode acontecer que não haja lucros, que haja até prejuízos, e que a entidade ou pessoa fique alcançada pelo imposto sobre lucros extraordinários de guerra.
Um outro ponto, Sr. Presidente, desejo ainda focar: diz-se no parecer da Câmara Corporativa que os géneros não alimentícios subiram 48 por cento de valor, e é o momento de preguntar: um aumento de 48 por cento será suficiente para se poder repor a mercadoria que se vendeu, dada a diferença de preço que ela alcançou?
Não vejo nesta proposta nada que acautele o industrial ou o comerciante contra a diferença de valores das suas matérias primas ou das suas existências, conforme o caso, porque é indubitável que pode haver lucros em escudos e prejuízos em matérias primas ou mercadorias.
Apoiados.
Pode encontrar-se no fim do ano um lucro mencionado na escrita de uma casa comercial ou industrial, mas, no fundo, o que há é prejuízo, porque não é com esse lucro que esse comerciante ou esse industrial conseguirá repor o seu stock de mercadorias ou de matérias primas.
Compreendem, pois, V. Ex.ªs, que estamos diante de um problema gravíssimo e quais serão as inúmeras e avassaladoras preocupações que neste momento impendem sobre todos os que porventura possam cair na alçada desta lei.
O Sr. engenheiro Cancela de Abreu pôs aqui uma hipótese que talvez não fosse justamente para desprezar.
Não sei. Sr. Presidente, bem explicar a razão por que esta proposta veio à Assemblea Nacional. Relendo o Diário do Governo do dia 24 de Novembro, penso, Sr. Presidente, que esta proposta podia muito bem ter sido incluída nalguns dos muitos suplementos ao Diário do Governo desse dia. Mas, uma vez que esta proposta vem à Assemblea Nacional, estaria bem, porventura, a idea posta pelo Sr. engenheiro Cancela de Abreu: «Poderíamos aprová-la na generalidade». E digo podaríamos aprová-la na generalidade porque não tenho, em minha consciência, idea de a ter aprovado. Em todo o caso pregunto a V. Ex.ª, Sr. Presidente, se pôs a proposta à votação na generalidade.
O Sr. Presidente: - Considerei-a aprovada na generalidade, visto não ter sido apresentada nenhuma moção durante a discussão neste período no sentido de ser rejeitada na generalidade.
Portanto, em fuce do Regimento, considerei-a aprovada.
O Orador: - Poderíamos, portanto, considerá-la aprovada aia generalidade e poderia o Governo, já que, evidentemente, uma Assemblea desta natureza não está para estar a fazer uma lei base por base em matéria tam delicada e tam técnica, ouvidas todas os dúvidas postas na Assemblea Nacional, resolver em sua consciência perante as necessidades do País e dando satisfação aos clamores de justiça que aqui têm tido eco.
Para nós podermos avaliar todas as hesitações que ao nosso espírito pode trazer a aprovação desta proposta de lei, lembro a V. Ex.ªs que na Câmara Corporativa quási todos os representantes das diversas secções puseram dúvidas, lembraram emendas ou assinaram vencidos o parecer da mesma Câmara.
Isto, Sr. Presidente, tem extraordinário valor, não só pelo número dos que procederam assim como até pela falta, de costume de que tal suceda.
Quero terminar as aninhas considerações afirmando a V. Ex.ª que, não tendo no meu espírito nenhuma certeza de como vai .actuar esta lei, não encontrando nela nada que me sossegue inteiramente pelo que respeita à justiça que ela representa, declaro que não votarei esta base, que o mesmo é dizer que não votarei a proposta.
Tenho dito.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Pinto da Mota: - Sr. Presidente: com a passagem da proposta básica para a emenda que é conhecida entre nós pela designação de emenda do Sr. Dr. Águedo de Oliveira certamente se melhorou.
Mas esta melhoria é suficiente para acabarem as nossas apreensões? Não é. E eu vou apresentar em poucas palavras o resultado do trabalho a que procedi, quando há pouco em casa recebi as bases do Sr. Dr. Águedo de Oliveira.
Vou saltar da base I para a IV dessas emendas, ou da base I para a III da proposta do Sr. Ministro das Finanças.
Vou ver qual o resultado que isto dá, se isto é computável.
Devo dizer que já foi um benefício passar se da tributação de toda a gente à de 4:000, mas o que é preciso saber é se esses 4:000 poderão com a carga que lhes põem às costas. E indaga-se, fazendo a aplicação da base IV às doutrinas das bases anteriores.
Pelo relatório, o rendimento ilíquido é igual ao preço da venda menos o preço da compra, isto com relação ao comércio. Com relação à indústria temos outra definição, mas que, no fundo, é pouco mais ou menos isto. Mas vou referir-me apenas ao comércio, que é a hipótese mais simples, e daí concluir-se-á o que se quiser com relação às outras hipóteses.
Mas para mim o rendimento líquido é esse rendimento propriamente dito menos gastos (gerais ou especiais, não sei qual é a técnica). Ou Ru (rendimento ilíquido) igual a R (rendimento líquido ou anterior) mais G (gastos gerais e especiais)
Ru = G + R
Quando eu, comerciante, substituo os meus artigos de venda por outros, tenho que entrar em linha de conta com o preço da nova compra (Pc), e se este preço for superior ao antigo preço da compra (Pc), tenho aqui mais um aumento de despesa (Pc - Pc); e os gastos (G) aumentaram também, pelo que. o volume do rendimento ilíquido é expresso desta maneira
G + (Pc - Pc) + 20% (G + R)
Ora, desde que se aplique a base V, a porcentagem vai incidir sobre a soma do rendimento líquido com os gastos (G + R) multiplicada pelo coeficiente 1,2, quando os acréscimos dos gastos (G} e a diferença entre o novo preço de compra (Pc) e o antigo seja positiva, isto é, sobre esta soma
G + Pc - P + 20% (G + R)
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no qual sondo
G + Pc - Pc = G + R
se transforma em
1,2 (G + R )
Com efeito
sendo
G + PC - PC + 20% (G + R )
transforma-se em
(G+ R) * 100/100 + (G + R) * 20/100
ou 120 (G + R)/100 = 1,2 (G + R)
E incidindo sobre 1,2 (G + R), a percentagem sobre a soma dos gastos com o rendimento líquido anterior e básico sobe sempre de 1/5 indo de 24 a 60 por cento da (G + R) ; isto é, quando se chegar à aplicação dos 25 por cento, estes transformam-se em 30; quando se chegar à aplicação dos 30 por cento, estes transformar-se-ão em 35, e assim sucessivamente.
