Página 63
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 48
ANO DE 1944 25 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
SESSÃO N.° 45, EM 24 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Exmos. Srs. José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira
Nota. - Foram publicados oito suplementos ao Diário das Sessões n.° 47.
O primeiro insere o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei n.° 11, em que se transformou o decreto-lei n.° 33:616, de 31 de Dezembro de 1942, que regula a distribuição dos lucros líquidos anuais das empresas de navegação, obrigadas a. constituir Fundo de aquisição de navios, nos termos dos decretos n.ºs 30:700 e 31:094.
O segundo declara interrompido o funcionamento efectivo da Assemblea Nacional desde 10 de Janeiro último até 13 do Fevereiro corrente.
O terceiro convoca os dignos Procuradores que fazem parte das secções de Justiça e Política e administração geral, da Câmara Corporativa, a reunirem-se no gabinete da Presidência da mesma Câmara no dia 10 de Janeiro último, a fim de iniciarem os trabalhos respeitantes à proposta de lei relativa à rehabilitação dos delinquentes e jurisdicionalização das penas e das medidas de segurança.
O quarto agrega à secção de Justiça o digno Procurador Manuel Rodrigues Júnior, a fim tio intervir na apreciação da proposta de lei mencionada no suplemento anterior.
O quinto convoca os dignos Procuradores que fazem parle da secção de Política e administração geral a reunirem-se, em 25 de Janeiro último, para iniciarem os trabalhos referentes à proposta de lei relativa à Convenção Ortográfica assinada entre Portugal a os Estados Unidos do Brasil.
O sexto prolonga até 33 de Fevereiro corrente, inclusive, o período de interrupção do funcionamento efectivo da Assemblea Nacional.
O sétimo, convoca os dignos Procuradores que fazem parte da secção de Política e economia coloniais a reunirem-se no dia 18 de Fevereiro corrente, a fim de prosseguirem os trabalhos respeitantes à proposta de lei sobre definição de competência do Governo da metrópole e dos governos coloniais quanto à área e ao tempo das concessões de terrenos no ultramar.
O oitavo insere aviso convocando os Srs. Deputados para a sessão da Assemblea Nacional, que anuncia para o dia 24 de Fevereiro corrente.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os Diários das Sessões de 15 e de 16 de Dezembro de 1943.
O Sr. Presidente propôs que se consignasse no Diário das Sessões o posar da Assemblea polo falecimento dos Srs. José Dia? Ferrão, antigo Deputado, e Henrique de Paiva Couceiro, herói das Campanhas de África.
Foram recebidas na Mesa duas propostas de lei: uma, aprovando a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira: outra, criando o Estatuto da Assistência Social.
Também foram recebidas as contas da Junta do Crédito Público respeitantes a 1942.
O Sr. Presidente comunicou que recebera, para serem submetidos à ratificação da Assemblea, os decretos-leis n.ºs 33:310, 33:345, 33:348, 33:364, 33:398. 33:407, 33:414, 33:433, 33:446. 33:447, 33:469, 33:470, 33:472, 33:473, 33:474, 33:477 e 33:491.
O Sr. Deputado António de Almeida louvou a publicação do decreto-lei n.° 33:508, que autoriza o Governo a organizar e a enviar a Cabo Verde uma missão técnica.
O Sr. Deputado Rodrigues Cavalheiro elogiou a publicação do Inventário Artístico de Portugal, o enriquecimento do Museu dou Coches e a criação do Centro de Estudos de Arte e Museologia.
O Sr. Deputado Antunes Guimarãis apreciou, com louvor, a publicação do decreto-lei n.° 35:502, que regula a expropriação de imóveis, por utilidade pública, para a instalação de indústrias de alto interesse nacional.
O Sr. Deputado Melo Machado mandou para a Mesa um requerimento pedindo uma nota dos preços da fará e aveia fornecidos à Direcção Geral dos Serviços Pecuários.
Página 64
64 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
O Sr. Presidente designou os Srs. Deputados Albino dos Reis, Magalhãis Ramalho e Cunha Gonçalves para emitirem parecer sobre se o Sr. Deputado Madeira Pinto perdeu perdeu o mandato; e designou os Srs. Deputados de Lima, Amorim Ferreira, Bicudo de Medeiros, Amador e Pinho, Quelhas Lima, Sã Linhares, Cunha Gonçalves e Lopes da Fonseca para o estudo da proposta de lei que regula a distribuição dos lucros anuais das emprêsas de navegação obrigadas a constituir Fundo de aquisição de navios.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 16 horas e 59 minutos.
CAMARA CORPORATIVA. - Pareceres acerca das proporias de lei sobre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira e sôbre o Estatuto da Assistência Social.
Acórdãos da Comissão de Verificação de Poderes.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 68 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Alberto Cruz.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Álvaro Salvação Barreto.
António de Almeida.
António Cortês Lobão.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto Leite Mendes Moreira.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho. João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João de Espregueira da Rocha Pária.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
José Alçada Guimarãis.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz José de Pina Guimarãis.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 56 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 8 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das duas últimas sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como não há reclamações, consideram-se aprovados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Meus senhores: no intervalo que decorreu desde a última sessão da Assemblea Nacional ato hoje há que registar um acontecimento triste: o falecimento do Dr. José Alaria Dias Ferrão, que exerceu as funções de Deputado durante o período da 2.ª legislatura.
Porque êste antigo Deputado acompanhou sempre, com a maior assiduidade, os trabalhos da Assemblea Nacional e desempenhou o seu mandato com inteira correcção o lealdade, proponho que no Diário da sessão de hoje fique exarado um voto de profundo pesar pelo seu falecimento.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Outro facto também triste: foi, há poucos dias. a enterrar o cadáver de Paiva Couceiro, militar valente e destemido, estofo de verdadeiro herói, que nas campanhas de ocupação de África prestou à Nação assinalados serviços.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Paiva Couceiro tinha a alma dum autêntico patriota; punha os altos interesses da Pátria acima de quaisquer considerações de conveniência particular.
Proponho que se exprima um voto de profundo sentimento pela sua morte.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, para serem presentes à Assemblea Nacional, duas propostas de lei: uma, para aprovação da Convenção Ortográfica Luso-Brasileira; outra, sobre o Estatuto da Assistência Social. Estas duas propostas vêm acompanhadas dos respectivos pareceres da- Câmara Corporativa.
Estas propostas vão publicadas no final do relato da sessão.
O Sr. Presidente: - Recebi também as contas da Junta do Crédito Público respeitantes a 1942, que hão-de ser publicadas no Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão também presentes, para serem submetidos à ratificação da Assemblea, os seguintes decretos-leis:
N.° 33:310, que determina que, a partir de 1 de Janeiro de 1944, a Câmara Municipal do Porto deixe de cobrar os impostos indirectos a que se refere o decreto n.° 16:418 - Autoriza a mesma Câmara a cobrar, em substituição dos referidos impostos, quanto à carne das reses abatidas
Página 65
25 DE FEVEREIRO DE 1944 65
no Matadouro Municipal, o imposto até 3 por cento sobre o valor de cada quilograma, fixado nos termos da portaria n.° 9:708 - Regula a situação do pessoal dos serviços dos mesmos impostos extintos por este diploma (publicado no Diário do Governo n.° 272, 1.ª série, do 14 de Dezembro do 1943);
n.° 33:340, que insere disposições relativas ao funcionamento dos tribunais do trabalho - Introduz alterações no Estatuto e na tabela das custas dos referidos tribunais- Revoga os artigos 123.° a 126.°, inclusive, do Código de Processo dos Tribunais do Trabalho e o artigo 9.° da tabela das custas (publicado no Diário do Governo1 n.° 277, 1.ª série, de 20 de Dezembro de 1943); N.° 33:348, que autoriza o Governo a contrair o empréstimo interno amortizável de 2 4/2 por cento, obriga coes do Tesouro, 1944. e a emitir desde já a obrigação geral (publicado no Diário do Governo n.° 277, 1.ª série, de 20 de Dezembro do 1943);
N.° 33:364, que determina que, em quanto não estiver amortizado o empréstimo contraído na Caixa Geral do Depósitos, Crédito e Previdência pela Câmara Municipal de Albufeira para as obras de abastecimento de águas, esgotos e iluminação, continuem em vigor naquele concelho as disposições das leis n.°*339 e 1:714, na parte referente à cobrança do imposto ad valorem sobre as mercadorias a exportar pelo seu porto, salvo as que se apresentarem para esse efeito com despacho processado na Delegação de Lagos no qual se mostre ter havido cobrança de imposto idêntico para a Câmara Municipal de Lagos, nos termos do decreto n.° 31:855 (publicado no Diário do Governo n.° 278, 1.ª série, de 21 de Dezembro do 1943);
N.° 33:398, que torna extensivo ao cargo de conselheiro de legação em serviço da Secretaria Geral o abono para despesas de representação a que se refere o artigo 112.° do regulamento do Ministério aprovado pelo decreto n.° 29:970 (publicado no Diário do Governo n.° 279, 1.ª série, de 22 de Dezembro de 1943);
N.° 33:407, que autoriza a Comissão Reguladora do Comércio de Algodão em Rama. criada pelo decreto n.° 27:702, a adquirir um navio de vela construído em ferro (publicado no Diário do Governo n.° 279, 1.ª série, de 22 de Dezembro de 1943);
N.º 33:414, que eleva para 1:500.0005 o Fundo permanente de fardamento da guarda fiscal, criado pelo artigo 1.° do decreto n.° 12:247 (publicado no Diário do Governo n.° 280, 1.ª série, de 23 do Dezembro de 1943);
N.° 33:433, que aumenta o quadro do pessoal do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, excluindo o dos tribunais do trabalho (publicado no Diário do Governo n.° 281, 1.ª série, de 24 de Dezembro de 1943);
N.° 33:446, que prorroga até 31 de Dezembro de 1945 o prazo da isenção de contribuição industrial concedido pelo decreto-lei n.° 32:060 às sociedades anónimas Companhia Portuguesa de Celulose e Amoníaco Português (publicado no Diário do Governo n.° 282, 1.ª série, de 27 de Dezembro de 1943);
N.º 33:447, que prorroga definitivamente por mais três anos o prazo a quo se refere a alínea c] do artigo 9.° do decreto-lei n.° 23:026 - isenção da contribuição industrial concedida ao Banco da Madeira (publicado no Diário do Governo n.° 282, 1.ª série, de 27 de Dezembro de 1943);
N.° 33:469, que prorroga por mais um ano o disposto no decreto-lei n.° 31:856, que autoriza o Ministro das Finanças, ouvido o Ministério da Economia, a mandar aplicar a pauta mínima às mercadorias que interessem ao abastecimento do País, quando o direito a essa pauta lhes não esteja já assegurado por virtude de acordos internacionais (publicado no Diário do Governo n.° 284, 1.ª série, de 29 de Dezembro de 1943):
N.° 33:470, que mantém em vigor até 30 de Junho próximo futuro, com todas as modificações introduzidas até à presente data, as disposições do decreto-lei n.° 30:252, que eleva ao dobro os direitos específicos constantes dá pauta do direitos de exportação o fixa em 2,5 por cento a taxa dos direitos ad valorem (publicado no Diário do Governo n.° 284. 1.ª sério, de 29 de Dezembro de 1943);
N.° 33:472, que cria respectivamente nas armas de artilharia e engenharia as inspecções de artilharia antiaérea e do serviço automóvel do exército - Considera aumentado de uni brigadeiro o número de oficiais desta patente estabelecido para as armas de artilharia e de engenharia nos artigos 14.° e 22.° de decreto-lei n.° 28:401 (publicado no Diário do Governo n.° 284, 1.ª série, do 29 de Dezembro de 1943);
N.° 33:473, que reorganiza os quadros do pessoal militar e civil do Colégio Militar (publicado no Diàrio do Governo n.° 284, 1.ª série, de 29 de Dezembro de 1943);
N.° 33:474, que torna aplicável, a partir de 1 de Janeiro de 1944, aos militares em serviço nos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra, bem como aos que desempenham comissões no Instituto Geográfico e Cadastral, o regime de vencimentos estabelecidos pelos artigos 1.° e 6.° do decreto-lei n.° 28:403, alterado pêlos decretos n.ºs 28:484, 29:318 e 29:667 - Determina que, a partir da mesma data, as oficinas gerais de material do engenharia entrem no regime de industrialização em vigor nos outros estabelecimentos fabris do Ministério (publicado no Diário do Governo n.° 284, 1.ª série, de 29 de Dezembro de 1943);
N.° 33:477, que torna aplicável o reprime, instituído pelo artigo 5.° e § 1.° do decreto-lei n.° 32:691 ao subscritor da Caixa Geral de Aposentações que, com prejuízo das funções do seu cargo, passe a prestar serviço militar voluntário, considerando-o, para efeitos de aposentação, como em comissão transitória de serviço público remunerada através de orçamento público - Dá nova redacção ao § 1.° do artigo 1.° do decreto-lei n.° 30:913, sobre pensões do reforma extraordinária segundo o grau de incapacidade (publicado no Diário do Governo n.° 285, 1.ª série, de 30 de Dezembro de 1943);
N.° 33:491, que permite, ao Ministro das Finanças dispensar nos primeiros concursos para director de finanças o prazo a que se refere o artigo 50.° do regulamento aprovado pelo decreto-lei n.° 31:317 (publicado no Diário do Governo n.° 3, 1.ª série, de 6 de Janeiro de 1944).
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: durante a interrupção dos trabalhos da Assemblea Nacional o Governo publicou, pelo Ministério das Colónias, um importantíssimo diploma, cuja futura e benéfica repercussão económica e social consideràvelmente se há-de fazer sentir no Arquipélago de Cabo Verde, as qual se destinatum oportuna, disposição legislativa. Refiro-me ao decreto-lei n.° 33:508, que autoriza o Governo a organizar e a enviar às terras crioulas uma missão técnica com o propósito de estudar e resolver os problemas relativos à construção e melhoramento das estradas, ao aproveitamento de recursos hidráulicos e ao revestimento florestal.
Sr. Presidente: descobertas há cerca de quinhentos anos pelos nossos navegadores, as deshabitadas ilhas de então cedo constituíram objecto da nossa intensiva acção colonizadora; porém, a partir do domínio castelhano inicia-se a via dolorosa da população caboverdeana - ainda hoje não terminada -, parecendo que os agentes adversos, humanos e meteorológicos, se têm conluiado para molestar esta valiosa parcela do nosso Império de além-mar.
Página 66
66 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Assim, até ao final do século XVIII, as ilhas não mais deixaram de ser alvo de persistentes assaltos dos corsários estrangeiros; algumas erupções do fumegante vulcão do Fogo projectaram suas lavas devastadoras n grandes distâncias; uma pavorosa inundação arrastou para o mar um quarteirão completo da vila da Ribeira Grande, a capital de outrora; e, por seu lado, no século XIX, os governos da metrópole alhearam-se do* assuntos caboverdeanos, em virtude de, primeiramente, andarem empenhados em expulsar os franceses e depois por serem possuídos pela preocupação obsessiva de implantar entre nós as recém-importadas ideas liberais.
Para cúmulo da desventura surgem, temporariamente. As horrorosas crises alimentares, que, persistindo até aos nossos dias, irão vitimar muitas dezenas de milhar do pessoas e de animais: três grandes períodos de fome no século passado e já outros tantos no actual - em 1903, em 1921 e o último há três anos apenas; e para ensombrar mais este quadro de infortúnio, em 1856, uma mortífera epidemia de cólera-mórbus dizima famílias inteiras, ficando desertas muitas aldeias da Ilha de S. Nicolau.
Sr. Presidente: a acção erosiva dos homens e dos animais - especialmente os milhares de cabras domésticas e selvagens que, na maior liberdade, vagueiam pelo Arquipélago - tem auxiliado enormemente a repetição das vagas de miséria, motivando profundas alterações meteorológicas, derivadas da destruição contínua e desorientada das espécies botânicas que cobriam as ilhas Ti data do seu descobrimento; e haveremos apontado as principais origens das calamidades caboverdeanas se acrescentarmos as violentas lestadas, que, acelerando a desarborização, comprometem a pluviosidade e, por conseguinte, condicionam a escassez de água, com prejuízo grave para o clima e para a vida e bem-estar da gente crioula.
Frequentemente, também, se tem imputado à imperfeita divisão da propriedade, ao iprimitivismo de processos agronómicos utilizados pêlos naturais e à sua indolência uma cota parte das causas dos males que afectam o Arquipélago. Se, com efeito, o caboverdeano não sabe ainda tirar da terra tudo o que esta lhe pode oferecer, no entanto numerosas pessoas, no tempo das lavouras, mourejam nos campos ingratos e ressequidos, desenvolvendo esforços pertinazes e admiráveis; outras dedicam-se afanosamente às labutas da pesca marítima, laboram nos trapiches ou engenhos do açúcar, nas fábricas de conservas de peixe e de manipulação de tabaco e na indústria salineira, quando não se ocupam no transporte de pesados fardos, à cabeça e a pau e corda, por carreiros alcantilados, pedregosos e difíceis, tam característicos destas acidentadas ilhas.
E se seus habitantes não conseguem empregar-se na terra-mãi e arranjam possibilidades de emigrar, fazem-no de preferência para as colónias portuguesas de África, Américas e ilhas de Sandwich, territórios onde são apreciados condignamente, tanto pelo seu amor ao trabalho como pelas qualidades morais e intelectual que possuem.
Ultimamente, e por causa da guerra, as dificuldades dos caboverdeanos aumentaram extraordinariamente; a falta de navios mercantes estrangeiros que, antes do conflito e não obstante a temerosa competição das Canárias e de Dakar, se serviam dos seus portos a fim de se abastecerem de alimentos frescos e de combustíveis, junta a outros factores de esmorecimento comercial, concorre bastante para o estado de depressão económica em que o Arquipélago se encontra.
Sr. Presidente: o Governo, após a elaboração de demorado e indispensável plano de obras - para o qual preponderantemente contribuiu a visita a Cabo Verde
do ilustre Ministro das Colónias, realizada em 1942 -, conhecendo minuciosa e perfeitamente todas as circunstâncias, propõe-se enfrentar satisfazer as mais instantes necessidades da colónia e estimular o seu progresso, promovendo, tanto quanto humanamente for possível, a extinção ou a neutralização das crises de fome que, de onde em onde, apoquentam os naturais.
No notabilíssimo relatório que acompanha o decreto-lei n.° 33:508, em síntese magistral, focam-se as múltiplas facetas dos problemas postos em equação: construção de estradas e caminhos de montanha e beneficiamento das vias existentes, poucas e mal conservadas; aproveitamento da água das ribeiras, das nascentes e do subsolo, quer para abastecimento de água potável às povoações e para os serviços de salubridade pública, quer para regas, favorecendo a fertilidade dos terrenos f melhoria da produção; e, finalmente, a intensificava o do repovoamento florestal, tarefa basilar, sem a qual não se obterão regularidade de chuvas, abundância de água e benefício do clima.
É a primeira vez, Sr. Presidente, que as ilhas crioulas vêem as suas questões vitais tratadas em conjunto pela metrópole, com o carinho, inteligência e bom senso que tá tanto tempo reclamavam o portuguesismo dos caboverdeanos e o excepcional valor político e estratégico da posição do Arquipélago no Atlântico. (Ao fazer esta afirmação não pretendo esquecer as diferentes tentativas parcelares, e que por isso resultaram infrutíferas, ensaiadas em favor de Cabo Verde).
A par das indicações de carácter administrativo e técnico e dos patrióticos fins a atingir pela missão, e com a maior brevidade - no diploma declara-se que w obras começarão a executar-se imediatamente após a conclusão dos trabalhos de gabinete e dentro de um prazo que nunca excederá dezoito meses -, a presente medida legislativa contém nova e excelente doutrina que enche de contentamento não só os caboverdeanos como ainda todos quantos se entregam ao estudo dos seus problemas.
Sr. Presidente: a demonstrar, por forma objectiva e insofismável, que «ali também é Portugal», o Governo da Nação, depois de haver preparado, convenientemente, um plano de trabalhos, vai ordenar o respectivo estudo in loco, em condições análogas às que, em matéria de obras públicas, se estão pondo em prática nas ilhas adjacentes, o que equivale a dizer que os encargos da missão correm por conta da Mãi-Pátria, talqualmente o que acontece com as missões técnicas enviadas à Madeira e aos Açores.
Contudo, não é a liberalidade financeira do Governo central que deve impressionar, mais em especial; esta nobilíssima atitude, de incalculável significado político, nacional e internacional, no momento presente, traduz absoluta garantia e certeza indubitável da dedicação e interesse que a Nação vota às ilhas, de Cabo Verde, aproximando-as espiritualmente cada vez mais da metrópole, colocando-as em situação moral semelhante à das ilhas adjacentes - o caminho natural para a respectiva identidade de regimes administrativos, a aspiração máxima dos portugueses de lei que são todos os filhos do Arquipélago, completamente integrados na civilização ocidental e cristã, inteiramente assimilados ao nosso espírito, à cultura lusitana.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Rodrigues Cavalheiro: - Sr. Presidente; permito-me chamar a atenção da Assemblea Nacional para alguns factos ocorridos ultimamente e que merecem co-
Página 67
25 DE FEVEREIRO DE 1944 67
mentário especial por mostrarem o alto interesse que o Estado Novo continua a manifestar pelo progresso cultural da Nação.
Antes de mais nada cumpre sublinhar, com o maior entusiasmo, o que pode bem definir-se como o acontecimento de maior alcance registado entre nós no último século no capítulo de belas artes. Refiro-me ao aparecimento do 1.° volume do Inventário Artístico de Portugal, a que está procedendo a Academia Nacional de Belas Artes. Facto de transcendentes consequências, ele ficará, só por si, a assinalar uma época histórica e uma orientação governativa em matéria de política de valorização espiritual.
Como V. Ex.ªs sabem, muito melhor do que eu, o conhecimento e classificação da riqueza artística do País, pública ou privada, profana, religiosa ou militar, era uma aspiração que vinha de muito longe. No tempo do rei D. João V, grande protector das artes e dos artistas, chegaram a esboçar-se algumas medidas nesse sentido, como se depreende do alvará de 20 de Agosto de 1721, em que se encarrega a Academia Real da História de recolher as antiguidades que possam interessar ao conhecimento do nosso passado. No século findo várias tentativas conhecemos, sem sequência, com intuitos semelhantes. E todas as juntas, sociedades, conselhos o comissões de belas artes que, através de muitas e variadas disposições legislativas, têm surgido e desaparecido inscreveram sempre o inventário artístico de Portugal como uma das suas fundamentais razões d.e ser. Mas foi necessário que o Estado Novo criasse a Academia Nacional de Belas Artes e - mais ainda - que a dotasse com os necessários meios financeiros para que a Inventário pudesse ser aquela realidade insofismável e magnífica que hoje estamos aqui a louvar bem merecidamente.
Como já afirmou quem tinha autoridade para o fazer, o Inventário Artístico de Portugal não é apenas - o que já seria muitíssimo - o cadastro do nosso património estético. E também a classificação e identificação das obras de arte existentes no País, acompanhadas de um complemento histórico e bibliográfico que as valorize. É, em suma - para me servir das palavras tam expressivas do presidente da Academia de Belas Artes, que - superiormente orienta os trabalhos do Inventário - o «dicionário da língua plástica portuguesa», onde ficarão recolhidos os vocábulos de uma evolução artística de oito séculos.
Da maneira como o Inventário se está a realizar dá conta o 1.° volume, recém-publicado, relativo ao distrito de Portalegre. Nele se exemplificam a competência, a dedicação e o zelo dos ilustres académicos encarregados de tam importante e exaustiva tarefa. Porque, convém acentuar, torna-se necessário, para levar a bom termo esta obra, possuir não apenas dotes naturais de inteligência e de sensibilidade, vastos e profundos conhecimentos da história e da técnica das artes, mas igualmente devoção cívica bastante para arrostar, gratuitamente, com os trabalhos, fadigas e percalços de quem percorre cidades, vilas e aldeias durante semanas seguidas, sofrendo as vicissitudes do clima, as surpresas rio alojamento e a irregularidade dos transportes. Superior, técnica e graficamente, aos seus congéneres espanhol, francês e italiano, o nosso Inventário Artístico não nos envergonha perante os que a Suécia, a Inglaterra e a Alemanha realizaram com largas dotações aos especialistas que redigiram os respectivos volumes.
Suponho, portanto, que está no ânimo de todos nós que fique consignado o louvor da Assemblea Nacional ao Governo que tornou possível tam notável acontecimento cultural, à Academia encarregada de o orientar e aos eruditos e artistas que o vêm realizando.
Desejo agora dizer duas palavras acêrca da próxima reabertura do Museu Nacional dos Côches. Tive, há pouco dias, ensejo de verificar pessoalmente a maneira como ali vai ficar alojada, depois das obras mandadas realizar pelo Estado Novo e em que se despenderam cerca de mil contos, a mais completa colecção de viaturas de gala que existe actualmente no mundo e com a qual não se podem comparar os escassos exemplares dos Museus de Munique e Viena, de Berlim, de Dresde, de Hanover, de Darmstadt e de Heidelberg, do Museu Estadual de Coburgo, os chamados carros de Verona, os coches da coroa inglesa ou os do Victoria and Albert Museum, os de Cluny, Carnavalet, Versalhes e Compiègne, os do Palais du Cinquantenaire, de Bruxelas, os do Palácio do Oriente, em Madrid, ou até os que se guardavam nos antigos palácios imperiais russos e nos arsenais de Petrogrado e de Moscovo.
Mais de sessenta viaturas, carros triunfais ou de aparato, coches, berlindas, seges, carruagens de gala e simples carrinhos, além de liteiras, cadeirinhas, selas, arreios e numerosos acessórios e atavios, uma série de fardamentos e librés de gala dos séculos XVIII e XIX. ricos exemplares de trajos civis e objectos de adôrno e de indumentária, pinturas, desenhos e gravuras relacionados com o núcleo principal, acham-se finalmente instalados, mercê das modificações e ampliações realizadas, com a dignidade e a largueza de que eram dignos. Acresce que importantíssimos e competentíssimos trabalhos de restauro se efectuaram em quási todos os carros, muitos dos quais se salvaram da total destruição a que estavam já condenados. Desta forma, a obra empreendida há quarenta anos pela Rainha D. Amélia encontrou, finalmente, os recursos necessários para a sua integral valorização. A acrescentar ao muito que o Estado Novo tem feito pêlos museus portugueses, o Museu dos Coches vai ficar como exemplo bem característico, em matéria de arte, do Século de Salazar.
E resta-me aludir ao Centro de Estudos de Arte o Museologia, criado no Museu de Arte Antiga pelo Instituto para a Alta Cultura, que se destina a coordenar os trabalhos dos bolseiros que àqueles assuntos se dedicam e a publicar as obras por eles realizadas ou por outras pessoas que o Centro entenda dever convidar. O Instituto - cujo papel na renovação intelectual do nosso meio já aqui pus em relevo - tem, assim, em vista enriquecer a bibliografia da arte portuguesa, dedicando também a sua atenção aos estudos estéticos e â nova ciência museológica, ainda pouco cultivada entre nós, mas cujo conhecimento é essencial, dado o desenvolvimento - repetimos - que, graças à Revolução Nacional, têm tomado os nossos museus. Na actividade do Centro tem parte importante uma comissão de iconografia, embrião, certamente, da futura Junta de Iconografia Nacional, cuja falta tanto se faz sentir nos nossos estudos históricos e artísticos. Da competência de quem orienta essa comissão muito há a esperar nesse capítulo quási virgem da nossa cultura, onde as mais importantes contribuições nos têm sido dadas por estudiosos de além fronteiras.
Assim, com firmeza e com saber, vai o Estado Novo cumprindo os seus deveres para com- a inteligência e a arte. Há talvez quem suponha ainda, confinado num estreito materialismo, que são de importância secundária estes problemas e que só valem as realizações que marcam pelo seu utilitarismo imediato e tangível. Enganam-se, todavia, por completo os que assim pensam. É pela irradiação do espírito que, verdadeiramente, as nações afirmam a sua independência e a sua personalidade, através de todas as vicissitudes da História. Proclamemo-lo com orgulho numa hora torva em que a fúria da destruição se compraz em aniquilar os tesouros de sensibilidade acumulados em muitos séculos de civi-
Página 68
68 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
lização. E que a diligência e carinho com que Portugal salva e valoriza o seu património de beleza seja mais uma lição que de nós recebe a humanidade desvairada que nos cerca.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarãis: - Sr. Presidente: tive há dias a honra do ser procurado por alguns bons lavradores nortenhos, que mais uma vez revelaram, nas suas apreciações e alvitres, aquele bom senso que se vai criando no contacto diário com as duras realidades da vida do campo. Abordaram diversos problemas que eu talvez venha a tratar nas próximas sessões. Mas, entre eles, escolho um de flagrante oportunidade e grande envergadura para toma das considerações que vou fazer.
Trata-se de um decreto-lei publicado durante a última interrupção dos trabalhos da Assemblea Nacional, o qual figura com o n.° 30:502 no Diário do Governo, 1.ª série, de 21 de Janeiro último. Dimanado do Ministério da Economia, nó e se estabelecem, mais uma vez, os preceitos a que deve obedecer, agora, no que respeita à instalação de indústrias de alto interesse nacional, a expropriação de imóveis por utilidade pública. Com aplauso verificaram os interessados, e, de uma maneira geral, toda a Nação, que se regressa a princípios basilares e absolutamente respeitáveis que noutros diplomas haviam sido esquecidos.
Todos reconhecem as grandes vantagens para a economia nacional da instalação de novas indústrias que entre nós possam encontrar elementos seguros do viabilidade. E, embora seja de prever que as respectivas empresas raras vezes encontrarão embaraços na aquisição de imóveis para as suas instalações, uma vez que não se esquivem a pagar os terrenos por um preço justo e desde que os oriente o indispensável respeito devido às outras actividades e não se afecte o direito de propriedade nem se perturbe a tranquilidade ou prejudique a saúde dos habitantes, compreende se que o Governo, provendo a hipótese de resistências injustificáveis, adopte providências especiais para garantia de empreendimentos do alto interesso nacional.
Apoiados.
Na continuação de outros diplomas que vêm preparando o ambiente propício ao indispensável fomento industrial, surge agora o citado decreto, reconhecendo às empresas exploradoras de indústrias de alto interesse nacional o direito a expropriação, por utilidade pública, dos imóveis estritamente necessários à conveniente instalação dos seus serviços, tanto de carácter técnico e administrativo como social.
Mas, ao estabelecer êste direito de expropriação, abandona-se o critério seguido nas expropriações para determinados melhoramentos por ocasião das Comemorações Centenárias, em que os preços dos imóveis expropriados eram determinados pela média aritmética entro os laudos dos árbitros avaliadores que mais se aproximassem, mas negando-se aos proprietários que considerassem os preços assim fixados muito aquém do valor real e corrente dos seus imóveis todo e qualquer recurso, o que não era razoável. Quantos propostos então surgiram! Lembro-mo de quo, até nesta Assemblea Nacional, foram, pronunciadas palavras de desacordo com aquela orientação, a meu ver bem oportunas.
É que, Sr. Presidente, negava-se aos proprietários o recurso para os tribunais, apesar de a Constituição garantir indiscutivelmente, a todos, o direito de reclamação perante os órgãos da Soberania, a qual reside no Chefe do Estado, na Assemblea Nacional e Governo, mas também nos tribunais.
E também ali se proíbe o confisco de bens.
Sr. Presidente: na história do instituto de expropriação por utilidade pública regista-se larga evolução, que, partindo do direito de propriedade em toda a sua plenitude, reconhecido pela Carta Constitucional de 1826 e mantido pelo Código Civil, com pequenas restrições determinadas pelo bem público, mas em que os direitos dos proprietários tinham a defesa de vistorias aos prédios expropriados e indemnizações fixadas por decisão judicial, e passando pela fase -1912 e 1918- em que se estabeleceram princípios novos, como o da expropriação, além dos perímetros das vias públicas, de faixas anexas com a largura de 50 metros, o pagamento, pêlos proprietários de imóveis valorizados por determinadas obras, de uma importância igual a 30 por cento dessa valorização, a arbitragem pelas avaliações, e outras novidades, mas respeitando-se o recurso para os tribunais, se chegou, em 1938, à fórmula das expropriações para certos melhoramentos compreendidos nas Comemorações Centenárias, em que as indemnizações resultavam de arbitragem, mas sem qualquer recurso para os tribunais.
É de toda a justiça reconhecer que esta fórmula obedecia ao desejo de evitar grandes demoras, derivadas das formalidades judiciais, na execução de melhoramentos do maior interesse nacional, os quais deviam concluir-se no memorável ciclo dos centenários; mas a verdade ë que deram lugar a muitos protestos e ainda se ouvem as queixas de muitos proprietários que se julgam lesados nas indemnizações recebidas.
E tanto assim que foi grande o alarme quando os jornais publicaram o texto de um diploma coordenador da legislação sobre urbanização de todo o País (o qual não chegou às colunas do Diário do Governo), em que se lia que as expropriações seriam norteadas, entre outros preceitos, pelos dos decretos-Leis n.ºs 28:797, de 1 de Julho de 1938, e 30:725, de 80 de Agosto de 1940, que são justamente os que haviam vigorado durante o ciclo dos centenários e que todos julgavam definitivamente suprimidos, para tranquilidade dos proprietários.
Sr. Presidente: a defesa dos proprietários expropriados, garantida pelo recurso aos tribunais, pode conciliar-se com a celeridade que tem caracterizado, e deve continuar a manter-se, na execução dos melhoramentos do Estado Novo.
Citarei os princípios adoptados no decreto n.° 19:666, de 30 de Abril de 1931, que aprovou o regulamento dos melhoramentos rurais.
Haveria arbitramento in loco, por três peritos, sendo um do proprietário.
Cumpria-lhes atender ao valor real e corrente dos imóveis a expropriar.
No caso de o interessado se não conformar com o valor arbitrado, poderia aceitar a sua importância, protestando por recurso para o juiz de direito da comarca, recurso que seria interposto dentro do decêndio imediato.
Mas este incidente não suspendia a execução das obras.
Recebido o recurso, o juiz nomearia um quarto perito e marcaria novo arbitramento.
Em face dos laudos dos quatro peritos, o juiz decidiria então em definitivo.
As custas não poderiam exceder 10 por cento do valor do recurso.
Pois, Sr. Presidente, com esta legislação a vastíssima obra dos melhoramentos rurais tem se generalizado a todas as freguesias do País, sem que se registem incidentes desagradáveis no capitulo de expropriações; e se, por vezes, demoras se têm registado, não são devidas à aplicação da citada fórmula, mas a formalidades e exigências burocráticas que têm entravado as iniciativas com que a população rural vem correspondendo à política do Estado Novo, que visa ao seu progresso e bem estar.
E, ao legislar sôbre expropriações para obras ferroviárias, estabeleceu-se que apenas abrangeriam os terre-
Página 69
25 DE FEVEREIRO DE 1944 69
nos estritamente indispensáveis; e, quando se verificasse a não utilização de toda a área expropriada, seria a parte restante declarada sobrante, revertendo para os proprietários expropriados pelo preço recebido, não podendo ser vendida a estranhos.
É de registar, Sr. Presidente, que a Câmara Municipal do Porto calcula em 12:000 contos a verba provável da venda do terrenos sobrantes. E, segundo me disseram, essa verba sobe a algumas dezenas de milhares de contos na Câmara de Lisboa.
Que êsses corpos administrativos carecem de recursos para assegurar o progresso daquelas importantes cidades e o bem estar das respectivas populações, ninguém o contestará. Mas deveria o Governo legislar no sentido de eles encontrarem recursos cobrados de matéria da mais larga incidência, para não serem forçados a negociar com os imóveis de propriedade privada, fazendo recair apenas sobre alguns proprietários, com agravo do direito de propriedade, que a Constituição defende, os encargos que deveriam incidir sobre todos os munícipes, uma voz que Todos colherão os benefícios dos melhoramentos efectuados.
Sr. Presidente: tema de grande vulto e que preocupa todos os proprietários, o instituto da expropriação por utilidade publica merecia, em todo o seu vastíssimo conjunto, as atenções do Governo, para se evitar a variabilidade de critérios que acabo de citar e que não se harmoniza com o rumo do Estado Novo, já traçado na Constituição.
Mas, voltando à conversa, a que aludi, com alguns lavradores nortenhos:
Renderam louvores ao citado decreto-lei que reconhece o direito de expropriação por utilidade pública às empresas exploradoras de alto interesse nacional, porque nele se garante o recurso dos proprietários para os tribunais, além de se estabelecer que a declaração da utilidade pública constitue atribuição exclusiva do Conselho de Ministros.
Mas um dos lavradores objecta que, se ato certo ponto o proprietário dos imóveis a expropriar está muito mais garantido do que na fórmula dos Centenários, se verifica pela leitura do decreto que a lavoura não está devidamente protegida.
A informação que deverá ser presente a Conselho do Ministros para a declaração por utilidade pública cabe unicamente aos serviços a que competir a fiscalização da respectiva actividade industrial; e a empresa industrial, interessada somente após a publicação do decreto reconhecendo-lhe a utilidade pública, é que incorreu na obrigação de publicar no Diário do Governo e de afixar nas juntas de freguesia as respectivas plantas com os imóveis abrangidos, dando-se aos proprietários apenas cinco dias para dizerem o que entenderem sobre o valor daqueles imóveis.
Desta forma corre se o risco do, para instalar uma indústria de alto interesse nacional, sacrificar outra actividade de maior interesse, isto é, a lavoura, cuja importância a deplorável crise de subsistências, crise que a todos assoberba dia a dia, vai pondo em evidência.
Apontaram-me casos em que não se trepida perante a expropriação dos melhores campos de cereais, havendo a pequena distância terrenos de mato, que, embora cada vez mais precisos, não fariam tanta falta à economia nacional.
Sr. Presidente: antes de subir a Conselho de Ministros o requerimento para ser declarada do utilidade pública e, ipso farto, lhe ser reconhecido o direito à expropriação por utilidade pública, deveria ouvir-se a opinião dos proprietários dos terrenos a expropriar, das juntas de freguesia e, sobretudo, dos grémios da lavoura.
Cumpre evitar, tanto quanto possível, que do fomento industrial, que todos louvam e do que a Nação muito precisa, resulte o prejuízo, senão o aniquilamento, de outras actividades, como se tem verificado com o alagamento de vastas áreas produtivas para a montagem de centrais hidro-eléctricas, e como se pode verificar na instalarão das indústrias de alto interesso nacional, às quais cumpre, para bem dos lavradores e de toda a economia, progredir sem prejudicar a lavoura, que é o nosso mais vasto campo de trabalho.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
Requeiro que, pela Direcção Geral dos Serviços Pecuários, me seja fornecida com urgência nota dos preços feitos pela Manutenção Militar às rações (fava e aveia) fornecidas para alimentação de gado das suas estações zootécnicas, nomeadamente a da Fonte Boa.
Sala das Sessões da Assemblea Nacional, 24 de Fevereiro de 1944. - O Deputado Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Madeira Pinto deu conhecimento à Presidência da Assemblea Nacional de que foi nomeado adjunto do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Perante a Assemblea põe-se a questão de sabor se, em consequência desta nomeação, o Sr. Deputado Madeira Pinto perde o seu mandato.
Numa carta que me dirige diz o Sr. Dr. Madeira Pinto que, se a Assemblea entender que perdeu o mandato, lamentará o facto, com saudado, pelo excelente convívio quo teve nesta Câmara da minha presidência.
Decerto V. Ex.ªs não desejam, nem eu pretendo, pronunciar-se de ânimo leve sobre o assunto. Eu indico a V. Ex.ªs, rapidamente, os elementos que os podem habilitar a formar juízo sobre o caso. Como V. Ex.ªs sabem, o artigo 90.° da Constituição diz que:
«Importa perda de mandato para os membros da Assemblea Nacional: 1.° Aceitar do Governo, ou de qualquer Governo estrangeiro, emprego retribuído ou comissão subsidiada...».
O Sr. Deputado Madeira Pinto foi nomeado adjunto do provedor da Misericórdia, emprego retribuído. Nos termos do decreto lei n.° 32:255, do 12 de Setembro de 1942, a gerência superior da Santa Casa pertence a uma mesa administrativa, composta de um provedor e dois adjuntos, todos nomeados pelo Ministro do Interior.
São estes, fundamentalmente, os textos a aplicar para resolver o caso. Mas, como V. Ex.ªs decerto desejam pronunciar se com conhecimento de causa, eu não submeto já à arbitração da Assemblea o caso de saber se a aceitação fôsse cargo importa a perda de mandato. Amanhã, ou depois, convidarei V. Ex.ªs a fazerem votação sobre o assunto. Talvez haja vantagem em se designar uma pequena comissão, que fique incumbida de estudar o assunto, se V. Ex.ª concordam com êste ponto de vista.
Apoiados.
Então designarei para essa comissão os nomes dos Srs. Albino dos Reis, Acácio Mendes Magalhãis Ramalho e Luiz da Cunha Gonçalves.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 70
70 DIÁRIO DAS SESSÕES - N. 48
O Sr. Presidente: De maneira quo esses Senhores Deputados ficam incumbidos de estudar o assunto e, provavelmente na sessão que se há-de realizar daqui a dois dias, tornar-se-á uma de iberação sobre o caso.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Tinha designado para ordem do dia a proposta de lei em quo se converteu o decreto-lei que regula a distribuição dos lucros líquidos anuais das empresas de navegação obrigadas a constituir Fundo de aquisição de navios. Como V. Ex.ªs sabem, essa proposta de lei é consequência de um projecto de lei e agora só tem de ser discutida a proposta na especialidade. Mas é natural que essa discussão seja precedida de uma sessão de estudo. Vou designar os Srs. Deputados que hão-de constituir essa sessão de estudo. São os Srs. Henrique Linhares de Lima, Herculano de Amorim Ferreira, Jacinto Bicudo de Medeiros, Jaime Amador e Pinho, Joaquim dos Santos Quelhas Lima, Luiz Arriaga de Sá Linhares, Luiz da Cunha Gonçalves e Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Estaria necessariamente indicado para a sessão de estudo outro Sr. Deputado, que, quando o decreto-lei foi submetido à Assemblea, teve interferência no debate. Refiro-me ao Sr. Deputado José Soares da Fonseca. Infelizmente esse Sr. Deputado foi vítima de um acidente de automóvel, de corta gravidade, que o inibirá durante um certo tempo de comparecer nesta Assemblea; e eu, em nome da Assemblea, lamento o desastre de que foi vitima.
Apoiados.
O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã é a sessão de estudo daquela proposta de lei.
Está encerrada a sessão.
Eram 16 horas e 59 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
Angelo César Machado.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cristo.
António Hintze Ribeiro.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Proença Duarte.
Cândido Pamplona Forjaz.
João Duarte Marques.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Clemente Fernandes.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltasar.
José Soares da Fonseca.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarãis.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Propostas de lei a que o Sr. Presidente da Assemblea fez menção:
Proposta de lei sôbre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira
Usando da faculdade conferida pelo artigo 113.° da Constituição, o Governo tem a honra de apresentar à Assemblea Nacional a seguinte proposta de lei:
Artigo único. É aprovada, para ser ratificada, a Convenção Ortográfica assinada em Lisboa aos 29 de Dezembro de 1943 entre Portugal e os Estados Unidos do Brasil, cujo texto é o seguinte:
Convenção Ortográfica Luso-Brasileira
S. Exa. o Presidente da República Portuguesa e S. Ex.ª o Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, com o fim de assegurar a defesa, expansão e prestígio da língua portuguesa no mundo e regular por mútuo acordo e de modo estável o respectivo sistema ortográfico, resolveram, por meio dos seus Plenipotenciários, assinar a presente Convenção:
Artigo 1.° As Altas Partes Contratantes prometem-se estreita colaboração em tudo quanto diga respeito à conservação, defesa e expansão da língua portuguesa, comum aos dois países.
Art. 2.° As Altas Partes Contratantes obrigam-se a estabelecer como regime ortográfico da língua portuguesa o que resulta do sistema fixado pela Academia das Ciências de Lisboa e pela Academia Brasileira de Letras para organização do respectivo vocabulário, por acordo das duas Academias.