Eu formulei a hipótese mais simples: a do comerciante que não está dentro da alínea a). Nestas circunstâncias, se há quem possa aguentar essa carga, a quási totalidade não o poderá fazer, e assim nós vamos ter com o comércio e a indústria o que já temos com a agricultura, arriscando-nos, dessa maneira, a que as chamadas forças vivas se transformem em forças mortas.
Há valorização do escudo? Não há valorização?
Nós vimos o que sucedeu ultimamente com o empréstimo de 500:000 contos, que nos revelou bem claramente que o escudo vale.
Os homens práticos que o tomaram não o tomariam se assim não fosso, pois não quereriam ver o seu dinheiro substituído por 500:000 cacos.
O relator da proposta diz que há inflação e o Dr. Rui Ulrich, no relatório da proposta de empréstimo, também diz que sim, e computa-a em 39 por cento, se não estou em erro.
Nos tempos em que eu estudava economia política conhecia-se a desvalorização da moeda pelo valor do prémio do ouro. Tanto o relator da proposta do empréstimo como o relator desta proposta que agora estamos apreciando não contestam que a partir dos meados de 1941 o alargamento do meio circulante não tenha possivelmente influído nos preços.
Ora quando duas verdades se contradizem é necessário substituí-las por uma terceira que as concilie e exprima. Não há desvalorização específica da moeda, mas há aumento do custo de vida.
Há alguma duvida de que a vida aumentou e que pode ir até limites extraordinários? Não há.
O bacalhau já subiu mais de 100 por cento, o peixe fresco mais de 160 por cento, e desta maneira a prudência manda-nos supor que o tal (Pc - Pc)» adicionado ao G, seja igual ou superior ao (G + R), à soma dos gastos com o suposto rendimento líquido anterior.
Sendo iguais, dar-se-iam as desgraças que já apontei; sendo superiores, não sei onde chegaremos - depende isso do quantum de valor superior.
Tudo isto é a apresentação do trabalho que tive em minha casa após a apresentação da proposta do Sr. Deputado Águedo de Oliveira. Ò que resulta daqui?
Resulta que talvez se haja de modificar as próprias modificações, talvez se haja de arranjar umas terceiras bases, mas isso já não é tarefa para mim, porque não tenho formação jurídica. Dicant paduani.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem! Muito bem!
O Sr. Botto de Carvalho: - Sr. Presidente: não subi a esta tribuna quando na generalidade se debateu a proposta do lei criando um imposto sobre lucros extraordinários da guerra. E não subi a esta tribuna nesse momento, porquanto, na generalidade, eu não poderia trazer a este lugar outra cousa que não fosso a minha perfeita e plena concordância com a necessidade política, a necessidade de técnica financeira, a necessidade moral e social de que os lucros extraordinários da guerra fossem, na verdade, tributados.
Nem coerentemente eu poderia proceder de outra forma, sendo certo que dera, com perfeita consciência, o meu voto ao princípio consignado na lei de meios, autorizando o Governo a fazê-lo. Meço com perfeita consciência e com inteiro rigor a responsabilidade política que impende neste momento sobre esta Assemblea Nacional - à qual, nunca é demais dizê-lo, pertence, sobretudo na gestão dos negócios públicos, uma responsabilidade política -, neste momento em que discute esta proposta de lei e em que tudo, desde os princípios de técnica financeira, repito, até às aspirações justíssimas do carácter social, exige que os lucros de guerra, os lucros excessivos da guerra, sejam tributados. (Apoiados).
Com o mesmo equilíbrio, com a mesma consciência o a mesma responsabilidade com que assim penso, julgo, no entanto, também, que impende sobre esta Assemblea a mesma responsabilidade no sentido de não tornar possível com o seu voto que se criem ou constituam princípios que possam, nesta hora de graves preocupações económicas, tributar lucros que não sejam excessivos, ou até prejuízos da guerra.
O problema, em minha consciência, só se pode pôr com clareza por uma forma: a necessidade de que sejam tributados os verdadeiros lucros excessivos da guerra, a par da necessidade, não menos imperiosa, do que neste momento económico especialíssimo se não agrave uma tributação ou se não crie uma tributação nova para lucros que sejam apenas normais, ou até mesmo para prejuízos que possam porventura assumir o aspecto falaz de serem lucros.
Posto o problema desta forma, neste cuidado com que procuro, à imagem e semelhança de todos V. Ex.ªs, desempenhar cabalmente a função em que fui investido, procurando estudar à luz de conhecimentos que não posso deixar de ter - e bem quereria tê-los mais completos -, por virtude do exercício da minha profissão, em que estou permanentemente em contacto com problemas de natureza fiscal, eu pregunto a mim próprio se a proposta em discussão, quer na sua primeira fase, quer na nova fase, traduzida na fórmula do ilustre Deputado Sr. Dr. Águedo de Oliveira, completamente tranquiliza o meu espírito.