Art. 3.° De harmonia com o espírito desta Convenção, nenhuma providência, legislativa ou regulamentar, sobre matéria ortográfica deverá ser de futuro posta em vigor por qualquer dos dois Governos sem prévio acordo com o outro, depois de ouvidas as duas Academias.
Art. 4.° A Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras serão declaradas órgãos consultivos dos seus Governos em matéria ortográfica, competindo-lhes expressamente estudar as questões que se suscitarem na execução desta Convenção e tudo o mais que reputem útil para manter a unidade ortográfica da língua portuguesa.
A presente Convenção entrará em vigor, independentemente da ratificação, em l de Janeiro de 1944.
Feita em duplo exemplar, em Lisboa, aos 29 de Dezembro de 1943.
António de Oliveira Salazar.
João Neves da Fontoura.
Ministério dos Negócios Estrangeiros, 24 de Janeiro de 1944. - O Ministro dos Negócios Estrangeiros, António de Oliveira Salazar.
Página 71
25 DE FEVEREIRO DE 1944 71
Proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social
1. De harmonia com a determinação constitucional, não excede o ordenamento da presente proposta de lei «as bases gerais do regime jurídico» ou Estatuto da Assistência Social.
A explanação e defesa de alguns dos seus princípios informadores encontra-se já nos relatórios de diplomas, que a urgência de reformas parcelares levou a publicar, e, nomeadamente, nos que precederam os decretos n.ºs 31:666, 31:913, 32:255, 32:613 e 32:651, respectivamente de 22 de Novembro de 1941, 12 de Março, 12 de Setembro e 31 de Dezembro de 1942 e 2 de Fevereiro de 1943.
Para melhor compreensão dos mesmos princípios convém ter presente a verdadeira noção da assistência social e da sua finalidade dentro do quadro das actividades públicas.
O alcance dessa noção depende do que fôr reconhecido às funções do próprio Estado. Num conceito individualista, que nega a existência dos agrupamentos naturais, ou o valor social da sua função, a actividade assistencial será abandonada ao critério dispersivo dos generosos impulsos individuais; num conceito de monismo sociológico ou estatista, que por outro caminho chega à mesma negação do valor dos agrupamentos naturais, atribuindo à sociedade ou ao Estado, sua expressão política, o monopólio de todas as actividades organizadas, a acção assistencial aparece incluída nas funções do Estado sem qualquer participação de actividades particulares.
É bem diversa daqueles conceitos a doutrina; da Constituição Portuguesa que incumbe ao Estado:
a) Definir e fazer respeitar os direitos e garantias das famílias, das autarquias locais e das outras pessoas colectivas, publicas ou privadas (artigo 6.°);
b) Coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais (artigo 6.°, n.° 2.°).
Importa, porém, não confundir as funções realizadoras dos objectivos políticos da própria sociedade com às actividades de «assistência, beneficência ou caridade», a que o texto constitucional reconhece finalidade própria, entre as susceptíveis de tomarem feição corporativa e serem como tais autorizadas, auxiliadas e favorecidas mediante normas especiais (artigos 16.° e 17.° e seu § único).
São estas actividades movidas pêlos mais diversos impulsos da solidariedade humana, desde os que nascem dos vínculos do sangue até aos que se fundam no dever social da assistência; desde a simpatia beneficente nascida da vizinhança até ao preceito moral da caridade cristã. E todos estes impulsos devem conjugar-se na realização de uma assistência social completa e perfeita.
Marcar o lugar que esta deve ocupar no conjunto das actividades públicas e o sentido social do seu exercício, em ordem à maior perfeição da mesma estrutura política, eis, o que interessa, à definição dos seus princípios bacilares.
2. Uma organização perfeita da sociedade política supõe a constituição e funcionamento normal de actividades que assegurem os fins biológicos, económicos e morais indispensáveis ao aperfeiçoamento das pessoas humanas.
Fora, porém, do reino das utopias nunca houve nem poderá existir organização social tam perfeita que possa excluir as deficiências provenientes de:
a) Anormalidades fortuitas da natureza (terramotos, tempestades, epidemias);
b) Males ou vícios generalizados (degenerescências, alcoolismo, prostituição);
c) Insuficiências individuais ou familiares (invalidez, orfandades, abandonos);
d) Imperfeições ou faltas da própria organização suciai ou política (pauperismo).
A intervenção organizada com vista a prevenir ou remediar as consequências resultantes destas anormalidades, males, insuficiências ou imperfeições constitue o terreno próprio da assistência social, e por isso a sua primeira característica é a de ser uma actividade supletiva em relação às demais-actividades fundamentais da estrutura social. Este carácter supletivo pressupõe que o volume das necessidades a que terá de atender crescerá na razão directa da desorganização das actividades sociais e políticas e deminuirá na medida em que estas últimas se empenharem na obra de restauração e melhoria das condições normais da vida colectiva. E desta interpendência de actividades fluem naturalmente as primeiras directrizes da organização da assistência.
Em boa organização social a família deve considerar-se a «fonte de conservação e desenvolvimento da raça, a base primária da educação, da disciplina e harmonia social» (Constituição, artigo 12.°).
Normalmente, todo o homem deve encontrar no quadro familiar e nos recursos do seu trabalho os meios de prover à sua subsistência e ao aperfeiçoamento das suas faculdades.
As deficiências económicas provenientes do desemprego, da doença ou invalidez deverão ainda, em regra, ser cobertas pelas garantias preventivas da previdência, considerada como dever fundamental numa sociedade bem constituída.
Não pode a assistência social ignorar estas normas de boa organização; se as actividades assistenciais soo chamadas a suprir faltas ou deficiências das actividades normais, não devem apresentar-se como panaceia de todas as desventuras ou substituto de todas as demissões, sem perderem ou atraiçoarem a sua primeira característica fundamental de actividades suplementarem.
Mas desta característica decorrem ainda outros princípios informadores do regime jurídico ou do exercício prático da assistência social.
O adjectivo social deve, em verdade, caracterizar toda a orgânica, toda a técnica e todas as formas de exercer a assistência. Ela é social na conjugação dos diversos elementos ou factores chamados a intervir no realização dos seus fins; social, na averiguação, através de inquérito assistencial, das circunstâncias pessoais e familiares de cada necessitado, e do meio em que se enquadra a sua actividade; social, na consideração das repercussões que os vícios ou males individuais poderão trazer à vida colectiva, e na dos reflexos que as desorganizações familiares ou sociais podem ter nos indivíduos; social ainda, na exigência das práticas da solidariedade higiénica ou sanitária, tanto nacional como internacional.
Estas considerações esclarecem os três princípios basilares que informam todo o ordenamento jurídico do Estatuto:
a) A actividade assistencial pertence, em regra, às iniciativas particulares, incumbindo ao Estado e às autarquias, sobretudo, orientar, promover e auxiliar os seus generosos impulsos;
b) Não é em razão do indivíduo isolado, mas principalmente em ordem à família e a outros agrupamentos sociais, que toda a assistência deve orientar-se;
c) E socialmente mais eficiente e economicamente mais útil prevenir os males do que vir a procurar-lhe remédio.
3. Não se ignora a oposição de que pode ser alvo o primeiro princípio, tanto por parte de doutrinas que se apresentam com ar de novidade, como em razão das cir-
Página 72
72 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
cunstâncias que vêm lançando sobre os Estados encargos sociais sucessivamente crescentes.
Mas, quer isto aconteça porque as famílias e outros agrupamentos tendem a descartar-se sobre o Estado das suas responsabilidades, quer, em parte, pela insuficiência das iniciativas particulares para suportarem o peso com que a própria desorganização social indevidamente as sobrecarrega, nem aquela demissão, nem este acréscimo indevido podem justificar o abandono dos sãos princípios em que repousa a melhor organização da vida colectiva.
Quando se afirma que a prestação directa da assistência é, normalmente, função das iniciativas particulares e não do Estado, defendem-se os direitos da família e dos agrupamentos económicos; defendem-se os deveres de colaboração e de justiça social que impendem sobre esses e outros valores naturais e humanos. Pelo contrário, atribuir ao Estado a prestação directa da assistência é negar ou deminuir a função social daqueles valores e, consequentemente, justificar uma crescente socialização; é negar o valor das colaborações desinteressadas, das comparticipações do espírito e do coração no aperfeiçoamento das pessoas humanas; é, por outro lado, converter a saúde e a vida em mero fruto artificial de uma técnica fria e deshumanizada.
Pode esta aberração impor-se momentaneamente, mas não logrará prevalecer, por contrária às exigências mais profundas do sentir humano e do convívio social.
Tampouco a complexidade e maior custo das modalidades da assistência, nomeadamente da moderna aparelhagem médica, poderão justificar a sua oficialização; pois, não só a associação multiplica as posses das iniciativas particulares, mas o princípio, que atribue a estas valor preponderante, não exclue, antes supõe, o auxílio cooperador do Estado.
Êste princípio base prevalece mesmo quando o Estado assume, a título excepcional, a prestação directa da assistência; ainda neste caso a gerência do Estado é imposta mais pela demissão das iniciativas particulares do que pela sua falta natural de competência para exercerem aquela função.
A defesa do mesmo princípio não impede de reconhecer a existência de serviços de higiene geral ou de assistência que deverão permanecer oficializados, quer pelo seu interesse nacional, quer pela continuidade exigida à sua acção, ou ainda pelo papel exemplificativo, ou de modelo, que a alguns deve ser atribuído. Mas é tal o valor social da colaboração particular, que estes mesmos jamais lograrão alcançar eficiência prática se lhes faltar o apoio e a cooperação consciente daqueles a quem intentam beneficiar.
A valorização das iniciativas particulares na prestação da assistência tem pois a seu favor não só a experiência de uma tradição secular, e em Portugal conforme à índole caritativa do nosso povo, mas constituo uma das directrizes reconstrutivas de uma vida social mais perfeita.
4. Prevê a base VII a intensificação das actividades sanitárias de ordem profilática, tirando-se para êsse efeito o melhor partido do apetrechamento existente e do que vier a criar-se.
O combate à tuberculose será intensificado pela organização de um instituto nacional, com as finalidades previstas na base VIII. Atendendo à tradição gloriosa e benemerente da Assistência Nacional aos Tuberculosos e à crescente comparticipação do Estado na sustentação dos seus serviços, devei o referido instituto ser constituído pela remodelação da Assistência Nacional aos Tuberculosos nas bases propostas. E, quanto à orientação prática da luta, foi a comissão a quem especialmente se confiou o seu estudo de parecer que ela reclamava:
a) Intensificação do diagnóstico precoce através dos dispensários;
b) Aumento do número de leitos e sua melhor utilização;
c) Melhoria na especialização de médicos tisiólogos.
Ao instituto ficará pertencendo promover a difusão dos dispensários e o incremento da sua actividade de propaganda, assistência, tratamento ou colocação.
E como só de técnicos especializados podem esperar-se os melhores resultados, para os obter se prevêm cursos ou estágios de aperfeiçoamento.
Para o aumento do número de leitos conta-se com o contributo das iniciativas particulares, que, nesta, como noutras modalidades, deverão ser orientadas, coordenadas e auxiliadas. A melhor utilização dos leitos existentes provirá da adopção de uma melhor técnica.
Será também mantida e intensificada a assistência aos funcionários e empregados públicos. As modificações constantes das bases são fruto de mais de quinze anos de experiência em que a dotação orçamental, destinada a assistir aos funcionários civis, se revelou insuficiente, mais pela injusta aplicação, derivada da lei que vigorava, do que pela exiguidade do seu montante.
Pretende-se poder assistir a todos, e a cada um consoante as suas necessidades e os preceitos da melhor técnica.
E, se a chamada peste branca tem merecido atenção especial, não podem ser esquecidos os outros flagelos, como o cancro e o sezonismo, e outros, causadores entre a população portuguesa de avultado número de vítimas e susceptíveis de verem limitada a sua expansão ou agravamento, pelo emprego de meios específicos ou pelos de higiene geral.
5. A matéria do capítulo in (responsabilidades derivadas da assistência) é a aplicação concreta do princípio que atribue às actividades normais a responsabilidade das funções que directamente lhes pertencem o às instituições particulares de assistência, ao Estado c às autarquias a função supletiva que em sucessiva prevalência lhes incumbe.
A actividade do inquérito assistencial permitirá averiguar das posses dos responsáveis, para que a nenhum necessitado falte o justo amparo de que careça; e, por seu turno, o exercício da tutela social levará ainda a fazer da assistência escola de reeducação dos fracos ou inadaptados e de defesa colectiva contra a exploração dos mais nobre?) sentimentos humanos.
6. O capítulo IV pode dizer-se complementar do anterior.
É ainda de responsabilidades e de subsídios a conceder às obras de assistência que se trata.
Duas razões fundamentais levam a sujeitar os planos ou obras de assistência a uma aprovação superior; a primeira visa a conseguir uma melhor e mais perfeita correspondência da obra às necessidades a satisfazer; a segunda visa a defender a própria obra em projecto de um excesso de optimismo que vai até ao lançamento de grandiosos fundamentos, para logo abandonar as paredes a meia altura ou vazias; que pode chegar até à conclusão do edifício, mas não poderá manter uma assistência que umas vezes resulta excessivamente onerosa e outras não chega a ter justificação por desnecessária.
Diverso é porém o caso de se tornar necessária a obra de assistência e faltarem, por indiferença ou egoísmo, as cooperações que seriam de esperar e algumas vezes de exigir. Justificam-se para estes casos algumas pro-
Página 73
25 DE FEVEREIRO DE 1944 73
vidências coactivas que imponham a lei da solidariedade social.
7. Se na prestação directa da assistência compete ao Estado uma função meramente supletiva, ao mesmo Estado pertence, em primeiro plano, a função orientadora, promotora e tutelar e a de inspecção permanente de todas as actividades assistenciais.
Para Assegurar o exercício dessas funções prevê o Estatuto três órgãos diferenciados: o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, com funções consultivas; uma Direcção Geral de Saúde e Assistência, com superintendência em todos os serviços; e uma Inspecção Geral de Assistência Social.
O primeiro e o segundo órgão não constituem novidade. Existia já um Conselho Superior de Higiene, cujas funções se alargam para abrangerem, além das matérias da assistência, outras de ordem sanitária que não eram levadas ao seu conhecimento, como, por exemplo, as referentes à puericultura ou aos flagelos da tuberculose e do cancro.
O Conselho será composto por um número de vogais efectivos não superior a quinze, prevendo-se o seu funcionamento em sessões plenárias ou por secções especializadas, umas e outras presididas pelo Ministro ou Sub-Secretário de Estado da Assistência.
Não constitue também novidade a junção numa só direcção geral dos serviços de saúde e assistência, mas simples regresso à tradição burocrática que vigorou até à criação recente da Direcção Geral de Assistência.
Na reforma de 1901, porventura a mais cuidada nesta matéria, os serviços de assistência eram cometidos a uma simples repartição.
E a prosseguir a política, que se afigura mais razoável e eficiente, de concentrar em provedorias ou institutos autónomos os principais serviços de assistência, até agora em dependência imediata da Direcção Geral, a existência desta, com essa função exclusiva, perderia grande parte da sua razão de ser.
Por outro lado, torna-se cada vez mais difícil encontrar, com nitidez, a linha divisória entre os serviços de saúde e os de assistência social, que na prática se revelam não só interdependentes mas sujeitos a interferências mútuas, o que levou certamente outros países, como ainda recentemente a Argentina, a promover concentração idêntica.
Como lógica consequência desta junção, os delegados de saúde verão aumentada a esfera dás suas atribuições e a exigência de uma preparação mais adequada ao seu exercício.
A sua jurisdição deixará de ser concelhia para abranger a área de regiões sanitárias; e, vindo as novas funções a tornar-se de si absorventes do tempo e capacidade dos que forem chamados a exercê-las, tornam-se legalmente incompatíveis com o exercício de qualquer outra função pública e com o da própria clínica particular.
Neste mesmo sentido definira já a orgânica sanitária de 1926 a idea de inspectores dos grandes aglomerados, aos quais ficaria vedado o exercício da clínica.
Quanto à extensão das funções a atribuir aos futuros delegados de saúde, pode prever-se, além da de agentes regionais da actividade da Direcção Geral, a de coordenadores das várias actividades locais em matéria de sanidade e assistência.
A necessidade desta coordenação foi reconhecida pelo lúcido relatório que precedeu o regulamento geral dos serviços de saúde e beneficência de 24 de Dezembro de 1901, mas não alcançou até hoje realização eficiente, e cremos que isso se deveu em boa parte à falta de agentes regionais com autoridade técnica e administrativa para a promover.
Aos futuros delegados de saúde, providos da independência e da capacidade que o prévio tirocínio sanitário exigido para o desempenho da função fazem supor, poderá de futuro ser confiada essa actividade coordenadora: da superintendência e vigilância reconhecidas às autarquias, da responsabilidade e iniciativa dos técnicos da medicina e dos esforços locais da assistência organizada.
A maior novidade nesta matéria encontra-se na criação da Inspecção Geral de Assistência Social, directamente subordinada ao Ministro e destinada a cooperar, por fornia efectiva, na obra orientadora, tutelar e fiscalizadora das iniciativas ou instituições particulares.
Já em relatórios de outros diplomas se fez referência à necessidade de libertar a tutela administrativa do conceito mesquinho a que a conduziram as ideas centralizadoras do último século. Pode haver papéis bem arrumados a cobrir realidades manifestamente insuficientes, tanto no aspecto técnico como no administrativo.
A eficiência da tutela superior carece pois de contacto com as realidades quando orienta, impulsiona ou coopera, na ordem administrativa, e a esta orientação obedecem os fins assinalados aos respectivos serviços.
Mas se a administração das instituições particulares precisa de ser fiscalizada, não se reconhece menos necessária a inspecção fiscalizadora da própria acção administrativa e tutelar exercida pêlos órgãos executivos oficiais. Neste plano se coloca a Inspecção, a que é reconhecida função independente e confiada a órgão especializado.
Percorrendo os vários projectos de reforma elaborados no último século, verifica-se que a necessidade desta Inspecção, ou não foi claramente entrevista, ou as suas atribuições eram praticamente confiadas, quer aos órgãos de consulta, quer aos de direcção administrativa ou técnica.
Oferece-nos exemplo frisante desta confusão o regulamento geral de saúde e beneficência de 1901. Criou este a designação de inspector geral e de médicos adjuntos, mas a realidade da função ficava longe do título que lhe era aposto, pois a Inspecção então criada era simples desdobramento da função administrativa em direcção técnica, que passou a chamar-se inspecção, e direcção administrativa, que mantinha o título de Direcção Geral. Nesta mesma orientação, aos médicos adjuntos do inspector geral, como mais tarde aos inspectores da Direcção Geral, criados pela lei de 1926, vieram a ser confiadas atribuições de chefes de serviços técnicos e não propriamente de inspectores.
Ná remodelação prevista da Direcção Geral de Saúde deverá evitar-se para o futuro esta possível confusão com as funções atribuídas à Inspecção Geral.
8. As considerações feitas visaram apenas a dar uma idea geral da doutrina informadora. Desta se infere (pie as bases propostas não são codificadoras de uma assistência obrigatória.
É sobretudo do espírito de beneficência espontânea o do espírito de caridade, tam eloquentemente atestados pela história da nossa assistência, que o Governo confia a reorganização das obras reclamadas pelas necessidades do nosso tempo e, por isso, a orientar, defender e prestigiar êsse espírito se dirigem os princípios basilares da proposta que se apresenta à apreciação da Assemblea Nacional.
Página 74
74 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
CAPITULO I
Da assistência social e seus principio! orientadores
BASE I
A assistência social propõe-se valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições económicas, morais ou sanitárias dos seus agrupamentos naturais, e para esse efeito organiza, coordena e assegura o exercício de actividades que visem êsse fim.
BASE II
1. Quanto à esfera da sua actividade, a assistência pode ser:
a) Local, quando se restringe a determinada circunscrição ou agrupamento social;
b) Nacional, quando se destina abranger todo o País.
2. Quanto à origem dos seus recursos e responsabilidade da sua administração, a assistência considera-se:
a) Oficial, quando sustentada e administrada pelo Estado ou pelas autarquias;
b) Particular, quando a responsabilidade da administração pertence a entidades particulares e para a sua sustentação contribuem fundos ou receitas próprias.
BASE III
1. Com excepção dos serviços de sanidade geral, e outros cuja complexidade ou superior interesse público aconselhem a manter em regime oficial, a função do Estado e das autarquias na prestação da assistência é, normalmente, supletiva das iniciativas particulares, que àquele incumbe orientar, tutelar e favorecer.
2. Na falta ou insuficiência de iniciativas particulares, devem o Estado c as autarquias suscitar ou ainda promover e sustentar, dentro das possibilidades económicas, as obras de assistência que as necessidades reclamarem, devendo porém as mesmas ser desoficializadas logo que isso se torne possível, sem prejuízo da assistência a prestar.
BASE IV
Não perdem a característica de particulares as instituições pelo facto de receberem subsídios do Estado ou das autarquias para sustentação ou melhoria da sua assistência; e consideram-se desoficializadas as instituições ou serviços oficiais quando entregues a entidades particulares em regime de simples cooperação ou de subsídio, correspondente à assistência que assumem a responsabilidade de prestar.
BASE V
1. Quanto à natureza da sua constituição, as instituições particulares podem revestir a forma de associações ou fundações.
2. A associação é caracterizada pela agregação indefinida de sócios que se propõem uma ou mais modalidades de assistência; a fundação pela afectação de bens, feita por uma ou poucas pessoas, à efectivação de um fim assistencial.
3. Entre as associações têm regime especial as Misericórdias fiéis à tradição dos velhos compromissos, sem prejuízo da actualização das suas actividades assistenciais, e as associações eclesiásticas aprovadas ou erectas pelas autoridades da Igreja Católica.
BASE VI
A organização e prestação da assistência deverá obedecer às seguintes normas:
1.ª As actividades preventivas ou recuperadoras terão preferência sobre as meramente curativas;
2.ª As actividades de assistência serão exercida* em coordenação com as de previdência, por forma a favorecerem o desenvolvimento desta; por seu turno, toda a actividade assistencial dos organismos de feição corporativa será exercida em coordenação com a dás instituições de assistência que existirem dentro da mesma área ou circunscrição;
3.ª A assistência terá em conta o aperfeiçoamento da pessoa a quem é prestada e da família ou agrupamento social a que pertencer;
4.ª Os suprimentos ou subsídios à economia familiar dependerão de prévio inquérito assistencial ao grau da sua insuficiência, avaliado pêlos encargos legítimos, pela condição social e pela capacidade de trabalho dos beneficiários ou contribuintes da mesma economia;
5.ª Os subsídios pecuniários terão carácter temporário, sendo a sua renovação condicionada pela do respectivo inquérito assistencial;
6.ª A assistência à maternidade, à orfandade ou ao abandono, à doença ou invalidez será prestada de preferência no lar doméstico;
7.ª Os internamentos infantis serão, por via de regra, instalados fora dos meios urbanos e organizados com vista à educação dos recolhidos, à instrução elementar, no ensino agrícola e ao de artes e ofícios, especialmente dos mais comuns na região onde prestam assistência;
8.ª ÀS faculdades excepcionais e as vocações que venham a revelar-se entre os seus pupilos serão cultivadas e protegidas emquanto o merecerem;
9.ª Nenhuma instituição de assistência poderá recusar-se a prestar socorro que se imponha como urgente ou como tal lhe seja indicado;
10.ª Nas instituições subsidiadas pelo Estado os mais pobres serão admitidos cie preferência aos pensionistas.
CAPITULO II
Da actividade sanitária e das outras modalidades de assistência
A) Da actividade sanitária
BASE VII
Na sua actividade profilática de ordem sanitária a assistência social manterá especial acção de defesa contra a tuberculose, o sezonismo, o cancro, as doenças infecciosas, as doenças e anomalias mentais, as de nutrição e as adquiridas no trabalho.
BASE VIII
1. A luta contra a tuberculose será efectivada através de um instituto especializado, cuja actividade se proporá os fins seguintes:
a) Realizar a propaganda higiénica adequada ao combate desta doença, de harmonia com as directrizes superiores;
b) Promover a criação e bom funcionamento das modalidades de profilaxia e tratamento indispensáveis às necessidades de cada distrito ou região;
c) Criar e dirigir estágios de aperfeiçoamento de médicos tisiólogos;
d) Manter serviços de análise laboratorial e investigação científica especializada;
e) Colaborar nos exames e inspecções oficiais destinados à pesquisa das afecções tuberculosas.
2. O instituto previsto será constituído pela remodelação da Assistência Nacional aos Tuberculosos, que manterá a sua sede em Lisboa e delegações no Porto e em Coimbra. Terá à sua frente um director e um sub-director e directores delegados no Porto e em Coimbra, todos nomeados pelo Ministro do Interior.
Página 75
20 DE FEVEREIRO DE 1944 75
BASE IX
1. Será mantida a assistência aos funcionários e agentes de serviços públicos, contra a tuberculose, mediante exames de pesquisa da doença e seu tratamento através de dispensários ou internamento.
2. Esta assistência será prestada por períodos limitados e para ela deverão preventivamente concorrer os que dela podem beneficiar.
3. O assistido manterá o direito ao vencimento, que no caso de internamento será considerado pensão de família e como tal sujeito a redução quando os resultados, do inquérito assistencial assim o determinem.
BASE X
1. As modalidades ou providências especiais requeridas pelo combate às outras doenças mencionadas na base VII constarão dos diplomas regulamentares.
2. O Instituto de Oncologia terá delegações e centros de tratamento no Porto e em Coimbra.
3. Os serviços de defesa contra o sezonismo serão coordenados com as demais actividades de assistência local ou nacional.
B) Das outras modalidades de assistência
BASE XI
1. A assistência à família pressupõe, normalmente, a insuficiência da economia doméstica e tem por fim:
a) Favorecer a sua regular constituição e assistir à maternidade e à. primeira infância;
b) Auxiliar o desempenho da função educadora;
c) Auxiliar o tratamento de enfermos ou a sustentação de inválidos ou incapazes;
d) Substituí-la, quando tenha desaparecido, na protecção dos órfãos ou abandonados e das viúvas ou ascendentes privados de quaisquer meios de subsistência.
2. A insuficiência da economia familiar deverá ser suprida:
a) Proporcionando meios de trabalho ou de melhoria do seu rendimento;
b) Promovendo ou subsidiando a obtenção de habitação em condições de suficiência e salubridade;
c) Concedendo subsídios de alimentação ou agasalho.
BASE XII
1. A assistência à maternidade e primeira infância será efectivada através de um instituto maternal com funções de coordenação e aperfeiçoamento das modalidades seguintes:
a) Consultas pre-natais e post-natais, cantinas maternais e postos de assistência ao parto no domicílio;
b) Maternidades e abrigos maternais;
c) Creches-lactários e dispensários infantis;
d) Parques infantis ou jardins de infância, colónias-preventórios e colónias estivais.
2. A coordenação local de todas ou algumas destas modalidades será designada por Centro de Assistência Social Infantil, o qual poderá abranger a área de uma ou mais freguesias.
BASE XIII
1. A assistência à segunda infância será efectivada através das seguintes modalidades:
a) Subsídios familiares de educação ou sustentação;
b) Semi-internatos e internatos com ensino elementar e profissional adequado a cada um dos sexos e bem assim à capacidade física ou intelectual dos assistidos;
c) Asilos-escolas de invisuais;
d) Asilos-escolas de surdos-mudos;
e) Asilos-escolas de anormais recuperáveis;
f) Asilos de anormais não educáveis.
2. A coordenação local de todas ou algumas destas modalidades poderá orientar-se pela organização da Casa Pia de Lisboa.
BASE XIV
A assistência à vida ameaçada ou deminuída revestirá designadamente as seguintes modalidades:
a) Institutos superiores de investigação, aperfeiçoamento e apetrechamento sanitário;
b) Hospitais gerais ou especializados e sanatórios;
c) Centros de profilaxia e assistência social com dispensários (gerais ou especializados) e enfermarias anexas;
d) Postos de consulta e socorro;
e) Clínicas psiquiátricas e colónias agrícolas para loucos;
f) Casas ou institutos de regeneração;
g) Recolhimentos, asilos ou albergues;
h) Hospícios de convalescentes ou incuráveis.
BASE XV
1. A área sanitária das modalidades previstas na base anterior obedecerá, em regra, às normas seguintes:
a) Os postos de consulta e socorros serão acomodados às necessidades das freguesias ou lugares;
b) Os centros de profilaxia e assistência social às dos concelhos;
c) Os hospitais gerais, as casas de regeneração, os hospícios, asilos e albergues serão distritais ou provinciais;
d) Nas cidades de Lisboa, Porto e Coimbra, além dos institutos superiores ou suas delegações, haverá hospitais centrais e os especializados que as necessidades reclamarem.
2. As Misericórdias serão quanto possível o órgão coordenador e supletivo das finalidades previstas nas bases XII e XIV e nesse sentido deverá encaminhar-se a reforma dos seus compromissos e respectivas actividades assistênciais.
3. Para as necessidades imediatas de alimentação, agasalho, tratamento e transporte devem organizar-se em Lisboa e Porto, e noutros centros urbanos onde a sua existência se justifique, modalidades especiais denominadas Socorro Urgente. Para esse efeito serão remodelados os albergues instituídos pelo decreto-lei n.° 30:389, de 20 de Abril de 1940, e coordenada a mia acção com as demais actividades assistenciais.
BASE XII
1. Será facilitada a aquisição de medicamentos pelas populações, e para esse efeito condicionada a abertura e novas farmácias à falta- de assistência farmacêutica nas regiões onde se pretendem instalar.
2. Onde não houver farmácia estabelecida a menos de 10 quilómetros poderá ser autorizado o funcionamento de postos de medicamentos de urgência, assegurando-se, pela melhor forma possível, a sua fiscalização técnica.
CAPITULO III
Responsabilidades derivadas da assistência social
BASE XVII
1. É livre o exercício individual da beneficência, salvas as restrições regulamentares referentes a peditórios públicos.
2. Poderão dedicar-se ao exercício colectivo da assistência, beneficência ou caridade as associações ou fundações para isso devidamente autorizadas.
Página 76
76 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
BASE XVIII
1. Para efeito de assistência é atribuído a cada necessitado na circunscrição concelhia da sua naturalidade um domicílio de socorro, que só perderá pela residência voluntária noutro concelho durante dois anos.
. Na impossibilidade de ser comprovada a naturalidade ou residência do necessitado, haver-se-á como domicílio de socorro o lugar onde se encontrar.
BASE XIX
Podem promover ou requisitar socorros:
a) As juntas de freguesia e câmaras municipais, em favor de famílias com domicílio de socorro nas respectivas áreas;
b) As autoridades judiciais, administrativas ou policiais, em favor de necessitados sob a sua jurisdição ou entregues à sua guarda e patrocínio;
c) Os chefes de família, em relação aos seus membros;
d) Os próprios necessitados.
BASE XX
1. Responderão pelos encargos de assistência:
a). Os próprios assistidos, seus ascendentes ou descendentes e os demais parentes com obrigação legal de alimentos;
b) Os responsáveis pelo nascimento de um ilegítimo;
c) Os organismos corporativos ou as instituições de seguros;
d) Os fundos ou receitas próprias das instituições;
e) As câmaras municipais, em relação aos assistidos com domicílio de socorro na respectiva área;
f) O Estado, pelas dotações destinadas a assistência, e outras entidades oficiais, pelas receitas ou donativos eventualmente recolhidos com esse destino.
2. A autoridade pública que requisitar qualquer forma de assistência indicará, sempre que possível, a pessoa ou entidade que legalmente deverá assumir a respectiva responsabilidade.
3. Pelo sustento e educação dos ilegítimos entregues à assistência pública serão responsáveis as mais e os presumíveis autores da filiação ilegítima. Esta responsabilidade, cessa logo que o assistido tenha atingido 18 anos de idade.
BASE XXI
No apuramento das responsabilidades previstas na base anterior serão observadas as regras seguintes:
1.ª A economia familiar suportará as despesas de assistência dentro das posses averiguadas por inquérito assistêncial;
2.ª Na sua falta ou insuficiência, responderão nos mesmos termos os ascendentes ou descendentes e os demais parentes com obrigação legal de alimentos;
3.ª Se a favor da economia familiar militarem garantias de previdência corporativa ou de seguro, serão estas chamadas a responder dentro das normas estatutárias ou das responsabilidades legal ou contratualmente assumidas;
4.ª No caso de insuficiência da economia familiar e das garantias previstas na alínea anterior responderão os rendimentos do serviço ou instituição que prestar a assistência, quer próprios quer provenientes dos subsídios referidos na alínea f) da base anterior.
BASE XXII
1. Serão superiormente revistas e aprovadas as tabelas das diárias e honorários clínicos e cirúrgicos dos estabelecimentos de assistência.
2. Às tabelas dos pensionistas poderão variar com a situação ou categoria do estabelecimento, e deverão ser calculadas por forma a evitar a concorrência a estabelecimentos que se proponham a prestação de serviços idênticos com fins lucrativos.
3. Não será permitido aos médicos que prestem serviços em instituições de assistência pública cobrar qualquer percentagem das receitas provenientes de hospedaria ou medicamentos, mas poderão cobrá-la dos provenientes de serviços clínicos ou cirúrgicos prestados a pensionistas.
BASE XXIII
1. Incumbe ao Sub-Secretariado da Assistência Social a tutela social dos assistidos e o deferimento das providências que a mesma tornar indispensáveis.
2. A tutela social abrangerá:
a) O esclarecimento, a orientação e a defesa das pessoas ignorantes, abandonadas ou desprotegidas;
b) A exigência de uma actividade compatível com as suas aptidões e forças físicas, compensadora, no todo ou em parte, dos encargos suportados pela assistência;
c) A representação legal dos assistidos.
3. À liquidação ou execução das responsabilidades previstas nesta lei serão aplicáveis os termos dos artigos 1448.° a 1451.° e 1462.° a 1466.° do Código de Processo Civil.
4. A jurisdição criada pelo artigo 6.° da lei n.° 1:981, de 3 de Abril de 1940, funcionará junto da Direcção Geral de Saúde e Assistência e será aplicável à liquidação de todas as responsabilidades em que sejam interessadas instituições ou serviços de assistência.
5. Para êsse efeito a comissão referida no § 1.° do citado artigo será constituída, pela forma no mesmo indicada, pelos representantes das respectivas entidades credoras e devedoras.
CAPITULO IV
Das comparticipações nas obras de assistência
BASE XXIV
1. Nenhuma obra nova destinada a serviço de assistência poderá ser levada a efeito sem aprovação ministerial, sob parecer do Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, nos termos da base XXX.
2. O parecer deverá pronunciar-se sôbre:
a) A correspondência da obra em projecto às necessidades locais ou regionais e às possibilidades financeiras da entidade que houver tomado a iniciativa;
b) A urgência da sua realização;
c) A percentagem do subsídio de comparticipação a conceder pelo Estado ou pelas autarquias.
3. As obras declaradas urgentes terão preferência para a concessão de subsídios, podendo estes ter cabimento nas verbas destinadas a melhoramentos rurais ou pelo Fundo de Desemprego.
4. A Direcção Geral de Saúde e Assistência organizará anualmente o plano das obras ou melhoramentos considerados de maior vantagem para o desenvolvimento ou melhoria da assistência.
BASE XXV
Poderão as câmaras municipais ser autorizadas a lançar derramas com o fim exclusivo de ocorrer às necessidades de assistência do próprio concelho. No lançamento destas derramas as percentagens dos proprietários ausentes normalmente da sua residência no concelho deverão ser elevadas, ao dobro e ser delas isentos os pequenos contribuintes.
BASE XXVI
1. Para aumentar as dotações destinadas a suprir a deficiência das contribuições voluntárias para os encar-
Página 77
25 DE FEVEREIRO DE 1944 77
gos de assistência poderá o Governo determinar o lançamento de taxas sobre:
a) Espectáculos ou divertimentos públicos e comércio de objectos de luxo;
b) Indústrias que empregarem mulheres ao seu serviço e não tenham organizada assistência à maternidade e à primeira infância;
c) Empresas exploradoras de águas medicinais ou estâncias climáticas.
2. As responsabilidades derivadas do disposto na alínea c) podem ser satisfeitas em serviços de assistência prestados pelas próprias empresas.
BASE XXVII
Nos serviços do Estado e nos de empresas concessionárias de serviços públicos poderá ser condicionado o direito de admissão de pessoal para empregos que possam ser desempenhados em condições de boa eficiência, por invisuais ou outros indivíduos com capacidade deminuída.
BASE XXVIII
1. O produto da remição de legados pios reverterá a favor da assistência do respectivo concelho e a mesma será feita pela tabela de esmolas ou encargos pios aprovada pela respectiva autoridade diocesana.
2. O processo de remição será instruído e julgado por uma comissão composta do provedor da Misericórdia ou, na sua falta, do director de um estabelecimento de assistência local, de um representante da Direcção Geral de Saúde e Assistência e de um representante da autoridade diocesana.
CAPITULO V
Dos órgãos superiores da assistência
BASE XXIX
1. Compete ao Ministro do Interior, pelo Sub-Secretariado da Assistência Social, dirigir a política da assistência e bem assim orientar, tutelar e inspeccionar os organismos, instituições ou serviços que se destinem a prestá-la.
2. As funções de orientação serão coadjuvadas pela consulta de um Conselho Superior de Higiene e Assistência Social; as de direcção e acção tutelar, exercidas através da Direcção Geral de Saúde e Assistência; as de inspecção permanente, através da Inspecção Geral de Assistência Social.
BASE XXX
O Conselho Superior de Higiene e Assistência Social será composto por um número de vogais efectivos não superior a quinze, distribuídos em secções especializadas; a sua organização e funcionamento constarão de regulamento privativo e compete-lhe emitir parecer ou proposta fundamentada sobre:
1) Planos de acção ou programas de realização para fins de higiene ou assistência;
2) Normas técnicas a seguir ria execução de serviços de sanidade ou de assistência, oficiais ou particulares;
3) Projectos de novas construções ou de grandes ampliações de institutos ou serviços de assistência social;
4) Delimitação das zonas climáticas ou sanatoriais e seu regime;
5) Reformas legislativas que envolvam modificação de princípios fundamentais de sanidade ou assistência;
6) Os demais assuntos sobre que seja mandado ouvir pelo Ministro.
BASE XXXI
1. A organização da Direcção Geral de Saúde e Assistência compreenderá serviços centrais e delegações regionais de saúde e assistência, com jurisdição extensiva a mais de um concelho.
2. Os serviços centrais constarão de duas repartições, dotadas com o pessoal técnico e burocrático que vier a constar do respectivo quadro.
3. A nomeação dos delegados regionais dependerá de especialização comprovada em concurso; será feita por períodos de cinco anos e o seu exercício inacumulável com o da clínica particular ou de qualquer outro cargo público.
4. É reconhecida a preferência aos actuais delegados de saúde que comprovarem a especialização requerida.
BASE XXXII
1. Compete nos serviços centrais da Direcção Geral:
a) Empreender os estudos e realizações que interessem ao incremento e defesa da saúde pública e à educação higiénica e social das populações;
b) Suscitar as iniciativas particulares e favorecer e auxiliar as instituições por elas criadas;
c) Organizar e manter actualizado o cadastro das instituições, estabelecimentos ou organismos de saúde ou assistência, de maneira a patentear os seus recursos, a sua natureza e o movimento assistencial;
d) Organizar os serviços centrais de inquérito assistencial e as suas delegações;
e) Organizar cursos estagiários de aperfeiçoamento social e técnico do pessoal destinado a prestar assistência;
f) Informar ou decidir sobre as dúvidas levantadas na liquidação de responsabilidades pecuniárias em que sejam credores estabelecimentos ou serviços de assistência pública e promover a sua cobrança coerciva;
g) Promover e administrar o Boletim da Assistência Social e demais publicações que interessem à propaganda ou boa execução das directrizes, ordens ou instruções dela emanadas;
h) Efectivar o expediente do Sub-Secretariado de Estado da Assistência Social e transmitir às autarquias, instituições ou serviços, as directrizes, instruções e ordens superiores.
2. Aos serviços regionais competirá a função de representantes e executores das ordens ou instruções da Direcção Geral e a de coordenadores das actividades locais ou regionais que interessem à sanidade ou assistência.
BASE XXXIII
1. A tutela administrativa terá especialmente por fim:
a) Orientar as instituições particulares quanto à melhor forma de prestarem a assistência;
b) Cooperar com elas pela justa repartição dos subsídios de cooperação, de harmonia com a maior urgência ou vantagem da assistência que estiverem prestando e com as possibilidades que mostrarem da sua melhoria ou aperfeiçoamento;
c) Defender os fins da instituição, ou os seus legítimos interesses, dos possíveis desvios dos dirigentes técnicos ou administrativos.
2. A tutela respeitará integralmente a vontade do* instituidores ou fundadores, sem prejuízo da coordenação ou concentração de modalidades ou de actualizações técnicas que só tornarem indispensáveis à melhoria da assistência.
BASE XXXIV
Os serviços de inspecção permanente serão presididos pelo inspector geral, coadjuvado por um corpo de ins-
Página 78
78 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
pectores e sub-inspectores. A Inspecção Geral terá uma secretaria privativa, cuja composição constará de diploma especial.
BASE XXXV
1. A jurisdição da Inspecção Geral abrangerá todas UP actividades sanitárias ou assistenciais e bem assim a actividade assistencial exercida subsidiariamente por quaisquer organismos ou instituições,- ainda que se proponham outras finalidades.
2. A Inspecção Geral poderá requisitar de qualquer serviço público a cooperação ou informações necessárias ao desempenho das suas funções.
BASE XXXVI
Compete à Inspecção Geral de Assistência Social:
1.° Colaborar nos inquéritos ou nos estudos julgados convenientes ao desenvolvimento ou melhoria das actividades sanitárias ou assistenciais;
2.° Inspeccionar as instituições ou serviços de assistência e prestar-lhes os esclarecimentos de ordem técnica ou administrativa de que possam carecer para melhoria da sua actividade;
3.° Fiscalizar a execução das normas técnicas e à aplicação administrativa dos rendimentos ou subsídios destinados à assistência, sem prejuízo da legítima autonomia das instituições;
4.° Sugerir as modificações estatutárias ou regulamentares que a necessidade ou experiência aconselharem;
5.° Estudar a coordenação local das actividades assistenciais, tendo em consideração os recursos das instituições, a sua modalidade assistencial e as necessidades a satisfazer;
6.° Propor as concentrações ou desanexações de actividades ou estabelecimentos de assistência que forem julgadas necessárias ou convenientes à sua maior eficiência ;
7.º Inspeccionar os serviços de inquérito assistencial;
8.° Tomar parte nas inspecções ou exames médicos destinados à admissão de funcionários ou empregados públicos e bem assim nos exames de competência profissional do pessoal destinado a prestar assistência.
BASE XXXVII (transitória)
Os funcionários que fazem parte dos quadros da Direcção Geral de Assistência, extinta por força da presente lei, terão ingresso, sem perda de nenhum dos seus direitos e mediante simples despacho ministerial, nos quadros remodelados da Direcção Geral de Saúde e Assistência ou nos da Inspecção Geral de Assistência Social.
BASE XXXVIII
Até à aprovação dos regulamentos definitivos o Ministro do Interior aprovará os regulamentos provisórios e as instruções indispensáveis à boa execução das diversas modalidades de assistência.
CÂMARA CORPORATIVA
III LEGISLATURA
Acórdãos da Comissão de Verificação de Poderes
A Comissão de Verificação de Poderes, eleita na sessão preparatória de 25 de Novembro de 1942, no uso da competência que lhe é atribuída nos termos do artigo 105.° da Constituição Política, tendo em vista «disposto no decreto-lei n.° 29:111, decreto n.º 29:112, de 12 de Novembro de 1938, e decreto-lei n.° 32:416, de 23 de Novembro de 1942, bem como a relação a que se refere o artigo 8.° do mencionado decreto-lei n.° 29:111, publicada no Diário do Governo n.° 271, 1.ª série, de 23 de Novembro de 1942, juntamente com a acta da sessão plenária da Academia das Ciências de Lisboa de 2 de Dezembro de 1943, da qual consta ter sido designado o académico Sr. Júlio Dantas, eleito vice-presidente da mesma Academia, para representar esta na Câmara Corporativa:
Reconhece e valida os poderes do referido ilustre académico como digno Procurador a esta Câmara.
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação dê Poderes da Câmara Corporativa. 31 de Dezembro de 1943.
Domingos Fezas Vital.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano de Sousa.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Ivo da Cruz.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha.
A Comissão, de Verificação de Poderes, eleita na sessão preparatória de 25 de Novembro de 1942, no uso da competência que lhe é atribuída nos termos do artigo 105.° da Constituição Política, tendo em vista o disposto no decreto-lei n.º 29:111, decreto n.° 29:112, de 12 de Novembro de 1938, e decreto-lei n.° 32:416, de 23 de Novembro de 1942, bem como a relação a que se refere o artigo 8.° do mencionado decreto-lei n.° 29:113, publicada no Diário do Governo n.° 271, 1.º série, de 23 de Novembro de 1942, e considerando que, conforme portaria de 13 de Dezembro último, publicada no Diário do Governo n.° 302, 2.ª série, de 29 do mesmo mês e ano, foi exonerado, a seu pedido, de presidente da direcção da Federação dos Vinicultores da Região do Douro (Casa do Douro) o engenheiro agrónomo Álvaro Trigo de Abreu, deixando por esse facto de representar a referida Federação na secção de Vinhos desta Câmara, e em sua substituição nomeado o engenheiro agrónomo António de Azevedo Coutinho Lobo Alves, por portaria da mesma data e publicada no mesmo Diário do Govêrno:
Delibera, por unanimidade, julgar caducos a partir da data da portaria citada os poderes do anterior presidente, Sr. engenheiro agrónomo Álvaro Trigo de Abreu, e reconhecer e validar desde esta data os poderes do novo presidente, Sr. engenheiro agrónomo An-
Página 79
26 DE FEVEREIRO DE 1944 79
tónio de Azevedo Coutinho Lobo Alves, como digno Procurador à Câmara Corporativa.
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 24 de Fevereiro de 1944.
Domingos Fezas Vital.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano de Sousa.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Ivo da Cruz.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha.
A Comissão de Verificação de Poderes, eleita na sessão (preparatória- de 25 de Novembro de 1942, no uso da competência que lhe é atribuída mós termos do artigo 105.° da Constituição Política, tendo em vista o disposto no decreto-lei n.° 29:111, decreto n.° 29:112, de 12 de Novembro de 1938, e decreto-lei n.° 32:416, de 23 de Novembro de. 1942, bem como a relação a que se refere o artigo 8.° do mencionado decreto-lei n.° 29:111, publicada no Diário do Govêrno n.° 271, 1.ª série, de 23 de Novembro de 1942, juntamente com o ofício n.° 131/44 da Ordem dos Médicos (conselho geral), de 17 de Fevereiro do corrente ano, no qual consta que nu sessão do conselho geral da mesma* Ordem realizada no dia 14 de Fevereiro foi eleito presidente da direcção do conselho geral da mesma Ordem o Sr. Prof. Fernando de Freitas Simões, que na reunião da assemblea geral ordinária da Ordem efectuada na dia 12 do mesmo mês havia sido eleito presidente da Ordem dos Médicos pura representar esta na Câmara Corporativa, nos termos do § único do artigo 33.° do decreto-lei n.º 29:171:
Delibera, por unanimidade, julgar caducos os poderes do anterior presidente, Sr. Prof. António José Pereira Flores, e reconhecer e validar os poderes do Sr. Prof. Fernando de Freitas Simões como digno Procurador à Câmara Corporativa.
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 24 de Fevereiro de 1944.
Domingos Fezas Vital.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Albano de Sousa.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Ivo da Cruz.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha.
Parecer acêrca da proposta de lei sôbre a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira
I
A Câmara Corporativa, ouvida, nos termos do artigo 105.° da Constituição, acerca da proposta de lei para a ratificação da Convenção ortográfica firmada entre Portugal e os Estados Unidos do Brasil, em 29 de Dezembro de 1943, emite, pela secção de Política e administração geral, o seguinte parecer:
Pela proposta em questão fixam-se as normas destinadas a regular os cânones ortográficos da língua, em vista a estabelecer a unidade intercontinental do idioma português de um e outro lado do Atlântico.
O problema reveste dois aspectos essenciais: o técnico e o político, aliás intimamente ligados. Não nos compete propriamente apreciar o primeiro, e nem mesmo para tal efeito a secção convocada seria o órgão mais adequado.
Isso não obsta ao reconhecimento do interesse que representa, do ponto de vista filológico e cultural, o acordo para a defesa do património da língua comum.
Admitindo-se embora que uma língua viva como a portuguesa, expressão de uma cultura pujante, não pode ser detida por quaisquer imposições coercivas na sua evolução orgânica e natural, sempre às Academias competiu entre as suas mais nobres funções a de conservar a correcção e a harmonia da linguagem, «instrumento sagrado do pensamento dos povos que deve ser religiosamente respeitado», segundo Antero de Quental, protegendo-a contra profanações estranhas, mutilações irreverentes, influências desnacionalizadoras. A tarefa essencial dos grémios académicos tem sido mesmo desde a sua fundação elaborar o dicionário da língua e a gramática respectiva.
Vale bem a pena escutar a propósito as considerações judiciosas de Latino Coelho na oração recitada em sessão pública na Academia das Ciências de Lisboa, no elogio histórico de D. Fr. Francisco de S. Luiz:
É o idioma de um povo a mais eloquente revelação da sua nacionalidade e da sua independência.
Na linguagem andam vinculadas as suas grandezas e as suas gloriosas tradições. Alteração viciosa e racional da sua índole própria testifica a irrupção de ideas e de costumes peregrinos que vieram corromper e desluzir o carácter primitivo da Nação. Em todos os povos policiados os fastos da literatura, correm paralelos aos fastos da vida nacional. Com as mais notáveis glórias da navegação e da espada se ajustaram as mais altivas galhardias da linguagem portuguesa. Quando o génio empreendedor da nossa antiga gente amadureceu para a conquista e senhorio do Oriente, a linguagem inculta e balbuciante que havia sido nos primeiros séculos da monarquia fixou-se em fornias elegantes e arrojos varonis nos cantos heróicos de Camões.
Como se a Providência se comprazesse de aprimorar e enriquecer o idioma de cada povo, na sazão em que as suas empresas mais florescem e em que as glórias nacionais esperam impacientes um cantor!
O mesmo conceito de que os atributos característicos da língua, reflectem as qualidades intrínsecas da Nação tem sido expresso em termos cheios de eloquência pelas figuras mais representativas de todas as literaturas, por aqueles que serviram e amaram com devoção a fala nacional.
Só o amor da língua, comenta o dramaturgo Johst no prólogo ao seu drama Der Kõnig, nos revela a terra em que tivemos origem, a nossa Pátria, o que pensamos e sentimos. A maneira de ser de uni povo tem a sua expressão na língua; por ela se estabelece o contacto entre o diálogo restrito e a humanidade ilimitada. Sem esse amor consciente, falta ao homem corpo e alma, pois a língua é a materialização da alma. A alma tem de ser extraída da terra, como o ouro e tudo que é valioso.
O malogrado professor e académico Agostinho de Campos, um dos cultores mais desvelados da língua,
Página 80
80 DIÁRIO DAS SESSÕES - N. 48
paladino esforçado da unidade linguística, defensor estrénuo e vigilante da sua pureza, apreciou a língua como «obra prima do génio «electivo c uma das mais fortes explicações da autonomia e um dos títulos mais legítimos à independência nacional» 1.
É nesse sentido que Guilherme de Humboldt chamava à filologia a ciência da nacionalidade.
Bem merece a nossa língua todo o carinho que lho dispensemos, pois não há outra que a exceda em formosura e riqueza.
Frederico Schlegel considerava o português a mais suave e doce de todas as línguas românicas, a melhor para expressar as delicadas subtilezas afectivas em todas as gradações, desde o prazer mais terno à saudade, à melancolia e tristeza pungente. Frederico Buchholz classificava-a de língua divina; o Conde Platen, ao ler os versos de Camões no original, julgava ouvir música comovedora que parece alar-se da terra em acordes soberbos e por estádios sucessivos se esfuma nas nuvens etéreas do firmamento 2.
Cito estes juízos, dada a autoridade que lhes advém. emitidos por autênticos valores e por quem fala um idioma que não pertence ao grupo linguístico do nosso.
Razões de sobejo justificam o desgosto com que os escritores peritos no manejo da sua língua a vêem tantas vezes poluir-se um formas viciosas, que, adulterando-a, abrem o caminho à degenerescência do gosto e até à corrupção do espírito.
Ocorre-nos neste momento o vibrante grito de alarme em prol da dignidade da língua, lançado na Academia Brasileira de Letras em 1916 pelo autor celebrado do Sertão, que, se hoje vivo fosse, havia de trazer ao atendimento linguístico o seu franco aplauso:
...Já não é somente o vocábulo de boa casta que é renegado pelo barbarismo; é a própria, plástica, a mesma sintaxe de construção robusta que se vai deformando com o arrocho do justilho, efeminando-se com embelecos e postiços.
Nesta ordem de ideas, entendemos - sem desconhecer a razão do asserto do famoso filólogo germânico acima referido: uma língua não é obra fixa (ergon), mas uma actividade constante (energeia)3 - que a fixação de preceitos ortográficos constitue, no entanto, o meio mais seguro e firme para que a linguagem escrita se não corrompa em deformações e extravagâncias de mau gôsto.
É evidente, porém, que a unidade prevista não deve ser de tal modo rígida a não permitir limitadas divergências ortográficas, correspondentes a diferenças prosódicas mais acentuadas existentes na fala comum de Portugal e do Brasil, e a não ter em couta o enriquecimento do respectivo vocabulário, sobretudo do brasileiro, para o qual os falares indígenas têm dado largo contributo e onde ainda hoje persistem formas e expressões de cunho original e até pitoresco, de bom sabor clássico, mas caídas em desuso ou semanticamente alteradas no velho solar lusitano.
Além disso, a vernaculidade da língua escrita há-de fazer-se ressentir na língua oral e até habituar-nos, não apenas a exprimir-nos com maior pureza, mas a pensar com mais vigor, com segurança, com êxito, a «conquistar - como se exprime J. Duhamel- a nossa própria alma».
Os Governos Português e Brasileiro, ao estatuírem como regime ortográfico do idioma comum o que resulta do sistema fixado para a organização do respectivo vocabulário, estabelecido por acordo da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras, rendem de maneira inequívoca o devido preito a essas ilustres instituições, às quais se deve já o acordo interacadémico de 30 de Abril de 1931, mandado pôr em execução em Portugal pela portaria n.° 7:117, de 27 de Maio do mesmo ano, e no Brasil pelo decreto n.º 20:108, de 15 de Junho. Representa ele o passo decisivo para a Convenção agora efectivada, sólida armadura jurídica onde tam dedicadamente colaboraram ambos os organismos académicos e muito em especial o Sr. Dr. Júlio Dantas, seu principal obreiro, como o fora igualmente do acordo de 1931, que por isso bem merece o reconhecimento das duas Pátrias -, destinada «a assegurar a defesa, expansão e prestígio da língua portuguesa», no dizer elegante e formoso do texto daquele diploma.
A Câmara concorda plenamente em que tam alevantada missão, a guarda do nobre idioma, do altissonante português, como o definiu Coelho Neto, deva ser confiada à douta Academia, das Ciências de Lisboa e à sua gloriosa congénere do Brasil - a Academia Brasileira de Letras -, como órgãos consultivos permanentes dos seus Governos em matéria ortográfica.
II
Encaremos agora mais de perto a questão no seu transcendente significado político.
Constituindo a língua, pela sua essência, o vínculo firme da comunhão de ideas e afectos, o meio eficaz da compreensão dos povos, o factor decisivo do seu destino individual e social, pode avaliar-se em toda a magnitude e alcance o objectivo da Convenção, saída já do âmbito académico, para se converter num instrumento diplomático internacional, que alicerce em bases indestrutíveis a boa harmonia luso-brasileira.
Seja-nos lícito repetir o que a tal propósito o relator deste parecer esplanou na sessão académica de 12 de Junho de 1941, em homenagem à grande nação irmã:
A intimidade do contacto entre Portugal e o Brasil, duas faces da mesma civilização latina, pioneiros da mesma cultura lanito-cristã - um na velha Europa, outro no novo mundo americano -, a consciência histórica do paralelismo de destinos encontra a representação plena na unidade da língua.
Velar por ela atentamente é também defender a integridade da origem comum: significa salvar um tesouro sagrado para as duas nações, expressão augusta de solidariedade no domínio moral e social, conservar dom de inestimável preço para um concurso inteligente e devotado, ao serviço dos
1 Glossário, p. 8.
2 Vide o artigo do erudito lusófilo Prof. Harri Meier, «Luiz de Camões, Lusíadas, in Geist der Zeil, número de Fevereiro de 1943, pp. 64-65, ao qual preço estas curiosas informações.
3 Citada por M. do Paiva Bolou, Defesa e Ilustração da Língua, Coimbra, 1944, p. 20.
Não se ignora que por mais do uma vez tem sido posta a questão: se a rigidez gramatical não será um estorvo à representação fiel do pensamento; se a imposição de regras apertadas não estabelece discordâncias inconciliáveis, como diz Vossler, «entre o mentar psíquico e o que se expressa idiomàticamente».
Contra tal sujeição se revoltam com frequência os principiantes, os quo gostam de dar nas vistas por suas irreverências e também - por que negá-lo - alguns innovadores de mérito.
Aquele filólogo, porém, mostra a utilidade da disciplina gramatical - a despeito dos seus exageros, condenando formas que à vista de um critério do mera correcção não são de admitir, mas perfeitamente defensáveis e ato de aconselhar para tirar certos o feitos estilísticos-, pois «só se pode determinar linguisticamente o que do ponto de vista- psicológico e artístico possue natureza e valor próprios, quando se sabe que é utilizável em geral, o que H corrente e imprescindível. ... Dêsse modo, a convenção gramatical não implica prejuízo da originalidade do espírito» (Karl Vossler, Filosofia del Lenguaje, Ensayos, Madrid, 1941, pp. 114 e 148).
Página 81
25 DE FEVEREIRO DE 1944 81
mais altos principiais e interêsses, não simplesmente na esfera das- abstracções, mas na cias realidades concretas.
Com efeito, não será ousado augurar que de tal sorte a língua portuguesa, falada por cerca de 60 milhões de pessoais em todos os confins do mundo, que, durante séculos, como provou o saudoso Mestre David Lopes em obra por todos os títulos notável, foi a língua do trato entre europeus è os naturais dos diferentes países e até dos mesmos quando falavam diferentes línguas e ainda hoje sobrevive na forma das vários crioulos: os de Ceilão, Malaca, Tugu e outros 4, venha a tornar-se agente dos mais eficazes no renôvo da latinidade, portador dos sentimentos, virtudes e energias que sempre distinguiram no decurso dos tempos a nobre raça lusa, a que igualmente pertencem brasileiros e portugueses, unidos por abençoados laços, pelos indissolúveis nexos da religião...do sangue e da língua.
Poucas línguas, observa o imortal sonetista das
Pombas, Raimundo Correia, têm hoje uma geografia tam dilatada como a portuguesa língua 3.
Não viceja ela, além Atlântico, sob o sol radioso dos trópicos, pela acção mágica de uma natureza exuberante em florações das mais encantadoras e opulentas de que se pode ufanar?
Com verdade, poderia dizer em seu verbo aurifulgente o académico Salvador de Mendonça, poeta e prosador de assinalados méritos: «se já não somos o Reino Unido de Portugal e do Brasil, podemos considerar-nos ainda a República Unida das Letras Portuguesas)» 6.
Conceito semelhante expressa o ilustre Deputado Sr. Dr. Manuel Múrias, ao escrever: «o Brasil constituo connosco o que poderíamos chamar o Império da Língua Portuguesa - o Império da Cultura Luso-Brasileira, espalhado pelas duas margens e pelo coração do Atlântico e alargando-se pelo Oriente através de Goa, Moçambique e Macau».
Pois se a simples notícia do entendimento académico do 1931, conforme escreveu o antigo secretário da Junta de Educação Nacional, Prof. Simões Raposo, fortaleceu de modo muito sensível o valor das instâncias desse organismo, empenhado na criação dos leitorados da língua portuguesa nos grandes centros universitários!
Unificada agora a língua em bases mais eficientes, é de esperar que se intensifique de maneira persistente e frutuosa a propaganda séria da cultura luso-brasileira hoje mais do que nunca, por motivos fáceis de apreender, alvo da curiosidade e estudo dos países estrangeiros.
Nunca será demais salientar que o Acôrdo, em boa hora celebrado, corresponde ao sentimento nacional de ambos os países.
É grato reconhecer que os espíritos mais nobres da Nação brasileira nunca renegaram; souberam sempre ostentar com ufania os pergaminhos da velha estirpe, enaltecer a força tradicional luso-brasileira, que encerra dentro do maciço do Brasil, a herdeiro da espiritualidade latina no mundo americano, como se exprime o romancista imortal do Canaan, uma nação uniforme pela língua e pelo espírito».
Já em 20 de Julho de 1897, na sessão de abertura da Academia Brasileira de Letras, Joaquim Nabuco, seu secretário geral, conquanto houvesse por utopia a tentativa de uma unidade literária com Portugal, era de parecer que se deveria caminhar paru a uniformidade da língua escrita:
... A língua é um instrumento de ideas que pode e deve ter uma fixidez relativa; neste ponto tudo precisamos empenhar para secundar o esforço e acompanhar os trabalhos dos que se consagrarem em Portugal à pureza do nosso idioma, a conservai-as formas genuínas, características, lapidarias, da sua, grande época. ... Nesse sentido nunca virá o dia em que Herculano, Garrett e os seus sucessores deixem de ter toda a vassalagem brasileira. A língua há-de ficar perpetuamente pro-indiviso entre nós; a literatura, essa, tem de seguir lentamente a evolução diversa dos dois países, dos dois hemisférios.
E na sessão de encerramento da jovem instituição, em 7 de Dezembro de 1907, o seu primeiro presidente, Machado de Assis, formulava como escopo da Academia o conhecimento e a guarda da língua:
Caber-lhe-á defendê-la daquilo que não venha de fontes legítimas - o povo e os escritores -, não confundindo a moda que perece com o moderno que vivifica ... Guardar não é impor ... E depois para guardar unia língua é preciso que se guarde também a si mesma, e o melhor dos. processos é ainda a composição e a conservação de obras clássicas. A autoridade dos mortos não aflige e é definitiva. Garrett pôs na boca de Camões aquela célebre exortação em que transfere ao a generoso Amazonas» o legado do casal paterno. Sejamos um braço do Amazonas; guardemos em águas tranquilas e sadias o que ele acarretar na marcha do tempo.
Aos portugueses devemos, afirma Elísio de Carvalho, em palavras repassadas de unção lusíada, a grandeza da terra unida e identificada pelo sangue
e pelo espírito da pátria e a opulência da nacionalidade. Tendo conquistado esta porção oriental da América, e só à custa de esforço, coragem e tenacidade, perseverança e trabalho constante, êles nos legaram, após três séculos de sacrifícios, um Brasil grande, forte, íntegro e próspero. ... Com o sangue generoso eles nos transmitiram todas as qualidades primaciais da gloriosa estirpe que deu Nun'Alvares, o Infante Henrique, Camões e Vieira. ... E preciso que voltemos a nossa consciência para a história e que façamos justiça aos nossos avós, àqueles de quem herdámos todos os. impulsos e todos os predicados que nos tornaram aptos para realizar na América esta grande obra de renovação latina 7.
Não resisto à tentação de reproduzir este belo trecho, em que Olavo Bilac defende em transporte de excelso poeta a colaboração entre Portugal e o Brasil:
Daqui a cem anos, cem milhões de brasileiros abençoarão o nosso esforço e cada um desses brasileiros dirá à Pátria, como hoje eu digo, a oração fervorosa do seu amor e da sua fé articulada na suave e poderosa língua portuguesa 8.
4 A expansão da língua, portuguesa no Oriente nos séculos XVI, XVII e XVIII, Barcelos, 1936, p. 26.
5 Citado por Agostinho de Campos, Lisboa, Aillaud e Berírand, Paladinos da, linguagem, 2.° vol., p. 218.
6 Citado por Agostinho do Campos no discurso proferido em sessão da classe de letras da Academia das Ciências de Lisboa em 12 de Junho de 1941.
7 Os Bastiões da Nacionalidade, pp. 79-80.
8 Citado por Almáquio Diniz, Perpétua Metrópole, Portugal-Brasil, p. 14.
Página 82
82 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Ainda na actualidade 09 benefícios da colonização portuguesa estão sendo calorosamente postos em relevo pelo excepcional ensaísta, verdadeiro innovador dos processos da ciência social, que é Gilberto Freire, quando afirma:
.. O Brasil é hoje a parte mais viva e mais destacada do mundo que o português criou com elementos principalmente europeus e cristãos, mus através de vasta miscegenação e de larga interpenetração de culturas ... Nunca houve maior vitória do humano, do demasiadamente humano, sobre o económico 9.
Como esquecer a oração famosa, em glorificação da língua comum, de um dos mais categorizados e leais amigos de Portugal em terras de Santa Cruz, o propugnador da criação entre nós da cadeira de Estudos Camonianos, Sr. Dr. Afrânio Peixoto, para quem Camões e o Brasil são os dois maiores prodígios que fizemos no Mundo?!
Dêsse discurso, lido na sessão da nossa Academia em 10 de Junho de 1940, devo transcrever o passo seguinte, porquanto dele irradia a ternura lusófila do autor:
Somos filhos legítimos e trazemos, com garbo e honra, o nome de família; «guardaremos com piedade e orgulho a língua, a mesma que falaram esses lusíadas que revelaram o mundo ao mundo e salvaram a civilização latina e cristã dos bárbaros maometanos, obrigados a refluir da Europa às suas nascentes asiáticas...
Língua de epopeia e de amor, ainda e sempre a mesma, de Garrett a Castro Alves; de Herculano a Machado de Assis; de João de Deus a Bilac; de Camilo a Rui Barbosa...
III
Seria interminável a lista dos brasileiros ilustres que comungam nesta aspiração ao lado de muitos dos mais insignes escritores portugueses, de que me permito apenas lembrar, para só falar dos mortos: Malheiro Dias, o empreendedor desse monumento bibliográfico, a História da Colonização Portuguesa no Brasil, que ao estreitamento das relações luso-brasileiras dedicou uma vida infatigável; Alberto de Oliveira, que carinhosamente designava o Brasil de «outra banda de Portugal», vendo na sua lusitanidade a garantia de persistência diferenciada, não só territorial, mas moral e histórica 10; Ricardo Jorge, defensor acérrimo do que chamava brasilismo, o culto e o amor das cousas do Brasil 11; Sampaio Bruno, em cujo entender-constituía «verdadeiro serviço público» tornar o Brasil conhecido dos portugueses 12; e Manuel de Sousa Pinto, que desenvolveu labor inesquecível na sua cátedra de Estudos brasileiros 13, escrevendo a par disso monografias de mérito sobre a literatura do Brasil, considerado por ele «o segundo Portugal, o maior e o melhor presente que nos deu o destino, admiravelmente servido pela nossa ciência náutica» 14.
Acto de inteira justiça representa assim enaltecer entusiasticamente como acontecimento dos mais notáveis e patrióticos, expressão máxima de uma política clarividente, o Acordo estabelecido.
Constituo título de glória imorredoura para todos que de algum modo por ele se esforçaram15 e muito em particular para o estadista sem par, orgulho não apenas da sua Pátria mas da comunidade cristã, o Presidente do Conselho e Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Português, Senhor Doutor Oliveira Salazar, também um clássico da linguagem pela elegância e correcção da forma de todos os seus escritos.
E, como remate, permitimo-nos recordar os versos de António Ferreira, que eles não perderam a actualidade e traduzem o sentir unânime da Câmara e certamente de todos os portugueses cultos:
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde fôr,
Senhora vá de si, soberba e altiva!
Se até aqui esteve baixa e sem louvor,
Culpa é dos que a mal exercitaram.
Esquecimento nosso e desamor.
Pelo exposto, a Câmara Corporativa é de parecer que deve ser aprovada a proposta de lei referida.
Palácio de S. Bento, 6 de Fevereiro de 1944.
Domingos Fezas Vital.
João Serras e Silva.
José Gabriel Pinto Coelho.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Gustavo Cordeiro Ramos, relator.
9 O Mundo que o português criou, Rio de Janeiro, pp. 41 e 45.
10 Artigo na Atlântida, ano I, n.° 3, de 15 de Janeiro de 1910, pp. 201-204.
11 Brasil! Brasil!, 1.ª ed., Lisboa, Empresa Literária Fluminense, p. 18.
12 O Brasil mental.
13 A iniciativa da fundação, na Faculdade de Letras de Lisboa, de uma cadeira de estudos brasileiros, instituída por decreto de 12 de Junho de 1916, cabe ao saudoso escritor e diplomata Dr. Alberto de Oliveira, que a preconizou acaloradamente na Academia das Ciências de Lisboa e na Academia Brasileira de Letras. O relator da respectiva proposta de lei na Câmara dos Deputados foi o Sr. Dr. João de Barros, «galhardo paladino da chamada aproximação luso-brasileira», como a esse escritor se refere justamente o Prof. Sousa Pinto.
14 Língua minha gentil. Aillaud e Bertrand, 1924, pp. 8-9.
15 De elementar justiça será acentuar que não se teria podido chegar a resultados tam decisivos sem a reforma ortográfica de 11 de Setembro de 1911, a qual veio pôr termo à anarquia existente.
Recordemos com gratidão os inestimáveis serviços prestados a este respeito, sobretudo pelo notabilíssimo filólogo Gonçalves Viana com os seus trabalhos e em especial com o Vocabulário Ortográfico.
Página 83
25 DE FEVEREIRO DE 1944 83
Parecer acerca da proposta de lei sôbre o Estatuto da Assistência Social
A Câmara Corporativa, consultada pelo Governo, nos termos do artigo 105.° da Constituição, emite, pelas secções de Política e administração geral, Justiça, Interesses espirituais e morais e Autarquias locais, o seguinte parecer:
I
Introdução
1. A proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social contém as bases gerais do regime jurídico em que deve desenvolver-se a actividade pública e particular destinada a «valer aos males e deficiências dos indivíduos» mediante a a melhoria das condições económicas, morais e sanitárias dos seus agrupamentos naturais» (base I).
Não se trata, pois, de um plano de acção do Estado, mãe de simples, regras de disciplina jurídica.
É incontestável a oportunidade da proposta. O Estado Novo inscreveu desde o primeiro momento no seu programa á melhoria das condições económicas das classes menos favorecidas e o princípio da solidariedade entre os que têm de sobejo e os que carecem do essencial.
No discurso pronunciado em 28 de Maio de 1930, na Sala do Risco, Salazar afirmava: «Não é preciso ter, como eu, vindo de baixo, do povo, do trabalho, da pobreza, para sentir vivamente a inferioridade de condições de vida, material e moral, que usufrue, em contraste com toda a Europa do ocidente, o povo português e para notar as fontes novas de energias que borbulham aqui, como no seio de todas as sociedades modernas, e que nenhum homem público ousaria desconhecer ou desprezar. O rejuvenescimento e revigoramento de quadros sociais abertos a todos pelo direito, fechados a muitos pelas condições económicas, só pode, de facto, obter-se por larga obra de assistência e de educação, que, se por um lado é cara, tem por outro a vantagem de valorizar o capital humano e de aumentar em grandes proporções o seu rendimento actual» (Discursos, i, p. 58).
Foi ainda Salazar quem, em 28 de Maio de 1936, proclamou que: «emquanto houver um português sem trabalho ou sem pão a Revolução continua» (Discursos, II, p. 149).
Ora o destino de uma revolução não é continuar indefinidamente - é atingir os seus objectivos essenciais.
A obra realizada até hoje, sendo considerável, está longe de neste capítulo poder reputar-se suficiente. Impõe-se, pois, não em obediência a qualquer moda de momento ou sob a pressão de qualquer receio, mas para que se cumpram os princípios fundamentais de uma política há muito definida e até constitucionalmente consagrada, o incremento de quanto respeite à previdência e à assistência social.
As regras jurídicas só valem na medida em que sejam acatadas ou executadas. O Estatuto da Assistência Social deve significar a entrada num período decisivo de realizações para tornar realidade aquela sociedade nova em que, mau grado a inevitável persistência da dor, do luto e das lágrimas, o homem encontre o bálsamo para a dureza da vida c na alegria do esforço criador, na garantia do trabalho e na suficiente satisfação das necessidades, na segurança do lar e no doce convívio familiar» (Salazar, Discursos, II, p. 45).
2. O conceito de assistência social, definido na base I da proposta em razão dos propósitos a realizar por seu intermédio, é muito amplo.
Nêle cabe, pelo que se vê das bases em que se especificam as modalidades da assistência, todo o auxílio prestado, mediante organização regular dos meios idóneos, aos indivíduos que, por motivo de insuficiência económica e cultural, agravada pelas circunstâncias do meio em que vivem, não possam por si sós prevenir os males que ameaçam a sua vida e saúde, prover ao sustento próprio e da família, tratar a doença, remediar defeitos físicos e psíquicos, suprir a invalidez...
E não se hesita em abranger importantes aspectos higiénicos e profiláticos da vida social, tendendo-se mesmo para ligar estreitamente com a assistência tudo o que respeita à saúde pública.
Desta concepção tem de partir a Câmara Corporativa para o estudo crítico da proposta.
Começar-se-á esse estudo pelo balanço sumário das principais necessidades do País em matéria de assistência social; depois, cabe examinar se algumas dessas necessidades não deverão antes ser satisfeitas pelo sistema da previdência social; por fim, será ocasião de nos pronunciarmos acerca de vários problemas suscitados: a quem deve caber a assistência social? Qual a melhor organização dos serviços do Estado por onde há-de correr a execução do Estatuto? De que meios tem de se dispor para realizar uma acção eficaz?
Página 84
84 DIÁRIO IMS SESSÕES - N. 48
As necessidades a atender Maternidade
3. Vai passado o tempo em que Portugal não tinha de se preocupar com o problema demográfico. Por causas de ordem moral e de ordem económica esse problema apresenta-se, hoje com aspectos alarmantes. Já não basta o instinto para garantia da perpetuação da espécie. A mulher foge cada vez mais ao fardo que para ela representa a, maternidade. E, se nas classes remediadas e ricas há sobretudo a combater um egoísmo que para a Nação é suicida, nas classes pobres tem também de se deminuir o peso económico e toda a série de riscos que para elas resultam da mais sublime das missões femininas.
É necessário que a mulher pobre não fuja, por justificado receio do desemprêgo e do desamparo material e moral, ao dever de ser mãi. E necessário garantir à operária a possibilidade de ter filhos e de criá-los. É necessário que essas mulheres possam levar a termo a gravidez, tratando-as de doenças susceptíveis de influir na saúde e robustez dos filhos e prevenindo os partos mortais ou de consequências mórbidas crónicas.
Alguns números elucidarão sobre a extensão e valor destas necessidades.
4. Nos últimos anos a natalidade tem decaído no nosso País por forma assustadora. A continuar assim (e por emquanto não há sinais de melhoria) não tardará muito que nos encontremos na situação dos países europeus em vias de despopulação.
Eis a nossa taxa de natalidade (número de nascimentos por 1:000 habitantes) de 1928 a 1940. segundo o Anuário Demográfico deste último ano (só o continente) e o número de Fevereiro de 1942 do Boletim, Mensal do Instituto Nacional de Estatística (continente e ilhas):
1928 ............... 31,52
1929 ............... 29,53
1930 ............... 29,38
1931 ............... 29,37
1932 ............... 29,56
1933 ............... 28,57
1934 ............... 28,09
1935 ............... 28,01
1936 ............... 27,84
1937 ............... 26,57
1938 ............... 26,47
1939 ............... 26,15
1940 ............... 24,32
1941 ............... 23,75
O distrito onde a queda da natalidade é maior no intervalo entre 1928 e 1940 é o de Setúbal, região industrializada, com numerosa população operária: no primeiro dêsses anos a sua taxa era de 34,32, ao passo que no último desceu para 22,16.
Na cidade de Lisboa a taxa era de 22,46 em 1928 o de 13,33 em 1940. O próprio Porto passou de 28,53 em 1928 para 20,89 em 1940.
Estes números, que relacionam o número de nascimentos e a população existente, são confirmados pêlos números absolutos dos nascimentos: a população aumenta e o número de crianças nascidas deminue. Em 1928 nasceram no continente 196:000 crianças, números redondos. Em 1940 viram a luz apenas 173:000. Em 1941 a cifra baixou para 169:000. A adição dos números das ilhas adjacentes nào alteraria as comparações, porque, diga-se em honra dos distritos insulares, a natalidade lá não sofreu deminuição neste período.
Não há dúvida, pois, de que, a par do dever moral de acarinhar, dignificar e proteger a mulher que vai ser mãi, existe uma premente necessidade pública de remover todos aqueles motivos inibitórios de feliz maternidade que seja socialmente possível desfazer.
5. O número de mortes por doenças ligadas à gravidez, e por motivo de parto ou de acidentes puerperais, dá apenas unia pequena, idea das consequências mórbidas que podem resultar para as mais da falta de vigilância médica durante a gravidez e de uma deficiente assistência no parto. Quantas ficam, depois de dar à luz, afectadas de enfermidades graves, umas vezes crónicas, outras do demorada oura e em certos casos esterilizantes!
Anda à volta de 800 o número dos óbitos anualmente registados por estas causas, número talvez inferior à realidade. As mortes por septicemia e infecção puerperal mostram acentuada tendência para a deminuição do seu número entre 1938 e 1940 quási se reduziu a metade, por efeito do descobrimento e emprego de meios mais poderosos e eficazes de combate e de mais generalizada assistência médica. Os 752 óbitos registados em 1940 por causas ligadas à maternidade representam 4 por mil dos nascimentos verificados nesse ano no continente e ilhas. Sem ser das melhores, é unia taxa que não nos envergonha em relação aos restantes países.
6. Não interessa apenas que a mulher goze de razoável bem-estar físico e moral e de certa segurança da sua vida e saúde no período da gravidez e do parto - para conservar a sua capacidade de trabalho, as possibilidades de novas gestações e, sobretudo, o seu papel de esposa e de mãi, essencial à vida de família.
É preciso ainda que os filhos nasçam vivos e viáveis. A mortinatalidade e mortalidade infantil precoce revelam, além dos casos acidentais de insuficiência constitucional, traumatismos e doenças agudas, uma gravidez sem vigilância clínica, manobras abortivas f lustra das ou miséria.
Vejamos as nossas taxas de mortinatalidade (número de nado-mortos por 1:000 nascimentos, no continente e ilhas):
1929 ............... 43,14
1930 ............... 42,61
1931 ............... 43,34
1932 ............... 44,15
1933 ............... 43,77
1934 ............... 44,79
1935 ............... 44,98
1936 ............... 45,74
1937 ............... 46,58
1938 ............... 46,00
1939 ............... 45,11
1940 ............... 47,10
1941 ............... 47,76
Repare-se que, emquanto por um lado a natalidade decresce, aumenta por outro o número de nado-mortos por 1:000 nascimentos.
7. Os meios de assistir à mulher no período, de gravidez e no parto são, principalmente:
a) A instalação de consultas pre-natais, nas quais se vigiem e tratem, medicamente as mulheres grávidas e
Página 85
25 DE FEVEREIRO DE 1944 85
se faça a sua educação maternal, mediante a acção conjugada do médico e das visitadoras;
b) A criação de postos de assistência ao parto no domicílio que forneçam (em ligação com a clínica pre-natal) às parturientes tudo o necessário, em roupas, medicamentos e utensílios, para o parto na própria casa, sempre que esta reúna o mínimo de condições para o efeito;
c) A existência de maternidades onde sejam internadas as mulheres cujos partos se prevejam laboriosos, ou que por outro motivo corram maior risco, e ainda aquelas que não tenham casa própria (vivendo em quartos, partes de casa, pensões ...) ou cuja habitação não reúna o mínimo de condições higiénicas e morais necessário (especialmente o caso dos tugúrios).
Deve notar-se que o internamento nas maternidade se impõe também nos casos em que a parturiente não encontre em sua casa o ambiente moral necessário ao repouso imprescindível no período subsequente ao parto. A proposta faz ainda referência aos abrigos maternais e às cantinas maternais.
Os abrigos maternais, que há toda a conveniência em estarem anexos às maternidades, destinam-se a recolher, por períodos prolongados, as mulheres grávidas que por motivos económicos (extrema miséria), psicológicos ou sociais (concepção ilegítima, temor da opinião social ou repúdio pela família) ou clínicos (necessidade de vigilância médica por receio de graves complicações) convenha internar num ambiente discreto, moralmente são, com cuidados higiénicos, onde poderio até trabalhar em ocupações não prejudiciais ao seu estado. Estes abrigos são dos meios mais eficazes de prevenir certas categorias de abortos, espontâneos ou provocados, e o próprio infanticídio.
As cantinas maternais propõem-se fornecer às grávidas e às mais no período da amamentação, gratuitamente ou a baixo preço, os alimentos indispensáveis a um estado de nutrição conveniente ao regular desenvolvimento do filho. Estas cantinas deveriam sobretudo existir nos meios industriais, sendo de aconselhar para as operárias grávidas cujos filhos são, em geral, menos robustos que os das outras mulheres.
Além destas instituições, cuja multiplicação por todo o País se impõe com urgência (em especial nos centros urbanos), a assistência à maternidade tem de ser acompanhada e completada por certas providências legislativas e correspondente acção administrativa de execução, tais como:
a) A adopção de enérgicas medidas contra o aborto provocado, pois é verdadeiramente vergonhosa a tolerância dispensada à sua prática quási às claras. Segundo a última Estatística Judiciária publicada, foram em 1940 condenados em todo o País, pelo crime de aborto, dois homens e catorze mulheres, ; cabendo à maioria penas de prisão correccional! Isto numa época em relação à qual escreve o Prof. Costa Sacadura (O aborto criminoso, 1937) que «se praticam abortos à luz do dia, por todas as formas e feitios, com mais ou menos cuidados higiénicos e até, suponho eu, com todas as regras da ciência obstétrica» (p. 57). Trata-se, não apenas de combater um acto imoral e anti-social, mas de defender a saúde pública, pois, como se escreve no relatório da Comissão da Organização de Higiene da Sociedade das Nações, que em 1931 estudou o problema da protecção à mãi e da higiene da primeira infância e da infância pre-escolar «sob o ponto de vista da protecção à mãi, e postas de parte quaisquer considerações de ordem legal ou moral, o aborto deve ser considerado como extremamente perigoso para a saúde, principalmente por motivo da infecção que com frequência provoca e do estado malsão dos órgãos pélvicos que dele pode seguir-se».
b) As medidas anteriormente indicados ligam-se as respeitantes ao exercício da profissão médica e da profissão de parteira. Referindo-se a 1931, escrevia o Dr. Fernando Correia (Portugal Sanitário, p. 315): «Não é preciso fazer muitas contas nem grandes raciocínio» para ver que a cada parteira da cidade de Lisboa caberia assistir em média a 37 partos por ano e a cada uma das do Porto a 32, ou seja, em números redondos, 3 partos por mês. A profissão de parteira não é positivamente possível em Lisboa e Porto. Não é da profissão que vive a maior parte das parteiras, evidentemente. O título serve a grande parte delas para lhes abrir as portas a outras ocupações, desde a do exercício ilegal da medicina à de abortadeira...»;
c) É igualmente indispensável que se cumpra com o maior rigor a legislação relativa ao trabalho das mulheres durante o período da gravidez e à situação das assalariadas parturientes (decreto com força de lei n.º 14:498, de 29 de Outubro de 1927, artigos 15.° a 21.º, e regulamento aprovado pelo decreto n.º 14:535, de 31 de Outubro de 1927). Aí se estabelece a vigilância sanitária das grávidas, que devem trabalhar habitualmente sentadas e só em ocupações leves e não prejudiciais ao seu estado, e a proibição do trabalho nas quatro primeiras semanas posteriores ao parto, bem como a obrigação para as grandes empresas de manter maternidades, creches e salas de amamentação. Deve notar-se que o período de quinze ou vinte dias ou três semanas de falta justificada consentido por lei às mulheres ao serviço do Estado e autarquias locais (decreto n.° 19:478, de-18 de Março de 1931, artigo 5.º, § único; decreto-lei n.º 26:334, de 4 de Fevereiro de 1936, «Código Administrativo, artigo 508.°, § único) não parece suficiente, sobretudo nas condições em que se permite o abono de vencimentos - só quando as parturientes a ele tenham direito nos termos gerais da licença por doença (resolução do Conselho de Ministros de 7 de Julho de 1934). A Convenção de Washington de 1919 preconizava a dispensa facultativa da grávida nas seis semanas anteriores ao parto e a proibição de trabalhar nas seis semanas posteriores, sempre com direito ao abono de uma pensão suficiente para a sua sustentação e do filho em boas condições de higiene, além da assistência gratuita de módico e parteira. Poucos países a puseram em prática. Em França, desde a lei de 17 de Junho de 1913, a mulher grávida pode, mediante atestado médico, deixar de trabalhar quando do trabalho possa resultar perigo para ela ou para o filho, e é-lhe proibido comparecer ao serviço nas quatro semanas posteriores ao parto, com direito, emquanto não trabalhar, e desde que não disponha de meios suficientes, a um subsídio até ao máximo de oito semanas. Seria, pois, conveniente que o Estado desse o exemplo de pagar sempre o vencimento ou salário no período da maternidade e alargasse este.
Primeira infância (tactantes)
8. O conceito de primeira infância não está definido na proposta. Estudaremos separadamente as necessidades de assistência aos lactantes (até 1 ano) e às crianças pre-escolares (1 a 7 anos), considerando abrangidas na segunda infância a que a proposta se refere as crianças escolares até à adolescência.
Trataremos primeiro dos problemas comuns a toda a infância, para depois nos ocuparmos das situações especiais e anormalidades.
Página 86
86 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Comecemos pela apresentação dos dados estatísticos referentes ao número de óbitos de lactantes por 1:000 nado-vivos:
1925 ............... 132
1926 ............... 145,7
1927 ............... 144,2
1928(não há elementos) -
1929 ............... 151,2
1930 ............... 143,6
1931 ............... 145,5
1932 ............... 143,6
1933 ...:........... 148,5
1934 ............... 144
1935 ............... 148,7
1936 ............... 139,7
1937 ............... 151,4
1938 ............... 137,2
1939 ............... 119,9
1940 ............... 126,1
Como se vê, a mortalidade infantil doe lactantes é enorme e num período de quinze anos manteve-se sensivelmente constante, mostrando só em 1939 e 1940 alguma tendência para decrescer.
Se aos números representativos da mortalidade doa lactantes juntarmos os dos nado-mortos, tiraremos resultados como este: em 1940 houve no continente 172:644 nascimentos com vida e registaram-se 8:172 nado-mortos e 23:690 óbitos de crianças até um ano, ou seja uma perda de 31:862 crianças, que corresponde a 18 por cento do número total dos nascimentos (nado-vivos+nado-mortos).
Assim, quási uma quinta parte das crianças nascidas ou vem sem vida ou em condições de fraca resistência aos primeiros perigos, ou é criada em deficientes circunstâncias económico-sociais e sem os necessários cuidados higiénicos.
9. Para se fazer melhor idea da necessidade de uma verdadeira campanha de defesa da primeira infância em Portugal, convém comparar as nossas taxas de mortalidade de lactantes (crianças de menos de um ano falecidas por 1:000 (nado-vivos) com as de alguns países estrangeiros.