Mentiria a mim próprio e ao respeito que devo a V. Ex.ªs se respondesse afirmativamente.
O Sr. Ulisses Cortês: - Então V. Ex.ª é exigente.. -
O Orador: - Infelizmente sou um pouco.
A proposta em discussão diz expressamente o seguinte: «O imposto incide sobre as pessoas singulares ou colectivas que tenham realizado em 1941 excedente superior a 20 por cento sobre os seus rendimentos ilíquidos normais». Tenho de chamar a atenção da Assemblea para a redacção deste princípio.
Eu não posso analisar este princípio aqui expresso, nem, sequer, o alcance da palavra «realizado», sem o
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comparar com disposições posteriores. Por exemplo, com a base VII, onde só diz o seguinte: «este indivíduo deverá entregar na respectiva repartição de finanças uma declaração dos rendimentos ilíquidos que tenha realizado durante o ano de 1941 - e repete aqui a palavra «realizado»-, acompanhada do respectivo balanço e de todos os elementos demonstrativos que sejam necessários para se apurar o lucro extraordinário definido nas bases I e IV». E, depois, na base viu afirma-se que «tos secretários de finanças convocarão as comissões que, com base nas declarações apresentadas, determinarão os rendimentos extraordinários a tributar».
O Sr. Marques de Carvalho: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, diz-me se já está em discussão a base VII?
O Sr. Presidente: - Não está.
Vozes: - Parece!
O Sr. Vasco Borges: - Parece até que estamos outra vez na discussão da generalidade!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Botto de Carvalho, para fazer o confronto da base I com outras bases, precisa naturalmente de se socorrer dessas bases, o que não quere dizer que as esteja discutindo.
O Orador: - Como é opinião de V. Ex.ª, Sr. Presidente, que estou dentro do Regimento, eu continuo.
Pela comparação feita desta base com outras disposições da proposta de lei, não posso tirar outra conclusão senão a de que, em face da declaração feita pelo contribuinte - declaração do rendimento realizado em 1941, portanto um rendimento real determinado em face da realidade dos números constantes da sua escrita-, a comissão à qual esses elementos são apresentados tem de os respeitar, não podo transformá-los nem alterá-los. Quere dizer: o arbítrio, que só pretende considerar salutar - e, infelizmente, na prática é muitas vezes salutar -, o arbítrio dessa comissão não pode estabelecer em montantes diferentes dos reais os rendimentos ilíquidos realizados de facto pelo comerciante ou pelo industrial.
São estes que há que comparar, para que se verifique se os excedem ou não, com os rendimentos ilíquidos normais, que consistem, segundo o n.º 2 da base I, na média dos rendimentos ilíquidos verificados em 1937, 1938 e 1939, supondo eu que por verificados se entende os que serviram de base à colecta.
Mas, Sr. Presidente, estes rendimentos de 1937,1938 e 1939, cuja média nos vai servir de termo de comparação, não são da mesma qualidade dos declarados em 1941.
Assim, podemos chegar a esta conclusão: aquilo que se pretende que seja o justo em técnica fiscal vem dar lugar ou pode dar lugar a verdadeiras injustiças.
O Sr. Vasco Borges (interrompendo)- V. Ex.ª considera então defeito que só entrem os rendimentos de 1941?
O Orador: - O defeito não é nem podia ser esse. O vício do princípio provém do facto de haver de comparar o rendimento ilíquido real de 1941 com a média dos rendimentos ilíquidos não reais mas presumíveis dos três outros anos anteriores, sendo certo, como foi declarado do alto desta tribuna, e ninguém o ignora, nem a Câmara Corporativa, que, pela necessidade de se atender às consequências da aplicação de uma taxa de imposto de 21,4 por cento, propositadamente as comissões estabelecem um lucro presumível que torne viável ao contribuinte o pagamento da percentagem legal.
Reparem V. Ex.ªs: quanto mais a comissão tiver baixado o rendimento presumível em 1937, 1938 e 1939, maior é o desnível provocado na comparação da média destes anos com a declaração relativa a 1941, mais se falseia o verdadeiro aspecto dos lucros extraordinários de guerra que se pretendem tributar, mais facilmente se cai, portanto, na possibilidade de se vir a tributar como lucro de guerra aquilo que não será senão um lucro normal, ou até mesmo um verdadeiro prejuízo de guerra. E, se é certo que é inconveniente na lei fiscal o excesso de definição, se é certo que há uma dificuldade enorme na definição, por qualquer forma, do que sejam lucros extraordinários de guerra, se é certo, portanto, que toda esta legislação, à imagem e semelhança do que se tem feito por esse mundo fora, já como consequência da guerra de 1914-1918, já como consequência da guerra actual, tem de adoptar um critério de justiça que esteja o mais próximo possível do ideal inatingível, eu pregunto:
á Está consignada nesta base I, em que o problema se se, a defesa contra a possibilidade de, na sua execução, se verificarem os perigos, as injustiças que apontei? Não o vejo, e como o não vejo, parece-me este facto profundamente impolítico e profundamente inconveniente em qualquer oportunidade, mas sobretudo naquela que atravessamos.
Basta que um comerciante ou um industrial se tenha visto no ano de 1940 na necessidade de aumentar o seu capital por virtude de um aumento do preço unitário de mercadorias para que, sem nenhum aumento de lucro, necessariamente venha a ser tributado por lucros extraordinários de guerra. E esta é apenas uma hipótese entro tantas que já são conhecidas de V. Ex.ª
Qual a garantia de um lucro mínimo? Vejo nesta proposta, e eu julgo não sair das disposições do Regimento citando-o, o princípio de que está garantido, noutra base, para as sociedades anónimas um dividendo mínimo, isento desta contribuição, de 8 por cento. Não vejo nenhuma garantia similar em relação às sociedades por cotas e às sociedades em nome colectivo, nem para os comerciantes ou industriais em nome individual. E no entanto não vejo que qualquer destes mereça ter direito a menor garantia que a expressa para as sociedades anónimas.