Escolheremos o ano de 1939, por ser anterior às dificuldades da guerra, que originaram em tantos países o aumento anormal da mortalidade infantil. E restringir-nos-emos à Europa, por ser neste continente que poderemos encontrar condições naturais análogas às nossas:
Suíça ............... 43
Inglaterra .......... 53
Alemanha ............ 60
França .............. 63
Irlanda ............. 66
Bélgica ............. 73
Itália .............. 96
Só tinham nesse ano taxas superiores à nossa a Lituânia, a Espanha, a Hungria, a Roménia, a Bulgária e a ilha de Malta.
A nossa taxa, sendo superior a 100 por mil, entra na classificação de mortalidade infantil fortíssima proposta pela Organização de Higiene da S. D. N.
10.º Quais são as causas de tam grande mortalidade de lactantes?
No estudo já citado da comissão nomeada pela Organização de Higiene da S. D. N. foram elas agrupadas sob três rubricas: o perigo congénito, o perigo alimentar e o perigo infeccioso.
O perigo congénito manifesta-se sobretudo na mortinatalidade e na mortalidade das crianças com menos de uma semana.
Já apresentámos os números relativos aos nado-mortos. Acrescentaremos agora que em 1940 em 6:573 crianças mortas com menos de um mês 4:382 morreram por debilidade congénita, vícios de conformação congénitos e nascimento prematuro. Perto de 6:000 crianças com menos de um ano - aproximadamente 25 por cento da mortalidade respectiva - sucumbiram ao perigo congénito.
O perigo alimentar ainda é mais grave. Reside na alimentação artificial que substitue ou ajuda o seio materno - seco ou esgotado pela fadiga, pela doença, pelo egoísmo ou por outras causas.
Aumenta à medida que se aproxima a altura do desmame. Em 1940 morreram no continente 7:340 crianças de menos de um ano com diarreia e enterite, o que corresponde sensivelmente a um terço de todos os óbitos nessa idade!
Vem finalmente o perigo infeccioso. O lactante, ainda mal adaptado ao meio, é extremamente sensível a todos os contágios infecciosos, em especial por via respiratória. Também as nossas estatísticas documentam com eloquência a sua gravidade. E ver o número de menores de um ano arrebatados pela pneumonia, pela tuberculose e pela tosse convulsa, sem falar na sífilis - infecção herdada que melhor se classificaria no perigo congénito.
É com estes três perigos que uma bem orientada assistência ao lactante deve lutar sistemática, persistente e eficazmente.
11. Quais os meios de assistência à primeira infância?
Deixamos de lado os que se referem ao esconjuro do perigo congénito, porque esses consistem principalmente na assistência às grávidas. Só vale a pena mencionar à parte o serviço de salvação dos prematuros.
Passemos aos outros perigos:
a) A educação das mais é a primeira medida a adoptar. Mas como fazer compreender a mulheres incultas, e tantas vezes miseráveis, a importância dos cuidados a adoptar com seus filhos? Há toda uma acção moral a exercer em muitos casos para despertar ou esclarecer o sentimento natural do amor materno. Essa acção dificilmente produzirá resultado se não for acompanhada de unia outra destinada a valer às dificuldades materiais da família ou da mãi abandonada, de modo a ajudá-la a vencer os obstáculos de toda a ordem que se opõem ao cumprimento dos seus deveres para com os filhos;
b) O dispensário de puericultura deve desempenhar uni papel fundamental em toda a assistência à primeira infância - dispondo não só de médicos e enfermeiras-puericultoras, como de visitadoras que acompanhem no domicílio a observância das prescrições dadas e ensinem as mais a executá-las;
c) É fundamental para que o perigo alimentar deminua que a mãi amamente os seus filhos e observe as práticas da higiene da lactação. Nalguns países recorreu-se para esse efeito à concessão de subsídios às mais pobres que criem o filhos ao peito, em dinheiro ou proporcionando-lhes alimentação conveniente nas cantinas maternais. Além disso, a legislação concede facilidades às mais que trabalham por conta de outrem, a fim de poderem ocupar-se pessoalmente dos seus filhos. O artigo 20.° do decreto com força de lei n.° 14:498, de 29 de Outubro de 1927, dispõe que «os estabelecimentos
Página 87
26 DE FEVEREIRO DE 1944 87
onde trabalhem menos de cinquenta mulheres terão uni local reservado onde ae mais irão amamentar os filhos e onde estes poderão estar». Os estabelecimentos que empreguem mais de cinquenta mulheres são obrigados a ter uma creche (artigo 19.°).
O artigo 14.° do regulamento aprovado pelo decreto n.° 14:535, de 31 de Outubro de 1927, completa esses preceitos dispondo que «a mãi tem o direito de deixar o trabalho durante meia hora de manhã e de tarde para ir amamentar o filho, sem redução de salário». Não existem disposições análogas quanto às mulheres funcionárias públicas ou administrativas.
d) As creches (que na nossa língua podem designar-se por ninhos, abrigos ou alegretes) destinam-se a guardar os filhos das operárias e trabalhadoras durante as horas em que estas são obrigadas a permanecer fora de casa. A criança ou é amamentada a horas certas pela mãi ou criada a biberão. Pessoal especializado ocupa-se das crianças com todos os cuidados, sob a direcção e vigilância médica, de modo que a mãi se possa entregar à sua profissão sem receio pelo filho - tratado até com uma competência que ela dificilmente adquiriria. O importante é evitar que da aglomeração de crianças resulte o agravamento do risco de contágio das doenças infecciosas.
e) Os lactários têm por função principal fornecer leite de confiança às crianças cujas mais as não possam criar ao peito, devendo simultaneamente acompanhar o crescimento e a nutrição da criança assim alimentada e dirigir a transição no período do abandono do leite.
f) Claro está que o ideal será o centro de assistência social infantil, que, numa pequena circunscrição, esteja a par de todos os nascimentos ocorridos, faça o inquérito às condições económicas e morais da família do recém-nascido e possua ou coordene postos de consulta pre-natal e para lactantes, creches e lactários, conforme as necessidades verificadas, e ampare e eduque as mais, encorajando-as a suportar o peso da maternidade e ajudando-as a vencer as dificuldades familiares já existentes ou aparecidas com o nascimento do filho. A experiência mostra que onde existem estes centros, ou simples dispensários de puericultura, logo o perigo alimentar perde a sua maior gravidade1.
1 Os elementos estatísticos publicados por alguns médicos pediatras no nosso País são elucidativos.
Assim, segundo - o Prof. Carlos Salazar de Sousa («Necessidades e deficiências da assistência infantil», separata da Revista Portuguesa de Pediatria e Puericultura, vol. 2.°, n.° 5, 1939), num posto de puericultura da Junta Provincial da Estremadura, em Lisboa, a mortalidade baixou de 19,2 por cento em 1932 para 3,9 em 1937. Nesta baixa a parte principal cabe ao perigo alimentar, que foi reduzido a 0,8 por cento em 1937.
Semelhantes resultados obteve o Dr. José Lopes Dias (Palestras de formação técnica às visitadoras escolares, p. 77) no dispensário de puericultura de Castelo Branco. Por via da deminuição do perigo alimentar a mortalidade infantil nessa cidade baixou de 15,8 por cento (média do quinquénio anterior a 1930) para 12,3 por cento (média do quinquénio anterior a 1941).
Na cidade de Coimbra (onde a obra de assistência à infância é bastante completa) a mortalidade dos lactantes de 1926 para 1936 baixou de 19,5 por cento para 7,7 por cento (Dr. José dos Santos Bessa, A luta antituberculosa da Junta de Província da Beira Litoral, in «Congresso do Mundo Português», vol. XVII, tomo I, p. 381).
Infelizmente os dispensários não exercem igual influência sobre o perigo infeccioso, que depende sobretudo das condições económicas da população e, em especial, da habitação. Veja-se o que diz o Prof. C. Salazar de Sousa: «... durante a epidemia de 1932, 55 por cento das crianças inscritas no posto tiveram sarampo e em 41 por cento dos casos houve complicações bronco-pulinonares». O autor atribue o facto às más condições de habitação, o que de resto condiz com as observações nacionais e estrangeiras: veja-se, por exemplo, o que está escrito e os números registados a pp. 130 e seguintes do valioso Inquérito habitacional, organizado pela Direcção Geral de Saúde Pública e publicado com um estudo do Dr. Henrique Niny em 1941.
Infância pre-escolar
12. Tratemos agora das crianças entre 1 ano e os 7 anos que consideramos na infância pre-escolar.
Vejamos ainda a estatística da mortalidade, à falta de outros elementos que possam fornecer visão exacta dos problemas deste grupo.
As nossas estatísticas demográficas só discriminam os óbitos infantis ano por ano até aos 5 anos, constituindo o 2.° grupo as idades dos 6 aos 9 anos. Por isso os dados apresentados não podem coincidir rigorosamente com o grupo estudado.
Em primeiro lugar vejamos a tendência geral da mortalidade infantil nos últimos anos (óbitos por 1:000 nado-vivos nesse ano):
[ver tabela na imagem]
As conclusões a tirar deste quadro são que é muito ligeira e precária a tendência para a deminuição da mortalidade infantil geral.
Se conjugarmos este facto com a baixa acelerada da natalidade e com a deminuição sensível da mortalidade dos adultos (que origina o prolongamento da vida média do homem), teremos que assinalar uma outra tendência: a que conduz a uma composição populacional em que dominam os velhos e faltam as crianças.
Esta população decadente encontra-se já desenhada nalguns países da Europa. Veja-se o exemplo da Suíça em 1930 e 1940, onde, apesar de uma mortalidade infantil mínima, a deminuição da natalidade e o aumento de longevidade criaram uma composição populacional anómala.
Percentagem de indivíduos de cada idade na população total da Suíça1
[ver tabela na imagem]
1 Números do Anuário Estatístico da Sociedade das Nações 1940-1041, p. 30.
Êste quadro mostra o enorme perigo a que estão expostos os países que descuram a sua política demográfica ou não conseguem dominar os factores de enfraquecimento da primeira e fundamental riqueza dos Estados: a população.
Página 88
88 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
A solução do problema, está só na manutenção ou aumento da natalidade. Mas como paliativo imediato impõe-se a luta contra a mortalidade infantil.
Lute-se contra a mortalidade geral. Mas ataque-se especialmente com toda a energia, desde já, a mortalidade infantil, pois é na deminuição imediata desta que se pode encontrar compensação para a baixa da natalidade emquanto não for possível travá-la.
Vejamos agora o número absoluto dos óbitos infantis até aos 5 anos, em 1940 (os mi meros referem-se sempre só ao continente):
De 1 ano............. 7:448
De 2 anos............ 3:059
De 3 anos............ 1:534
De 4 anos............ 988
De 5 anos............ 648
Quais as principais causas da mortalidade infantil neste grupo?
ecorramos ainda ao Annuário Demográfico de 1940:
[ver tabela na imagem]
isto é: até aos 5 anos o perigo alimentar continua a ser o mais grave de todos, em consequência da ignorância do povo, que dá comidas impróprias às crianças, e ainda à liberdade inconsciente que elas têm no campo.
Por esta última razão a mortalidade da infância pre-escolar por diarreia e enterite tem em Lisboa menos gravidade que no campo.
Seguem-se as afecções das vias respiratórias, representadas pela alta letalidade das pneumonias. Parece, porém, que já aqui se deve ver o perigo infecto-contagioso, pois muitos casos registados estatisticamente como d« simples pneumonia correspondem de facto a bronco-pneumonias, consequentes ao sarampo ou à tosse convulsa, e que a estas doenças devem ser imputadas, e outras provêm da infecção, gripal.
Nas doenças do sistema nervoso estão as meningites, e também com frequência sob esta simples rubrica se esconde a meningite tuberculosa, que deveria agrupar-se com as outras formas desta terrível doença.
Emfim, repare-se na importância da tuberculose infantil, única doença que não cede ao robustecimento do organismo com o crescimento, nem se detém com a selecção dos primeiros anos!
Doenças gastro-intestinais doenças das vias respiratórias, doenças infecciosas, tuberculose e meningite - eis os pontos capitais da morbilidade infantil pre-escolar que é preciso combater.
A este panorama da mortalidade infantil falta ainda acrescentar uma noto: a do número de óbitos- resultantes de desastres nesta idade, fruto na maior parte do abandono a que as crianças andam votadas, quási sempre pêra, necessidade que as mais tom de trabalhar fora de casa.
Atente-se nos números do casos de morte violenta ou acidental (excepto homicídio e suicídio) em 1940:
Com 1 ano.............194
Com 2 anos............150
Com 3 unos............115
Com 4 anos............ 76
Com 5 anos............ 51
Com 6 a 9 anos........173
Total.................759
Não é difícil verificar que estes números são relativamente muito grandes e que contra eles nada praticamente podem os meios comuns de luta contra a mortalidade infantil.
13. A assistência comum às crianças na idade pre-escolar requere:
a) O dispensário, que seria ainda o processo ideal de realizar a assistência a estas crianças. Dirigido por um médico que vigiaria o desenvolvimento das crianças, pesquisando as doenças crónicas e anomalias constitucionais, prevenindo estados mórbidos agudos e instruindo as mais sobre questões de alimentação, higiene, etc., sem, todavia, fazer terapêutica, nele devem existir, além de uma enfermeira, assistentes sociais que completem a acção do médico pela visita ao domicílio e pelo amparo moral da família. As dificuldades de acção dos dispensários são, porém, muitas: têm de ter uma área limitada de influência para actuar bem e ser acessíveis às mãis sem grande perda de tempo nem despesas de transporte; e a amplitude da, sua eficácia depende da prévia educação das mãis - de que elas se convençam da necessidade de ir periodicamente ao médico sem os filhos estarem doentes e dos benefícios daí resultantes.
b) Esta colaboração entre o dispensário e a mãi pressupõe a vida de família e o lar. Ora, se em muitos casos a mãi não pode fazer vida de família - quer na cidade, quer no campo, por gastar os seus dias no trabalho -, em muitíssimos outros acontece que a mãi não tem casa onde criar os filhos, porque vive na cidade em miseráveis casebres ou tugúrios1. Emquanto não se resolve radicalmente o problema da habitação operária, tem de se remediar este mal por meio de jardins e parques infantis onde a criança brinque oo ar livre e encontre quem faça a sua primeira educação sensorial e moral, porventura mesmo prepare o futuro ensino primário pelos métodos amoráveis da escola maternal, que conviria até voltar a adoptar no nosso plano de ensino. A criança receberá aí apenas refeições secundárias (primeiro almoço, lanche), indo comer a casa as principais.
c) Nem sempre a fórmula do ar livre pode realizar-se: as nossas grandes cidades carecem de espaços livres, que em Lisboa são absolutamente insuficientes para as necessidades de higiene e cultura física da população em geral e da infantil em especial. Então surge a solução da creche diurna, onde a operária, a mulher a dias, a peixeira, etc.- e quem dera que amanhã pudesse ser, na aldeia, a jornaleira e, em geral, a mulher ocupada nos trabalhos agrícolas! - possam deixar confiadamente os filhos emquanto vão ganhar o pão de cada dia. A criança é entregue de manhã e recolhida pela mãi à noite. Na creche, que de preferência deverá ser de pequena lotação, exercer-se-á a maior vigilância profilática e praticar-se-á a mais rigorosa higiene, con-
1 E em casa - o que vai por lá! Nota o Dr. Manuel Moreira (Apontamentos sobre algumas realizações de protecção à mãi pobre, 1939) que em 617 crianças observadas apenas 273 possuíam cama ou berço próprios e, das 344 restantes, 233 dormiam com outras crianças o 141 com adultos.
Página 89
25 DE FEVEREIRO DE 1944 89
dicionando-se a admissão à inexistência de doenças contagiosas e a outras condições médicas e sociais reveladas em prévio exame e por inquérito familiar, devendo também existir nela a escola maternal num ambiente de jardim de infância.
d) O problema da tuberculose infantil é, como se viu, gravíssimo. A mortalidade registada está muito longe de dar idea do número de infecções contraídas nesta idade - casos de adenopatia, que nas classes menos cultas são descurados, ficando as lesões latentes até ao dia, por vezes muito mais tarde, em que entram em franca evolução. Ora importa não só curar estas adenopatias, como evitar que as crianças sãs sejam contagiadas pela convivência com doentes portadores de lesões tuberculosas. Para isso impõe-se arrancar as crianças aos meios familiares infectados e proporcionar às atingidas os meios de cura. Para as crianças pobres que vivam entre tuberculosos a solução é, ou enviá-las para o campo, onde serão entregues a pessoas de família ou a famílias estranhas, mediante subsídio do Estado, ficando sob vigilância médica (sistema de Grancher) ou reüni-las em colónias permanentes de altitude, de campo ou marítimas, onde tenham ar livre, alimentação abundante e boa higiene. As crianças locadas já pela infecção, ma» por forma benigna, devem ser reunidas em colónias-preventórios. Emfim, há as crianças com predisposição tuberculosa, especialmente por sub-alimentação e má habitação, para as quais está aconselhada permanência periódica em colónia, de férias, mesmo em regime de acampamento, na serra, na planície ou à beira-mar: os resultados colhidos nestas colónias revelam bem (tam consideráveis são - em curtos prazos, quanto ao aumento de peso e de estatura, por exemplo) o estado de carência da maioria das crianças do povo, estado que as impede de um desenvolvimento físico normal.
Infância escolar
14. Aos 7 anos chega no nosso País o momento da obrigação escolar - nem sempre, infelizmente, cumprida. Começa então um novo período infantil, que vai até à adolescência e cujos problemas gerais são sensivelmente os mesmos da infância pre-escolar. embora o perigo das doenças deminua à medida que passam os anos (salvo quanto à tuberculoso), e já não surja a necessidade das creches e jardins de infância.
É a escola, que agora retém durante grande parte do dia os rapazes e raparigas. A escola (ou o posto de ensino), que não deveria ser mero local de ministração de ensino literário elementar, mas uma activa oficina de educação. A escola, cujo professor não pode ser mero funcionário encarregado da transmissão dos primeiro os dados do saber, mas onde devia estar um modelador de almas para esse efeito devidamente apetrechado.
Assim, à escola, em colaboração íntima com a família, caberia vigiar física e moralmente os alunos. O professor carece de sólida preparação higiénica e profilática para, por outro lado, ser eficaz auxiliar do médico escolar. E nas escolas primárias é indispensável a assistência médica para prevenir os contágios tam fáceis em aglomerações de crianças e notar e corrigir os defeitos físicos e psíquicos resultantes de um crescimento ao desamparo1.
Outro problema que aqui surge de novo e o da alimentação. Quantas crianças não chegam à escola primária mal vestidas e deficientemente alimentadas - sem maneira de se abafar, aquecer e secar o sem grandes possibilidades de comer melhor pelo dia fora! A cantina escolar é uma instituição cuja generalização em Portugal produziria os mais imprevistos resultados - tam curto é que muitos dos males e das interioridades da nossa gente vêm da deficiência, de sustento e dos maus hábitos alimentares. Dar de comer e ensinar a comer as crianças pobres nas escolas seria- uma obra de misericórdia de projecção nacional.
Vejam-se os números tirados das tabelas comparativas publicadas pelo Dr. Mário Monteiro Pereira no seu livro Crianças escolares, p. 90:
[ver tabela na imagem]
E o citado autor comenta: «Embora a número do observações das crianças portuguesas, quer das crianças de A Voz do Operário, quer das da escola provinciana, seja relativamente pequeno para se poder determinar uma média muito exacta, revelam em todo o caso certas diferenças evidentes. Assim, no que diz respeito à altura, nós vemos que as crianças alemãs, francesas e portuguesas de A Voz do Operário se equivalem no seu conjunto, emquanto as crianças portuguesas da província estão em inferioridade nítida, tendo menos 2, 3 e 4 centímetros. E esta diferença que entre dois indivíduos é pequena, é importante entre duas médias, isto é, entre dois conjuntos de indivíduos».
1 Em 850 alunos das escolas primárias de Castelo Branco notou o Dr. José Lopes Dias, no sexo feminino e masculino respectivamente :
51,5 e 58,6 por cento de linfáticos;
34,8 o 84.3 por cento do defeituosos funcionais da coluna vertebral e do esqueleto;
34,3 e 43 por cento de doentes de cárie dentária, além de consideráveis percentagens de deficientes visuais e doentes dos ouvidos, nariz e garganta. (Palestras de formação técnica às visitadoras escolares, 1941. p. 13).
Um inquérito feito pelo mesmo médico a 16:033 alunos de escolas primárias no distrito de Castelo Branco revelou que:
3:941 andavam mal agasalhados;
3:394 eram insuficientemente alimentados;
839 careciam de interjeições operatórias do nariz e da garganta;
512 eram atardados mentais;
119 eram fatigados por trabalhos rurais precoces e improprios da sua idade;
140 eram excitados, na maior parte, por causa do alcoolismo paterno. (Ob. cit., p. 26).
Página 90
90 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Procurando as causas desta diferença, acrescenta o Dr. Monteiro Pereira: e... emquanto as crianças alemãs, francesas e portuguesas de A Voz do Operário têm nas suas escolas cantinas escolares, que lhes fornecem uma refeição complexa, com boas albuminas, gorduras, hidrates de carbono e vitaminas, as crianças rurais não beneficiam desta instituição. São geralmente oriundas das classes pobres e em casa comem sobretudo pão e raríssimas vezes um pouco de albuminas se boas gorduras. Com esta falta de alimentos plásticos o seu crescimento, a sua construção, não pode deixar de ser precária e insuficiente.
No que diz respeito ao peso, os resultados comparativos são semelhantes e derivados das mesmas causas. As crianças alemãs são, no entanto, um pouco mais pesadas que as dos outros grupos e isto é que pode representar uma característica de raça, visto que as dos grupos francês e português de Lisboa têm o peso correspondente à altura e idade» (p. 96).
Resta acrescentar que nem só a Sociedade A Voz do Operário mantém cantinas nas suas escolas primárias. A Obra das Mais pela Educação Nacional tem a seu cargo cantinas em Lisboa e Porto, que em 1940 beneficiaram 1:613 alunos com perto de 100:000 refeições.
E ainda muito pouco (Desse ano matricularam-se no ensino primário oficial em todo o País 530:000 crianças). Outras cantinas, muitas de iniciativa particular, forneceram 900:000 refeições gratuitas a 7:500 crianças em todo o País (Anuário Estatístico, 1940, pp. 112 e 104).
Órfãos e abandonados
15. Até aqui tem-se tratado sempre das crianças normais com família. Vamos agora tratar das crianças normais sem família ou cujo meio familiar seja prejudicial à sua educação.
Na verdade as hipóteses a considerar são várias:
a) Criança órfã de pai e mãi;
b) Criança órfã de mãi, sem outra mulher da família que dela se incumba e cujo pai trabalhe o dia todo fora de casa;
c) Criança órfã de pai, cuja mãi seja indigente ou careça para viver de trabalhar continuamente fora de casa, sem família a quem deixar os filhos;
d) Criança abandonada pelos pais;
e) Criança abandonada por um dos pais, vivendo com o outro nas circunstâncias acima referidas para a orfandade, em termos de não poder ser educada por aquele com quem vive;
f) Criança que convive com os pais num ambiente familiar malsão (prostituição, crime, embriaguez...).
Tirando a hipótese e), em que a solução ideal será a de proporcionar à mãi trabalho razoavelmente remunerado no domicílio, de maneira a permitir-lhe ganhar a vida e tratar da casa e dos filhos (o que se não consegue com salários irrisórios), em todos as outras não se pode contar com a colaboração familiar na empresa de salvar as crianças para uma existência útil e digna.
E esse é que deve ser o pensamento dominante numa política de assistência infantil.
Havendo família, impõe-se conservar a criança no seu meio familiar, ajudando por todos os meios os parentes a cumprir o seu dever, quer por meio de subsídios, quer por assídua colaboração de visitadoras ou assistentes sociais.
Por isso, se no caso de orfandade a criança tem parentes próximos, há que procurar obter que estes a aceitem de boa vontade, subsidiando-os se tal for preciso; mas a imposição forçada da criança a pessoas que a não amam nem querem seria uma violência de que a criança viria a constituir a maior e mais infeliz vítima.
Se não há família, se esta não quere tomar conta da criança, ou é moralmente incapaz de educá-la, então não existe outra solução senão a de os organismos de assistência tomarem conta dela.
Quanto às crianças lactantes, pode adoptar-se uma de duas fórmulas: a colocação em amas no campo ou a reunião em ninhos.
A colocação em amas exige a prévia educação destas, para que não se trate apenas de uma indústria exercida sem consciência nem coração. Além disso as amas devem ser frequentemente visitadas por pessoas competentes encarregadas de vigiar a criação dos lactantes.
Há quem preconize a entrega das crianças órfãs e abandonadas, na idade pre-escolar, a famílias rurais que as desejem adoptar ou a isso se prestem mediante subsídio. A caridade da nossa gente de aldeia tem sido muitas vezes posta à prova na adopção espontânea e desinteressada dos órfãos dos vizinhos. Mas são muito raros os casos de famílias dispostas a adoptar crianças quaisquer, procuradas na assistência. E quanto às famílias subsidiadas, o problema é o mesmo das amas: têm de dar garantias de sentimentos de caridade cristã e do conhecimento daquele mínimo de preceitos de higiene infantil e educação individual e social, sem os quais seria perigoso confiar-lhes os homens de amanhã. Essas famílias encontram-se ainda com relativa facilidade nalgumas regiões mas não noutras1.
Para mais fácil orientação e vigilância destas famílias sugeriu-se a sua concentração em localidades determinadas - os centro 5 de colocação. Os perigos da industrialização, porém, aumentam muito neste caso.
Chega-se, pois, à solução do internato: ninho ou asilo. Não se negam os seus inconvenientes de vária ordem, morais (desintegração da criança do meio familiar, o que lhe dará mais tarde a sensação de uma vida diferente da das outras crianças; promiscuidade de crianças de várias origens e índoles; perigos do convívio constante...) e sanitários (grande facilidade de contágios) - sobretudo se o pessoal desses estabelecimentos não for recrutado e preparado com o máximo escrúpulo. Mas é, em muitos casos, a única solução, e os seus inconvenientes podem, senão eliminar-se totalmente, ao menos atenuar-se por via de criteriosa escolha do pessoal e do emprego de bons métodos educativos.
O internamento das crianças nunca deve fazer-se sem prévio inquérito familiar e um período de observação em estabelecimentos existentes nos próprios grandes centros, onde se examinem física e psiquicamente as crianças, pesquisando todas as infecções, doenças e anomalias de que possam ser portadoras e as taras de que sejam vítimas. A admissão ou rejeição das crianças será dependente dos resultados do inquérito e da observação quarentenária.
Crianças com defeitos físicos ou dos sentidos
16. Outro problema é o da assistência às crianças anormais. Seguindo a já clássica classificação de Decroly, vejamos primeiramente o caso dos anormais por deficiência física (marrecos, aleijados ...) ou sensorial (cegos, surdos-mudos ou só mudos).
É sabido que estes deficientes não devem ser confundidos com as crianças normais. Convém logo na infância pre-escolar reuni-los em estabelecimentos próprios, pois quanto mais cedo começar a sua educação especial, melhor: esta precoce assistência pedagógica
1 Ver a defesa desta solução e os resultados da experiência no Porto na comunicação do Sr. Prof. Almeida Garrett: A colocação familiar rural é a melhor forma de assistência à infância desvalida nas publicações do Congresso do Mundo Português, vol. XVII, tomo 1.º, p. 855.
Página 91
25 DE FEVEREIRO DE 1944 91
impõe-se sobretudo para os cegos e surdos-mudos, de quem hoje em dia se conseguem verdadeiros prodígios de adaptação à vida social, permitindo-lhes o exercício de qualquer profissão.
Só depois de completamente publicado o censo da população de 1940 poderemos saber quantas crianças existem no País com estas deficiências. Os resultados do distrito de Aveiro (únicos conhecidos até à data) são os seguintes: em relação ao número de crianças menores de 10 anos existentes no distrito os deficientes da mesma idade correspondem a:
Permilagem
Cegos .................. 1,18
Surdos-mudos ........... 0,42
Tudo leva a crer que os resultados gerais do País se não afastarão muito destas permilagens, que condizem com as já conhecidas de outros censos.
A assistência tem aqui um papel importantíssimo de ordem educativa. Para ver o que falta fazer (e até quanto à prevenção da cegueira, cuja profilaxia merece todos os cuidados, inclusive o emprego da autoridade do Poder) basta reproduzir os números referentes ao distrito de Aveiro em 1940:
Número total de cegos............ 929
Cegos de nascença................ 326
Cegos de menos de 10 anos........ 117
Cegos que vivem do trabalho...... 144
Cegos que vivem de esmolas ...... 117
Cegos a cargo da assistência..... 11
Cegos a cargo de família ou
vivendo de rendimentos .......... 657
Quere dizer: é pequeníssimo o número de crianças cegas internadas em estabelecimentos de assistência educativa, visto que 11 apenas e de todas as idades se encontram asilados. Daí resulta que 83 por cento dos cegos são um peso morto, a cargo da família, mendigos ou vivendo de rendimentos, quando poderiam ser na maior parte elementos socialmente úteis e encontrar no trabalho lenitivo para a sua infelicidade.
Quanto aos surdos-mudos, a situação é um pouco diferente no conjunto, em virtude de os moucos serem empregados nos trabalhos rurais e domésticos e mesmo profissionais: mas é a mesma, senão pior, quanto à sua inadaptação social.
Vejamos o distrito de Aveiro:
Número total de surdos-mudos (todos
de nascença) .........................401
Com menos de 10 anos ................. 42
Vivendo do trabalho ..................139
De esmolas ........................... 16
A cargo da família ou com rendimentos.245
Na Assistência ....................... 1
Sabiam ler ........................... 7s
A solução é criar o número necessário de institutos de educação de cegos e surdos-mudos, em cada um dos quais existam, com internato e externato, secções próprias para cada idade (ninho e escola maternal, escola primária e escola secundária). Todo aquele que possa beneficiar do seu meio familiar deve conservá-lo e frequentar estes estabelecimentos em regime de externato ou de semi-internato!
Deverão criar-se igualmente os estabelecimentos necessários à educação dos anormais por outras deficiências físicas.
Crianças mentalmente anormais
17. As necessidades quanto às crianças anormais mentais são também muito grandes.
Têm de distinguir-se os anormais obtusos, apáticos, neugináticos, que podem em geral continuar a viver em família, quando a tenham, embora frequentando clínicas e escolas próprias, dos excitados e turbulentos, que têm necessariamente de ser internados.
Outra distinção que se impõe é entre anormais educáveis e ineducáveis: aos primeiros convêm escolas de reeducação, emquanto que os segundos devem ser internados em asilo, de preferência do tipo colónia agrícola, onde serão tratados e ficarão socialmente segregados.
Esta segregação social reveste-se de capitalíssima importância numa política de vistas largas. Toca-se aqui o melindroso problema eugénico. Sem ir de forma alguma até aos extremismos a que ultimamente nalguns países se levaram as práticas do eugenismo, não pode deixar de se reconhecer que a liberdade de perpetuação dos indivíduos portadores de disposições mórbidas hereditárias é humanamente dolorosa e socialmente perigosa. Multiplicam-se as vidas sofredoras e aumenta-se o número dos anormais a sustentar, à custa da colectividade, em asilos. Por isso, como escreveu o Prof. Barahona Fernandes, e toda a política demográfica de higiene e assistência que não tome em consideração a hereditariedade, a selecção e a eugénica e vise apenas o acréscimo quantitativo da população e o combate aos agentes nocivos ambienciais deve ser considerada como insuficiente e falsamente orientada» (O Problema da Eugénica, 1938, p. 13).
Quere isto dizer que o internamento em estabelecimentos fechados deveria desde cedo ser extensivo a todos os anormais, mesmo tórpidos, cujas doenças fôssem de certeza hereditárias.
A profilaxia da anormalidade mental das crianças coincide em muitos pontos com outros aspectos da política social, como sejam o combate ao alcoolismo e u sífilis.
Crianças delinquentes e socialmente perigosas
18. É ainda uma modalidade de assistência social de índole pedagógica aquilo que se refere à recolha e correcção das crianças delinquentes ou perigosas, bem como à readaptação dos menores regenerados à vida em sociedade.
Sem que tal signifique adopção de uma posição determinista na génese da criminalidade, tem de se reconhecer que na vontade operam tanto anais fortemente os motivos quanto menos se encontra formada por verdura dos anos e deficiência de educação.
Ora está mais que provado serem de índole social os factores da maior parte da criminalidade juvenil. Predomina o crime de furto. E os delinquentes são quási sempre crianças sem família ou vivendo em péssimos meios, a presenciar exemplos detestáveis, desamparadas moralmente e com frequência na miséria.
O desenvolvimento das formas preventivas da assistência infantil, uma actuação oportuna e constante sobre a saúde física e moral das crianças não exterminará a delinquência dos jovens, porque seria utopia-pensar em expulsar o mal do mundo, mas diminuirá consideràvelmente a quantidade dos criminosos e dos delitos.
A assistência às crianças delinquentes, desamparadas e em perigo moral, fundamentalmente, entre nós, regulada pelo decreto com força de lei de 27 de Maio de 1911, deve pois integrar-se num plano geral de assistência infantil, com os seus refúgios, reformatarias e colónias correccionais, devendo aumentar-se o número dos primeiros para substituírem os depósitos policiais existentes nos albergues distritais,
Página 92
92 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Liga-se ainda com este aspecto da assistência a necessidade de recolher e amparar os que saem desses estabelecimentos, corrigidos e ansiosos por se verem recebidos pela sociedade sem qualquer reserva. Não se pode contar com as famílias, inexistentes ou tam gafadas que o regresso ao lar ... seria o regresso ao crime. Daí a criação de comunidades sãs destinadas a transição para a vida e quanto possível entregues à direcção dos próprios membros - os lares do ex-pupilo, para rapazes e para raparigas, que não careceriam de subsídio (pois que todos os seus hóspedes trabalham) se não fora a exiguidade dos salários pagas aos aprendizes, contra que se ergue indignada e justamente a voz do Padre Américo, apóstolo desta obra meritória.
Crianças doentes
19. E quando as crianças estão doentes, em termos de se mão poderem tratar em casa - por necessidade de intervenção cirúrgica, por falta de recursos, por impropriedade absoluta do tugúrio habitado...?
Há que proporcionar-lhes hospitais infantis capazes. Porque o hospital infantil não é um estabelecimento hospitalar comum que só recebe crianças: nele tudo - desde as instalações ao mobiliário, ao pessoal, ao regime interno - deve adaptar-se às necessidades e mentalidade próprias do pequeno doente, das suas doenças e da sua convalescença, e até à indispensabilidade dos carinhos familiares.
Um plano de assistência à infância ficará incompleto se não incluir a criação e o desenvolvimento de hospitais infantis dignos desse nome ou de enfermarias com o mesmo espírito, nas cidades onde se não possa instituir hospitais.
Assistência na doença
20. Enunciadas tam brevemente quanto possível as necessidades a atender pela assistência à maternidade e à, infância, segue-se a análise, também sumária e imperfeitíssima, como nào pode deixar de ser, das necessidades dos adultos relativos ao que a proposta denomina «a vida ameaçada ou deminuída».
Comecemos pela doença em geral, entendida a palavra numa acepção muito ampla de qualquer perturbação de saúde ou da normalidade fisiológica, de modo a abranger as próprias consequências dos acidentes traumáticos e situações análogas.
As complicações de ordem económica e moral produzidas pela doença de um indivíduo pobre na família e na sociedade são dignas da maior ponderação.
Pondo de parte o indigente, vejamos o caso do chefe ou sustentáculo da família, assalariado, que adoece, supondo que não beneficia de qualquer espécie de previdência:
Deixa de receber o salário com que sustentava a família;
Aumentam as despesas com dietas, medicamentos, etc.;
Imobilizam-se outros membros da família que porventura também trabalhem e cuja presença seja necessária para o tratamento;
A urgência de ganhar leva ao regresso prematuro ao trabalho, sem a conveniente convalescença, o que origina a permanência de estados mórbidos, tornados erónicos com o tempo ou prontos a evoluir para doenças mais graves, com a consequente deminuição da força de trabalho e outros efeitos perniciosos na vida familiar e na economia geral do País.
É, pois, absolutamente necessário garantir a quem trabalha um auxílio na doença (sua ou dos seus, pois a doença de uma pessoa de família a cargo do assalariado acarreta dificuldades não menores), de modo a que êsse acidente não constitua um desequilíbrio irreparável, sob o ponto de vista económico, sanitário e moral, na vida familiar.
Tal desequilíbrio assume proporções de catástrofe nos meios rurais, em caso de doença prolongada do chefe de família, quando haja um pequeno património: as previsões forçam a hipotecar ou vender as terras e a consumir o capital, proletarizando de todo uma família que tinha modesta base de autonomia económica.
Olhando agora o aspecto puramente sanitário, pense-se na importância social que reveste evitar-se uma doença e curá-la bem e depressa. Sem falar na disposição moral e no vigor físico do homem completamente são (bens inestimáveis, quer pelo valor de uma população alegre, activa e forte, quer pela garantia da raça), pense-se apenas na riqueza económica que se perde por cada dia de doença dos trabalhadores portugueses.
Se uma eficaz acção profilática ou uma pronta assistência médica poupassem um dia de doença a um milhão de portugueses por ano, cujo trabalho em média só computasse em 20$ diários, isso equivaleria a um aumento de riqueza nacional de 20:000 contos anuais!
Este simples número basta para demonstrar não só que vale a pena gastar dinheiro com a assistência médica, como o alto grau de produtividade dessas despesas.
Isto é, importa assegurar:
A acção profilática, destinada a evitar as doenças;
A pronta presença do médico junto do doente ou a fácil acesso deste a serviços clínicos públicos;
Como complemento necessário, a possibilidade de obtenção dos medicamentos receitados.
Estes problemas têm aspectos diferentes nas cidades e nos campos.
Assistência médica urbana
21. Nas cidades há, em regra, muito maior número de necessitados a atender, mas, em compensação, reúnem-se condições favoráveis a uma eficaz assistência na doença.
De facto:
Existem numerosos médicos e cirurgiões de clínica geral e especializada: em Lisboa existe 1 médico por 451 habitantes (dados sobre o número de médicos colhidos por informação da Ordem dos Médicos e sobre a população dos Resultados provisórios do VIII recenseamento geral da população, 1940); no Porto existe 1 médico por 476 habitantes;
Há facilidade de comunicações (normalmente) para a deslocação dos médicos e dos doentes;
Há grandes hospitais com consulta externa gratuita e serviço de urgência nos bancos;
Existem instituições humanitárias de pronto socorro a feridos e doentes graves;
Faz-se prontamente o descobrimento e internamento dos doentes infecciosos;
Existem bastantes organizações de caridade para auxílio às famílias dos doentes;
Finalmente, há alguns hábitos de previdência, estando já parte dos operários e trabalhadores protegidos contra os riscos de doença e acidente no trabalho por meio de seguros.
Se nas cidades a assistência à doença está longe de ser perfeita (muito longe mesmo), existem, todavia, elementos que permitem encarar a possibilidade de a organizar melhor.
Em Lisboa e no Porto, e noutras cidades, começam a exercer a sua missão visitadoras sanitárias e assistentes sociais, aquelas tornando eficazes as indicações dos médicos pela educação de quem trata os doentes e vigilância do cumprimento das prescrições e estas procurando, além disso, resolver os problemas económicos e morais suscitados pela doença.
Página 93
25 DE FEVEREIRO DE 1944 93
Emfim, a profilaxia geral dá os primeiros passos, ordenada nos centros de saúde, faz-se a profilaxia especial de algumas doenças por iniciativa pública ou particular e melhoram-se por acção constante dos municípios as condições gerais de salubridade (esgotos, águas, habitação ...).
Se as realidades não são ainda o que se deseja, as possibilidades são pois consideráveis: com vontade, energia, dinheiro e espírito organizador a campanha nos meios urbanos pode fazer-se depressa.
A assistência módica às populações rurais
22. A situação é diferente nos campos, nos casais dispersos, nas aldeias e até em muitas vilas.
Por muito extraordinário que padeça o facto, a verdade é que (como aliás já tem sido notado) em Portugal há poucos médicos para as necessidades de uma eficaz assistência na doença a todos os portugueses.
Estão presentemente inscritos na Ordem dos Médicos e no exercício da profissão médica no continente e ilhas 4:916 clínicos. Os resultados provisórios do censo da população de 1940 dão para esse território 7.709:425 habitantes.
Há, pois, 1 médico por 1:068 habitantes.
Mas se subtrairmos à população total a das cidades de Lisboa e Pôrto e ao número de médicos os 2:105 que exercem nessas cidades (núcleos exclusivamente urbanos, sem distrito rural), ficamos com 2:811 médicos para 6.745:200 habitantes.
A média corrigida pela eliminação de Lisboa e do Porto dá 1 médico por 2:399 habitantes.
Ora nas Recomendações da Conferência Europeia sobre Higiene rural de 1931, promovida pela S. D. N., foi por unanimidade votado «que o número de pessoas susceptíveis de estar utilmente a cargo de um clínico é, o máximo, de 2:000, entendendo-se que com o desenvolvimento da organização sanitária e as necessidades das populações esse número pode descer até 1:000» (S. 1). N., Organisation d'Hygiène - Recommandations sur les príncipes directeurs de l'assistance médicale, des services d'hygiène et de l'Assainissement dans les districts ruraux, 1931, vol. I, p. 15).
Parece à primeira vista, pois, muito satisfatória a assistência médica em Portugal -; e todavia como as realidades são diferentes! Os médios queixam-se de não ter que fazer e de não ganhar o suficiente, morre gente sem tratamento e o charlatanismo e o curandeirismo grassam em larga escala.
A higiene nas vilas e aldeias é, em geral, tam deplorável que só por milagre da natureza se resiste. Desde 1926 para cá melhoraram-se muitíssimo as condições de salubridade rural, especialmente no que respeita, a esgotos (nas vilas) e a águas.
Mas raro se exerce mais larga acção educativa e profilática.
Vem a doença, e é preciso chamar o médico. De há séculos existem nos concelhos os médicos pagos para assistir os munícipes em geral e os pobres gratuitamente: são os médicos de partido, hoje médicos municipais. Aconteceu, porém, que a incomodidade da vida na aldeia e a exiguidade do rendimento da clínica levou-os, em alguns casos abusivamente, a estabelecer residência na sede do concelho; e que a condição económica modesta da população rural dificulta a distinção entre pobres e remediados para evitai1 que só se faça clínica gratuita de resto, mesmo os que podem fazê-lo sem sacrifício fogem de pagar ao médico: era mais fácil no tempo das avenças em géneros do que agora, em que o dinheiro na aldeia tanto custa a conseguir.
Embora hoje em dia já haja telefone a ligar muitas aldeias às vilas, ainda na maior parte dos casos, quando é preciso chamar o médico, tem de se palmilhar o caminho até à sede do concelho: uma pessoa de família, do doente ou um vizinho encarrega-se do encargo, que representa a perda de algumas horas de trabalho - perda a indemnizar quando de vizinho se trata.
Mas o médico como há-de ir, por êsses difíceis caminhos, de muitos quilómetros às vezes, até à morada modestíssima do doente: Põe-se o problema do meio de transporte, que o doente tem de fornecer ou pagar - ; tudo despesas a acrescer aos honorários da consulta, na qual o médico tem do gastar também muitas horas do seu dia!
Receitados os medicamentos, há que comprá-los na farmácia, geralmente existente também na sede do concelho, e cujo custo elevado é agravado pelo serviço do recoveiro. E Deus sabe como tais remédios são tomados e como o doente é tratado nos intervalos espaçadissimo das visitas médicas, em que a família fica entregue à sua aflição, com fé na Providência e em todos os adjuvantes terrenos que a superstição e a tradição aconselham para suprir a falibilidade da medicina.
Quere isto dizer que antes de mais nada, é necessário facilitar aos médicos o ir ao encontro dos doentes de modo que vivam nu meio das populações rurais, estejam no seu fácil alcance e possam exercer a acção educativa, indispensável sobre as populações.
É um sacrifício para os primeiros médicos que viverem desconfortavelmente - sem convívio, sem os recursos da civilização, sem esperanças de enriquecimento fácil, reduzidos durante anos a extrema modéstia aldea -, mas a verdade é que sem essa vanguarda do exército da sanidade rural não se poderá nunca empreender a campanha. O médico não pode perder de vista o valor social da sua missão e orientar-se exclusivamente no exercício profissional pela idea de ganhar dinheiro.
23. O Código Administrativo vigente esboçou esta política de efectiva assistência médica às populações rurais ao preceituar que:
a) Na sede do concelho só poderá haver um partido médico, devendo os restantes ter por centros sedes de freguesias rurais ou povoações importantes de fácil acesso para as populações a assistir (artigo 145.º, § 1.º);
b) Em cada centro de partido médico rural devera formar-se um posto de socorros urgentes, com os indispensáveis medicamentos e material (artigo 145.º, § 2.º);
c) Os médicos municipais terão domicílio necessário e residência obrigatória permanente na povoação onde fôr fixado o centro do seu partido (artigo 149.º). sob pena de abandono de lugar (§ 1.º);
d) Os mesmos médicos devem visitar, ao menos uma vez por semana, as povoações principais existentes na área dos seus partidos, a fim de aí darem consulta (artigo 150.º, n.º 9.º);
e) Para o efeito de contagem do tempo de serviço a considerar nos concursos para outros partidos médico o período durante o qual o facultativo tenha efectivamente residido em centro de partido rural situado a mais de 15 quilómetros de distância da sede do concelho entra com o aumento de 20 por cento (artigo 638.º , § único);
f) Emfim, aos médicos municipais providos em partidos com centros distantes mais de 15 quilómetros de sede do concelho atribuiu-se um vencimento de 750$, emquanto os demais têm apenas o de 600$ (tabela A. n.º v, anexa ao Código).
Quando se disse que o Código esboçou é porque, efectivamente, estas providencias representam apenas um princípio, uma orientação a seguir e que antes de mais nada cumpre executar rigorosamente contra todos os abusos e contra todos os interesses.
Página 94
94 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
A dificuldade de fixar residência nas aldeias remediar-se-ia pela construção de centros de saúde (postos sanitários, se se preferir) com residência anexa para a médico municipal: a despesa daí resultante para as câmaras (em colaboração com as Casas do Povo) seria bem compensada pelos benefícios a colher de uma conveniente organização da saúde pública.
Reconhece-se também que o vencimento de 760$ não é suficiente para decente sustentação do médico, quando a este caiba partido muito pobre onde a clínica renda escassos proventos.
Mas o partido médico não pode ser só a base de vida clínica do profissional na província, como tantas vezes se pensa. O centro do partido deve constituir um posto de sanidade, onde, além da assistência clínica e farmacêutica e dos socorros urgentes em caso de acidente, a população seja educada nos preceitos higiénicos e profilàticamente vigiada.
O centro do partido médico rural deve constituir um pequeno dispensário polivalente, onde se faça a consulta pre-natal, a vigilância do lactante, a assistência médico-escolar, as imunizações pela vacina, a pesquisa da tuberculose e das doenças mentais e a profilaxia e combate às doenças venéreas ou outras doenças que infestem a região, além da orientação da salubridade das povoações. Ideal seria que tivesse meio de transporte próprio para deslocação do médico e condução dos doentes aos hospitais em caso de urgência.
Deve o médico rural ser um educador popular, com o que não só ganharão o povo e o País, como até ele próprio, mais facilmente compreendido depois na sua actuação clínica.
A verdade é que o nosso povo é dócil e, quando habilmente conquistado e persuadido, uma vez convicto de que se não trata de explorá-lo ou de prejudicá-lo, compreende e colabora admiravelmente nas mais difíceis iniciativas.
E nos partidos médicos rurais que estão os postos avançados da campanha de assistência sanitária a empreender quanto antes.
Hospitais
24. A assistência médica na doença implica também a existência de hospitais em número suficiente e convenientemente equipados.
Segundo o Anuário Estatístico de 1940, existiam nesse ano no continente e ilhas 321 hospitais civis, com 16:910 camas em serviço: correspondem estes números a um hospital por 24:000 habitantes e a duas camas por 1:000 habitantes.
Parecem estes números satisfatórios, segundo o teor das recomendações da Conferência de Higiene Rural de 1931. Diz a 7.º recomendação que deve haver um estabelecimento hospitalar por 20:000 a 30:000 habitantes, correspondendo numa organização racional duas camas por 1:000 habitantes. «Todavia acrescenta-se cada estabelecimento não deve ter menos de 50 camas». O comentário oficial das recomendações explica que no espírito da Conferência um hospital convenientemente equipado compreende instalação de raios X, um pequeno laboratório, aparelhos de esterilização, quartos de isolamento, salas de operações e pensos com os respectivos instrumentos e serviço de consulta externa. Tem também enorme importância a ligação telefónica do hospital aos meios rurais e a disposição de transporte rápido e conveniente para os casos urgentes.
Vamos ver à luz destes princípios, fixados por técnicos autorizados, com o concurso de eminentes especialistas da administração hospitalar e da saúde pública, a situação portuguesa.
Segundo o Dr. Fernando Correia (Portugal Sanitário, p. 326), apenas 53 dos hospitais da província têm mais de 50 camas.
Raríssimos possuem enfermarias ou pavilhões de isolo mento. São muito poucos os que têm estufas de desinfecção ou formolizadores. As roupas são lavadas nos rios ou lavadouros comuns.
O Anuário Estatístico (1940) informa ainda que só 64 possuem instalações de raios X, incluindo nesse número 21 de Lisboa, Coimbra e Porto, o que dá 43 para, a província.
Notar-se-á ainda que nos 321 hospitais civis indicados se compreendem 27 casas de saúde privadas.
A maior parte dos chamados hospitais fora das cidades, em geral a cargo das Misericórdias, são modestas enfermarias carecidas de muita cousa indispensável a uma eficaz assistência hospitalar. Daí a afluência dos doentes, logo que o mal se apresenta com alguma gravidade, aos hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra, com os inconvenientes da pletora destes, das dificuldades e transtornos dos transportes, do afastamento dos doentes do seu meio social e da saída de dinheiro dos concelhos para as grandes cidades.
Numa nova organização dos serviços de assistência sanitária cumpre procurar obter a sua descentralização, graças a uma concentração dos meios regionais, em bons hospitais locais.
Também esse plano se encontra esboçado no Código Administrativo desde 1936, em disposições que em parte foram reproduzidas no texto de 1940 e que nesse caso citamos pela sua actual numeração.
No artigo 434.º considera-se atribuição de exercício obrigatório das Misericórdias «a sustentação de postos hospitalares, especialmente para socorros urgentes», e procura-se canalizar a sua actividade sobretudo para a assistência às grávidas e aos lactantes.
E o texto de 1936 incumbia às juntas de província, no artigo 261.º, a construção e manutenção de hospitais regionais, dispensários centrais, preventórios e sanatórios, redacção que em 1940 foi substituída no artigo 314.º por outra mais vaga e elástica de modo a permitir maior liberdade de deliberação e adaptação às conveniências gerais e locais.
A fórmula seria a de transformar os pequenos hospitais provincianos de menos de 50 camas em enfermarias locais para doenças de menor gravidade e pequena cirurgia, funcionando em ligação com um centro de saúde secundário (na classificação da Conferência de Higiene Rural de 1931).
Esse centro de saúde, em princípio municipal1, reuniria ou coordenaria as actividades antituberculosa, antivenérea e anti-sezonática ou dermatológica - contra a lepra -, consoante as necessidades locais, e teria a seu cargo a protecção à maternidade e à infância como centro de assistência social infantil. Anexo à Misericórdia, com o apoio do município, sob a orientação técnica dos serviços centrais de saúde pública (gerais e especializados), disporia de pessoal médico e de serviço social, além do pessoal auxiliar necessário2.
A centralização ou coordenação de toda a assistência social sanitária no centro de saúde de cada concelho traria benefícios extraordinários. Esse centro secun-
1 As recomendações da Conferência, embora deixando inteira liberdade quanto à adaptação nacional dos seus princípios gerais, sugerem, tomando o exemplo francês, que os centros primários devem ser comunais e os secundários de arrondissement; ora a comuna francesa não corresponde ao nosso concelho (é muito mais pequena), assim como o arrondissement é lá intermediário da comuna e do departamento - este correspondente ao nosso distrito.
2 Ver adiante, no n.º 59, as instruções portuguesas da Direcção Geral de Saúde sobre a organização dos centros.
Página 95
25 DE FEVEREIRO DE 1944 95
dário orientaria os médios rurais e estaria em ligação telefónica e em correspondência permanente com os organismos distritais.
Caso ao seu trabalho fosse necessário o concurso de especialistas, resolver-se-ia a dificuldade mediante brigadas volantes, que em dias certos iriam às localidades a fim de dar consulta ou realizar acção profilática.
A tradição administrativa do último século e a orientação das comunicações para os nós das sedes dos distritos aconselham a que os organismos regionais sejam neste caso distritais.
Na sede de distrito procurar-se-ia organizar um hospital policlínico bem apetrechado, com serviços de especialidades e grande cirurgia. Além disso haveria os dispensários distritais monovalentes, dotados já também de pessoal especializado.
Quanto a hospitais de especialidade, o seu número e localização dependem, evidentemente, das necessidades gerais.
A falta desses estabelecimentos hospitalares especializados é, actualmente, uma das causas do excesso de lotação dos hospitais gerais, para onde são enviados muitos doentes que àqueles deviam ser dirigidos.
Luta contra a sífilis e outras doenças venéreas
25. Ao tratar da actividade especificamente sanitária, refere-se a proposta a várias doenças, sem especializar as de carácter venéreo e, sobretudo, a sífilis.
Parece à Câmara Corporativa conveniente chamar a atenção para a enorme importância que para a saúde pública em geral e para o futuro da raça em particular representa o perigo venéreo, verdadeiro a flagelo social".
O Sr. Prof. Dr. Rocha Brito calculou em 600:000 o número de sifilíticos existentes no País1. É impossível conferir o cálculo: mas todos os médicos são unânimes em considerar a sífilis uma das doenças mais espalhadas em Portugal, senão a mais comum. Os serviços de saúde escolar têm verificado que 25 por cento dos alunos dos liceus portugueses são heredo-sifilíticos!
É devido a esta generalização da doença que se regista grande número de abortos espontâneos, a alta cota de mortinatalidade e a maior parte dos vícios congénitos de conformação, a cegueira e a surdez-mudez. Além disso, os doentes, mesmo tratados, estão sujeitos a consequências mórbidas importantes, entre as quais figuram em destaque as cardiopatias e as doenças do sistema nervoso.
Perigo semelhante oferecem outras doenças venéreas, que por pudor geralmente se ocultam e em que se não fala, mas vão causando os seus estragos nos que as contraíram por contágio e nos seus descendentes.
Por isso se torna necessário multiplicar os dispensários de higiene social, desenvolvendo a actividade profilática, generalizando conhecimentos e actuando especialmente no exército, à semelhança do que com tanto brilho se realizou na armada 1, pois o serviço militar tem sido o grande foco de irradiação das doenças venéreas para os meios rurais.
Nas clínicas pre-natais deve igualmente poder actuar-se sobre as mulheres grávidas, a fim de evitar quanto possível as terríveis consequências da hereda-sífilis. E não esquecer o magno problema da prostituição, são qual mais adiante se fará referência.
Luta contra a tuberculoso
26. Está dito e redito que a tuberculose é dos maiores flagelos sociais portugueses. Mas convém relembrá-lo com alguns dados estatísticos:
Número de óbitos por todas as formas de tuberculose de 1934 a 1940
[ver tabela na imagem]
Mortalidade por tuberculose (número de óbitos por 1:000 habitantes)
1934................ 1,751
1935................ 1,654
1936................ 1,614
1937................ 1,601
1938................ l,515
1939................ 1,442
1940................ 1,544
Óbitos por tuberculose, segundo as idades, em 1940
[ver tabela na imagem]
Alguns comentários às tabelas que aí ficam.
Qual a confiança que merecem os números apresentados?
Segundo o autorizado testemunho do Sr. Prof. Lopo de Carvalho (A luta contra a tuberculose em Portugal,
___________________________
1 Profilaxia da sífilis no casamento, 1934. Nesta conferência o mesmo professor apresenta os seguintes números relativos a 296 casos de gravidez em 109 mulheres sifilíticas sem tratamento observadas na Maternidade de Coimbra:
Abortos ..................... 181
Nado-mortos ................. 16
Total........................ 147
ou 50 por cento das gestações.
Dos 149 nado-vivos morreram 51 nos primeiros dez dias de existência, o que eleva a percentagem das vidas perdidas a 66,9.
A mortalidade resultante da concepção no primeiro ano da sífilis ainda é maior, pois atinge 90 por cento e mais.
1 Ver a conferência do Dr. Emílio Faro sôbre A profilaxia das doenças venéreas e o dispensário de higiene da armada nas "Conferências da Liga Portuguesa de Profilaxia Social", 3.ª série, 1936. No exército também alguma cousa se vai fazendo, como se vê na conferência do Dr. José de Saavedra, O problema da assistência social, 1940, p. 30. e no seu valioso livro Corporativismo o assistência social, p. 131. À possibilidade do extermínio da sífilis não é uma utopia. Alguns países já praticamente o conseguiram. Veja-se, por exemplo, o interessante opúsculo do Sr. Dr. Álvaro Lapa, A sífilis está quási extinta, na Dinamarca, separata de A medicina contemporânea, 1933.
Página 96
96 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
separata da Lisboa Médica, 1934), as nossas estatísticas pecam por defeito.
Em primeiro lugar, porque há um grande número de óbitos por «causas não especificadas ou mal definidas», onde ainda deve estar incluída uma cota importante de tuberculosos. Em 1940 estão incluídas nessa rubrica 8:381 mortes; supondo que deve ser imputada à tuberculose uma percentagem desse número igual à da mortalidade geral (9,7 por cento), obteremos mais 813 óbitos.
Mas, segundo o mesmo tisiólogo, outras causas de deficiência existem ainda: «as de se atribuírem a determinadas doenças alguns óbitos devidos certamente à tuberculose. É o caso, por exemplo, da bronquite erónica, que muitas vezes encobre no rol obituário formas fibrosas da doença; é o caso, ainda, do enfisema pulmonar e da grande maioria das mortes rotuladas sob a designação de afecções pulmonares não tuberculosas, quando o falecimento se deu entre os 15 e 40 anos de idade, quadra da vida em que a etiologia das doenças pulmonares mortais pode ser quási exclusivamente filiada em infecções produzidas pelo bacilo de Koch».
E conclue: «Não andaremos, portanto, longe da verdade tornando o flagelo responsável pelo desaparecimento anual de 15:000 portugueses» (ob. cit., p. 8).
Á segunda observação que o exame dos números acima expostos sugere é a de que a nossa mortalidade por tuberculose é altíssima e com insignificante tendência declinante.
Uma comparação apressada das estatísticas obituárias do princípio do século com as actuais levar-nos-ia mesmo à conclusão de que a mortalidade por tuberculose subiu: de 1,23 por mil, taxa correspondente a 6:674 óbitos, em 1902, teria passado a 1,75 por mil em 1934, com 11:812 mortes. Mas tem de notar-se que entretanto aumentou o rigor das estatísticas, deminuíu o número de óbitos por causas não especificadas ou mal definidas (que em 1902 ia a 37 por cento do total dos óbitos) e o dos óbitos sem assistência médica e melhorou-se em precisão o diagnóstico. Quere isto dizer que em 1902 a taxa de mortalidade por tuberculose não deve ter sido tam baixa como parece e que, se subiu até hoje, não foi tanto quanto o primeiro exame revela.
Mas basta que tenha estacionado, apesar da luta empreendida contra a doença, para já termos de ver aí um sintoma alarmante.
A nossa mortalidade por tuberculose é das maiores (senão a maior) da Europa e não foi ainda reduzida, ao contrário do que nos outros países tem sucedido nos últimos tempos.
Veja-se a seguinte tabela, reproduzida do livro de Moroder, Teoria y practica de sanidad pública, 1941. p. 458.
Deminuição da tuberculose em diversos países (a)
[ver tabela na imagem]
(a) Reduzimos as taxas a permilagem para as tornar mais facilmente comparáveis com as apresentadas para Portugal.
(b) Média 1896-1900.
(c) Média 1899-1901.
(d) Média 1891-1900.
(e) Média 1928-1930.
A terceira conclusão a extrair das estatísticas portuguesas é que as vítimas de eleição da tuberculose são os novos. Logo as crianças até aos 5 anos sofrem, indefesas, o contágio mortal. Muitas resistem então, mas na adolescência o mal reactiva-se e começa a grande sangria das forças juvenis da Nação. E impressionante, de resto, notar que, como demonstrou o Sr. Prof. João Maia Loureiro na sua lição «Sôbre a orientação moderna do ensino da higiene nas Faculdades de Medicina» (separata de A Medicina Contemporânea, n.º 4, 1939, p. 13), em Portugal a maior cota da mortalidade geral pertence às doenças que atacam as crianças e os adultos jovens e que mais facilmente cederiam a medidas profiláticas.
Não protegemos a infância e a juventude!
É evidente que a mortalidade por tuberculose tem sobretudo interesse como índice da morbilidade. Não será exagerado calcular que existem em Portugal à roda de 100:000 tuberculosos, a maior parte dos quais vive em meios pobres sem quaisquer cuidados higiénicos ou terapêuticos.
27. O plano de campanha contra a tuberculose está traçado de há muito e até nas suas bases fundamentais consta do decreto com força de lei n.º 14:476, de 22 de Outubro de 1927.
a) O ponto de apoio da luta antituberculosa é o dispensário. Como diz o Prof. Lopo de Carvalho, «os dispensários são instituições que vigiam os suspeitos de tuberculose por exames clínicos sucessivos e amparam os débeis e os fracos, susceptíveis de ulterior tuberculização ; são em determinados casos instrumentos de assistência quando os tuberculosos que os frequentam possam beneficiar da aplicação de determinada terapêutica, como a do pneumotórax artificial; são, finalmente, estabelecimentos destinados a educar e a averiguar a existência da doença, servindo, como tal, de canalização para hospitais e sanatórios dos indivíduos que careçam de internamento imediato» (ob. cit., p. 15). Na hipótese do dispensário polivalente concelhio, a luta contra a tuberculose é um aspecto apenas da sua acção sanitária em ligação estreita com o dispensário antituberculoso distrital. Averiguado que certo indivíduo é tuberculoso (e a eficácia do dispensário será tanto maior quanto mais cedo descobrir a doença), a função do dispensário, portanto, é encaminhá-lo para os estabelecimentos de cura. Mas, além disso, cumpre-lhe, por intermédio do serviço social, averiguar das condições familiares do doente e ocupar-se das pessoas de família em perigo de contágio - sobretudo das crianças, a que é necessário socorrer imediatamente, separando-as dos doentes, para as internar nos preventórios, caso tenham já adenopatias, para as colocar em famílias rurais, se forem sãs, ou vigiá-las, se não houver outra solução, no próprio meio em que vivem.
b) O doente curável deve ser dirigido a um sanatório. A conveniência da sanatorização (reconhecida na base I do decreto n.º 14:476) resulta de várias considerações:
1.ª Necessidade absoluta de não deixar o doente a espalhar bacilos entre pessoas sãs, evitando que ele seja homicida involuntário e criador de novos problemas de assistência e de saúde pública;
2.º A impossibilidade prática na grande maioria dos casos de proporcionar ao doente em sua casa, na terra onde exerce a sua profissão e no meio dos seus o repouso físico e moral, a alimentação abundante e o ar puro em que o tratamento basilarmente assenta;
3.ª A incapacidade, revelada, pela experiência, de o doente só por si adquirir e respeitar os hábitos de higiene, disciplina e sossego, sem os quais a natureza não opera a cura. É claro que o sanatório não tem de ser por força um grande hotel: pode ser uma aldeia sana-
Página 97
25 DE FEVEREIRO DE 1944 97
tonal, onde as famílias dos doentes vivam em suas essas sob a vigilância médica (Manteigas é típica e para esse modelo tendem Parede1, Belas, Caneças, Lousa, Malveira ...), ou pavilhões de construção simples e barata, sem nenhum luxo, com o conforto suficiente e onde se assegure - mudança de ar, repouso, alimentação e o melhor estado moral que for possível.
e) O sanatório é para o tuberculoso curável, em via de cura; o incurável tem de ser internado em hospitais próprios ou enfermarias especiais dos hospitais distritais. O hospital, de resto, pode funcionar como centro de recolha, classificação e distribuição de todos os tuberculosos.
Mais uma vez, como se vê, a maior importância nesta luta pertence à profilaxia e aos seus instrumentos (centros de saúde ou dispensários), com o respectivo serviço social activo. Esta profilaxia começa logo na protecção ao lactante: o primeiro órgão da prevenção contra a tuberculose é o dispensário de puericultura.
Os sanatórios e hospitais desempenham função capital quanto à separação dos doentes do contacto com os sãos. Infelizmente em Portugal o número de lugares disponíveis nesses estabelecimentos está longe de remediar sequer as necessidades existentes. E o contágio agrava, por isso, cada vez mais a extensão do mal.
Mas há ainda uma importante missão a cumprir pela assistência: é a de adaptar ou readaptar os doentes curados à vida normal.
As crianças tuberculosas atrasam-se na aprendizagem dos conhecimentos necessários à vida em relação às outras da sua idade; os adultos desabituam-se do trabalho e da sociedade por longa inacção num ambiente artificial como é o do sanatório; umas e outros ficam por vezes, em consequência da doença, incapazes para certas actividades profissionais.
O sanatório não pode mandá-los embora, quando clinicamente curados, sem eles terem meio de ganhar a vida - e isto é sobretudo grave nos casos de lesões osteoarticulares tuberculosas.
Impõe-se a criação de escolas para doentes e essas de convalescença tendo anexos centros de recuperação onde se faça a orientação ou reorientação profissional dos curados.
Luta contra o sezonismo
28. Não é o sezonismo das doenças de maior letalidade no nosso País, mas é das que fazem perder mais dias de trabalho à população rural e atingem mais fundo o organismo, depauperando os indivíduos e definhando a raça.
O inquérito realizado em 1933 pelos Drs. Fausto Landeiro e F. Cambournae, sob os auspícios da Fundação Rockefeller1, revelou a extraordinária extensão da doença quer pela existência de zonas infestadas por anofeles quer pela difusão devida aos grandes ranchos de trabalhadores, que vão em épocas de maior carência de mão de obra, sobretudo na cultura orizícola, para as regiões infestadas, onde vivem em péssimas condições higiénicas, impaludando-se e levando consigo a doença para as regiões sãs. Há ainda a contar com muitos impaludados regressados da África e do Brasil e exercendo a mesma acção propagadora.
A campanha anti-sezonátiea é, pois, da maior importância e merece tanto mais atenção quanto é certo que num país como o nosso pode ser um instrumento precioso de saneamento do meio rural e de actuação sobre a grande massa da população agrícola.
Adoptou-se no nosso País, em princípio, a fórmula, com tanto êxito experimentada na Itália, da bonifica integral, produto da fecunda colaboração dos médicos, dos veterinários, dos engenheiros e dos agrónomos. Como lembra o Sr. Dr. Fausto Landeiro (Sezonismo. A luta contra a endemia no ano de 1941, p. 8), a fórmula da bonifica integral corresponde à adição de bonifica humana + bonifica hidráulica + bonifica agrária:
"Bonifica humana. - Protecção aos sãos e tratamento dos doentes até à esterilização parasitária dos seus organismos.
Bonifica hidráulica. - Supressão de charcos inúteis, limpeza e regularização de valas abandonadas de todo e qualquer tratamento, enxugo de pântanos e tratamento por métodos químicos (óleos e verde de Paris) e biológicos (peixes larvívoras, as gambuzias) dos restantes focos anofelígenos impossíveis de eliminar.
Bonifica agrária. - Ensaiada pelos conselhos sobre culturas regadas, de preferência às encharcadas - o arroz -, e estabulação de gados em substituição do regime de pastagem".
O armamento desta campanha compreende:
a) Os dispensários para pesquisa da doença (recolha de amostras de sangue a enviar para análise) e acção profilática e terapêutica (distribuição do quinino), a cargo de visitadoras sanitárias que eduquem a população na protecção antimalárica (por exemplo, generalizando o uso dos meios mecânicos de protecção, como as redes, ensinando os processos da luta antimosquito o antilarva, etc.);
b) Os postos de consulta, onde em dias certos comparece o médico especializado, que percorre uma vasta área a seu cargo numa "ambulancia-laboratório" automóvel - inovação dos serviços anti-sezonáticos em Portugal, de cuja generalização haveria a esperar excelentes resultados para a assistência às populações rurais;
c) As estações, uma em cada zona de luta (correspondendo a extensão das zonas em que se divide o País à intensidade e difusão do sezonismo), onde pessoal médico e auxiliar competente proceda às análises de sangue provenientes dos dispensários e oriente a actividade em toda a região a seu cargo;
d) Um instituto de malariologia para investigação científica e preparação do pessoal necessário à campanha.
Os serviços desta actividade sanitária encontram-se em pleno funcionamento e desenvolvimento, graças à colaboração da Direeção Geral de Saúde, dos Serviços Agrícolas, da Comissão Reguladora do Comércio de Arroz e da Fundação Rockefeller.
Do relatório dos serviços vê-se que de 1931 a 1941 foram tratados 94:450 indivíduos que seguramente so-
______________
1 Segundo um inquérito feito em Fevereiro de 1942, pela assistente social D. Maria Carlota Lobato Guerra, aos doentes em tratamento hélio-marítimo na Parede, viviam 68 com suas famílias em casas próprias e estavam 124 internados no Sanatório de Sant'Ana.
Dos 68 que habitavam casa própria eram:
Crianças e jovens ................ 44
Adultos .......................... 24
Note-se que o mês de Fevereiro é um dos de menor afluência de famílias à estância. A partir de Março e Abril o número é muito mais elevado.
Repare-se que a companhia da família nem sempre é factor de bem estar moral, pomo se nota no referido inquérito: "...O doente, ao mesmo tempo que é alvo dos cuidados constantes e das atenções de todos e que se vê tratado com uma condescendência por vezes excessiva, factos estes que desenvolvem nele o capricho e o egoísmo ... ouve em volta de si as constantes lamentações que a sua doença e o subsequente transtorno da vinda para a Parede sugerem à família...".
1 O sezonismo em Portugal, por F. Landeiro e F. Cambournae. Direcção e orientação do Dr. B. B. Hill. Edição da Agência Geral das Colónias, s/d.
Página 98
98 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
iriam de sezões, com mais de 1s anos de idade. E nota-se:
Aplicando ao caso português os cálculos internacionalmente estabelecidos, um indivíduo atacado de sezões deve perder, por motivo dessa doença, uma média de 18 dias de trabalho em cada ano.
Para simplificação dos cálculos, admitimos que cada indivíduo só perdesse, nestes 10 anos de luta, os dias correspondentes a um ano. Teríamos, pois, um total de 1.718:100 dias de trabalho que seria perdido.
Numa média, baixa, de 5$ diários, daria um total de 8:590.000$ de salários perdidos.
A despesa com a luta nestes 10 anos importou em 5.495:313$90.
Comparando somente estas cifras, de numerário despendido na luta e de salários que têm sido recuperados nestes anos de luta em virtude do tratamento estabelecido, e deixando de lado tantos outros factores, quer de ordem financeira quer de ordem moral, pode-se avaliar o lucro obtido para a economia nacional (Dr. F. Landeiro, Sezonismo, cit., p. 30).
Luta contra as doenças infecciosas
29. As doenças infecciosas endémicas são ainda um problema grave para a saúde pública portuguesa. Vimos já o que o perigo infeccioso representa na nossa mortalidade infantil; mas aos próprios adultos causa dano, que se traduz em graves prejuízos económicos, morais e orgânicos.
Para não alargar demasiadamente este parecer, far-se-á apenas breve referência à febre tifóide, sarampo, varíola e difteria. Não quere isto dizer que se negue importância às restantes, mas o objectivo deste estudo é somente o de dar balanço às necessidades públicas de assistência social, e por isso a menção das enunciadas bastará para pôr em relevo os aspectos do problema neste capítulo.
a) Febre tifóide. - Como é doença de declaração obrigatória, faz-se idea do número de casos em cada ano, número que não é rigoroso em virtude da falta de assistência médica em muitas regiões rurais e da omissão da participação em bastantes casos.
Segundo o Sr. Dr. Fernando Correia (Portugal Sanitário, p. 199), de 1928 a 1934 deram-se no continente, espalhados por todo o País, 19:156 casos, dos quais foram mortais 2:443, ou seja uma taxa de letalidade (número de óbitos por 100 doentes) de 12,7.
A média de doentes declarados por ano foi de 2:730; a dos óbitos 342.
Se considerarmos agora a mortalidade (número de óbitos por 1:000 habitantes), verificamos o seguinte:
1902 a 1910 (média). 0,166
1932 ............... 0,148
1933 ............... 0,165
1934 ............... 0,145
193s ............... 0,148
1936 ............... 0,160
1937 ............... 0,178
1938 ............... 0,157
1939 ............... 0,158
1940 ............... 0,204
O que há de grave nesta estatística (não é só a confirmação da endemia: é a verificação de que as febres tifóides e paratifóides não só não cederam durante todo o longo período que vem desde o princípio do século, como até parecem crescer, apesar do grande número de obras de saneamento e de águas que foram empreendidas nos últimos anos.
Ou essas obras não foram capazmente feitas, ou depois de feitas não têm sido vigiadas, ou as fontes de infecção são outras (moscas, mariscos, hortaliças adubadas com excrementos, contágio directo de doentes com sãos, etc.).
De qualquer modo, tem de se olhar para o problema com atenção redobrada. Pense-se que um adulto curado perde, pelo menos, um mês de trabalho; e que a maior mortalidade nesta doença se dá entre os 10 e os 30 anos, e fica visto o valor social da luta.
Uma campanha de extermínio das moscas, de proscrição de certos processos de adobação de hortaliças1, de vigilância contínua das águas, de substituição dos poços e fontes de chafurdo e de propaganda de hábitos elementares de higiene, torna-se absolutamente necessária. O problema da vacinação antitífica carece também de ser examinado com atenção.
b) Sarampo. - Faz-se referência especial ao sarampo porque, em virtude da sua difusão e aparente benignidade, há tendência para o desprezar. Como escrevem os Srs. Prof. Castro Freire e Dr. José Cutileiro (Profilaxia do sarampo, separata de Amatus Lusitanus, n.º 3, 1942): "Para o público leigo e a quási totalidade dos médicos, o sarampo é uma doença sem importância que todos sofrem em criança sem que daí tenha resultado mal evidente. Não pensam assim os pediatras e os higienistas: os primeiros sabem, pela experiência clínica, quantos dos seus pequenos doentes sucumbem a este morbo; os segundos vêem, pela estatística, a importante colaboração do sarampo na mortalidade infantil. Para o clínico geral a0 difteria, por exemplo, é de muito mais importância do que o sarampo. E, todavia, a estatística demonstra que nu ma cidade como Lisboa, apesar de grande parte da sua população infantil não estar vacinada contra a difteria, o número das vítimas desta doença é consideravelmente menor do que o das mortes por sarampo...".
Vejamos então o número de mortes por sarampo em todas as idades e a respectiva taxa de mortalidade:
[ver tabela na imagem]
Trata-se de uma doença que vitima sobretudo na infância e contra a, qual o único meio eficaz de combate parece estar na imunização das crianças, que, por isso, cumpre alentar entre nós.
c) Varíola. - Foi em 1796 que, sob a inspecção do grande intendente Pina Manique ("o ditador sanitá-
_________________
1 Um professor de direito administrativo, referindo-se em aula prática à oposição que por vezes os interesses locais fazem à adopção de medidas de polícia sanitária indispensáveis, deu o exemplo de um concelho onde não fora possível impor uma postura que proibia adubar as hortaliças com os esgotos da vila - muito procurados pelos munícipes para esse efeito. Pois no fim da aula um segundanista de direito procurou o professor para lhe dizer que tal sistema de adobação era óptimo e não via motivo para o proibir! Veja-se quanto há a fazer no capítulo de educação sanitária!
Página 99
25 DE FEVEREIRO DE 1944 99
rio", no dizer do Prof. Dr. Silva Carvalho), fie criou em Lisboa um "hospital para variolização das crianças", onde, para estreia, foram imunizados, à frente de todas, os alunos da Casa Pia.
De então para cá intensificou-se cada vez mais a profilaxia da varíola pela vacinação, legislando-se em termos de a tornar efectivamente obrigatória. Mas, apesar disso, o flagelo das "bexigas" não desapareceu de Portugal.
Vejamos os números:
[ver tabela na imagem]
O Dr. Fernando Correia (ob. cit., p. 214) calcula em 9 por cento dos casos verificados as mortes por esta doença. Teríamos, assim no ano de 1940, que foi o mais favorável de todos, à roda de 1:000 casos; no ano de 1939 à roda de 3:000 casos!
Computa o mesmo autor em 21,5 por cento os cegos que perderam a vista em Portugal devido à varíola.
A vacinação está generalizada, é gratuita, a todos acessível. Que falta? Penetração dos agentes sanitários nas camadas populares; educação das massas rurais.
É a grande lição a tirar neste caso: a de que sem educação sanitária do povo todas as medidas coercivas são insuficientes.
Repare-se que em muitos países europeus a varíola desapareceu das estatísticas obituárias. Na Alemanha não houve, nenhum caso em 1934 e 1936 e verificou-se um único em 1935; na Inglaterra houve 1 caso em 1935 e 12 em 1936, sem mortes; na Itália em 1936 deixou de haver óbitos por esta causa; na Polónia e na Roménia estava a doença nesses anos já praticamente extinta (S.- D, N., Org. de Higiene, Rapport Épidémiulogique referente a 1936, Genève, 1938).
d) Difteria. - Quanto à difteria:
[ver tabela na imagem]
Entre 1928 e 1934 o número de casos participados foi, em média, de 2:324 por ano e a letalidade da doença de 13,8 por cento, correspondente a uma média de 320 casos também participados à Direeção Geral de Saúde.
Significa isto que a 700 óbitos registados na estatística correspondem, com uma letalidade de 14 por cento, 5:000 casos de difteria. E é à volta desses números que temos andado, portanto, até 1940.
Pelo seu número e alta letalidade, parece que se deve fazer pela imunização vacínica o extermínio da endemia.
Luta contra a lepra
30. Quantos leprosos existem em Portugal? Não o sabemos.
Um inquérito de que o Sr. Dr. Fernando Correia dá notícia (ob. cit., p. 250) apurou a existência de 1:124 no continente, pertencendo a maior densidade ao distrito de Coimbra. Não se sabe em que condições teria sido feito esse inquérito, mas naturalmente seguiu-se o deficiente processo habitual (questionário aos regedores) . Por isso não devem estar muito longe da verdade os cálculos dos Srs. Prof. Rocha Brito "Quadrado estratégico de defesa contra a lepra", no Portugal Médico, 1933, p. 109) e Dr. Fernando Correia (ob. cit., p. 2s1), que condizem quanto ao número de 3:000.
Tivemos outrora uma assistência modelar aos leprosos, com a prática da única profilaxia e da única terapêutica que então se conhecia: o isolamento (Dr. Silva Carvalho, História da lepra em Portugal, 1932, passim). O flagelo decresceu e as cautelas desapareceram. Bastou porém a persistência de alguns focos familiares de infecção e a importação da doença do Brasil, da África e de outros países não europeus, por via de emigrantes de torna-viagem, para o mal reaparecer.
Tem-se reclamado insistentemente a atenção dos poderes públicos para este problema, e, de facto, o decreto n.º 29:122, de 15 de Novembro de 1938, criou e mandou construir a Leprosaria Nacional Rovisco Pais, como princípio da intensificação da luta antileprosa.
O armamento para essa luta tem de consistir no seguinte:
a) Os dispensários dermatológicos nas regiões onde haja numerosos focos de infecção. Ainda aqui o diagnóstico precoce permite o tratamento dos doentes na fase ainda não infectante, mantendo-os no seu meio social com grande probabilidade de cura clínica. Quanto aos que já estejam na fase infectante e aos casos inutilizados, o dispensário descobre-os, regista-os e encaminha-os para os estabelecimentos próprios.
b) A leprosaria ou gafaria destina-se ao isolamento dos doentes infectantes e inutilizados. Deve compreender hospital para tratamento e internamento dos doentes, colónia agrícola constituída por casais para as famílias de leprosos infectantes, mas aptos a trabalhar, e asilo para os mutilados e inválidos.
c) Há que prever casas de saúde para leprosos com capacidade económica para pagar o seu internamento.
d) A profilaxia da lepra exige a existência de creches e preventórios para os filhos dos leprosos, sem o que as crianças estão sujeitas grandemente ao perigo da contaminação.
e) Emfim, impõe-se a propaganda da profilaxia da lepra entre o povo para vencer "a absoluta indiferença com que convive com os gafos, achando muito natural que vendam e preparem géneros alimentícios, sirvam nas casas e nas fábricas, frequentem as romarias, transitem sem ^nenhum isolamento nos navios, comboios e outros meios de transporte. Igualmente o vulgo não pensa sequer no perigo de se servir dos utensílios, louça, copos, vestuário, etc., que são empregados pelos gafos" (Dr. Silva Carvalho, ob. cit., p. 210) - propaganda acompanhada das necessárias providências legais.
f) O Instituto Nacional de Leprologia deve ser o centro de investigação e ensino da luta contra a lepra, preparando o pessoal necessário1.
Não se refere a proposta especialmente à lepra: há que tomar em conta esta modalidade de assistência.
______________
1 Merece leitura a conferência do Sr. Dr. Uriul Salvador intitulada "Elementos o sugestões para a organização do plano do combate à lepra em Portugal" in Conferências da Liga Portuguesa de Profilaxia Social, 3.ª série, 1936. Veja-se também do Sr. Prof. Rocha Brito, além do estudo citado, a História da Gafaria de Coimbra.
Página 100
100 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Luta contra o cancro
31. Embora o cancro não seja, por emquanto, uma doença da categoria das que se podem eliminar por meio da profilaxia, a sua extensão e os seus efeitos exigem a55istêneia especial. Também, como sucedeu com a tuberculose, parece terem subido no nosso Pais a morbilidade e a mortalidade por neoplasias malignas; mas tudo indica tratar-se igualmente dos efeitos de um mais correcto diagnóstico, devido à propaganda intensa com que o Instituto Português de Oncologia tem chamado para o mal a atenção do País.
Em 1940 morreram reconhecidamente de cancro e outros tumores malignos no continente e ilhas 3:533 pessoas de ambos os sexos - 1:479 homens e 2:0-59 mulheres -, o que corresponde a 0,464 por mil habitantes.
A mortalidade nos anos anteriores fora a seguinte:
Permilagem
1933............ 0,466
1934............ 0,460
1935............ 0,491
1936............ 0,482
1937............ 0,507
1938............ 0,485
1939............ 0,469
Ainda aqui os dois grandes processos a adoptar são: a profilaxia e o diagnóstico precoce.
Levantada a suspeita ou pesquisado o caso nos centros de saúde concelhios, deveria então entrar em acção o armamento próprio da luta anticancerosa:
a) Centros de diagnóstico que disponham dos elementos adequados à diagnose da doença, possivelmente junto dos hospitais distritais;
b) Centros regionais destinados a consulta e terapêutica (electrocirurgia, raios X, emanação de rádio) com enfermaria para hospitalização dos doentes pobres;
e) Um hospital central em Lisboa para doentes em tratamento, reputados curáveis;
d) Um asilo para cancerosos incuráveis e impossibilitados de trabalhar.
Todo este armamento está previsto e em via de obter-se e de funcionar pela execução sistemática do plano do Instituto Português de Oncologia 1.
As doenças do coração
32. Também a proposta não faz referência às doenças do coração, que, todavia, constituem hoje em todos os países, incluindo o nosso, um dos grandes problemas médico-sociais.
Ainda aqui a mortalidade nos dará idea da gravidade do mal.
[ver tabela na imagem]
Já esta tabela nos mostra que as cardiopatias matam mais gente em Portugal que todas as formas juntas de tuberculose!
Mas há ainda a acrescentar que, além da esta que lhe cabe nos óbitos por causas não especificadas ou mal definidas e por senilidade, são imputáveis ao coração muitos dos óbitos registados como causados por "outras doenças do aparelho circulatório" e por "hemorragia cerebral", esta na maioria das vezes devida a causa esclerósica ou hipertensiva (Prof. João Porto, Assistência médico-social aos cardíacos em Portugal, p. 12.
Para se poder ajuizar do que representam estas doenças ou acidentes no obituário português basta ver os seguintes números dos óbitos:
[ver tabela na imagem]
Olhando as estatísticas etárias, parece, à primeira vista, que se trata de doenças de velhos, que matam por cansaço ou desgaste naturais do organismo. Mas não é assim. Matam tarde e inutilizam cedo: têm por isso enorme significado social, porque tornam inúteis ou muito menos valiosos - senão onerosos - à colectividade durante bastantes anos indivíduos que de outra forma seriam francamente produtivos.
E não poupam a infância e a juventude. Por pouco que se saiba ainda a este respeito no nosso País, basta este dado para avaliar da gravidade do mal: metade dos jovens que o Centro de Medicina Desportiva da Mocidade Portuguesa proibiu de exercer desporto foi rejeitada devido a causas cardíacas, e destas a maior parta eram cardiopatias.
Tratava-se de candidatos voluntários a actividades desportivas, de indivíduos activos, portanto, e que se julgavam em boas condições de força e de saúde.
É preciso por conseguinte assistir os cardíacos.
Primeiro, profilàticamente, atacando as suas fontes, entre as quais o reumatismo, a sífilis e a arteriosclerose, para o que, infelizmente, tirante o esse venéreo, há por ora bem poucos meios eficazes.
Depois pesquisando, tratando, ou facultando o tratamento, e orientando profissionalmente o cardíaco.
Doenças e anomalias mentais
33. A fazer fé pelo censo da população de 1930, deveríamos aceitar que havia no continente e ilhas adjacentes 7:800 loucos, o que daria para uma população de, números redondos, 7.000:000 a permilagem de 1,12 1.
Estes números devem, porém, compreender apenas os casos mais evidentes que os agentes do recenseamento conhecem como de alienação e não podem por forma alguma ter-se por correspondentes à realidade, visto serem consideravelmente inferiores à média dos países europeus que possuem estabelecimentos com lotação bastante para recolher todos os loucos e sabem, por consequência, com rigor a totalidade dos seus doentes. Além disso não há razão para crer que os factores naturais e soeiais, cuja acção convergente condiciona a loucura e entre os quais predomina a hereditariedade,
_____________
1 Prof. Francisco Gentil, O Instituto Português para o Estudo do Canero, 1928; O Instituto Português de Oncologia. O passado, o presente e o futuro, 1988; "A luta contra o canero em Portugal", in Boletim do Instituto Português de Oncologia, vol. IV, 1937, p. 2.
2 O censo do distrito de Aveiro de 1940 (único até agora publicado) indica, porém, nesse distrito 812 alienados para uma população presente de 429:870 habitantes, ou seja 1,8 por mil.
Página 101
25 DE FEVEREIRO DE 1944 101
se exerçam em Portugal por fornia diferente da daqueles países.
A média estrangeira* a que nos reportamos é um pouco superior a 3 por mil, incluindo os anormais e epilépticos, ou seja de 1 louco por 300 habitantes.
Se aplicássemos este cálculo ao nosso País, admitindo que podíamos dispor dos meios pecuniários suficientes para organizar a assistência aos loucos tal como ela existe nos países bem apetrechados, deveríamos contar para a nossa população de 7.000:000 com um total de cerca de 23:000 doentes necessitados de tratamento hospitalar ou internamento demorado ou definitivo em estabelecimentos apropriados.