Tudo isto é, no fundo, o justificado receio da injustiça, resultante da possibilidade de se virem a tributar, não como se pretende, não como é justo, não como é indispensável, os lucros extraordinários de guerra, mas os lucros que sejam normais.
O Sr. Vasco Borges: - Parecia-me mais justo tirar a garantia de 8 por cento às sociedades anónimas e ficar tudo igual.
O Orador: - Era, pelo menos, mais nivelado.
O que não me parece que seja justo é que se não considere lucro nenhum como lucro normal. E não me parece porque eu não me esqueço de uma história que me contaram há muitos anos - a da galinha dos ovos de ouro. É bom não a matar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carlos Mantero: - Sr. Presidente: vou usar da palavra, só por uns minutos, para dizer como, em meu entender, deve ser interpretada a definição de rendimentos ilíquidos normais contida no § 2.º da base I da contraproposta em discussão.
Deve entender-se por lucro ilíquido normal de um contribuinte a média aritmética dos lucros ilíquidos reais desse contribuinte nos anos de 1937,1938 e 1939.
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Tratando-se de uma proposta de lei, ela não refere naturalmente matéria regulamentar. Por isso os factores de correcção a aplicar quando os dois termos de comparação não forem homogéneos, a existência de capitais desiguais entre os dois períodos, a modificação da natureza das actividades económicas do contribuinte e outros serão certamente acautelados no regulamento que vier a ser publicado.
A contraproposta, como está redigida, pressupõe pois a existência de preceitos regulamentares que a tornem justa na sua aplicação aos casos particulares, justiça relativa de contribuinte para contribuinte.
Assim, os factores de correcção terão de intervir em numerosos casos, tais como a natureza da actividade económica, com os seus maiores ou menores riscos, a relação entre os lucros e os capitais, e não apenas a consideração de lucros absolutos, a relação entre lucros e stocks, entrando-se em linha de conta com o resultado da sua liquidação total ou parcial, a perda de valores reais em contraposição com as diferenças expressas em moeda pela contabilidade, a cessação total ou parcial das actividades por efeito de guerra, para citar só algumas das circunstâncias a atender se se quiser chegar à justiça relativa, à verdadeira justiça fiscal, sem ferir a economia nacional.
O Sr. Abel Varzim: - Sr. Presidente: não subi a esta tribuna só para dar testemunho público do meu voto de concordância com a disposição legal que vai isentar de imposto os lucros de guerra investidos no desenvolvimento da produção pela montagem de novas instalações industriais. Vim porque entendo dever exteriorizar o meu entusiasmo por tam inteligente disposição e prestar homenagem ao espírito realista que a concebeu.
Temos andados convencidos de que somos um puís essencialmente agrícola. Se examinarmos as estatísticas demográficas, temos de concluir que, de facto, assim tem sido. Mas, desde que me conheço, sempre ouvi os clamores da agricultura, que sinto justificados, pois também eu trabalhei a terra por minhas mãos e sei, por experiência própria, quam dura e esgotante é a vida dos nossos agricultores, sobretudo do norte, cuja sorte creio bem não ter desde então melhorado. Já tive mesmo ocasião de focar aqui, servindo-me de estatísticas oficiais, a deshumanidade da vida dos trabalhadores rurais por todo o País. E mercê da minha posição doutrinária na nossa vida social, pela palavra e pela pena tenho combatido, seguindo o exemplo do Apóstolo Santiago, esse salário de fome que os proprietários agrícolas pagam ao braço vigoroso que lhes semeia os campos e ceifa as searas. Reconheço, porém, que tal salário nem sempre é fruto du. espoliação do trabalho, mas por vezes da impossibilidade de se pagarem, sem ruína, salários mais humanos e cristãos.
De cada vez mais me convenço de que se torna urgente ir transformando a feição económica do País, pois a agricultura, num clima como o nosso, e numa terra pobre como a nossa, não pode sustentar-nos a todos.
O Sr. Presidente: - Permita V. Ex.ª que lhe lembre que estamos na discussão da especialidade. V. Ex.ª está a fazer considerações de ordem geral ...
O Orador: - Estou de facto fazendo considerações de ordem geral, porque as julgo necessárias para as conclusões que hei-de tirar e que dizem respeito exclusivamente à especialidade.
Para defender a agricultura pagamos caro demais o pão de cada dia e, no entanto, é verdade que as regiões agrícolas se vão empobrecendo sucessivamente, apesar de haver ainda quem viva na capital u custa do rendimento da terra.
Este fenómeno de empobrecimento rural leva um grande número de trabalhadores da terra a fugir dela para os grandes centros, e desde sempre verifico que as famílias numerosas, e até as normais, se vêem forçadas a enviar os seus filhos paara os liceus, para o comércio e para os empregos públicos, porque as terras não chegam para sustentar na agricultura os casais que seus filhos venham a constituir.
Tem-se agravado a situação, e esta progressiva concorrência dos campos aos grandes centros comerciais e industriais vem provocando graves perturbações na posição das classes médias.
Estamos perante um tal excesso de produção de doutores, de empregados e de operários, que atinge as raias da angústia. Verifica-se o facto, por exemplo, nos concursos. Por cada vaga que se abre aparece uma centena, ou mais, de concorrentes. Para um lugar que exija u instrução primária têm-se nomeado concorrentes com o curso geral dos liceus e até com mais habilitações. A lugares de simples escriturários concorrem também licenciados. Já se tem reagido salutarmente contra esta desordem, que só pode gerar revoltados. Mas eu pregunto se não admitir os que têm excesso de habilitações não será criar a revolta no espírito daqueles que não encontram ocupação compatível com os seus diplomas.