Em 31 de Dezembro de 1939 estavam internados em manicómio 3:340 doentes, dos quais 1:790 eram do sexo masculino e 1:550 do sexo feminino.
Deste total encontravam-se 1:055 no Manicómio Bombarda, de Lisboa, 653 no Hospital Conde de Ferreira, administrado pela Misericórdia do Porto, e os restantes 1:632 em essas de saúde situadas em diferentes pontos do continente e ilhas, pertencentes a instituições particulares.
O Estado até 1939 não chegava, pois, a ocupar-se de um terço dos loucos internados e deixava mais de dois terços ao cuidado de instituições particulares, a quem todavia, auxiliava com subsídios.
Nos últimos anos, entretanto, as cousas mudaram e o Estado está despendendo em favor da assistência psiquiátrica um esforço notável, que se cifra em quantia superior a 50:000.000$. Em Lisboa concluiu as obras do Hospital Júlio de Matos, principiadas há trinta anos, e está a apetrechá-lo de harmonia com as mais modernas exigências da medicina, para tratar e recolher 1:300 doentes; e fez mais ainda: concedeu ao estabelecimento melhoramentos essenciais, como a criação do dispensário psiquiátrico e de higiene mental, a instituição do regime aberto de admissão dos doentes e também, e sobretudo, a abertura de escola de enfermagem especial, confiada a uma equipe de enfermeiras e enfermeiros suíços, medida do maior alcance e quási revolucionária entre nós. Em Coimbra tem em via de acabamento a Colónia Agrícola da Conraria, a primeira a ser construída para loucos no País e que poderá receber cerca de 500 doentes.
Com a entrada em serviço destes dois novos estabelecimentos a assistência por parte do Estado, mesmo descontada das 300 camas que é indispensável abater à lotação sobrecarregada do Manicómio Bombarda, sobe para 2:550. A intervenção do Estado na assistência aos loucos vai, assim, passar de menos de Um terço a mais de metade dos hospitalizados.
Mas, apesar disso, o total dos assistidos não irá além de 4:853, número bem distante dos 7:800 contados no censo da população.
Que diremos, porém, se aproximarmos aquele total do número calculado pela base da assistência efectiva existente nos países adiantados e que orçamenta, como dissemos, por 23:000? Comparados com a Inglaterra, a Alemanha, os países escandinavos ou a Suíça, nem chegamos a atingir a quarta parte do que qualquer desses países já hoje faz.
A profilaxia procede em relação à loucura, como nas outras doenças, eliminando as causas que lhe dão origem.
Se entre estas, todavia; se podem a55inalar os traumatismos, as doenças infecciosas, a sífilis, o alcoolismo, a miséria, é fora de dúvida que a disposição hereditária deixa a perder de vista todas elas e à sua responsabilidade pesam mais de 70 por cento dos casos de doenças mentais. Ora contra a hereditariedade só pode lutar-se, e com eficácia relativa, pelo recurso às medidas eugénicas.
O que a respeito das crianças anormais ficou dito atrás em matéria de eugenismo aplica-se inteiramente aos loucos.
O armamento necessário para uma eficaz assistência psiquiátrica compreende:
a) No primeiro plano dos serviços, em contacto imediato com o público, o dispensário psiquiátrico e de higiene mental, onde se diagnosticam precoce as doenças e anomalias mentais, se tratam em consulta externa os casos apropriados e se encaminham para as clínicas psiquiátricas os casos necessitados de internamento. O dispensário é, ao mesmo tempo, o centro onde se instruem as famílias nos preceitos da higiene e profilaxia mental e de onde irradia, por intermédio das assistentes a visitadoras, a acção social.
b) Em segundo plano a clínica psiquiátrica citadina, de funcionamento em regime aberto de admissão, destinada ao tratamento dos casos de psicoses agudas e recentes e ao estudo e selecção de todos os outros casos, tendo em vista o destino ulterior a dar-lhes.
c) Depois vêm os estabelecimentos de internamento por longo prazo ou definitivo, em regime fechado de admissão, as colónias-asilos, onde a grande maioria dos doentes está sujeita ao tratamento pela ocupação em trabalho colectivo regrado. Os loucos inválidos instalam-se em pavilhões especiais das próprias colónias ou em hospícios aparte.
Para completar o apetrechamento podem instituir-se casas de educação para psicópatas, incluindo os alcoólicos inveterados, e asilos para epilépticos.
Os psicópatas criminosos têm lugar de preferência - em edifício especial anexo às penitenciárias.
Alguns países entregam, finalmente, mediante pagamento de pensão, um certo número de loucos sociáveis aos cuidados de casais particulares, que por vezes se encontram em aldeias dadas por tradição a este género de assistência.
De que necessitamos?
a) Nas capitais de distrito criar o dispensário psiquiátrico e de higiene mental, instalado de preferência junto ao hospital geral. Este deveria dispor sempre de dois quartos de isolamento para admissão urgente de casos de loucura, até se decidir do seu destino. Em Lisboa, além do dispensário do Hospital Júlio de Matos, deveria existir outro junto do Manicómio Bombarda; no Porto pelo menos um junto do Hospital Conde de Ferreira e em Coimbra um também junto da clínica psiquiátrica.
b) No Porto e em Coimbra criar a clínica psiquiátrica, segundo o modelo do Hospital Júlio de Matos, com a lotação ri e cerca de 120 camas para a primeira daquelas cidades e cerca de 60 para a segunda, submetendo-se a respectiva direcção ao professor de psiquiatria da Faculdade, a fim de ficar assegurado o ensino.
e) Construir, além disso, em primeiro lugar colónias-asilos, de feição acentuadamente agrícola, e depois ir diferenciando na medida dos progressos efectuados o alojamento- e a assistência especial dos psicópatas educáveis, dos epilépticos e dos psicópatas criminosos.
As doenças da nutrição e os problemas da alimentação
34. Menciona a proposta, entre as actividades profiláticas de assistência social, as relativas às doenças da nutrição. Destas a única que reveste carácter de ver-
Página 102
102 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
dadeiro mal social é a diabetes. Os diabéticos pobres carecem de ser assistidos para tratamento da sua doença. Não se trata propriamente de profilaxia, mas de terapêutica. E há a notar que emquanto em toda a parte, após a generalização do tratamento da diabetes pela insulina, a sua letalidade diminuiu em muito, em Portugal o número de óbitos e a mortalidade têm aumentado nos últimos anos.
Se bem que essa assistência seja neeessária, tem porventura maior importância numa política eminentemente preventiva dos males soeiais o estudo do problema higiénico da alimentação do povo português, que nem por ser de difícil e muito demorada solução deixa de ser - um problema grave.
E de todos sabido que o trabalhador português se alimenta, em regra, deficientemente e mal. Come habitualmente pouco: quási tudo quanto ganha vai na alimentação e não ganha muito. Mas o dinheiro gasto em comida podia, se ele tivesse quem o orientasse, fornecer-lhe mais calorias, mais gorduras e mais proteínas animais, de que ele tanto carece.
No estudo sobre Alguns aspectos económicos da agricultura em Portugal, que constitue o 4.º volume do "Inquérito Económico-Agrícola da Universidade Técnica de Lisboa" (1936), o falecido Frof. Lima Basto apresenta o resultado da análise de um saldo verde que no norte os trabalhadores compravam feito. Uma malga de meio litro custava $s0. Predominava a água e o valor alimentar não excedia 41 calorias!
Todavia pelo mesmo preço ou por pouco mais poderia o mesmo trabalhador adquirir alimentos de muito maior valor.
Assim, dentro das possibilidades económicas do nosso povo, é possível melhorar o seu nível de vida e o seu estado sanitário mediante a investigação pelos competentes das soluções a adoptar e da orientação e educação popular.
Talvez haja quem o julgue desnecessário, pois se viveu até aqui sem tais cuidados e directivas, e nem por isso nos faltou robustez e ânimo para o trabalho e para as grandes empresas da história.
"Esse ponto de vista...não pode ser o do higienista - observa o Prof. João Maia Loureiro -. Êste não pode dar o seu assentimento a um regime alimentar em grande parte responsável pela elevada mortalidade por certas doenças, em particular a diarreia infantil e às disenterias...e pela difusão e gravidade da tuberculose, de que morrem por ano 15:000 portugueses e de que estão a cada momento sofrendo de formas activas, mais ou menos graves, cerca de 100:000 de entre êles"1.
Não pode também ser, acrescenta a Câmara Corporativa, o ponto de vista do estadista que oriente a política social de um país.
Desemprego, invalidez, velhice e sobrevivência
3s. Tem a assistência também de valer aos trabalhadores que, por motivos alheios à sua vontade, não tenham onde granjear salário para o sustento próprio e da família; e aos que não possam fazê-lo por invalidez, absoluta ou relativa, ou por velhice.
a) Desemprêgo. - No nosso País criou-se um "Comissariado do Desemprego" não propriamente para subsidiar os desempregados, mas para lhes valer, empreendendo ou fomentando trabalhos onde eles se ocupem e servindo de "bolsa de trabalho". Entretanto, emquanto a ocupação nova não aparece (e às vezes, apesar de toda a diligência, leva meses e anos até que surja), a família do desempregado passa miséria, comprometendo-se gravemente a sua estrutura moral. Nesse período é indispensável que haja uma assistência, traduzida em subsídio, protecção aos filhos e apoio ao chefe desempregado. Quando este provenha de profissão com pouca saída e haja procura de trabalho noutras actividades, o maior serviço a prestar-lhe é reorientá-lo profissionalmente em centros de reeducação e aperfeiçoamento profissional. Neste sentido tem o mesmo Comissariado agido, só ou em colaboração com a Direcção Geral de Assistência.
b) Invalidez. - Há a distinguir entre a invalidez relativa e a absoluta.
A invalidez relativa é a que incapacita um indivíduo novo para a sua antiga profissão ou para certas actividades profissionais, sem todavia o impedir de todo e qualquer trabalho. O inválido nestas condições deve ser socialmente revalorizado mediante a aprendizagem de uma profissão que possa exercer. O aperfeiçoamento da recuperação dos inválidos (especialmente mutilados) fez tais progressos após a guerra de 1914-1918 que raros são os casos de inutilização total dos estropiados. A assistência aos indivíduos relativamente inválidos deve consistir em ensino de adaptação às suas novas condições, subsídio durante esse período e colocação após a aprendizagem concluída. O instrumento é o centro de reeducação dos inválidos. Estes centros deveriam ser obrigatoriamente instituídos para os inválidos por acidentes de trabalho por conta das empresas seguradoras, que por cada inválido recuperado beneficiam da redução ou supressão da pensão que têm de pagar-lhe. Tal serviço está, 4e resto, previsto, como anexo aos tribunais do trabalho, pelo artigo 41.º da lei n.º 1:942, de 27 de Julho de 1936.
A invalidez absoluta consiste na incapacidade total do indivíduo para o exercício de qualquer actividade lucrativa. Nesse caso é dever social assisti-lo, dando-lhe como pensão ou subsídio o necessário para a mantença da família, ou internando-o em recolhimento ou em acção quando não tenha família que dele se ocupe.
c) velhice. - É, afinal, um caso de invalidez, pois que, diversamente do que sucede com a previdência, a assistência aos velhos só é devida quando eles sejam inválidos e por este motivo não possam granjear meios de subsistência ou a sua capacidade de trabalho diminua por tal modo que afecte o seu rendimento económico. Aplicam-se as considerações feitas para a invalidez absoluta ou relativa, consoante os casos.
d) Sobrevivência. - A morte do chefe de família afecta a família, que vive exclusivamente do seu salário, deixando-a em condições de insuficiência, a que é preciso atender. Para remediar tais perturbações convém assegurar à família, por via da previdência, o pagamento de um capital por morte do chefe ou, melhor ainda, de uma pensão de sobrevivência às viúvas e filhos menores. Não havendo o seguro tem de remediar-se pela assistência moral e material à família essa falta, tantas vezes causadora da dissolução do lar e de não educação dos filhos.
O problema da mendicidade
36. Numa organização modelar da assistência social a mendicidade elimina-se facilmente.
Os mendigos pertencem a diversas categorias:
a) O anormal mental ou deficiente físico nunca educado ou tratado e que por isso não sabe trabalhar ou nunca a tal se habituou;
b) O velho ou inválido que já não pode trabalhar e a quem sociedade não vale;
_____________
1 Estimativa das disponibilidades alimentares da população do continente português, separata de Amatua Lusitanue, vol. I, n.º 6, 1942.
Página 103
25 DE FEVEREIRO DE 1944 103
e) Aquele que ocasionalmente se vê em extrema necessidade depois de esgotados todos os meios de obter sustento ou trabalho;
á) O vadio, que, em regra desde a infância ou a juventude, se habituou à vagabundagem e odeia o trabalho, preferindo viver errante e explorar a caridade pública - quási sempre tendo por complemento desta indústria a pequena criminalidade contra a propriedade.
Como se vê nestes casos, há uns que são fruto das deficiências da assistência e que devem desaparecer mediante a melhor organização desta; outros são meras formas de conduta anti-social, conduta perigosa que a polícia deve vigiar e reprimir e deve ser fundamento para a aplicação de medidas de segurança tendentes à regeneração e readaptação do vicioso.
Pelo decreto-lei n.º 30:389, de 20 de Abril de 1940, criaram-se, em todas as sedes de distrito, albergues distritais, a cargo dos comandos da polícia de segurança pública, destinados a recolher os mendigos, inquirir do esse de cada um e dar-lhes depois o destino que coubesse: colocação na família, entrega dos menores à tutoria, internamento nos estabelecimentos de assistência adequados ou envio a juízo.
O albergue é «simples estabelecimento de recolha e detenção provisória e assiste os albergados apenas pelo tempo indispensável para se lhes dar o destino mais adequado à sua condição ou providenciar-se como as circunstâncias aconselharem» (artigo 4.º).
Parece que, porém, não deram os albergues, nos quási três anos da sua existência, os resultados esperados, pois a proposta de lei preconiza a sua remodelação em instituições de socorro urgente para as necessidades imediatas de alimentação, agasalho, tratamento e transporte, a criar em Lisboa e Porto e noutros centros urbanos onde a existência delas se justifique (base XV, artigo 3.º).
Se se trata de ampliar a acção dos albergues distritais, nada há a objectar. Mas se a intenção é a de suprimir tais albergues para os substituir por instituições de índole e fim muito diversos, talvez valha a pena ponderar um momento a providência.
Na verdade, os albergues, tais como foram concebidos pelo decreto-lei n.º 30:389 são instrumentos necessários à acção policial de repressão da mendicidade.
Sem constituírem estabelecimentos de assistência, a própria lei os considera meros «depósitos provisórios» de recolha, inquérito e discriminação, pressupondo estreito contacto com as essas e serviços de assistência distrital.
E possível que nos três anos de experiência os resultados não sejam os almejados, e fácil será compreender porquê. Falta-lhes, por um lado, pessoal especializado para o inquérito de cada caso, sua classificação e destino - mas não s impossível prepará-lo em termos. Por outro lado, dada a permanente carência de lugares vagos nos diversos estabelecimentos para onde deveriam ser encaminhados os mendigos a internar, estes não saem do albergue, e pejam-no, transformando-o em casa de assistência sem condições para tal. Os repatriados, em geral, por vício, voltam no primeiro comboio às terras de onde foram expulsos. Emfim. só os que seguem para juízo vão ao seu destino.
Parece, pois, que a solução estaria em melhorar este estado de cousas - a administração e direcção técnica dos albergues e a rápida saída dos albergados-, e não na extinção.
A repressão da mendicidade em Portugal nunca foi, nos últimos quarenta anos, objecto de actividade perseverante e sistemática. De vez em quando há um assomo de energia policial, aqui ou além, mas que a breve trecho afrouxa e passa. E tem a sua explicação este ritmo: se não há uma suficiente organização da assistência, como impedir a fórmula péssima da caridade nas ruas, em risco de sacrificar o trigo por causa do joio?
Emquanto se não consegue, porém, aperfeiçoar a assistência social em termos de reduzir a mendicidade a mero problema de polícia, há que procurar valer àqueles que mendigam em estado de necessidade, pela multiplicação das cozinhas económicas e pelo desenvolvimento da assistência domiciliária - sobretudo à pobreza envergonhada.
A prostituição
37. Uma referência apenas a êste terrível flagelo, que tem de ser atacado sobretudo nas suas causas económicas, morais e soeiais.
Ainda aqui a grande acção a desenvolver é a da profilaxia social. A assistência eficaz consiste em tirar as raparigas dos meios perigosos, apoiá-las moral e materialmente nas suas crises e nas suas quedas, dar-lhes educação sólida e preparação profissional para a vida. Com isto não se pretende reduzir a etiologia do mal às simples condições soeiais: mas atacadas estas, a debelação adiantar-se-ia muito.
As casas ou institutos de regeneração são utilíssimos para a recuperação das mulheres susceptíveis de voltar à conduta honesta. Mas tudo quanto se faça para protecção à infância, às raparigas e à maternidade (isto é, às mais solteiras) é poupar os esforços mais difíceis e as despesas mais avultadas e tristes da regeneração.
Não se refere porém a proposta a obras de preservação, cujo papel é tam importante, se na verdade se quere combater a prostituição indo até às suas causas e opondo-lhe medidas preventivas.
a) São causas indirectas da prostituição:
1) A saída das raparigas das aldeias, sozinhas, para as cidades.
2) Os maus encontros nos comboios e gares - conhecido campo de acção do tráfico das brancas - ou nos vapores e portos, se a viagem se faz por mar.
3) O isolamento nos grandes meios.
4) Os quartos alugados e as hospedarias mal frequentadas.
5) O desemprego, ou a ociosidade voluntária.
6) As abarias de colocação sem escrúpulos e os anúncios.
7) Certos ofícios e profissões: criadas de servir, empregadas de bars, clubes, etc.
8) Dancings e outras diversões perigosas.
9) O abandono da família ou a sua falta.
10) A miséria com todo o seu cortejo de revoltas o desalentos.
11) A ambição do luxo.
12) A ignorância dos perigos.
13) A falta de formação moral e religiosa.
14) E ainda as facilidades legais que as menores encontram em fazerem vida por meio da prostituição, em contraste com as dificuldades, por vezes quási insuperáveis, que se lhes! deparam pára viver honestamente.
Se são estas algumas das causas que concorrem para a prostituição, e, se se pretende evitar esse mal, tem de se dar no plano da assistência o lugar devido às obras de preservação particularmente organizadas para defesa e protecção das raparigas nas perigosas circunstâncias que acabamos de enunciar.
A luta conta-a o tráfico das brancas - no sentido lato da palavra, não queremos referir-nos apenas ao negócio de exportação de mulheres, mas a toda a actividade para a sua perdição - incumbe ao Estado.
Página 104
104 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Claro que a mais alta aspiração moral é a da abolição do exercício legal da prostituição - em condições de isso não significar apenas o aumento da clandestinidade. Mas já que tal não parece possível, ao menos de súbito, procure-se então por todos os meios reduzir o mal ao mínimo.
b) Alguns meios preventivos (dentro das atribuições do Estado):
1) Proibição do exercício legal da prostituição às menores.
(Em Portugal, entre as mulheres inscritas, 7 por cento são menores de 16 anos e 30 por cento menores de 21 anos).
2) Medidas severas contra aqueles que desencaminham as raparigas.
3) Criação de uma polícia de costumes devidamente preparada para a sua missão.
4) Policiamento de certos lugares de diversão.
s) Proibição de as menores se empregarem em bars, clubes, etc.
6) Vigilância e inspecção das agências de colocação e anúncios.
7) Protecção às emigrantes e controle dos contratos de trabalho para o estrangeiro.
8) Seria ainda uma boa medida preventiva que as menores que saem sozinhas da sua aldeia para a cidade recebessem uma espécie de guia, passada pelo regedor, para se apresentarem no lugar do seu destino a uma obra cuja missão seria zelar por elas - o que em nada lhes faria perder a sua independência, mas lhes daria o amparo moral de ficarem sabendo que tinham ali uma família para substituir a que deixaram1.
No combate contra o tráfico das brancas o Estado poderá ser eficazmente auxiliado pelas obras particulares cujo fim é proteger as raparigas para evitar que elas se percam.
e) Alguns meios ao alcance das obras particulares:
1) Protecção às raparigas nas aldeias, para evitar que abandonem a terra e a família.
2) Protecção às viajantes.
3) Casas de abrigo e pensão nos meios populosos (não são apenas as raparigas pobres que precisam de ser protegidas, mas toda a rapariga isolada).
4) Escritórios de colocações.
s) Secretariados onde se forneçam todas as informações úteis e se prestem todos os serviços que se possam esperar de uma desinteressada dedicação maternal.
6) Vigilância discreta e amiga através de um contacto que se não perca com as raparigas isoladas.
7) Obras de formação e preparação, como sejam as escolas domésticas, profissionais, etc.
Estas obras de preservação, além da sua acção independente, dariam continuidade a certas obras de assistência, quando a função destas cessa, protegendo as órfãs e abandonadas ao saírem dos asilos, as internadas das tutorias ao recuperarem a liberdade, as menores em perigo moral e suprindo as deficiências ao saírem das instituições de reeducação onde se procurou torná-las aptas para a vida.
Emfim, não se esqueça, por falso pudor, que a prostituição é a grande fonte da difusão das doenças venéreas - flagelo derivado, mas não menos grave para o presente e o futuro da raça. É na impossibilidade de suprimir de um golpe o mal primário, evite-se a clandestinidade dele e faça-se intensa profilaxia sanitária.
III
Assistência, serviço social, previdência social
Assistência e educação
38. Como se viu através do9 rápido (se bem que inevitàvelmente extenso!) balanço das necessidades a suprir pela assistência social, esta deve ter um cunho acentuadamente profilático, e a profilaxia só se consegue em larga escala mediante a adesão consciente do público à prática dos seus preceitos, o que tem de obter-se por apropriada educação.
Grandíssima parte dos problemas nacionais portugueses continua a ser de problemas de educação: educação das classes dirigentes para o exercicio do seu papel condutor "em prol do comum", educação das classes dirigidas para a aceitação e prática de quanto delas se exige para seu bem - que é o bem da Nação.
Nenhuma obra sólida e fecunda poderá empreender-se nos domínios da acção social de qualquer espécie se não fôr assente num plano educativo.
Pelo que respeita à assistência social, essa educação há-de ser fruto do esforço conjugado de quanto representa autoridade técnica ou moral na vida portuguesa: a igreja, a escola, a medicina, a família...
Mas se se quere fazer mais do que simples publicidade ou difusão abstracta de conhecimentos (sempre de limitada eficácia entre nós), se se pretende persuadir um a um os interessados, solucionando casos individuais consoante as suas características e circunstâncias peculiares e assim trazendo as pessoas a colaborar activamente com os organismos de assistência na conquista do seu próprio bem estar - há que adoptar a técnica do serviço social.
Serviço social
39. Não é preciso grande perspicácia ou conhecimento das realidades da vida moderna para observar quanto é difícil a quem quer que se veja nos apuros de uma necessidade saber a quem recorrer e como guiar os seus passos. Há muitas autoridades, muitos serviços, muitos estabelecimentos, muitas competências especializadas, muita dispersão funcional. E o pobre vai de uns sítios para os outros, desorientado, desamparado, empurrado por secos funcionários após longas horas de espera e tratado como um indivíduo - mero "caso" inscrito numa ficha.
Resultou daqui tornar-se preciso quem, estando perfeitamente senhor de todos os caminhos abertos na organização social para atingir a resolução de dificuldades, surja ao lado do necessitado, estude a sua situação individual e o seu meio familiar, profissional e local e depois o oriente com segurança, para que êle próprio possa sair de apuros: estas senhoras (porque de mulheres se trata normalmente) que assim surgem como guias eficazes da adaptação do indivíduo ao seu meio e do melhoramento do meio em que o indivíduo se enquadra, são os agentes do serviço social, são as assistentes sociais.
Não se confunda a assistente social com a visitadora sanitária: ambas têm o seu papel, e papel essencial, na moderna assistência social. Mas a visitadora limita-se a prolongar até à casa dos assistidos a acção higiénica, profilática e clínica, educando-os nas práticas prescritas pelos orientadores sanitários e ensinando como se executam. A assistente social não se ocupa apenas do aspecto sanitário: o seu objectivo mais amplo, é melhorar a personalidade dos indivíduos melhorando ao mesmo tempo a célula familiar e o meio profissional, é atender aos factores psicológicos, económicos e morais da decadência individual ou da desorganização familiar, é es-
______________
1 Na Suíça a repartição do Estado que recebe comunicação diária das pessoas hospedadas nos hotéis e pensões envia os nomes das raparigas ali hospedadas a uma obra de protecção para que esta ofereça a essas raparigas os seus serviços.
Página 105
25 DE FEVEREIRO DE 1944 105
timular os interessados na melhoria das suas condições de vida.
E como o faz?
Fundamentalmente através do centro social local e dos serviços sociais especializados (junto da fábrica, do dispensário, do hospital...) com ele relacionados.
Dispondo de um ficheiro familiar confidencial, com as necessárias informações acerca das famílias assistidas na área do centro, e de um ficheiro de obras, com a indicação de todas as instituições e estabelecimentos que possam por elas ser utilizados, a assistente social faz visitas domiciliárias, ensina o caminho da consulta pre-natal e dos dispensários de puericultura e das outras actividades médico-sociais, estabelece o contacto com os hospitais e asilos que em cada caso convierem, obtém os subsídios necessários, actua no Comissariado do Desemprego, promove reeducações profissionais, guia para o advogado e para o tribunal.
Mais ainda: abre a porta à visitadora sanitária e é coadjuvada pela educadora familiar, que ensina as medidas práticas da economia doméstica, o arranjo e a alegria do lar, a alimentação racional.
Graças ao contacto directo da assistente social com o indivíduo e o seu meio, as organizações de assistência deixam de trabalhar às cegas e a acção médica, nos grandes aglomerados, pode tomar conhecimento dos antecedentes, das circunstâncias actuais e da sequência de cada caso, como outrora acontecia com o médico de família, e que hoje tende a perder-se nas instituições da medicina colectiva ou no consultório médico.
For isso um autorizado autor estrangeiro afirmou: e Quando se escrever com recuo suficiente a história do nosso tempo, muitas actualidades terapêuticas de sensação, muitas teorias sedutoras e pretensas invenções terão caído num justo esquecimento. Mas eu estou intimamente convencido de que como uma das características mais notáveis da nossa época será dada a aparição, entre nós, destas duas figuras novas: a enfermeira visitadora e a assistente social.
Considerar-se-á, certamente, que sem elas a medicina preventiva não pudera desenvolver-se nem ser eficaz e a luta contra a tuberculose e a mortalidade infantil, para citar apenas estes dois flagelos, teriam ficado no estudo de projecto teórico em vez de entrar no período das realizações reconfortantes.
Mas a medicina preventiva não é senão um dos aspectos da medicina: ela está também em via de transformar-se sob a influência destas colaboradoras, que nos dão o meio de completar o nosso diagnóstico patológico por um diagnóstico social e muitas vezes reforçar a acção da nossa terapêutica pela resolução do problema social, que para tantos doentes constitue o principal obstáculo à cura.
Graças à enfermeira visitadora no dispensário, à assistente social no hospital, a acção do médico prolonga-se e amplifica-se no tempo e no espaço. Nós não conhecemos apenas o doente, mas ainda a sua família, o seu meio e, quando, curado ou ainda sofrendo, reentrou no seu lar, aí o vamos seguir. O nosso horizonte alarga-se, a nossa função social desenha-se com maior nitidez e parece-nos que, mais ainda que no passado, a nossa profissão nos faz viver mesmo no coração da vida"1.
Será isto mera utopia, estrangeirismo inaclimatável entre nós? Mau grado a desconfiança com que sempre em Portugal se recebem as boas iniciativas alheias (como se não fôssemos capazes de pôr em prática senão o medíocre), o serviço social penetrou no nosso País, onde existem já centros sociais em actividade com os melhores frutos.
A fórmula está experimentada. Vejam-se, para não ir mais longe, os centros dos Bairros da Quinta da Calçada e da Quinta da Boa Vista, em Lisboa, e de Caseais. E são numerosos os competentes que podem depor sobre a excelência da acção desenvolvida, como fizeram já, por exemplo, os Srs. Profs. João Porto (Serviço Social e o Hospital, 1940 - separata da Coimbra Médica) e Barahona Fernandes (Serviço Social, 1941).
Previdência social
40. Algumas das necessidades enumeradas não devem, porém, ser objecto da assistência social senão transitoriamente, ao menos em parte. Trata-se de riscos a que todo o homem está sujeito em dadas circunstâncias de meio social e profissão e que, portanto, devem ser cobertos pela técnica do seguro. Mas, como esses riscos são corridos por um trabalhador e não é justo que só ele suporte os seus encargos, quando toda a sociedade beneficia do seu trabalho e lhe deve solidariedade e apoio, o seguro não só é obrigatório, como é custeado por um prémio, cuja importância será paga em parte pelo patrão, em parte pelo segurado e, em certos sistemas, ainda em parte pelo Estado.
Evitam-se assim as repercussões sociais dos danos individuais e o remédio de um socorro dado por esmola, nem sempre oportunamente, a quem tem direito, como homem e trabalhador, a encarar com segurança as contingências naturais da vida.
O desemprego, a invalidez, a velhice, a doença, os acidentes no trabalho, a falta do chefe de família são riscos que devem estar cobertos pela previdência social.
Pelo que respeita ao desemprego, existe uma contribuição entre nós que deveria ser prémio de seguro. Entendeu-se, porém, conveniente fugir ao pagamento de subsídios em dinheiro a quaisquer desempregados involuntários, para não estimular possíveis fraudes e a preguiça daqueles que, tendo o sustento assegurado sem esforço, pensassem ser preferível renunciar a procurar nova ocupação. O Comissariado do Desemprego, por isso, utiliza os fundos que lhe estão consignados para combater o desemprego acudindo aos desempregados, a facultar-lhes trabalho. A fórmula é social o moralmente preferível ao sistema do subsídio, ainda que haja alguns aperfeiçoamentos a introduzir na sua execução, para que a quem contribuo para o Fundo de Desemprego esteja garantido que será amparado quando o necessitar, obtendo trabalho ou por outro modo. De contrário, a contribuição durante dezenas de anos de um indivíduo pode não lhe servir para nada na hora em que o desemprego lhe toque, situação essa injusta e reprovável.
A obra do Comissariado do Desemprego, desde a sua criação até ao presente, é magnifica e a ele se deve parte da vastíssima actividade dos melhoramentos rurais (para não falar de outros aspectos), com que se deu trabalho a muita gente e se dotaram as nossas aldeias de rudimentares comodidades há muitas dezenas de anos ambicionadas.
Fazia o Comissariado também assistência aos desempregados dando subsídios, refeições e vestuário. Mas recentemente passou essa actividade para a Direeção Geral da Assistência, a quem aquele organismo entrega as quantias necessárias para o efeito.
Verdadeiro seguro contra o desemprego só existe, pois, relativamente às prestações mensais para a aquisição de essas económicas (decreto-lei n.º 23:502, de 23 de Setembro, de 1933, artigos 2.º, § 1.º, 37.º, 39.º, 43.º e 44.º).
________________
1 Rist, eitado pelo Sr. Prof. João Porto, Assistência médico-social aos
cardíacos em Portugal, p. 82.
Página 106
106 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
O risco de acidente no trabalho é coberto pelo seguro, a cargo das entidades patronais, nos termos da lei n.º 1:942, de 27 de Julho de 1936, e do decreto n.º 27:649, de 12 de Abril de 1937. E, em regra, um seguro industrial, embora esteja prevista a fórmula corporativa.
Os riscos de doença, invalidez e velhice, bem como o de morte, estão cobertos pelas instituições de previdência, nos termos da lei n.º 1:884: caixas sindicais, Casas dos Pescadores, caixas de reforma ou de previdência e associações de socorros mútuos.
A organização da previdência social é recente; pois pode dizer-se que só começou a fazer-se com amplitude a partir de 1934. Segundo os números fornecidos a esta Gamara pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, em fins de 1942 estavam seguros por caixas sindicais ou de reforma 120:000 trabalhadores - sem contar as de funcionários do Estado.
No ano de 1941 os fundos de reserva dessas caixas atingiam 192:000.000$ (números redondos) e os benefícios pagos foram de cerca de 6:500.000$, ou seja a média de 54$10 por sócio.
No mesmo ano existiam 360 associações de socorros mútuos, com 475:000 sócios, com fundos no valor de 425:500.000$ e tendo distribuído 25:200.000$ de benefícios, ou seja a média de 53$ por sócio.
Além disso as Casas do Povo gastaram, em 1942, em:
Contos
Assistência médica ............... 2:799
Assistência farmacêutica.......... 1:430
Subsídio de doença ............... 2:154
Subsídio por nascimento de filhos. 189
Subsídio de morte ................ 638
Subsídio de invalidez ............ 1:200
Total............................. 8:410
Há que reparar em que os modestos números dos benefícios concedidos pelas Casas do Povo representam o começo da previdência rural, que estava inteiramente por fazer.
Eis, pois, a caminho a organização da previdência, social dentro dos quadros corporativos, que se torna mester acelerar e aperfeiçoar quanto possível, de modo a eliminar dentro de alguns anos as situações aflitivas em que o assalariado e o empregado tantas vezes se encontram por insegurança do futuro.
Registe-se que os funcionários e assalariados permanentes do (Estado e das autarquias locais já desfrutam de satisfatória segurança: têm um período de faltas ou dê licença por doença sem perda, ou com perda só parcial, de vencimentos; gozam de seguro contra a tuberculose pela Assistência aos Funcionários Tuberculosos, e os riscos da invalidez e da velhice são cobertos pelo instituto da aposentação.
Entrando em linha de conta com o funcionalismo, não será, pois, grande ousadia computar em 750:000 o número de portugueses vivendo do seu trabalho que têm alguma garantia contra os transtornos económicos provenientes da doença, e se mais não a possuem já deve-se isso, em muitos casos, à falta de espirito fie previdência - ainda problema de educação nacional.
Não é, pois, tam utópico como à primeira vista pudera parecer o projecto de fazer beneficiar todos os chefes de família - e porventura todos os indivíduos -- de um seguro contra a doença, à semelhança do que se faz noutros países: para lá se caminha pela multiplicação das instituições de previdência, pelo desenvolvimento do mutualismo, graças à consolidação financeira das associações, e pelo progressivo alargamento da previdência nas Casas do Povo.
Como sempre, é no meio rural que se torna mais difícil penetrar. As Casas do Povo podem e devem, ter um papel importantíssimo na previdência e na assistência à doença das populações rurais. Cada uma delas, isolada, nem sempre poderá fazer grande cousa, por escassez de recursos: mas, desde que se unam as de circunscrições contíguas, logo lhes será fácil pôr em prática em todos os pormenores, em cada círculo, o plano já esboçado de assistência médica rural. O Código Administrativo contou já com essa acção do § 3.º do seu artigo 145.º
Posta a caminho a resolução do problema do seguro na doença, deveria também procurar-se generalizar o sistema de seguros sociais aos restantes riscos enumerados, já cobertos hoje quanto a um grande número de pessoas.
Em conclusão: a política da assistência social não pode andar separada, ou sequer alheada, da política de previdência social.
A previdência é a fórmula de justiça que o trabalhador reclama. Só ela fará com que a solução das dificuldades a que todos, por humana fraqueza, estamos sujeitos se torne, para aqueles que ganhem um salário insuficiente ou estejam impedidos de granjeá-lo, certeza resultante do exercício de um direito conquistado pelo trabalho - em vez de hipotético deferimento de uma súplica atendida como por favor.
IV
A quem compete a assistência social?
A assistência como dever social
41. Emquanto que a beneficência é simples acto individual, dependente da vontade de quem a faz no cumprimento do seu dever moral, a assistência, por definição, consiste numa organização de recursos e esforços tendentes a prover com regularidade e continuidade às insuficiências dos indivíduos sem meios materiais e incapazes de os adquirir por si próprios.
O princípio da solidariedade entre todos os que fazem parte de um mesmo grupo social impõe que a comunidade não abandone aqueles dos seus membros que lutem com necessidades. Temos visto que a atitude a assumir é a de remediar no momento crítico e habilitar depois o necessitado, por adequada educação, a prosseguir por si sem mais auxílio.
Não é só portanto, o amor do próximo por amor de Deus que num país cristão impõe o dever de assistência: a própria natureza social do homem o postula. Simplesmente1, se o dever natural está no princípio, o espírito sobrenatural da caridade dá-lhe a plenitude do sentido, convertendo a secura de uma obrigação penosa em doce missão divina.
Como se lê no relatório do decreto-lei n.º 32:255, de 12 de Setembro de 1942:
«A obrigação de prestar assistência é ao mesmo tempo dever cívico ou de justiça social e preceito religioso de caridade.
A tendência laicizadora, julgando fortalecer o primeiro dever pela renegação do segundo, mostra-se ineficaz e contraproducente; mas não o seria menos a atitude que julgasse valorizar o segundo enfraquecendo ou prescindindo do primeiro.
Compete ao Estado promover e impor, mesmo coactivamente, o dever social de prestar assistência; à Igreja está confiada a missão de estimular o preceito religioso da caridade. Só da justa harmonia e cumprimento dos dois deveres pode resultar a melhor assistência social».
Página 107
25 DE FEVEREIRO DE 1944 107
Há, pois, um dever social de assistência aos necessitados. Quere isto dizer que à sociedade incumbe o encargo em que a assistência, se traduz - encargo cada vez mais premente em face do aumento de intensidade das necessidades e do arreigamento da doutrina da função social da riqueza.
Mas sociedade é um termo vago. Não há concretamente sociedade, há sociedades ou modos sociais de vida: a família, a autarquia local, a corporação, a Igreja, a nação, as associações ou instituições voluntariamente formadas pelos indivíduos. E através de todas elas pode cada um desempenhar-se do dever que pertence a todos. Resta saber se numa organização bem ordenada não caberá a alguma ou a algumas destas sociedades a preferência ou até o exclusivo em relação a outras.
Necessidade de um plano de assistência social
42. Para conjugação e coordenação de tantas «sociedades» no desempenho do dever social de assistência impõe-se que se elabore e cumpra um plano, segundo o qual depois se desenvolvam as iniciativas públicas e orientem as particulares.
A elaboração desse plano não pode deixar de pertencer ao Estado.
Arroladas as necessidades e os fins a atingir e graduadas por ordem de valor e urgência, feito, por outro lado, o recenseamento dos meios (obras, dinheiro, pessoal) de que em cada período e para cada fim é possível dispor, trata-se depois de ordenar as cousas de modo que no lapso de tempo abrangido pelo plano convirja para os objectivos escolhidos o máximo de energias e recursos mobilizados para o efeito.
É evidente que, sendo tantas as necessidades a suprir, se torna impossível satisfazê-las todas a um tempo. Há que progredir por lances e partindo das tarefas mais fáceis e de circunscrição para circunscrição, pois só assim se eusaiarão os homens, se experimentará a organização e se ganhará a confiança indispensável para acometer mais complexos problemas.
Deve o plano ser muito simples, muito claro e preciso, mas suficientemente pormenorizado, para que todos e cada um saibam o papel a desempenhar e como desempenhá-lo: não- basta um programa vago, mais anúncio de intenções que imposição de comandos. O que não quere dizer que seja minucioso na regulamentação da execução a ponto de tolher iniciativas e quitar responsabilidades.
Plano é decisão, previsão, concatenação. É critério orientador a nortear rumos, de modo a suprimir as paragens bruscas, as mudanças de direeção, as surpresas
constantes. Mais que da permanência dos homens, a sequência das obras depende da estabilidade das ideas a realizar: se estas se impuserem aos executores que se sucedam ou revezem, a continuidade está assegurada.
No plano há duas partes a considerar: a do «armamento» da Assistência (edifícios a construir ou a adaptar para hospitais, asilos, sanatórios, creches, dispensários ...) e a da acção imediata a exercer. Aquela tem necessariamente de visar um período mais largo do que esta.
Vejamos quem há-de executar e como.
Iniciativa do Estado e iniciativa particular
43. O problema de saber a quem devem pertencer as iniciativas no domínio da assistência social não pode ter uma solução única, de carácter absoluto.
Em princípio o Estado tem o dever de prestar assistência social aos seus cidadãos que dela necessitem; ainda em princípio, a assistência do Estado não deve excluir nem embaraçar a assistência privada.
Que o Estado, em Portugal, tem o dever de assegurar e desenvolver a assistência social entendida no sentido largo em que a proposta a toma, não parece duvidoso à face da Constituição Política.
Na verdade, pelo artigo 6.º da nossa lei fundamental, incumbe ao Estado «zelar pela melhoria de condições das classes sociais mais desfavorecidas, obstando a que aquelas desçam abaixo do mínimo de existência humanamente suficiente»; no artigo 14.º prescreve que pertence ao Estado e autarquias locais: «em ordem à defesa da família - favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade ..., proteger a maternidade, facilitar aos pais o cumprimento do dever de instruir e educar os filhos, cooperando com eles por meio de estabelecimentos oficiais de ensino e correcção ...»; no artigo 40.º afirma ser direito e obrigação do Estado a defesa da moral, da salubridade, da alimentação e da higiene pública...
E não podia ser de outra maneira. Não só os problemas da assistência social são de verdadeiro e superior interesse nacional, como neles se exprime, mais tangivelmente que noutras quaisquer formas de política, a solidariedade que une entre si pelos laços do sangue e da história todos os membros da Nação.
Por outro lado, nenhuma comunidade dispõe dos meios de autoridade, do pessoal e dos recursos financeiros que o Estado pode pôr ao serviço da assistência social. Não esqueçamos o que a revista das necessidades a suprir nos revelou: somos um país em atraso na resolução de muitos problemas vitais, que é tempo de atacar com decisão e energia. Certos aspectos de mobilização; e de campanha, dispensáveis noutros países, são aqui imprescindíveis. E só o Estado pode dá-los à acção a empreender.
Pode parecer à primeira vista que isto é, quando iduito, verdadeiro em relação à sanidade pública, mas não vimos nós que a preservação da infância dos flagelos da tuberculose, da lepra ... e da imoralidade exige creches, jardins de infância, asilos ...? Não vimos ainda que o internamento de certos incuráveis em asilos constitue indispensável medida profilática e que a educação geral está intimamente ligada a todos os problemas da assistência?
Aquilo que se pode conceder é que, traçado um plano e reconhecida prioridade a uns objectivos sobre outros, o Estado concentre as suas disponibilidades e esforços nos que pôs adiante.
Claro que a construção dos principais estabelecimentos da rede de assistência social tem de competir ao Estado: reconhecida a sua urgência, não tolera demoras, nem esperas, a execução. São insuficientes os hospitais de Lisboa e Porto e não se chegaram a fazer ainda os grandes Hospitais-Faculdades inteiramente projectados; faltam sanatórios e hospitais para tuberculosos, que andam, mau grado seu, pelo meio das populações a espalhar bacilos e a morrer aos poucos; faltam dispensários, são precisos mais leprosários ... Há que construí-los quanto antes, ainda que à custa de um empréstimo, perfeitamente justificado por se tratar de benefícios para as gerações futuras.
Quanto à parte do plano relativa à acção imediata - há que ir mantendo sem decréscimo as actividades que se não puderem desde logo desenvolver, emquanto se incrementam ao máximo aquelas a que se tenha dado prioridade. Nestas o Estado entrará a fundo, convidando a iniciativa privada a colaborar com ele; quanto às restantes, serão o campo em que os particulares têm de ir progredindo por si, até chegar o momento da ajuda decisiva do Poder.
Exemplificando. Considera esta Câmara, como já disse, primacial a luta contra a mortalidade infantil em geral e o ataque em especial às doenças infecto-con-
Página 108
108 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
tagiosas. Assim se fará também, como ficou visto, profilaxia antituberculosa e luta contra a heredo-sífilis. O grande ataque contra a tuberculose não pode iniciar-se ao mesmo tempo, não só pela regra prática de dividir os problemas para mais facilmente os resolver, mas também porque essa luta não pode travar-se com eficácia sem preventórios, sanatórios e hospitais. Assim, o plano preveria a construção destes e a manutenção de tudo o que hoje existe de assistência aos tuberculosos; e emquanto se atendia sobretudo à maternidade, à infância e ao perigo infeccioso, favorecia-se de preferência a iniciativa privada para o progresso da acção antituberculosa, na qual o Estado se empenharia também à medida que dispusesse de armamento e pudesse, sem inconveniente, sobrecarregar com novas tarefas a estrutura dos serviços sanitários existente.