Consequência lógica desta anarquia social é procurar cada qual obter colocação, servindo-se de influências pessoais. Esta luta desesperada pela vida complica-nos, a nós também, profundamente a vida.
Por mim confesso que tenho os nervos cansados e sinto a paciência a falhar. Durante o ano passado recebi 1:826 pedidos de colocação! Outras tantas cartas a escrever e telefonemas e muitas visitas. Se acrescentar a este número os imensos e aflitivos pedidos de auxílio de vária ordem para a assistência, para a Misericórdia, para os hospitais, para os sanatórios (um total de 877 pedidos) -, não exagero se afirmar que 80 por cento do meu tempo é diariamente perdido para outras actividades mais proveitosas socialmente. E a muitos de V. Ex.ª tenho ouvido desabafos, sobretudo aos que ocupam lugares de maior responsabilidade no tablado económico ou social do País, de que se vêem forçados a perder um tempo precioso a ler cartas, a atender telefones, u receber amigos ou conhecidos, tudo isto com pedidos de colocação que se não podem atender. Este tempo, inutilmente gasto, renderia para a Nação muito mais se pudesse ter sido aproveitado no desempenho dos nossos deveres.
Um cristão não pode, porém, recusar-se em consciência a socorrer a miséria do seu irmão, e continuaremos sempre na mesma se um esforço colectivo não vier remediar a dolorosa situação.
Mas, Sr. Presidente, lá diz a Escritura Sagrada que um abismo provoca outro abismo. Porque é enorme a concorrência de quem procura trabalho, aparecem os sem escrúpulos, que justificam os baixos salários pagos alegando que não falta quem lhos venha pedir. Dizem-no e escrevem-no! E atrevem-se a dizê-lo certas companhias estrangeiras cujos directores ganham pela medida grande mas pagam pela mais pequena, com desprezo absoluto pelos direitos de quem trabalha. Estes baixos salários provocam, por sua vez, a concorrência dos mal remunerados às empresas que, conscientes das suas responsabilidades sociais, pagam salários justos. Estas vêem-se perseguidas, assediadas com pedidos e insistências tais, que são naturalmente levadas à tentação de pagar pior para se libertarem de tam irritante perseguição.
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Outro abismo provocado pelo primeiro abismo é o não encontrarem colocação fácil os empregados ou operários de mais de quarenta anos que por qualquer circunstância se desempregarem e ser de todo impossível encontrar trabalho, a não ser de porteiro, aos que atinjam os sessenta anos. Como estes operários ou trabalhadores não têm reforma ou assistência, é a miséria negra que lhes entra pela porta dentro.
Ficam muitas vezes a cargo de filhos que, mal ganhando para si, só podem repartir com eles a sua pobreza. Apela-se então para o trabalho feminino, e aí vai a mulher ou a rapariga em busca do trabalho, a agravar ainda mais o problema. Nestes poucos anos em que venho trabalhando no campo social tenho mendigado um emprego como quem pede uma esmola. E imensamente grato estou a alguns industriais e até a alguns de V. Ex.ª por terem cedido a pedidos meus, por compaixão. Mas havemos de concordar que o trabalho é um direito e não pode continuar a ser um favor ou uma esmola!
Poderia trazer para aqui elementos e estatísticas, que mais nos convenceriam da urgente necessidade de olhar de frente e com decisão o problema económico e social do País, como sejam a descida brusca da natalidade, o aumento da tuberculose, a mortalidade infantil e o depauperamento físico de certas populações. Limitar-me-ei a acrescentar apenas dois factos reveladores. Refiro-me ao nível de vida dos habitantes dos bairros municipais e à chaga dos quartos alugados a famílias inteiras.
Cada um dos bairros municipais alberga para cima de duas mil almas. Por inquéritos feitos pela polícia municipal e por alunos finalistas do Instituto Superior Técnico - a cuja consciência dos deveres sociais desejo manifestar a minha profunda homenagem - verifica-se que os rendimentos médios daquela gente não chegam a 2$ diários por pessoa, para comer, vestir, calçar e renda de casa. E são, contudo, quatro mil almas dentro das portas de Lisboa. O outro flagelo, antros de imoralidade e de tuberculose, são esses quartos alugados por 70$ e 80$ a famílias inteiras, que, aos milhares, vivem espalhadas por esta capital. A construção dos dois bairros municipais já existentes e os que o espírito decidido e clarividente do Sr. Ministro das Obras Públicas mandará construir pela verba orçamentada para tal fim no Comissariado do Desemprego é obra meritória dos maiores louvores. Mas, se aliviam o mal, não o podem curar.
Tem-se apelado, Sr. Presidente, para os trabalhos públicos, como meio de atenuar o desemprego e o excesso de braços. De facto, tenho imaginado muita vez em que situação aios encontraríamos se o Ministério das Obras Públicas e Comunicações, pelo Fundo de Desemprego, não viesse proporcionando trabalho todos os anos a tantos milhares de operários e se não viessem, sendo colocados alguns milhares de empregados nos serviços do Comissariado, na fiscalização das obras e nas empresas particulares, com a comparticipação do Desemprego. Mas isto não é sistema que deva durar, porque também não é solução.
Dizem outros que ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência deve ser pedido maior rendimento social. Embora pudesse ele, se quisesse, ter realizado uma obra que não vem realizando, também estou convencido de que só por ali não poderemos encontrar o verdadeiro caminho.
Quanto a mim, só encontraremos solução pela progressiva e inteligente industrialização do País. E certo que seria loucura criar indústrias antieconómicas, que viriam complicar-nos ainda mais a vida. Mas creio bem que poderíamos montar certas indústrias perfeitamente viáveis, que viriam ocupar a actividade de todos os portugueses.
Cito um exemplo que me parece suficientemente elucidativo: a indústria da cortiça. Verificamos pelas estatísticas que a nossa exportação de cortiça, se resume nos seguintes dados (Boletim da Junta Nacional da Cortiça n.º 36, Outubro de 1941, p. 26):
Cortiça em bruto:
Por cento
Em 1938 91,39
Em 1939 93,07
Em 1940 92,17
Cortiça, manufacturada:
Em 1938 8,61
Em 1939 6,93
Em 1940 7,83
Estes 8 por cento de cortiça, manufacturada, os blocos de cortiça que encorporaram já algum trabalho, bem como a consumida no País, ocupam (estatística de 1940) mais de 20:000 operários, não contando neste número o pessoal do tráfego, motoristas, guardas e porteiros, pessoal das geradoras de força motriz, pessoal das indústrias acessórias, como carpinteiros, serralheiros, etc., nem tampouco o pessoal administrativo.
Ninguém pode recusar-nos a nós, país produtor de metade da produção mundial de cortiça, o direito de exportar cortiça manufacturada, nem outro país a poderá manufacturar em condições mais económicas do que nós.
Se os 90 e tal por cento da cortiça em bruto que exportamos fosse de facto manufacturada, ocuparíamos certamente mais de 100:000 operários, com a consequente colocação de milhares de empregados e mesmo de indivíduos de profissões liberais. Não seria preciso muito mais para solucionarmos em grande parte a questão do desemprego e dos baixos salários.
Mas será viável um alargamento sistemático desta indústria?
O professor auxiliar da Universidade Técnica, Dr. António Maria Godinho, escreveu no Boletim da Junta Nacional da Cortiça n.º 35, Setembro de 1941, p. 12, o seguinte:
Afigura-se-nos ser o momento que passa excepcional para tentar uma industrialização «em grande» das cortiças portuguesas; não apenas para evitar o absurdo de exportar a matéria prima e importar o produto com a mesma fabricado, mas porque nos parece ser tal industrialização do mais elevado alcance para a economia do País.
A Espanha, país nosso concorrente, desde há muito que entrou por este caminho, concedendo prémios de exportação, que vão de 10 por cento para o papel de cortiça até 17 por cento para os aglomerados e 20 por cento para as rolhas e discos. E creio que nenhuma oportunidade maior teremos do que esta, em que as fábricas na Inglaterra, Alemanha e América deixaram de laborar a cortiça para se transformarem em indústrias de guerra.
E quem fala da indústria da cortiça pode também falar da indústria do papel. Ouço dizer aos técnicos que é possível e económica a fabricação da pasta do papel. Pelo menos existe uma empresa inglesa no País - no Caima - que ocupa muitas centenas de operários na fabricação de pasta de papel, que exporta para Inglaterra, certamente porque a pode produzir em condições económicas. Outro tanto poderíamos fazer nós, favorecendo não só os operários possivelmente ocupados nessa indústria, mas todos quantos têm a sua actividade ligada ao papel.
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Outras indústrias novas poderíamos criar ou desenvolver em perfeitas condições económicas, que iriam libertar a terra do encargo que lhe impomos de sustentar por si só tam grande número de vidas, encargo que ela não pode suportar.
Falta-nos espírito de iniciativa e organismos oficiais que, como o deveria fazer a Direcção Geral da Indústria se resolvam a tomar por este caminho.
O Comissariado do Desemprego, na intenção de favorecer as iniciativas particulares, inscreveu no seu orçamento de 1941 a verba de 3:100.000$ para subsidiar a montagem de indústrias novas. Como ninguém aparecesse a requisitá-la no todo ou em parte, no orçamento para este ano essa verba de 8:100.000$ foi reduzida para 2:000.000$. Oxalá que ao menos esta não fique outra vez inactiva nos cofres do Comissariado.
O pensamento do Governo é, portanto, claro. Quando li a proposta de lei que isentava de contribuição sobre os lucros de guerra os capitais investidos em novas indústrias, tomei logo a resolução de lhe vir dar público aplauso. Vou mais além, pois desejaria aprovada uma isenção maior que a da proposta. É estaria disposto igualmente a votar qualquer proposta ou projecto de lei que tendesse a fomentar a criação de indústrias novas ou o desenvolvimento das já existentes, mesmo com dispêndio para a Fazenda Pública.
Em nome dos desempregados e dos que vivem vida de permanente miséria peço, por isso, ao Governo que procure, tanto quanto possa, apressar o complemento da sua obra de restauração do País, dando-lhe a feição económica que ele reclama e apoiando aqueles homens que se têm lançado ultimamente em magníficos empreendimentos industriais.
Mas o problema social, que se vai agravando dia a dia, pelo aumento do custo da vida, pela falta de certas matérias primas e de combustíveis, não consente que se espere tudo do Governo. É ocasião de apelar para o capital, para que não fique comodamente inactivo nos bancos ou convertido em títulos de dívida pública.
Muita gente supõe que, lá porque dá 5$ ou 10$ por mês para a Mitra, tem cumpridos os seus deveres sociais. Não estamos em época de os deixar nesta criminosa ilusão. A propriedade e o capital têm ,graves deveres sociais a cumprir, hoje mais do que nunca. Ou os cumprem voluntariamente, ou o Estado, em nome do bem comum, assume o direito e o dever de lhos fazer cumprir.
Perante a consciência cristã, aquele que tem fortuna é responsável pela vida de quem não tem o suficiente para viver. E como estamos num regime que aceita como norma de proceder a moral cristã, não se pode compreender que haja tanta gente com fome e tam pouca pressa em lha matar.