Convém de facto poupar, respeitar e estimular a iniciativa privada em matéria de assistência. Embora nela se pratiquem muitos erros, por falta de orientação, sentimentalismo não esclarecido, vaidades pessoais, favoritismos..., a verdade é que a iniciativa privada é engenhosa na invenção e aplicação de novas fórmulas, tem maior liberdade de movimentos, conquista mais facilmente o coração e a bolsa dos filantropos e a generosidade do público, revela extraordinárias vocações e dedicações. Se há concorrência à sua própria acção que ao Estado convenha favorecer e desejar, é na prática do bem: e para isso a regulamentação deve ser reduzida ao estrito, a inspecção deve ser mais orientadora que fiscal e importa não embaraçar os particulares com peias e formalismos burocráticos.
Liberdade de iniciativa, sim. Mas não pode ficar dependente dos seus caprichos a resolução de grandes problemas nacionais. O Estado tem de governar - mareando os sectores da acção, empenhando-se com todas as veras na realização dos objectivos mareados e até solicitando o concurso das instituições privadas existentes e distribuindo-lhes o papel a desempenhar em cada uma das suas campanhas.
Êste problema da acção do Estado e dos particulares lia assistência social tem, porém, dois aspectos perfeitamente distintos: um, o da iniciativa; outro, o da realização das iniciativas, isto é, o da prateia da assistência. Uma cousa é começar, mandar, orientar, outra é executar por sua conta e risco em todos os aspectos e pormenores.
Serviços públicos de assistência social ou estabelecimentos privados?
44. A leitura das bases do capítulo I da proposta de lei parece levar-nos à conclusão de que o Governo não quere, por princípio, demitir-se da iniciativa em matéria de assistência social: o que pretende, sim, é reduzir ao mínimo o número dos respectivos serviços públicos. Quando se fala de «iniciativas particulares» quere-se dizer quási sempre «estabelecimentos ou obras de assistência privada».
Examinemos este aspecto da questão.
A base III exclue logo da regra de que os serviços de assistência devem de preferência ser privados - «os serviços de sanidade geral e outros cuja complexidade ou superior interesse público aconselhem a manter em regime oficial».
Efectivamente os serviços da saúde pública nos países latinos, e, portanto, no nosso, têm sempre sido (e não se vê maneira de deixarem de ser) de administração directa do Estado e das autarquias locais, embora aceitando ou permitindo o concurso dos particulares.
E além da estrutura essencial desses serviços hão-de também ser de administração directa outros relativos a aspectos especiais da sanidade ou com eles intimamente ligados.
No nosso País, se grande número de hospitais locais é administrado por particulares, só uma organização nacional importante se deve à iniciativa privada e se manteve como associação de direito privado - a Assistência Nacional aos Tuberculosos. Mas quem a fundou era rainha e, portanto, em condições de agregar muitos esforços e de remover muitos obstáculos, apesar do que a obra não pode hoje desempenhar-se pelos seus exclusivos meios da enorme tarefa que lhe cabe.
Não se esqueça, porém, que desde 1479 está assente em Portugal que a assistência hospitalar constitue dever fundamental do Estado. Foi nessa data que El-Rei D. João II, verificando não ser satisfatória, em quantidade de beneficiários e na qualidade dos serviços, a assistência prestada pelos numerosíssimos hospitais privados existentes em Lisboa, suplicou e obteve do Pontífice autorização para reunir as rendas deles (na maioria provenientes de pias fundações) e com elas construir e um amplo e solene hospital dos pobres», que veio a inaugurar-se em 1501 com o nome de Hospital Real sob a invocação de Todos-os-Santos e de onde descende o actual Hospital de S. José.
O facto de o Estado ter o dever de chamar a si - na falta de estabelecimentos privados suficientes - a instalação e o funcionamento de centros de saúde, enfermarias, maternidades e hospitais não quere dizer que os administre depois em regime de centralização. ÏJ ponto que voltará a ser versado.
Aparte os serviços de sanidade geral, ficam os serviços chamados de «assistência pública» - gestão e orientação de creches, asilos, recolhimentos, etc.
São conhecidas as críticas feitas à administração pública desses estabelecimentos.
Começa pelo seu elevado custo, pois por vezes as despesas são tam avultadas, comparadamente com as de estabelecimentos privados do mesmo tipo, que se chega a falar em delapidação.
Aqui cumpre todavia observar que nas comparações tem de haver todo o cuidado: há que ver quais as verbas mais onerosas e, se forem as respectivas à alimentação, vestuário, educação e alojamento dos internados, atender a se o estabelecimento privado que se tomou como paradigma tem um bom nível. Conhecem-se estabelecimentos privados de honrosas tradições que, por pobreza, economia ou concepção do que seja a assistência educativa, reduzem o padrão de vida dos seus pupilos ao que eles teriam no seu meio pobre e desconfortável. Ora se não devem tratar-se como ricos os filhos dos pobres, não é desperdício nem vício dar-lhes habitualmente passadio que os livre dos males comuns à infância desprotegida e os habilite a lutar na vida bem apetrechados de alma e corpo.
Mas de facto a assistência pública é, muitas vezes, demasiado cara por excesso de pessoal e má administração. Os estabelecimentos de assistência sempre foram considerados por certos políticos como destino de eleição para colocar afilhados, e com este fito alargavam-se quadros e subiam-se vencimentos. Casos houve em que se gastava mais com os funcionários do que com os internados.
E que funcionários! Recrutados sem nenhum cuidado, por simples favoritismo político, não se cuidava nem da sua idoneidade moral, nem da sua preparação profissional, e muito menos da sua vocação para tam melindroso mester. Tratava-se de uma burocracia como outra qualquer. Os funcionários consideravam-se senhores e principais beneficiários (às vezes nào sem razão) dos estabelecimentos que deviam servir. Assim se anarquizaram estabelecimentos educativos da assistência pública, onde, salvo raras e honrosas excepções de alguns
Página 109
20 DE FEVEREIRO DE 1944 109
funcionários, se chegou a extremos de corrupção, a que naturalmente, os educandos não ficavam alheios.
Este sombrio panorama pertence já ao passado. Mas pode-se aceitar que o germe do mal assim tam danosamente desenvolvido esteja no sistema da administração directa dos internatos pelo Estado.
É uma concessão que não envolve, porém, condenação definitiva do internato público. Porque males da mesma espécie e gravidade podem revelar-se em estabelecimentos da assistência privada administrados por pessoas pouco esclarecidas, negligentes ou sem escrúpulos, e há estabelecimentos de assistência pública que sempre se puderam apresentar como modelares.
Em última análise vai-se ter sempre ao mal primeiro e comum das nossas infelicidade: a falta de educação moral e cívica das próprias classes dirigentes.
Nos estabelecimentos de assistência privada, porém, é menos provável a produção de certos inconvenientes contra os quais o Estado tem sempre de estar em guarda: gerem-nos pessoas devotadas, que voluntariamente, por caridade, se interessam pela sorte dos outros e põem ao serviço destes a experiência e competência adquiridas na administração dos próprios bens o a nas suas actividades profissionais.
Por isso a proposta se orienta no sentido de, sempre que possível, o Estado entregar os estabelecimentos públicos a particulares juntamente com os subsídios necessários para a mantença.
É doutrina já consagrada na legislação vigente, como se vê do decreto-lei n.º 31:666, de 22 de Novembro de 1941, artigos 3.º e 11.º, que mandam converter os estabelecimentos oficiais de assistência em particulares e prevêem os subsídios de comparticipação nas despesas.
Esses subsídios todavia não podem deixar de ser proporcionados aos encargos impostos. A economia no auxílio pode reverter em enorme prejuízo, quando a tarefa cometida pelo Estado às instituições particulares seja tam grande e os recursos facultados tam pequenos que a obra sossobre debaixo do peso suportado, perdendo-se aquilo que ela tenha conseguido fazer de útil em tempo anterior à honrosa missão recebida e frustrando-se todas as intenções e todos os objectivos - com prejuízo final dos necessitados.
Se o Estado chama os particulares com a intenção reservada de gastar pouco dinheiro para fazer aquilo que já vira ser difícil e caro, corre-se o risco de essa pseudo-homenagem às virtudes da gestão privada a comprometer, desacreditando-a e fazendo esmorecer as boas vontades e iniciativas dos particulares.
É mais fácil o Estado esforçar-se por trabalhar bem do que imiscuir-se no trabalho alheio a título de o ajudar.
Em resumo a Câmara Corporativa julga que ao Estado pertence a iniciativa da assistência social em tudo o que importe ao interesse da Nação, tendo em conta as possibilidades e oportunidades; mas quanto à administração e direeção dos estabelecimentos de assistência por ele fundados é de admitir, sempre que possível, a colaboração de associações ou institutos particulares que tomem conta das obras e as sustentem com subsídio público.
Os particulares na assistência social
45. Vê-se quanta importância se dá na proposta a colaboração dos particulares no desenvolvimento do plano da assistência social - quer admitindo e respeitando as suas iniciativas e deixando-as desenvolver, quer confiando-lhes a própria administração de estabelecimentos fundados pelo Estado, quer prevendo o sen fomento por meio de subsídios.
É orientação inteiramente de aplaudir. Mas é preciso evitar que tam excelentes intenções venham a ser frustradas na prateia e estudar o modo de conciliar a animação da assistência particular com a imprescindível necessidade de coordenação e elaboração de todos os meios.
O particular em Portugal intervém na assistência por motivos muito variados: fé religiosa, consciência moral ou cívica, generosidade de índole, simpatia pessoal por certa obra ou por certas pessoas que a empreenderam, simples vaidade ou gosto de ostentação ... E se os resultados de causas tam variadas vêm, a final, a ser benéficos, preciso se torna não proceder de modo a fazer retrair os gestos que os produzem.
Depois, uma vez na gestão da obra, o particular quere ter a sua autonomia - na gerência financeira como nos critérios de orientação da assistência. E se a primeira em regra é útil, a segunda é muitas vezes prejudicial. Tem de se proceder com cautela, porventura proponde regras de intercolaboração e reservando certos benefícios legais e subsídios só àquelas obras que aceitem e pratiquem tais regras.
Na fixação dessas regras não pode proceder-se levianamente ou teoricamente no remanso de um gabinete, onde só tenham voto funcionários e um ou outro conselheiro privado: há que ouvir primeiro e com largueza a todos, e submeter depois as normas a um período de experiência, durante o qual se esteja atento às indicações da prateia e pronto a aceitá-las sem obstinação.
Em todo o caso, essas directivas devem ser suficientemente largas para, embora assegurando uma eficaz colaboração, permitir que cada obra desenvolva livremente a sua técnica (se a tiver) e afirme o seu espírito.
O respeito das actividades particulares implica sobretudo o reconhecimento do direito de guardar segredo acerca dos pormenores relativos a cada pessoa ou família assistida e, portanto, a inviolabilidade do seu ficheiro privativo.
Não só, por motivos óbvios, o inquérito familiar deve ser feito pela obra assistente, como lhe ficam pertencendo os dados colhidos em tudo aquilo em que a confidência se imponha! De resto um bom trabalho de inquérito pressupõe a divisão dos aglomerados em pequenos núcleos e a atribuição de cada sector a assistentes próprios, para se não perder o contacto humano que a centralização burocrática inevitavelmente destrói.
Isto não impede - e até impõe - a existência de ficheiros centrais em cada localidade, índices informativos, de onde apenas constam dados elementares e que se destinam a facilitar a coordenação das diversas obras, a permitir a repressão dos abusos dos assistidos (casos frequentes de a mesma pessoa beneficiar simultaneamente de duas, três e mais obras da mesma índole) e a fornecer dados para as estatísticas e estudos sociais.
Por estas razões a Câmara não julga mesmo aconselhável a fórmula excessivamente centralista do Centro de Inquérito Assistencial criado em Lisboa pelo decreto-lei n.º 31:666, de 22 de Novembro de 1941, artigo 6.º, em relação à própria assistência oficial, pois desse divórcio entre a visitação e os núcleos de acção resulta perderem-se algumas das maiores vantagens que, sobretudo na assistência sanitária, resultam do inquérito familiar.
Claro está que este inquérito concebemo-lo como visitação de serviço social, entendido como atrás se definiu - e não como indagação inquisitorial destinada a fiscalização, indispensável, mas melindrosa.
Reconhecendo em princípio o valor da iniciativa e da gestão privadas, a Câmara não vai, porém, até ao ponto de as considerar necessariamente principais no domínio da assistência social e de reduzir de facto a intervenção pública a mero papel secundário.
A obra a levar a cabo é de tal vulto que se torna patente a escassez de forças dos particulares para a reali-
Página 110
110 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
xarem; e mesmo em comparação com o muito que poderiam fazer,- aquilo que os particulares hoje fazem, sendo considerável, não é suficiente.
Muitos dos homens ricos de Portugal imo têm a rasgada generosidade e a séria compreensão dos deveres sociais da riqueza que se encontram noutros países e especialmente nas Amerceas. O desaparecimento ou; diminuição do número dos "brasileiros" vai fazer-se sentir neste domínio, onde mareavam pela rasgada benemerência. E não há outro remédio, por muito desagradável que seja, senão obrigar por meio do imposto as fortunas existentes a partilhar dos encargos resultantes do imperativo da solidariedade nacional na assistência aos mais pobres.
Note-se ainda que, por motivos vários, o número de homens desinteressadamente devotados à causa dos necessitados é cada vez menor - sobretudo tendo em vista o aumento da quantidade de obras, a sua diferenciação e especialização e a exigência de um mínimo de educação social e técnica para as dirigir. E êsse facto cria problemas novos que adiante se considerarão ao tratar dos agentes da assistência social.
Associações e fundações privadas e soa tutela
46. Refere-se a base XXXIII da proposta à tutela administrativa a exercer pelos órgãos do Estado sobre as obras particulares para as orientar, com elas cooperar e defender os seus fins dos possíveis desvios dos respectivos dirigentes técnicos ou administrativos.
É função que tem tanto maior utilidade quanto mais precisamente estiverem definidas as linhas do plano do assistência.
Em relação às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa local o Código Administrativo, artigos 416.º a 424.º e 429.º, regulou os termos gerais dessa intervenção tutelar, confiada em princípio, por conveniência de desconcentração, aos governadores civis, que a exerceriam de acordo com as instruções superiores.
Estabelece ainda o Código a necessidade de autorização para a constituição de certas classes de associações ou institutos, ou de aprovação para os estatutos respectivos, por duas razões: a primeira, de ordem jurídica, é a de marear o momento em que nasce a pessoa colectiva com a qualificação de utilidade pública, e a segunda, de ordem política, é a de poder assim orientar-se a assistência privada, impedindo que numa localidade, por virtude de rivalidades ou mera emulação entre pessoas, se multipliquem as obras da mesma índole quando faltem completamente noutros sectores de assistência.
A base XVII da proposta, artigo 2.º, preconiza a necessidade de autorização para o exercício da "assistência, beneficência ou caridade" por associações ou fundações, que a base V, artigo 2.º, dispensavelmente e sem rigor procura definir.
Sabido que a "autorização" precede a constituição, ao contrário da e aprovação B, que supõe já realizados os actos preliminares e elaborados os estatutos, é evidente que essa forma do acto administrativo pode convir às associações, mas não às fundações, que apenas devem ser aprovadas.
Não se trata na proposta de definir em que condições se faz a declaração de utilidade pública das pessoas colectivas com fins de assistência e quais os efeitos dessa declaração. No Código Administrativo, artigo 417.º, regulou-se o primeiro ponto quanto às pessoas colectivas de utilidade local (que aproveitem em especial aos habitantes de determinada circunscrição), pelo que resta regular o regime das de utilidade geral.
E não é matéria de menos importância, convindo defini-la até para se ficar sabendo quais os meios competentes para obter a declaração.
Criadas as associações e institutos (que designaremos, por amor de brevidade e usando a linguagem comum, obras de assistência, afastando-nos do sentido dado pela base XXIV, que se refere às obras públicas destinadas a utilização por serviços de assistência) e atribuída a personalidade jurídica, a tutela, nos termos da proposta, deve ter um fito predominantemente orientador.
É de aplaudir tal critério, que oxalá venha a ser convenientemente traduzido na prática. Há no nosso Paia a tendência para converter todas as fiscalizações em vexatórias inquirições ou em incómodas exigências de frequentíssima remessa de papéis que ninguém lê o se acumulam, inúteis, sobre as secretárias de funcionários submersos em tarefas superiores às suas forças.
Do que neste capítulo se carece é de uma orientação técnica esclarecida, paciente, por assim dizer pedagógica, dada no próprio lugar da obra e quanto possível a propósito do seu funcionamento normal por visitadores competentes.
Esta será a tutela que dará alento à iniciativa privada. De contrário desmentir-se-iam pela realização os bons propósitos expressos de dar primacial relevo à acção dos particulares.
As Misericórdias
47. Tratando-se da assistência prestada por particulares através das suas associações ou fundações, merece menção especial a tam portuguesa fórmula das Misericórdias.
Criadas numa época em que estava generalizada em todo o País a agremiação em confrarias, foi como confrarias que nasceram. E receberam, como não podia deixar de ser, a profunda inspiração e o impulso do pensamento e da fé católicas, então constitutivos da própria essência espiritual da Nação.
Propunham-se os confrades praticar a caridade cristã para sua edificação e salvação das suas almas através do exercício das obras de misericórdia, assim espirituais como corporais.
O ardor da fé vencia o egoísmo, supria a própria falta de sentido social, tam frequente nos portugueses. E as confrarias da Misericórdia por todo o País floresceram, reunindo importantes patrimónios em bens imóveis e juntando todos os homens bons que consideravam honroso dever o inscrever-se como irmãos.
Com o liberalismo a desamortização vibrou o primeiro golpe profundo nas Misericórdias, ao impor a forçada conversão em títulos de dívida pública dos bens de raiz. Depois o amortecimento da fé foi esfriando a generosidade dos corações. Tentou-se a seguir a baixa política dos caciques com o instrumento de influência entre o eleitorado ou de propaganda anticlerical que a beneficência das Misericórdias podia constituir. E por fim a depreciação da moeda fez minguar de tal forma o valor dos réditos provenientes dos títulos da dívida e dos capitais mutuados que a acção, já comprometida, das instituições se viu quási anulada. Das confrarias já mal se encontra traço; pensou-se em laicizar de todo algumas casas e usurpou-se o nome de Misericórdia paru obras infiéis ao espírito primitivo. E em muitas delas só com comissões administrativas de nomeação governamental se consegue sustentar-lhes a vida.
O Anuário Estatístico de 1940 informa existirem nesse ano no continente e ilhas 317 Misericórdias com actividade de assistência, que 19 já não puderam exercer. Nessa actividade despenderam ao todo 37:000 contos, números redondos, dos quais 22:000 contos em assistência aos doentes.
As receitas totais das 336 Misericórdias montaram a 64:300 contos1. Dessa totalidade 29:600 contos provie-
_______________
1 Mais do dobro de 1925, conforme se vê do Anuário Estatístico desse ano.
Página 111
25 DE FEVEREIRO DE 1944 111
ram de rendimentos de bens próprios, 10:800 contos de subsídios do Estado, autoridades e corpos administrativos e apenas 3:600 contos provieram de cotizações e subsídios de particulares!
O problema da restauração das Misericórdias, num papel de destaque na obra nacional da assistência, não pode deixar de ser encarado. São a principal forma de organização da assistência privada, a sua concepção inicial é inspirada pelo melhor espírito, possuem notabilíssimas tradições e são ainda hoje possuidoras de considerável fortuna, pois que os rendimentos de bens próprios, calculando-se produzidos a uma taxa de 3 por cento, correspondem ao capital de 1 milhão de contos, números redondos.
Mas para esse efeito há que estudar o processo de conciliar quanto possível a sua estrutura tradicional com as exigências da moderna assistência social.
O exemplo da Misericórdia do Porto mostra que, sem abandonar a substância da forma primitiva e mantendo, portanto, íntimo contacto com os irmãos, é possível realizar ampla e útil obra actual. Até que ponto essa forma tem de evoluir para que, sem perda do espírito, todas as Misericórdias reassumam a sua gloriosa função?
Obra da piedade individual, nessa restauração há ainda que contar muito com a mentalidade, os sentimentos e a educação dos indivíduos. Não se pode fabricar artificialmente um espírito: quando muito criam-se as condições favoráveis à sua eclosão. Por isso o reformador ou o governante encontram-se aqui perante limitações de facto que avisadamente lhes cumpre verificar com senso das realidades.
O Código Administrativo, no texto de 1936, consagrou o princípio de que «a Santa Casa da Misericórdia da sede do concelho é o órgão central da assistência concelhia, cumprindo-lhe congregar a acção beneficente de todos os estabelecimentos e associações de assistência pública e privada, de acordo com os corpos administrativos e Casas do Povo e em harmonia com as instruções transmitidas pelo governador civil» (artigo 372.º). A comissão revisora chegaram, porém, tantas objecções provenientes em grande parte das próprias Misericórdias, que alegavam não possuir meios para exercer tal missão, que não houve remédio senão, no texto de 1940, substituir o preceito por outro (artigo 433.º) de carácter menos prático.
Parece, porém, a esta Câmara que deve insistir-se no ponto de vista expresso no texto de 1936, procurando-se auxiliar com os recursos necessários as Misericórdias que não possuírem meios para exercerem aquela missão.
A proposta, no artigo 3.º da base V, prevê regime especial para «as Misericórdias fiéis à tradição dos velhos compromissos, sem prejuízo da actualização das suas actividades assistenciais». O mesmo deverá talvez preceituar-se relativamente às Ordens Terceiras, que nalgumas localidades competem em importância com as Misericórdias.
Estas confrarias, Ordens Terceiras e outras corporações religiosas consideram inconveniente a facilidade de remição dos legados pios, por a falta de confiança dos fiéis no rigoroso cumprimento desses legados os inibir de deixar os seus bens a tais corporações.
Nesses termos é de ponderar o preceito proposto na base XXVIII, de modo que a remição se faça apenas em casos de impossibilidade de cumprimento e por decisão da autoridade eclesiástica, a requerimento da corporação interessada.
O papel da família
48. Refere-se a proposta à família em mais de um passo, sempre a fim de sublinhar o papel fundamental que lhe reconhece no largo quadro da assistência social.
Efectivamente nunca será demais insistir em que a família é a célula social por excelência, a primeira das comunidades naturais, e que, por isso, tem, como nenhuma outra, possibilidades de contribuir para a dignificação e a melhoria da condição humana.
A família é, antes de mais nada, um ambiente moral insubstituível na sua função estimulante e reparadora dos trabalhos e das penas dos cônjuges e no amparo oferecido a todos os que dela fazem parte.
O primeiro problema que em qualquer acção social bem orientada tem sempre de ser encarado - não com declamações oratórias, mas com acção eficaz - é o do robustecimento do meio familiar.
A acelerada dissolução das velhas, comunidades locais, onde as famílias estavam radicadas, se conheciam intimamente e comungavam no respeito das mesmas crenças, dos mesmos ritos, das mesmas usanças, das mesmas tradições, dos mesmos preconceitos, originou uma crise que não pode deixar de preocupar os homens de Estado dignos desse nome e de exigir adequadas medidas.
Nas cidades os indivíduos encontram-se desvinculados de tudo ou quási tudo que constituía a forte armadura de uma vida simples e recta. Formam-se ligações de acaso, chocam-se feitios, educações, gostos e tendências de marido e mulher e dos pais com os próprios filhos, surgem de todo o lado tentações e maus exemplos a que é difícil resistir, perde-se a religião, falta uma autoridade social naturalmente respeitável, não há quem preste apoio moral e conselho nos momentos de crise e a tudo isto se vem juntar a habitação triste e insalubre, a doença, as dificuldades económicas, a ausência de honestas distracções.
Muitos casos de necessidade de assistência se filiam numa série de causas encadeadas: a doença da mulher ou do marido a criar as primeiras dificuldades económicas, destas nasce o desconforto do lar, este agrava o estado moral dos cônjuges e suscita frequentes quizílias, o homem aborrece-se e procura a taberna, a mulher desmazela-se e desespera, os filhos procuram a rua - é uma família desfeita, são uns tantos casos individuais de doença, de miséria, de desmoralização que mais tarde surgem.
E a verdade é que, por mais sedutora que momentaneamente apareça aos filhos a liberdade da vadiagem, não tarda que sintam a tristeza e o desconforto da falta dos pais e do seu desentendimento, com todas as consequências daí advindas.
Não são só medidas económicas que remediarão estas tam frequentes situações. Como ficou dito, o serviço social propõe-se agir na família no sentido de retemperar o seu ambiente moral e de chamar os seus membros ao desempenho de um papel activo na melhoria da vida.
E essa será a verdadeira e profícua assistência social à família - para que possa haver uma assistência social da família.
Infelizmente, porém, há muitos casos em que se não pode contar com a família: ou porque se trate de pessoas sem lar (e aumenta o seu número cada vez mais!), ou porque o meio familiar seja de tal modo corrupto que já não reste nenhuma esperança de o regenerar, ou porque os membros da família sejam anormais ou incapazes de assumir um papel de responsabilidade na obra de educação em que sempre se cifra toda a moderna assistência.
Nesses casos a família não pode ser instrumento de activa colaboração com as outras comunidades para resolver as situações a assistir; em muitas ocasiões até há que fugir-lhe e impõe-se tirar-lhe algum elemento são em perigo de contágio moral.
Página 112
112 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
A proposta do lei inclina-se para, nestas hipóteses, responsabilizar a família, sempre que possível, pelos encargos pecuniários da assistência àqueles dos seus membros a proteger.
Na base XX, artigo 1.º, diz-se que responderão pelos encargos da assistência:
a) Os próprios assistidos, seus ascendentes ou descendentes e os demais parentes com obrigação legal de alimentos;
b) Os responsáveis pelo nascimento de um ilegítimo.
................................................................................
E o artigo 3.º da mesma base acrescenta que «pelo sustento e educação dos ilegítimos entregues à assistência pública serão responsáveis as mãis e os presumíveis autores da filiação ilegítima. Esta responsabilidade cessa logo que o assistido tenha atingido 18 anos de idade».
E a base XXI acrescenta:
No apuramento das responsabilidades previstas na base anterior serão observadas as regras seguintes:
1.º A economia familiar suportará as despesas de assistência dentro das posses averiguadas por inquérito assistencial;
2.º Na sua falta ou insuficiência, responderão nos mesmos termos os ascendentes ou descendentes e os demais parentes com obrigação legal de alimentos;
3.º Se a favor da economia familiar militarem garantias de previdência corporativa ou de seguro, serão estas chamadas a responder dentro das normas estatutárias ou das responsabilidades legal ou contratualmente assumidas;
4.º No caso de insuficiência da economia familiar e das garantias previstas na alínea anterior responderão os rendimentos do serviço ou instituição que prestar a assistência, quer próprios quer provenientes dos subsídios referidos na alínea f) da base anterior.
Em relação à família legítima, trata-se apenas de efectivar uma obrigação imposta por lei (Código Civil, artigos 171.º e seguintes).
Essa mesma obrigação existe em relação aos filhos ilegítimos perfilhados voluntária ou judicialmente (Código Civil, artigos 129.º e 175.º, decreto n.º 2 de 25 de Dezembro de 1910, artigo 31.º, e Código de Processo Civil, artigos 1458.º e 1462.º).
Mas os termos genéricos da proposta e a sua referência a «autores presumíveis da filiação ilegítima» parecem inculcar que se pretende também obrigar ao pagamento de alimentos pessoas que, por mero inquérito administrativo e sumário, sejam presumidos pais de crianças não perfilhadas.
O decreto citado de 1910 admite o direito a alimentos de filhos não perfilhados, mas só quando, sendo os filhos não perfilháveis ou os pais inhábeis para a perfilhação, o facto da paternidade ou da maternidade se achar provado em processo cívil ou criminal (artigos 33.º e 52.º).
A extensão de responsabilidade agora proposta, parecendo moralmente fundada, cria na execução tantas e tais dificuldades e tamanhos riscos para pessoas a quem se pretenda explorar (riscos que só não conhecem aqueles que não estão ao facto da natureza e intuitos de grande parte das acções de investigação de paternidade ilegítima), que não parece de aceitar.
Observa-se que doutra forma é fácil aos pais e às próprias mais que enjeitem os filhos prosseguir vida desregrada a coberto da irresponsabilidade assegurada pela entrega dos filhos à assistência pública. Mas aqui ainda a única autuação útil e eficaz seria a exercida sobre as causas - moralizando o ambiento e educando os indivíduos. Às medidas repressivas como a proposta responderá o aumento do número dos abortos e infanticídios. Os homens e as mulheres verdadeiramente merecedores da sanção facilmente se furtarão a ela. Mas, por outro lado, os encargos da assistência pesarão sem remédio sobre a pobre mulher, abandonada pelo sedutor, que tenha de entregar o filho a um estabelecimento, para poder trabalhar e ganhar escassamente o pão de cada dia - pagando com dureza, por todas as formas, aquilo que muitas vezes não chegou a ser um erro de conduta, mas simples e dolorosa infelicidade.
O censo paroquial dos pobres e indigentes
49. Na concepção constitucional, desenvolvida pelo Código Administrativo, a freguesia é um agregado de famílias que exerce acção social comum.
Do papel da família na assistência social passa-se, pois, naturalmente ao papel da freguesia, que, mais do que em nenhum outro, encontra nesse domínio um largo campo de acção, por ser desde sempre a vizinhança um forte motivo de ajuda mútua.
O Código Administrativo designa-lhe importantes atribuições de assistência (artigo 254.º), que podem ser fora de Lisboa e Porto, e são nestas cidades necessariamente, desempenhadas por uniões de freguesias (artigo 266.º), sob a presidência dos governadores civis.
Infelizmente a grande maioria das freguesias rurais não exerce qualquer apreciável acção, mais à míngua de gente que as oriente e saiba congregar boas vontades do que de recursos: o dinheiro não vem do imposto, mas poderia provir de outras fontes adrede criadas.
Uma atribuição, porém, lhes confere o Código e cujo efectivo desempenho é fundamental para a boa marcha da acção da assistência nos meios urbanos como nos meios rurais: a de organizar, conservar e rever anualmente o recenseamento dos pobres e dos indigentes da circunscrição paroquial (artigo 253.º, n.º 2.º).
Se êste recenseamento nas cidades carece de ser completado pelo inquérito feito pelas assistentes sociais ou suas colaboradoras benévolas de cada freguesia, nos meios rurais, onde todos se conhecem, é fácil de manter, sem grande esforço e dispêndio, em boa ordem e de modo a poder servir de base segura às iniciativas ou à acção coordenadora da assistência num grupo de freguesias, no concelho ou no próprio distrito.
Seria para desejar que se fizesse um modelo de censo donde constasse, para cada pobre ou indigente inscrito, a causa da sua situação - doença, defeito físico ou psíquico, velhice, etc.- e mais elementos úteis para a informação de qualquer plano ou realização de assistência.
Função dos concelhos
50. Segundo a traça do Código Administrativo, o concelho, assoberbado por tarefas numerosas e de muito diversa natureza, para cujo desempenho lhe escasseiam as receitas, tem em matéria de assistência pública atribuições muito restritas e simples.
Pertence-lhe fomentar a educação na circunscrição municipal, especialmente a da juventude (artigo 48.º, n.º 2.º) e conserva a tradicional incumbência de zelar pelas crianças expostas, desvalidas ou abandonadas (artigo 48.º, n. 10.º), estando prevista a sua entrega a amas das freguesias rurais, pois se atribue às juntas de freguesia o dever de «fiscalizar o tratamento dos expostos, desvalidos e abandonados entregues a amas da sua freguesia, participando às câmaras e às autori-
Página 113
25 DE FEVEREIRO DE 1944 113
dados sanitárias de quem haja recebido instruções as faltas que notar» (artigo 254.º, n.º 5.º).
Mas as mais onerosas atribuições de assistência municipal são as respeitantes ao internamento dos alienados e à hospitalização dos doentes do concelho (artigo 48.º, n.º 11), donde resulta a obrigatoriedade das despesas com o tratamento e transporte dos doentes pobres residentes no concelho admitidos com guia passada pela câmara municipal nos Hospitais Civis de Lisboa, Hospital da Universidade de Coimbra, Hospital Escolar, Maternidade Dr. Alfredo Costa, Instituto de Oncologia, Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e Hospital de Santo António, do Porto (artigo 751.º, n.º 7.º).
Resulta daqui a aglomeração, já atrás referida, dos doentes da província nos hospitais de Lisboa, do Porto e de Coimbra, para a qual estes são cada vez mais insuficientes. O desenvolvimento dos hospitais distritais seria vantajoso para todos.
Emfim, ainda pertence às câmaras municipais deliberar sobre a assistência aos mendigos (artigo 48.º, n.º 12.º), de acordo, naturalmente, com as directrizes gerais de repressão à mendicidade.
A proposta de lei, na base XX, artigo 1.º, alínea e), torna agora as câmaras municipais responsáveis pelos encargos de assistência em relação aos assistidos com domicílio de socorro nas respectivas circunscrições municipais (e não nas «respectivas áreas», pois as câmaras não têm «áreas»). E na base XVIII fixa-se o domicílio de socorro no concelho da naturalidade do necessitado ou naquele onde tiver tido residência voluntária durante (os últimos, naturalmente) dois anos. Na impossibilidade de se determinar a naturalidade ou a residência do necessitado, haver-se-á como domicílio de socorro o lugar onde se encontrar.
Já no artigo 7.º do decreto-lei n.º 30:389, de 20 de Abril de 1940, se introduzira no nosso direito o conceito de domicílio de socorro, mas definido em termos diversos dos da proposta. Não se compreende mesmo (à falta de qualquer explicação no relatório) por que motivo se abandona uma definição de técnica mais perfeita para formular outra que pretende ser mais simples mas é também menos correcta.
A noção de domicílio de socorro apareceu no direito francês com a lei de 15 de Julho de 1893 sobre assistência médica, e aí o lugar da naturalidade só era tomado em conta quanto aos menores desamparados.
O problema tem importância agora, porque da adopção dos termos da proposta de lei poderia resultar o regresso ao sistema de fazer pagar pelos concelhos a despesa de assistência hospitalar com doentes internados sem guia passada pela câmara respectiva, sistema a que o Código Administrativo pôs termo e que não convém ressuscitar pela série de inconvenientes e abusos a que dá lugar, criando uma desordem financeira contra a qual mais de uma vez as câmaras justamente protestaram.
Por isso a Câmara Corporativa não julga de aceitar a definição formulada e a atribuição de responsabilidade nos termos genéricos das bases XVIII e XX.
Cabe aos concelhos largo papel relativo à salubridade pública, que assim eles soubessem e pudessem pôr em prática! Protecção de água potável, estabelecimento de esgotos, remoção, despejo e tratamento de lixos, detritos e imundícies domésticas, administração de cemitérios, defesa do ar atmosférico contra os fumos, poeiras e gazes tóxicos, supressão de animais nocivos, extinção de ratos e destruição de mosquitos, construção de matadouros, frigoríficos, peixarias, lavadouros, balneários, casas económicas, manutenção de laboratórios (artigo 49.º).
Para as auxiliar no desempenho destas vastas e complexas atribuições dispõem as câmaras de um Órgão consultivo em cada concelho - a Comissão municipal de higiene (artigo 111.º).
Mas era necessário que as câmaras fossem orientadas tecnicamente por órgãos de estudo, informação e auxílio - senhores de um plano a executar e de tipos de projectos para obras, para posturas, para campanhas sanitárias...
Pelo que respeita às obras públicas de águas e saneamento, a Secção de Aguas e Saneamento da Direeção Geral dos Serviços Hidráulicos tem desempenhado essa função orientadora. Queixam-se algumas câmaras de que os projectos são de execução dispendiosa, que a comparticipação uniforme de 40 por cento pelo Estado é insuficiente nos concelhos rurais e que as exigências de fiscalização, contabilidade, prazo de conclusão, etc., são demasiadamente rígidas. Mas apesar disso devem-lhe inegavelmente os povos assinalados serviços.
A desconcentração destes órgãos técnicos impõe-se; a solução facultada pelo Código Administrativo da federação dos municípios para criarem e manterem serviços especiais comuns (uma repartição de engenharia, por exemplo) devia ser adoptada por esse país, à semelhança do que deliberaram os concelhos do distrito da Guarda com a sua interessante Federação dos Municípios da Beira Serra.
A proposta de lei parece, porém, orientar-se no sentido contrário quando na base XXIV proíbe a execução de qualquer obra pública destinada a fins de assistência sem autorização ministerial, ouvido o Conselho Superior de Higiene e Assistência Social.
Trata-se de nova providência centralizadora, que convém ponderar antes de adoptar.
Não só a infalibilidade se não pode considerar prerrogativa dos conselhos superiores, como a submissão de actividades de todo o País a autorização ministerial pode ter consequências indesejáveis, contrárias mesmo ao espírito de protecção à iniciativa privada.
As demoras (já hoje sensíveis nos Ministérios, repartições, conselhos e juntas), que amolecem zelos e esmorecem vontades, as formalidades, as restrições, as documentações, as devoluções, são outros tantos embaraços que fazem perder em muito as vantagens procuradas com o sistema.
O fornecimento gratuito de tipos de projectos e de assistência técnica (mas de técnicos activos e não burocratas) , acompanhado da inspecção orientadora, obviaria aos males sem prejudicar os benefícios. São necessárias coordenação e disciplina, mas os métodos habituais dos pareceres e despachos não são os melhores para tal efeito.
Infelizmente, aparte algumas obras públicas, a acção sanitária dos concelhos é em geral muito apagada. Nos orçamentos municipais as despesas com a saúde pública raro tomam vulto que as destaque. A Segunda notícia dos inquéritos de higiene rural e sobre águas e esgotos, publicada em 1942 pela Direeção Geral de Saúde, documenta a penúria das finanças municipais em geral e das despesas sanitárias como sua consequência, embora nalguns casos o defeito seja antes do errado critério das câmaras. Há que encarar a necessidade de maior ajuda financeira aos concelhos para a resolução local do problema nacional da sanidade pública.
Que deve caber às províncias ?
51. Resta, para concluir a análise respeitante ao papel a desempenhar pelas autarquias locais no plano da assistência social, fazer referência às províncias.
Já se lembrou que o texto de 1936 do Código Administrativo lhes distribuía o encargo de construir e man-
Página 114
114 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
ter os hospitais regionais que no plano geral se fixassem e os dispensários centrais, preventórios e sanatórios (artigo 261.º).
Não se curou de orientar as juntas de província nesse sentido - o de tomarem à sua conta a remodelação e ampliação dos hospitais distritais, com os dispensários anexos. Diz-se que careciam de dinheiro. A verdade é que as receitas chegariam para esse efeito, mesmo que as de maior vulto tivessem de ser custeadas por meio de empréstimo. Em vez disso, a maioria das juntas têm dispersado os seus recursos em pequenos subsídios a obras que já os recebem também do Estado, sem nenhum critério que discipline a concessão.
Algumas excepções há a abrir. A Junta de província da Beira Litoral, continuando a acção da Junta Geral do distrito de Coimbra, tomou conta do Asilo Municipal de Velhos e tem realizado uma interessante obra de protecção à infância e profilaxia da tuberculose1. A Junta de Província da Estremadura iniciou uma rede de postos de puericultura que poderiam ser aproveitados para uma campanha de protecção à infância convenientemente orientada e mantém uma policlínica, a que chama com impropriedade «dispensário». Emfim, a Junta de Província do Douro Litoral realizou em 1938 um valioso inquérito sobre assistência na sua eireunserição2 e mantém alguns estabelecimentos de assistência: dois hospícios infantis, um de lactantes, em que também podem ser admitidas as mãis-amas, e outro de 1 a 7 anos, uma casa paterna para rapazes dos 14 aos 18 anos a colocar, a Casa Pia de Paço de Sousa e a Escola Maternal e Profissional de Vairão, além de subsidiar a obra do Instituto de Puericultura e colaborar na sua administração.
Como se vê, estão longe as províncias de ter uma orientação definida acerca do seu papel no plano da assistência social.
Por isso o texto de 1940 do Código Administrativo se limitou a atribuir-lhes, em matéria de assistência, o estudo, para aprovação superior, «dos planos de assistência social acomodados às circunstâncias e necessidades da província e que devam executar-se pelas forças das autarquias locais, em cooperação e coordenação com as iniciativas particulares ou com a comparticipação do Estado, quando for caso disso», e o subsídio da «realização dos planos aprovados ou a extensão a novas modalidades da actividade assistencial exercida pelas organizações existentes na província» (artigo 314.º).
O pensamento do Governo, ao incluir estes preceitos no Código, foi manifestamente o de tirar às províncias a execução directa dos serviços de assistência social. Todavia, parece digno de revisão esse critério. Dentro de um plano nacional as juntas de província podem assumir importante papel executivo. Desoneradas de outras atribuições de vulto, é fácil consagrarem-se à missão da assistência.
Não é conveniente que se substituam às organizações nacionais apropriadas para, sem ter sequer ligação com elas, se ocuparem da luta antituberculosa, anticancerosa, anti-sifilítica ou outra: porventura alguma realização deste género foi resultante apenas da insuficiência ou paralisação dessas organizações. Mas, uma vez coordenada a sua acção no plano nacional, há tudo a lucrar em fomentar e estimular as iniciativas das autarquias locais.
O que se deveria evitar, a bem da disciplina da assistência social, era a intromissão de outros órgãos administrativos, de bem diferente índole, na sua prática. E o caso dos governos civis, a quem deveria competir exclusivamente a função política e administrativa da coordenação e orientação no distrito, mas que tantas vezes chamam a si a distribuição de socorros, regular ou periódica, e até, por velhos encargos assumidos, a gestão de estabelecimentos, como no Porto sucede com o Hospital de Santa Clara.
V
A organização dos serviços administrativos da assistência social
Princípios orientadores
52. Ocupa-se também a proposta de lei da organização dos serviços administrativos da assistência social no capítulo V, intitulado e Dos órgãos superiores da assistência».
Antes de entrar no estudo da reforma aconselhável neste ponto, entende a Câmara Corporativa conveniente fixar quais os princípios que devem orientá-lo.
As melhores intenções no nosso País falham muitas vezes por deficiências de organização e pelos vícios quo nela se entranham, vícios a que nem as próprias organizações criadas de novo se eximem, tam propensos somos a adquiri-los por feitio e hábito.
Uma das tendências a que a autoridade em Portugal é extremamente - propensa é a da centralização, filha da impaciência na realização e da pouca confiança nos colaboradores.
E sabido que numa obra a lançar têm de se educar os agentes, admitir os erros inevitáveis na execução (é com eles que se compra a experiência), abrir um crédito de confiança a quem trabalhe bem, admitir as iniciativas dos subalternos deixando-os pôr em prática as suas ideas aceitáveis, dentro do plano superiormente traçado, e responsabilizando-os pelos resultados.
Unidade de orientação e de comando, sim. Mas desconcentração e descentralização na execução. A mesma relativa liberdade, dentro de um plano de conjunto e de regras gerais de disciplina que se requereu para as obras de assistência particular, é a que parece convir aos próprios funcionários e serviços técnicos do Estado.
A centralização na execução, a preocupação de quem está no topo da hierarquia de um serviço de conhecer todas as minúcias, resolver todos os pormenores e autorizar todos os passos, dá, em geral, os mais deploráveis resultados e não é de aconselhar mesmo quando se trate de um dirigente de excepcionais qualidades - tam certo é que se ignora quem lhe sucederá e se terá as mesmas raras aptidões.
Na maioria dos casos a centralização traduz-se num amontoar desordenado de papéis e cuidados que dão aos organismos superiores a ilusão de uma actividade frenética, emquanto por esse País fora as cousas marcham em ritmo lento e os órgãos de execução se encontram entorpecidos à espera de verem resolvidas em cima as mínimas dificuldades e temerosos de assumir qualquer responsabilidade.
Em matéria tam complexa como a da assistência social parece que os princípios aconselháveis seriam: unidade de orientação e direeção; especialização dos órgãos burocráticos superiores; especialização e autonomia dos serviços nacionais de execução; desconcentração local da autoridade e contacto assíduo entre serviços centrais e locais.
Vejamos, a partir da situação actual, o que seria desejável fazer.
1 Ver a descrição em Dr. José dos Santos Bessa, A luta antituberculosa da Junta de Província da Beira Litoral, in publicações do Congresso do Mundo Português, vol. XVII, tomo I, p. 320.
2 Está publicado pelo Sr. Dr. Mário Cárdia, Assistência às classes pobres, 1938.
Página 115
25 DE FEVEREIRO DE 1944 115
Unidade de direcção superior
53. Se olharmos à actual distribuição dos serviços de assistência social pelos diversos departamentos do Estado verificaremos que existe dispersão, em parte inevitável e noutra evitável.
Assim, os serviços de assistência social - não contando com estabelecimentos especiais que admitem órfãos de militares e de professores primários, como os Pupilos do Exército, o Instituto de Odivelas e o Instituto Presidente Sidónio Pais, bem assim os serviços militares de saúde e os de previdência social - encontram-se distribuídos da seguinte forma:
Sub-Seeretaria de Estado das Corporações e Previdência Social:
Casas económicas.
Assistência dos organismos corporativos e das instituições de previdência (que também a fazem).
Sub-Secretaria de Estado da Assistência Social (Ministério do Interior):
Direeção Geral de Saúde.
Direeção Geral de Assistência.
Organismos oficiais autónomos:
Misericórdia de Lisboa.
Casa Pia de Lisboa (reformada pelo decreto n.º 32:613, de 31 de Dezembro de 1942).
Instituto Maternal (criado pelo decreto-lei n.º 32:6s1, de 2 de Fevereiro de 1943), que melhor se designaria por Assistência Nacional à Maternidade e Infância, visto a designação de Instituto caber a estabelecimentos singulares.
Hospitais Civis de Lisboa.
Serviços anti-sezonáticos.
Hospital Júlio de Matos.
Assistência aos Funcionários Civis Tuberculosos.
Instituto Antidiabético.
Hospitais da Universidade de Coimbra.
Hospitais das Caldas da Bainha.
Organismos particulares subsidiados e coordenados, nomeadamente.
Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Recolhimentos e asilos.
Misericórdias.
Ministério da Justiça:
Serviços jurisdicionais de menores.
Lares do ex-pupilo (particulares subsidiados).
Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância.
Ministério das Obras Públicas:
Comissariado do Desemprego.
Ministério da Educação Nacional:
Direeção Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Organismos oficiais autónomos:
Obra das Mais pela Educação Nacional. Mocidade Portuguesa (cantinas nos liceus e escolas técnicas).
Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.
Instituto de Orientação Profissional.
Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
Instituto Português de Oncologia.
Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto.
Hospital Escolar (da Universidade de Lisboa).
Qual a solução para reunir o maior número possível dêstes serviços sob uma direeção única?
Há várias hipóteses possíveis:
a) A concentração no Ministério do Interior;
b) A reunião num Ministério da Educação e Assistência Social;
c) A criação de um Ministério das Corporações, Previdência e Assistência Social;
d) A criação de um Ministério de Assistência Social.
Vejamos as vantagens e inconvenientes de cada uma delas.
54. Neste sector, como noutros, experimentámos todas as soluções.
Quando, em 1736, se deu a primeira forma à orgânica das Secretarias de Estado, criou-se uma para tratar das relações belicosas ou pacíficas com os outros países - a dos Negócios Estrangeiros e da Guerra -, consagrou-se outra ao mar, e às colónias de que ele nos separa - a da Marinha e Domínios Ultramarinos -, e reservou-se a terceira para tudo quanto respeitasse à política e administração interna do País - a dos Negócios Interiores do Reino.
Não admira, por isso, que os primeiros órgãos directores, ou Coordenadores da saúde pública e da assistência apareçam ligados ou integrados no Ministério do Reino, depois de 1910 crismado em Ministério do Interior.
Outras razões, de resto, militavam a favor dessa solução: a assistência pública do Estado começou a fazer-se, com Pina Manique, como actividade acessória da polícia geral; e também a saúde pública foi primeiramente confiada à hierarquia administrativa comum (eram subdelegados de saúde, na orgânica de 1837, os administradores dos concelhos), pondo-se em destaque o aspecto da polícia sanitária. No final do século passado mudou a concepção dos objectivos da administração dê saúde e veio para o primeiro plano a preocupação antiepidémica, obrigando à prevenção constante do exército sanitário, cujos chefes se transformavam em autoridades dominantes logo que numa zona se proclamava o «estado de sítio» infeccioso. Para eficaz desempenho dos latos poderes conferidos para a repressão das epidemias convinha que as autoridades sanitárias estivessem conexas com as da polícia e da administração civil.
Assim, foi no Ministério do Reino que em 1834 se criou o Conselho Geral de Beneficência e em 1837 o célebre Conselho de Saúde Pública do Reino, este dotado de amplas atribuições deliberativas e executivas.
Em 1868, extinto o Conselho, substituiu-se-lhe uma Repartição de Saúde Pública, no mesmo Ministério, assistida por uma junta consultiva, até que as reformas de 1899-1901 vieram criar a Direeção Geral de Saúde e Beneficência Pública, ainda no Ministério do Reino. Para a época constituía enorme progresso. A modesta Repartição de Saúde ganhava maior categoria e aparecia ao mesmo tempo um organismo permanente para curar dos assuntos de beneficência.
A Direeção Geral reunia, sob uma direeção única, dois serviços, que nitidamente se mantinham distintos - é ver a lei de 12 de Junho de 1901. Aos serviços técnicos centrais de saúde presidia o inspector dos serviços sanitários do Reino, com a categoria de director geral (artigo 15.º, § único), embora subordinado ao director geral de saúde e beneficência. Além da Inspecção Geral, havia uma Repartição de Saúde e o Conselho Supe-
Página 116
116 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
rior de Higiene Pública. Quanto aos serviços centrais de beneficência, compreendiam a Repartição de Beneficência e o Conselho Superior de Beneficência Pública.
Se nos transportarmos aos usos e mentalidade da época, poderemos ver na Direcção Geral de Saúde e Beneficência Pública a primeira figuração da actual Sub-Secretaria de Estado da Assistência Social.
Proclamada a República, em 1911, para marear o propósito de dar maior impulso aos serviços, fez-se a separação em duas Direcções Gerais - a da Saúde e a da Assistência-, ficando ambas no Ministério do Interior.
Hás, instituído o Ministério do Trabalho, em 1916, não tardou que se pensasse ser conveniente reunir nele os serviços de previdência, os da assistência e os da saúde; assim se fez em 1918, pela transição do Ministério do Interior das Direcções Gerais da Saúde Pública, da Assistência e dos Hospitais Civis de Lisboa.
Depois, em 1919, foi criado o Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios e de Previdência Geral, onde só integraram os serviços de assistência, ainda no Ministério do Trabalho.
O que foi a acção desse Ministério não vale a pena recordá-lo. Basta lembrar o juízo insuspeito do governo democrático que em 1925 o suprimiu, escrevendo no relatório do decreto n.º 11:267, de 25 de Novembro, ter ele tido «nove anos de existência atribulada, desordenada e estéril». Não quere isto dizer que seja condenável hoje a criação de um Ministério do Trabalho, Assistência e Previdência; o mal foi sobretudo da época e do espírito que a inspirava.
Extinto o Ministério do Trabalho, era preciso dar destino aos serviços nele integrados. Após várias hesitações, que não vale a pena diseriminar1, o decreto n.º 11:996, de 29 de Julho de 1926, fixou a seguinte distribuição: a Direcção Geral de Saúde ficou no Ministério da Instrução Pública, e o Instituto dos Seguros Sociais Obrigatórios, compreendendo os serviços da assistência, bem como a Direcção Geral dos Hospitais Civis de Lisboa, couberam ao Ministério das Finanças.
O decreto n.º 13:700, de 31 de Maio de 1927, fez transitar para o Ministério do Interior, onde hoje se encontram, os Hospitais Civis de Lisboa, os serviços da assistência, de novo erigidos em Direcção Geral, e a Direcção Geral de Saúde, com excepção da Inspecção de Saúde Escolar, que permaneceu no Ministério da Instrução Pública.
55. A integração dos serviços de assistência social no Ministério do Interior tem na actualidade inconvenientes inegáveis.
De única Secretaria de Estado para a generalidade da administração civil interna, que dantes era, o Ministério do Interior passou a ser, por virtude das sucessivas desintegrações de serviços, constituídos em novos departamentos ministeriais, um Ministério especializado.
Dêle se separaram os serviços que em 1822 formaram o Ministério da Justiça, em 1852 o Ministério das Obras Públicas, Comércio, Indústria e Agricultura e em 1870, 1890 e definitivamente em 1913 o Ministério da Instrução Pública, hoje crismado em Ministério da Educação Nacional.
Assim, o Ministério do Interior ficou com os serviços de administração política e civil e da segurança, juntamente com os de saúde e assistência.
E evidente que, dada a natureza eminentemente educativa e profilática da assistência social, os seus serviços se acham hoje deslocados e erro seria juntar aí outros que andem dispersos.
No Ministério do Interior existem duas classes de assuntos que requerem inclinações e aptidões intelectuais bem diversas: a política e a segurança, de um lado, e a assistência social, do outro. E, embora teoricamente se possam achar muitas ligações ou analogias entre elas, na prática um Ministro ou se ocupa dos problemas de uma das classes ou dos da outra - porque nem o tempo nem o feitio de ordinário lhe permitem mais.
Foi esta a razão por que se criou o cargo de Sub-Secretário de Estado da Assistência Social; mesmo assim, dado que a função governativa é reservada aos Ministros, os inconvenientes subsistem em grande parte.
O outro Ministério possuidor de um núcleo grande de serviços de assistência social é o da Educação Nacional já lá esteve, como se viu, a Direcção Geral da Saúde, embora por tam pouco tempo que não deixou tirar nenhuma lição da experiência. Em abono da solução de aí concentrar o maior número possível destes serviços há a consideração de que, olhada sob o seu aspecto profilático, que hoje deve ser dominante, a assistência social é eminentemente obra de educação. Os asilos e mais internatos para crianças têm de ser estabelecimentos de ensino e formação física e moral. Não se justifica, de resto, que os serviços de saúde escolar estejam divorciados dos demais da saúde pública.
Assim pensava também o insigne Ricardo Jorge, cuja pena aparada escreveu no relatório do decreto n.º 12:477, com o seu estilo inconfundível: a Ciência aplicada e das mais complexas, a higiene tem de ser cultivada como tal e ministrada como ensino. Do ensino depende até na sua propaganda. Foi segundo esta idea que a saúde pública se encorporou, após o desmembramento do Ministério do Trabalho, no Ministério da Instrução Pública ... Ajunte-se o papel, cada vez mais saliente, da mediania preventiva na escolaridade. E note-se, emfim, que é na escola primária e secundária que há que pregar os sãos princípios da saúde individual e colectiva. Aos médicos escolares vai já consignada a tarefa da propaganda leccionai à população escolar. Só assim se alcançará incutir a um povo, onde reinam, por longa tradição e vício educativo, maus hábitos e desmazeles, os mandamentos da lei higiénica, que são hoje nos povos exemplares uma crença arraigada e um culto acrisolado».
Contra esta solução pode argumentar-se que as tarefas hoje cometidas já ao Ministério da Educação Nacional são de grande vulto para o ocupar e que a assistência social interessa autoridades administrativas e autarquias locais mais habituadas ao contacto com o Ministério do Interior - além de outras razões tiradas da rotina.
Mas pode-se responder. Quanto ao receio de ajoujar com trabalho o Ministério, bastaria conservar os dois Sub-Secretários de Estado - da Educação Nacional e da Assistência Social. O Ministro deve ser um político na mais alta acepção da palavra, supremo coordenador e orientador, sem se sobrecarregar com o despacho da miuçalha administrativa ou com pormenores de somenos. Sendo assim, obter-se-ia a unidade de impulso, de direcção e de critério, sem sacrifício de nenhum serviço e com o melhor rendimento de todos eles.
Quanto ao segundo argumento também não colhe. Os governadores civis representam todo o Governo e os corpos administrativos são jurídica e funcionalmente independentes. Se outrora tinham mais relações com o Ministério do Interior, a evolução das necessidades e da orgânica do Estado vai alterando a tradição. E ver, por exemplo, as íntimas e indispensáveis relações que as autarquias locais hoje mantêm com o Ministério das
Decreto n.º 11:836, de 10 de Dezembro de 1925.
Página 117
25 DE FEVEREIRO DE 1944 117
Obras Públicas e o Comissariado do Desemprego, onde encontram directivas, comparticipação financeira e assistência técnica para os melhoramentos urbanos e rurais, obras de electrificação, saneamento, etc.
A terceira solução seria a de criar um órgão governativo para comandar a acção político-social em todos os seus aspectos - um Ministério das Corporações, Previdência e Assistência Social, constituído pela junção dos atuais serviços das Sub-Secretarias de Estado das Corporações e Previdência Social e da Assistência Social, acrescidos de outros, transferidos dos restantes Ministérios, que conviesse concentrar.
Dado que os problemas do trabalho e da previdência social andam, como vimos, estreitamente ligados aos da assistência, e que os organismos corporativos e de previdência exercem a assistência, emquanto por outro lado conviria impregnar a organização da assistência social de espírito corporativo, esta última solução também parece indicada sem inconveniente de maior.
Nesse Ministério subsistiriam os dois Sub-Secretariados existentes.
Finalmente resta a solução, que seria a melhor, da criação de um Ministério em exclusivo consagrado aos problemas da assistência e saúde públicas.
Serviços de saúde e serviços de assistência
56. Assegurada a unidade de direcção pela subordinação a um mesmo Ministro e coordenação por um Sub-Seeretário de Estado - E será ainda necessário fundir no mesmo organismo burocrático os serviços de saúde com os de assistência?
Essa fusão afigura-se à Câmara Corporativa inteiramente desaconselhável, não havendo nenhuma razão de peso a impô-la.
A técnica dos serviços de saúde exige especialização dos seus órgãos. E a parte administrativa da chamada assistência pública reclama de igual modo diferenciação de órgãos superiores.
Se o director geral de saúde e assistência e médico, e médicos são os seus agentes locais, correm-se os riscos de, ou não haver quem olhe capazmente pelos problemas administrativos da assistência, ou perder técnicos sanitários de mérito com ocupações e encargos perfeitamente acessíveis a pessoas sem tal preparação especializada.
E se o director geral de saúde não é médico sanitário? E melhor não pôr a hipótese, tam absurda parece.
Pode alegar-se a experiência de 1901. Mas, como já foi notado atrás, essa experiência não tem de invocar-se agora. Primeiro, porque corresponde aos primeiros passos da fase moderna dos serviços, de tal modo que o grande progresso por ela representado nesse tempo pode hoje significar imperdoável retrocesso. Segundo, porque a acção do Estado em matéria de beneficência pública em 1901 não pode comparar-se com o que, bem ou mal, é ou deve ser hoje aquela que tem de exercer na assistência. Terceiro, porque o director geral de saúde e beneficência de 1901 era, como se frisou, uma autoridade unificadora e coordenadora, à qual estavam subordinadas as duas repartições e a Inspecção Geral dos Serviços Sanitários - organismo técnico em que, aliás, nunca houve outro chefe senão o próprio director geral e cuja supressão em 1926 foi considerada um passo em frente.
A proposta de lei que estamos analisando não vai, de resto, até ao ponto de fundir totalmente os serviços de saúde e de assistência: a par da Direcção Geral de Saúde e Assistência institue uma Inspecção Geral de Assistência Social - aquela, organismo administrativa, onde parecem predominar as matérias sanitárias; esta, organismo técnico, onde se dá prioridade às de assistência. Mas, como tudo é assistência social, a Inspecção também poderá intrometer-se nos serviços sanitários e não seria imprevisto que chegássemos a ver as tarefas administrativas da Direcção Geral a cargo dos médicos e as tarefas técnicas da Inspecção confiadas a pessoas de boa vontade.
Se apenas se pretendesse manter a Direcção Geral de Saúde e criar uma Inspecção Geral de Assistência - para marear que a Assistência não é dirigida burocràticamente, mas só orientada e inspeccionada pelo Estado -, esta Câmara, apesar de não concordar com o veso de mudar os nomes às repartições em cada reforma legislativa, nada teria a opor.
Mas, tal como a proposta se apresenta, afigura-se que da remodelação intentada não resultaria nenhuma vantagem e só desorganização de serviços, confusão de competências e conflitos de autoridade.
De facto, na Direcção Geral ficava uma repartição de assistência e a Inspecção Geral teria a sua secretaria privativa: não poucas vezes se hesitaria entre uma e outra, e os próprios chefes superiores desses serviços não poucas ocasiões encontrariam de dúvida sobre a sua jurisdição.
Unidade no topo: diferenciação técnica nos serviços. Tudo aconselha a que se mantenham os dois atuais serviços com a designação que têm ou com outra.
É necessária estreita ligação e coordenação? Sem dúvida. Mas para esse efeito lá estão o Ministro e o Sub-Secretário de Estado, pode estar o Conselho de Assistência Social e não seria mau que existisse um Centro de documentação e informação, destituído de todo o carácter burocrático e onde se fizesse apenas a centralização de informações acerca das obras de assistência social em todo o País, respectiva localização, actividade, capacidade e necessidades, bem como sobre o que faltasse fazer em cada zona.
O Conselho da Assistência Social
57. Consta também da proposta a criação, como órgão de orientação, de um Conselho Superior de Higiene e Assistência Social, a funcionar em secções especializadas - mas parece que podendo também reunir em sessão plenária.
Aparte a designação (é desnecessário chamar-lhe superior, e a higiene aplicada pela arte sanitária está compreendida no conceito amplo sempre adoptado na proposta de assistência social), parece aconselhável que se conserve o Conselho Superior de Higiene e se mantenha a tradição de um órgão colegial consultivo para as matérias da saúde e da assistência.
A experiência diz, porém, que estes órgãos colegiais consultivos só trabalham com apreciável rendimento quando compostos por poucos membros e estes sejam gratificados de modo a impor-lhes a obrigação de concurso afectivo.
O Conselho de Assistência Social pode prestar grandes serviços se não tiver carácter excessivamente especializado, se for um órgão sobretudo de política e de administração para o qual se escolha uma dezena de pessoas de diversa formação profissional e de diferentes meios sociais. A a redução à unidade» supõe diversidade. Procurando-se ouvir pontos de vista, conselhos, sugestões, conhecer dúvidas, controvérsias, divergências - convém reunir quem com elevação e competência esteja em condições de os formular. É diferente o espírito com que se organiza um órgão consultivo daquele com que se escolham colaboradores na direcção ou execução.
A integração do Conselho Superior de Higiene e porventura da Junta Sanitária de Aguas neste órgão é caso para meditar.
Página 118
118 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
Se os higienistas podem não só constituir uma secção especializada, como colaborar na actuação administrativa geral do novo órgão, já a Junta de Águas parece ter carácter técnico demais para o efeito. E claro que, se o Conselho de A55istêneia Social vai ser constituído por compartimentos estanques, então estes problemas não se levantam, mas não valerá a pena criá-lo só para mais uma vez mudar as designações de órgãos que já têm as suas tradições e podem sofrer na sua eficácia com a redução a simples secções de um organismo complexo e tam pesado que mal possa funcionar. Não se esqueça o exemplo recente e demonstrativo da Junta Nacional da Educação.
Os organismos autónomos
58. A orientação de tirar o carácter burocrático aos serviços de saúde e assistência, que é inteiramente de aplaudir, leva o Governo a acentuar o carácter autónomo dos estabelecimentos que já o possuíam e a conferi-lo a outros.
É assim que os asilos de Lisboa foram reunidos na nova Casa Pia, - hoje constituída, nos termos do decreto n.º 32:613, de 31 de Dezembro de 1942, pelas sessões Fina Manique (compreendendo o Instituto de Sur-dos-Mudos Jacob Rodrigues Pereira), Nuno Álvares, D. Maria Pia, No55a Senhora da Conceição, Santa Clara e 28 de Maio.
A Misericórdia de Lisboa, remodelada pelo decreto-lei n.º 32:255, de 12 de Setembro do mesmo ano, conservou igualmente a sua autonomia administrativa e financeira, recebendo a finalidade principal de assistir à primeira, infância e de cooperar com a família por meio de dotes para casamentos, subsídios para habitação higiénica, cozinhas económicas para alimentação, socorros médicos ao domicílio e subsídios para funeral.
Da mesma forma conservam a sua primitiva, autonomia os Hospitais Civis de Lisboa e outros organismos.
A base da autonomia é o património privativo. O Estado apenas subsidia por comparticipação nas despesas, nos termos do artigo 11.º do decreto-lei n.º 31:666. Em todo o caso, e apesar da rigorosa vigilância da Inspecção Geral de Finanças e das exigências do Tribunal de Contas, persiste a clássica desconfiança do Governo em relação aos gestores dos serviços autónomos, como se vê do artigo 9.º do decreto-lei n.º 31:913, de 12 de Março de 1942, que sujeita todas as despesas a visto ministerial mensal e exige autorização ministerial também para as despesas de instalação ou sustentação dos serviços superiores a 2.000$!
A Câmara Corporativa concorda na vantagem de conferir autonomia aos estabelecimentos ou instituições públicas de assistência, em termos de a gestão beneficiar quanto possível das vantagens reconhecidas à administração privada, e exprime o voto de que essa autonomia seja a base de uma confiante descentralização, inspeccionada e fiscalizada de modo a efectivarem-se sempre as responsabilidades dos gestores.
Mas a par dêstes estabelecimentos de assistência tradicional vêm os organismos especializados de acção sanitária.
A proposta prevê a remodelação da Assistência Nacional aos Tuberculosos em instituto público (base VIII). Fala no Instituto do Canero (base X). Refere-se aos serviços anti-sezonátieos (base X). Incumbe ao Instituto Maternal a coordenação e aperfeiçoamento da assistência à maternidade e à primeira infância (base XII). E outros existem ou são necessários, como se reconhece na base XV, artigo 1.º, alínea d).
Na verdade pode traçar-se o seguinte quadro dos organismos existentes ou cuja criação seja aconselhável (estes vão enunciados entre parêntesis) para cada forma especializada de assistência social:
Assistência Nacional à Maternidade e à Infância: Instituto Maternal.
Assistência aos menores anormais: Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.
Luta contra a sífilis: (Instituto de Higiene Social).
Luta contra a tuberculose: Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Luta contra o cancro: Liga Portuguesa contra o Cancro e Instituto Português de Oncologia.
Luta contra o sezonismo: serviços anti-sezonáticos e Instituto de Malariologia de Águas de Moura.
Luta contra as doenças infecciosas: Instituto Bacteriológico Câmara Pestana.
Luta contra a lepra: (Instituto Português de Leprologia).
Assistência aos diabéticos: Instituto Antidiabético.
Estes diversos organismos suo de índole diferente: há simples associações particulares (Assistência Nacional aos Tuberculosos, Liga Portuguesa contra o Cancro), há outros destinados predominantemente à investigação, outros de acção terapêutica e hospitalar.
Mas a sua enumeração obedeceu ao propósito de acentuar a vantagem de confiar a coordenação e direcção técnica desses diversos aspectos da assistência social a organismos especializados, dotados de autonomia administrativa e financeira e, por vezes até, particulares.
Tais organismos autónomos devem ser sobretudo centros de investigação científica, de estudo e preparação dos meios a utilizar (vacinas, por exemplo), de formação do pessoal, de divulgação e propaganda educativa e ao mesmo tempo deve-lhes ser confiado o estudo e a orientação técnica da execução da parte do plano de assistência social que lhes respeite.
Não convém, porém, que lhes seja atribuído o monopólio da execução administrativa, antes deverá admitir-se a variedade de fórmulas dentro das linhas gerais da organização adoptada. Assim procedeu o Instituto Português de Oncologia, criando a Liga Portuguesa Contra o Cancro, com seus núcleos regionais, na intenção de integrar numa directriz comum todos os esforços sem se arrogar o exclusivo das iniciativas.
Da mesma forma, a Assistência Nacional aos Tuberculosos, a transformar-se nos termos previstos no artigo 2.º da base viu da proposta de lei, terá de compreender diversos estabelecimentos autónomos que hoje lhe não pertencem e que devem constituir como que uma federação.
É nesse mesmo espírito que talvez melhor fosse dar a designação de institutos maternais aos grupos autónomos de obras de protecção à maternidade e à infância de cada localidade (Lisboa, Coimbra, Porto e quaisquer outras), dando a designação de Assistência Nacional à Maternidade e à Infância à federação legal de todas elas, com sua direcção comum. Este ponto de organização parece digno de ser ponderado antes da instalação dos serviços. Assim como o problema de saber se nos institutos maternais devem ou não ser incluídas as maternidades -verdadeiros estabelecimentos hospitalares cujo regime administrativo e técnico tem de ser diferenciado.
Todavia, fora dos estabelecimentos especializados pertencentes a cada organização, esta não deve intrometer-se directamente na execução da assistência, salvo quando por lei tal se determine. Na verdade, pense-se que nas circunscrições inferiores até aos distritos toda a organização sanitária tem de ser em regra polivalente, como polivalente há-de ser a preparação do pessoal técnico. A dependência simultânea de um centro de saúde municipal ou de um posto sanitário rural de cinco, seis
Página 119
25 DE FEVEREIRO DE 1944 119
ou mais organismos autónomos seria a confusão e a desordem. Importa, pois, que entre os elementos primários locais da acção sanitária e os institutos especializados se interponham autoridades também sob esse aspecto coordenadoras e unificadoras.
Os serviços administrativos locais
59. À orientação dada pelos dirigentes superiores da assistência social tem de corresponder, nas circunscrições administrativas, uma execução dirigida por autoridades subalternas.
Presentemente em matéria de assistência os representantes locais do Poder são os governadores civis dos distritos, actuando por si ou por intermédio das autoridades sob as suas ordens. Quanto à saúde pública existe em cada concelho um delegado de saúde, que acumula as suas funções sanitárias com as de médico municipal e com a clínica livre - isto sem falar na organização especial de Lisboa, Porto e Coimbra.
Deixemos os governadores civis e vamo-nos ocupar dos delegados de saúde, médicos de partido da sede do concelho e, portanto, clínicos, com uma gratificação, pelo exercício das funções de autoridade sanitária, de 400$ mensais.
E evidente que o sistema não pode funcionar bem. A lista dos serviços, eventuais e periódicos, internos e externos, que competem ao delegado de saúde (muitos deles burocráticos - participações, estatísticas, mapas, guias, ofícios, etc.) é extensa, como se vê do livro do Sr. Dr. Fernando Correia, Portugal Sanitário,- p. 388. A clínico não só impede o delegado de dispor de todo o tempo necessário para com cuidado e vagar (mesmo auxiliado por um amanuense) cumprir todas as suas obrigações, como por força há-de prejudicar a sua independência no exercício do ingrato dever de lutar contra interesses contrários ao bem público, impor obras necessárias, promover a aplicação de sanções merecidas, etc.
Em Portugal, como em quási todo o mundo, ainda são muito poucas as pessoas com verdadeira consciência de valor da higiene pública e que saibam dobrar as suas conveniências para bem da vida e da saúde do próximo. A autoridade sanitária tem de ser um pioneiro da causa da saúde pública e de autuar como infatigável educador e ... lutador. Mas se esse médico não tem independência económica e vive da clínica - de modo que as pessoas a quem se deveria impor vêm a ser os seus clientes - como conseguir tal desideratum?
Adopta a proposta de lei o sistema de dividir o País em regiões, cada uma com mais de um concelho, para nelas colocar "delegados regionais de saúde e assistência" em regime de full time, com contratos por cinco anos - processo este de provimento que dificilmente assegurará o recrutamento de pessoal tecnicamente competente e disposto a devotar-se em exclusivo ao serviço público.
Na verdade, exposto o funcionário sanitário às iras dos influentes locais sempre que para cumprir o seu dever tenha de se opor às vontades ou caprichos dêles, quais as garantias que lhe daria o contrato por cinco anos? E rescindido o contrato, ao cabo de dez ou quinze anos de serviço com zelo suscitador de inimizades e calúnias, como recomeçar vida nova?
O sistema (fora o contrato, que só é admissível nos primeiros anos, para estágio) seria de tentar se pudessem reunir-se os requisitos seguintes:
a) Pagar bem aos delegados - talvez criando uma hierarquia cujas classes fossem equiparadas em vencimentos aos engenheiros civis dos quadros de obras públicas ;
b) Não traçar circunscrições regionais de área muito vasta, podendo mesmo abranger um só concelho desde que a população, a superfície, o relevo e as comunicações o impusessem;
e) Nos meios rurais, dotar a delegação com automóvel privativo;
d) Dar a cada delegado o pessoal burocrático e técnico auxiliar (enfermeiras visitadoras) indispensável.
A não ser assim, desorganiza-se o que há, embora mau, e substitui-se-lhe nova burocracia, cujos funcionários dentro de pouco estarão imobilizados em gabinetes medíocres, no meio de inextricável confusão de papéis.
Não. A acção médico-social por esse País fora tem de escapar à burocracia, custe o que custar. Por isso a fórmula da organização local dos serviços está nos centros de saúde, onde o médico trabalhe num ambiente de actividade prestadia, ajudado por uma secção de serviço social ou centro social, que seria o órgão local de coordenação das obras.
É difícil montar de repente tal aparelho? Sem dúvida, nem a Câmara aconselha que se faça assim. Preferível seria o Governo ficar autorizado a estabelecer a nova orgânica progressivamente, conforme as possibilidades, começando por um, dois ou três distritos. Depois se passaria aos outros. Além dos elementos já citados dos serviços anti-sezonáticos, há os centros de saúde que a Direcção Geral de Saúde já mantém em Lisboa (modelarmente montado com a cooperação da Fundação Roekefeller), Loulé, Eivas, Almeirim, Figueiró dos Vinhos, S. João da Madeira e Sezimbra 1. Alguma experiência se possue, como também nos centros sociais existentes se colheram valiosas indicações da prática. Não estamos, pois, às cegas.
______________
1 A organização dos centros de saúde da Direcção Geral de Saúde está regulada pelo despacho do Ministério do Interior de 6 de Outubro de 1934 (Diário do Governo n.º 238, 1.ª série, de 10 do mesmo mês e ano), nos termos seguintes:
Estabeleceu a Conferência Europeia de Higiene Rural, reunida sob o patrocínio da Sociedade das Nações, as primeiras normas de uma assistência médica profícua às populações rurais.
A criação de centros de saúde, divididos, segundo a importância dos meios de que dispõem, em primários e secundários, representa a tradução prática dos votos da Conferência.
Mas a instalação de centros de saúde com o seu completo equipamento, extremamente dispendioso, em especial nos centros secundários, onde poderão existir secções, como as de raios X ou de análises clínicas e sanitárias, dificultará por bastante tempo a sua difusão nos próprios países que participaram na Conferência de Higiene Rural.
Com o intuito de facilitar a assistência médico-sanitária no País pensa a Direcção Geral de Saúde na possibilidade de, por acção associada com as câmaras municipais, essas do povo e Misericórdias, fazer a montagem dessas instituições, no tipo primário ou secundário, sob a maior economia e com carácter de permanência.
A Direcção Geral de Saúde, que suporta nesta empresa os encargos mais pesados, vê com satisfação ocorrerem os primeiros votos para a instalação de centros de saúde em regiões desejosas de melhorar o seu estado sanitário.
Em respeito sempre pelos direitos, leis e prerrogativas a olhar, procederão os centros de saúde, no exercício da técnica médico-sanitária e cuidados farmacêuticos, de forma a garantir aos habitantes locais a assistência que lhes está faltando.
A fim de dar definição e orientação aos trabalhos sanitários a executar pelos centros de saúde, cuja montagem e funcionamento ficarão a cargo desta Direcção Geral por colaboração com as câmaras municipais, essas do povo e Misericórdias, tenho a honra de propor a V. Ex.ª a regulamentação esquemática que segue:
1) Em cada centro de saúde serão criados serviços clínicos de protecção à infância e às mulheres grávidas, de odontologia, oftalmologia e oto-rino-laringologia, de vacinação, análises clínicas e de luta contra as doenças sociais. A instituição de todos ou de parte destes serviços será ajustada às neces-
Página 120
120 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
VI
A formação dos agentes da assistência social
O problema da formação dos agentes
60. Não dá a proposta de lei o relêvo merecido à formação dos agentes a quem há-de ser confiada a difícil tarefa de realizar as novas concepções da assistência social.
A assistência social é eminentemente educativa: ora, se não se pode educar o povo sem educadores, é manifesta a necessidade de formar os educadores.
A reforma da assistência social não se limita, quando bem concebida e orientada, a mera remodelação de repartições: tem de consistir, sobretudo, numa mudança de espírito, numa transformação de processos de trabalho, numa aceleração de ritmo, e nada disso se bebe no ar com a respiração - precisa de ser estudado, vivido e difundido em escolas.
Emfim, uma assistência social eficaz implica o conhecimento e a aplicação de uma técnica: até o bem carece de ser bem feito, segundo regras práticas, que com o mínimo esforço permitam obter o melhor e mais pronto resultado. E essa técnica aprende-se.
Toda e qualquer reforma em Portugal, para ser séria e profunda, tem de assentar na formação dos seus agentes realizadores. Tudo o que não for isto é ilusória
mudança de fachada, com que se enganam os governantes a si próprios e se cansam os governados. Vamos, pois, ocupar-nos:
a) Da preparação das assistentes sociais;
b) Da preparação do pessoal de enfermagem e das visitadoras sanitárias;
c) Da preparação dos médicos sanitários.
Antes disso, porém, importa fazer algumas reflexões.
A missão e a profissão na assistência
61. Como se recordou a propósito dos inconvenientes da gestão pública dos estabelecimentos de assistência, o mau recrutamento e procedimento do funcionalismo desses serviços criou justificada prevenção contra a profissão remunerada de agente de assistência social.
E evidente que seria bastante bom poder encontrar-se para todos os encargos da assistência pessoal voluntário trazido para os serviços pelo desinteressado espírito de ser útil ao próximo. Mas só nas ordens religiosas e num ou noutro caso isolado esse espírito se pode encontrar em termos de sobre ele se fundar uma obra regular e contínua. Porventura a elevação do nível de educação geral permitirá esperar um alargamento do número de pessoas nessas condições.
Deve exigir-se sempre a quem quer que se proponha exercer qualquer tarefa de assistência social a consciência da missão e a vocação. Mas, posto isso, terá como
__________________
sidades da zona de influência do centro e segundo a frequência e gravidade dos males a combater.
Ulteriormente qualquer centro de saúde poderá alargar as suas secções segundo a colaboração assegurada à Direcção Geral de Saúde pela câmara municipal, casa do povo ou Misericórdia local.
2) Uma consulta de clínica geral poderá funcionar no centro de saúde quando assim aconselhar a falta de assistência local.
3) Também nas zonas rurais onde não existirem farmácias a menos de 2 quilómetros poderá o centro ser equipado de maneira a suprir a falta de assistência farmacêutica local.
4) Nos centros primários onde não seja possível instalar um pequeno laboratório poderão os diferentes serviços recorrer aos laboratórios centrais dos serviços de saúde, quando a natureza das análises o permita e designadamente para análises de-expectoração e de pus, exames de esfregaços de sangue, exame de fezes, reacções de Wassermann, reacções de aglutinação e exames de líquido céfalo-raquidiano.
5) O pessoal do centro de saúde compor-se-á de pessoal técnico e pessoal menor
A Direcção Geral de Saúde, pelo pessoal dos seus quadros e por médicos especialmente designados para esse fim, organizará o corpo técnico necessário ao funcionamento dos diferentes serviços do centro. A entidade em colaboração com a Direcção Geral de Saúde (câmara municipal, essa do povo ou Misericórdia) fornecerá o pessoal menor necessário ao funcionamento e arranjo do centro.
6) O pessoal técnico de cada centro compõe-se de:
a) Um director, que será o delegado de saúde do concelho;
b) Médicos que assegurem o funcionamento dos diversos serviços;
e) Uma enfermeira visitadora.
7) Compete ao director:
Organizar o horário dos serviços, comunicando-o à Inspecção de Epidemias;
Regular o funcionamento das secções do centro e providenciar de forma a impedir deficiências nos serviços;
Encarregar-se dos serviços médicos para que foi designado;
Dirigir o serviço social ligado às diferentes secções do centro e providenciar quanto à colheita de dados etiológicos e instauração de cuidados profiláticos.
8) Aos médicos do centro de saúde compete encarregarem-se das secções da sua especialidade, subordinando-se às indicações do director.
9) A enfermeira visitadora além do serviço social e de visitação auxiliará os médicos das várias secções, executará a colheita, acondicionamento e remessa do material de análises, terá à sua guarda a catalogação das fichas referentes às diferentes secções, organização de mapas indicativos dos trabalhos do centro ou outras incumbências do seu mester.
10) Todos os dados de observação técnica colhidos no centro são da responsabilidade dos médicos da respectiva consulta, a quem compete vigiar pela sua exactidão.
11) A Direcção Geral de Saúde poderá utilizar os serviços do centro no combate a qualquer epidemia que venha a eclodir na zona de influência do centro de saúde ou nas regiões próximas.
12) O trabalho sanitário dos centros de saúde será pautado pelos princípios aplicáveis já em uso nos serviços de higiene social e de protecção à infância da Direcção Geral de Saúde. A fiscalização dos centros de saúde pela Direcção Geral de Saúde fica a cargo da Inspecção de Epidemias, cabendo a um dos seus inspectores adjuntos a acção de superintendência e elaboração de relatórios dos serviços efectuados.
V. Ex.ª determinará.
Direcção Geral de Saúde, 29 de Setembro de 1934. - O Director Geral, José Alberto de Faria.
Despacho ministerial. - Aprovo e publique-se, 6 de Outubro de 1934. - A. R. Gomes Pereira.
Êste despacho foi esclarecido depois nos termos seguintes (Diário do Governo, 2.ª série, de 22 de Março de 1935):
Em seguida à publicação do parecer de 29 de Setembro, inserto no Diário do Governo n.º 238, 1.ª série, de 10 de Outubro de 1934, deram entrada na Direcção Geral de Saúde diversos pedidos de organização de centros de saúde em diferentes concelhos do País. Da própria redacção dessas solicitações se verifica que as entidades desejando estabelecer colaboração com os serviços de saúde confundiram a missão dos centros, circunscrita ao campo de higiene e da profilaxia das doenças sociais ou endemias regionais, com a assistência médica e farmacêutica rurais.
De facto, menciona o parecer de 29 de Setembro que nos centros de saúde poderá funcionar uma consulta de clínica geral, mas tal permissão representa o desejo de os serviços de saúde concorrerem para limitar a falta de assistência médica nalgumas regiões do País, autorizando ou recomendando aos seus funcionários técnicos em missão nos centros a organização desses serviços nos pontos e para os momentos em que a assistência médica escasseie. Tratar-se-á apenas de uma consulta sem encargo de maior, prestada ao lado da missão fundamental dos centros a estabelecer.
De outra forma iria transformar-se a acção pretendida para os centros de saúde, erigidos segundo ditames e regras
Página 121
25 DE FEVEREIRO DE 1944 121
regra de se assegurar a essas pessoas os meios de vida indispensáveis para poderem dessa missão fazer uma profissão e nela seguir carreira.
Esta doutrina aplica-se não só ao pessoal dos estabelecimentos de educação, recolhimentos, asilos, creches ..., como ao próprio pessoal dos serviços de saúde pública.
Ganha cada vez mais terreno a idea de que todo este pessoal tem de se devotar exclusivamente ao seu serviço público (emprego full time) com inibição de exercício de outras actividades que obrigasse a repartir por cada uma as parcelas do tempo útil de cada dia (part time).
Mas o princípio do emprego do tempo em cheio numa só actividade não coincide sempre com a regra pura e simples da incompatibilidade do cargo com qualquer outro: ma verdade, o funcionário em regime full time deve poder exercer as actividades que tenham directa relação com o seu aperfeiçoamento profissional dentro da especialidade do cargo ocupado e desde que este não tome por força todas as horas úteis do dia.
O full time é o sistema preferível, sem dúvida, e aquele que no nosso País conduzirá os técnicos a evitar certa volubilidade ou diletantismo profissional muito frequente. Mas para se poder exigi-lo em condições honestas - isto é, de modo que o agente cumpra sem fraude aquilo a que se obrigou - tem de se remunerar a função em condições justas.
Em Portugal paga-se o mesmo a quem pode acumular uma função pública com outro emprego ou profissão liberal e a quem mão deve legalmente fazê-lo. A distinção impõe-se. Em certos casos a lei poderia mesmo dar a faculdade ao funcionário de exercer ou não outro emprego ou actividade, com a condição de, acumulando, perder uma fracção do seu vencimento.
Nos serviços de a55istêneia social muitas funções devem ser exercidas em regime de full time e- até sob o domínio de severíssima disciplina. Mas não se pense que isso é humanamente possível com vencimentos e salários baixos. As cousas são como são e a própria virtude carece de esteios.
Preparação das assistentes sociais
62. O papel a desempenhar numa assistência social renovada pelas assistentes sociais já ficou sublinhado e exige, como à primeira vista se verifica, uma intensa preparação de quem se preste a exercer tam difícil e importante missão.
Não que se exclua a possibilidade de nessa missão colaborarem pessoas de boa vontade e coração compassivo sem estudos prévios: mas essas colaboradoras carecem de ser orientadas para que o seu excelente propósito produza rendimento socialmente útil e não vá antes (como tantas vezes infelizmente acontece) alimentar ou agravar vícios e defeitos a combater.
Uma assistente social não se improvisa. Não só pela soma de conhecimentos de que carece, mas ainda pela necessidade de pôr à prova a sua vocação durante certo período de tempo, à medida que no seu espírito se vá definindo a natureza do trabalho que se lhe pede e pela indispensável formação de uma profunda e sólida consciência da missão a cumprir.
Tem, pois, de curar-se com cuidado e carinho da organização das escolas de serviço social.
Justamente neste ponto a iniciativa privada adiantou-se à do Estado: em Lisboa foi fundado em 1930 o Instituto de Serviço Social, que até à data já formou 35 assistentes sociais e 20 educadoras familiares, e em Coimbra, sob o patrocínio da Junta de Província da Beira Litoral, foi criada pouco depois a Escola Normal Social, que forma a55istentes especializadas em puericultura.
O decreto-lei n.º 30:135, de 14 de Dezembro de 1939, veio regularizar a situação destes estabelecimentos escolares, de modalidade até aí desconhecida entre nós, permitindo a sua organização dentro dos quadros do ensino particular, mas regulando a oficialização dos seus diplomas em certos casos, mediante a prestação de provas em Exame de Estado.
Segundo a lei (que estabeleceu o plano geral de estudo e programas), a preparação das assistentes sociais compreende e o estudo da vida física e as suas perturbações, da vida mental e moral, da vida social e corporativa, do serviço social e seu funcionamento».
Têm as diplomadas das escolas existentes prestado as suas provas excelentemente. O Instituto de Lisboa alcançou instalação condigna e a Escola de Coimbra funciona no Ninho dos Pequenitos. O espírito que orienta o ensino é o melhor, e algumas dezenas de professores universitários e de profissionais distintos vêm há anos, desinteressadamente, sem interrupção nem desfalecimento, a assegurar o funcionamento das aulas e a realização dos estágios, pois de outro modo não poderiam as escolas subsistir.
Mesmo assim as suas dificuldades são grandes. E indispensável que, respeitando embora em mais uma internacionais, ficando, além disso, atribuídas ao Estado condições de assistência que estão e devem estar a cargo das forças locais.
Também indica o citado parecer a possibilidade de o centro fornecer