Aprovo, repito, a proposta de lei e sobretudo a isenção que se dá aos capitais investidos em novas indústrias, certo de que se promove assim a urgente e imperiosa industrialização do País.
Caso contrário, continuaremos agarrados à terra, a chorar a sua e a nossa miséria.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Angelo César: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: não vou seguramente ressuscitar a discussão desta proposta na sua generalidade, mas, como consequência necessária da orientação do debate, não posso, no cumprimento do dever que aqui me trouxe, deixar de referir a generalidade na parte em que ela foi hoje aqui ressuscitada. Nesta tribuna disse-se que seria uma óptima solução aprovar a proposta na generalidade e abster-se a Assemblea de se pronunciar sobre a sua especialidade, limitando-se a, numa moção, manifestar a sua confiança em que o Governo regularia bem e oportunamente essa mesma especialidade.
Salvo o devido respeito, parece-me que isto seria nem mais nem menos do que, de uma maneira directa ou indirecta, como quiserem, reprovar na generalidade.
Apoiados.
Acresce ainda a esta razão de ordem lógica ama outra de ordem legal.
A mecânica constitucional estabelece que em seguida à generalidade a Assemblea tem de pronunciar-se sobre a especialidade. Não podemos abster-nos; somos constitucionalmente competentes, e o momento oportuno de considerar a nossa competência é o da aceitação do mandato.
De resto, a proposta na especialidade não diverge dos princípios essenciais que informam o nosso sistema fiscal.
Parece-me que seria pouco próprio para esta Assemblea, num momento tam delicado da vida nacional, em que os encargos se multiplicam hora a hora e em que as dificuldades surgem de todos os lados, sugerir, em crítica improvisada, uma excepção que se não impõe, com a sugestão de uma modificação no nosso sistema fiscal.
Não é este o momento de improvisação em matéria tam essencial, e, se toda a nossa situação política tem a alicerçá-la uma política financeira serríssima, que foi a primeira razão do nosso efectivo triunfo - eu ia quási a dizer da nossa independência, como havemos agora de criticar, de atacar, o sistema em que ela se baseia, os princípios com que tem funcionado.
Não seria oportuno nem justo.
Creio que, de certo modo, o critério trazido para esta tribuna com aquela inteligência e simpatia que sempre caracterizam as intervenções do nosso colega Sr. engenheiro Cancela de Abreu é de aceitar, sendo devidamente rectificado. Disse esse nosso ilustre colega que nos poderíamos abster de apreciar a especialidade da proposta, deixando que o Governo decrete sobre ela. O critério é aceitável, de certo modo, se, repito, o rectificarmos devidamente.
O Governo já se pronunciou sobre o assunto. Se nós estamos a apreciar uma proposta de lei que, por o ser, dimana do Governo, e se confiamos tanto no Governo que até queremos renunciar à nossa própria magistratura para delegar nele que por nós legisle nesta matéria, então parece-me mais certo que aceitemos o critério governamental tal como nos foi apresentado. Não compreendo que seja confiar no Governo não votar a sua proposta...
De resto, afigura-se-me que nesta tribuna foi apenas aduzida uma aparência de argumentação contra a mecânica da proposta.
Irrita, e se não irrita preocupa o espírito de alguns dos Srs. Deputados, a circunstância de se falar num lado em lucros ou rendimentos realizados e de noutro lado aparecer o critério que há-de definir o âmbito desses lucros, assentando-o em rendimento presumível.
Trata-se de uma aparência de razão, como vou demonstrar.
Os lucros presumíveis de 1937,1938 e 1939, que serviram de base ao trabalho das repartições, e agora passam a ser utilizados, para obter uma média, segundo a proposta, tornaram-se reais desde que não houve reclamações que os alterassem. O que era presunção transformou-se legalissimamente em certeza.
Quere dizer, meus senhores: aquilo que foi presumível tornou-se em real por decisões legais que transitaram em julgado. E, assim, não existe senão na aparência a dispa-
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ridade de critérios legislativos, segundo o argumento que aqui se utilizou. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Angelo César acaba de interpretar as palavras do Sr. Deputado Cancela de Abreu nos seguintes termos:
- A idea do Sr. Deputado Cancela de Abreu, segundo aquele Sr. Deputado, seria, em vez de se fazer votação na especialidade em relação a cada uma das bases, a Assemblea abster-se de fazer essa votação; e, em vez disso, votaria uma moção de confiança ao Governo no sentido de o Governo legislar por decreto sobre a matéria.
Não posso dar seguimento a este alvitre em face do Regimento nem em face da Constituição.
Desde que a proposta foi aprovada na generalidade, e foi, porque nenhuma questão prévia foi apresentada, tem de haver fatalmente uma votação sobre a matéria na especialidade. A Assemblea não pode abster-se de fazer essa votação.
Vozes: - Muito bem! Apoiado! Apoiado!
O Sr. Presidente: - De resto, o Sr. Deputado Cancela de Abreu, com quem acabei de trocar impressões, tem este ponto de vista. A idea dele não é aquela que lhe acaba de ser atribuída pelo Sr. Deputado Angelo César, mas sim a de que o ponto de vista que em certa altura manifestou só podia ter tido efectivação durante a generalidade. Eu é que - parece-me- interpreto justamente a atitude do Sr. Deputado Cancela de Abreu, que é aquela em que me posso colocar.
O Sr. Cancela de Abreu: - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem de haver uma votação sobre a matéria, e a Assemblea ou aprova as bases que são submetidas à sua apreciação na especialidade ou as rejeita. É nesse sentido que elas têm de ser consideradas.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: devo declarar a V. Ex.ª que não me sinto sozinho na defesa da matéria desta proposta e da contraproposta tal como ela foi apresentada. Sinto mesmo que tenho por mini a solidariedade incondicional da Assemblea, a qual tomou a iniciativa de tributar os lucradores de guerra. Sinto mesmo que tenho a solidariedade desta, Assemblea devido ao facto de que em várias sessões de estudo se chegou a resoluções e princípios de que se tomou cuidadosa nota na elaboração da contraproposta.
Claro que não posso, por forma nenhuma, sob o ponto de vista político, aduzir aqui considerações que suponham que o Deputado é menos qualificado ou competente para a confecção da lei, isto é, que precisa de estar apetrechado tecnicamente para emanar uma lei. Precisa, sim, de competência política.
Por outro lado, acompanhei, durante muito tempo, várias discussões parlamentares em matéria de tributação fiscal, e lembro-me, como se fosse hoje, das discussões sobre as propostas de Caillaux e de Lloyd George, acerca das quais se pronunciaram Deputados de todos os matizes, quer no Parlamento francês, quer no inglês, mas nenhum pôs este receio de não serem técnicos, nem as propostas deixaram de ser acompanhadas com um rigor que só o demorado estudo pode facultar.
Por outro lado, também não posso acordar neste ilogismo, que não sei se vi declarado, de a Assemblea enveredar no sentido de um desvio, ou de recuo, com relação a uma iniciativa que foi tomada por esta mesma Assemblea na obediência de uma imposição categórica da consciência nacional.
Nós estamos aqui no exercício de poderes soberanos, que são poderes incondicionados.
E é preciso não esquecer que esta Assemblea está exercendo uma função de soberania.
E claro que o Sr. engenheiro Cancela de Abreu desejaria que o texto da lei fosse melhorado, tornado mais claro, mais acessível, que o contribuinte encontrasse nele maior compreensibilidade, de forma a que não lhe oferecesse dúvidas. Mas a verdade é que as leis fiscais são de certo modo de carácter técnico e ninguém pode fazer idea da regra do direito fiscal sem conhecimentos práticos, sem saber a forma como trabalham as repartições de finanças.
O Sr. Cancela de Abreu: -Pois o meu ponto de vista é filho, justamente, dessa mesma opinião.
O Orador: - Tenho ouvido, mesmo aqui, o Sr. Melo Machado falar em nome dos lavradores e dos seus direitos no ponto de vista particular da maneira como os funcionários cumprem a lei e interpretam os seus intuitos. Portanto, repito, as leis fiscais, de sua natureza técnicas, requerem conhecimentos especiais sobre a forma como trabalham as repartições de finanças. Sem o essencial deles nenhum passo poderá ser dado, nenhuma disposição, por límpida que seja, se projectará claramente.
O que há-de guiar as repartições de finanças para a tributação dos lucros de guerra são em especial a tradição e a prática da contribuição industrial.
O intuito político desta lei é bastante claro e nítido. Todos nós desejamos que sejam tributados sem atenuações os lucros de guerra e temos a confiança de que os órgãos dependentes do Ministério das Finanças hão-de executar esta lei, obedecendo ao pensamento claramente manifestado na Assemblea Nacional.
Posso dizer mais: as leis estrangeiras sobre lucros de guerra não são nem mais claras nem mais nítidas do que a proposta aqui apresentada, nem mesmo aquelas falhadas propostas de lucros de guerra apresentadas aquando da guerra passada o eram.
A verdade fiscal não é absoluta e a técnica legislativa nem sempre será primor.
Claro que parece, em certo modo, que o Sr. Deputado Cancela de Abreu e outros Srs. Deputados que aqui passaram nesta tribuna quereriam aquilo que é realmente, no nosso século e no direito fiscal dos estados modernos, o ideal da tributação. Esse ideal da tributação é, não a tributação presumida ou normal dos rendimentos, mas a tributação real, realista - chamemos-lhe assim.
V. Ex.ªs sabem onde isto levaria e sabem como poderia ser alcançado. Levaria à introdução no nosso sistema da devassa e da inquirição sistemática, contra as quais todos nós reagimos nesta discussão em nome da brandura dos costumes portugueses.
Critica-se em nome de um sistema, contra o qual sã reage da primeira linha à última.
E levaria muito longe, porque uma reforma fiscal é sempre um salto sobre o abismo. Tal salto não pode ser dado em tempo de crise.
Não posso, portanto, estar de acordo em nada daquilo que seja renunciar à competência da Câmara e deminuir a sua competência legislativa por considerações de ordem técnica.
Sem dispormos de omnisciência, a competência propriamente legislativa não será negada, deminuída ou obliterada.
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Isso seria dar um passo à retaguarda, depois de uma iniciativa tomada tam solenemente, porque ela partiu desta Câmara. E, nesse sentido, portanto, mantenho ainda as minhas anteriores considerações na defesa de uma medida tam moral e tam indispensável como esta.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Como a hora vai adiantada e ainda há oradores inscritos, o debate continuará na sessão do dia 19, quinta-feira da próxima semana.
A ordem do dia dessa sessão será, além da continuação dó debate na especialidade desta proposta de lei, a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado João do Amaral, que estava marcada para a sessão de hoje, e a discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Cancela de Abreu «obre o condicionamento das actividades dos engenheiros e de outros técnicos estrangeiros em Portugal.
Quero ainda dizer à Assemblea que o último dia de sessão, 21 de Fevereiro, será destinado à discussão e votação das Contas Gerais do Estado e das Contas da Junta do Crédito Público.
O parecer relativo às Contas Gerais do Estado, que é um documento muito extenso, já está publicado e vai ser imediatamente distribuído aos Srs. Deputados. O parecer sobre as Contas da Junta do Crédito Público vai ser publicado brevemente e, logo em seguida, distribuído.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA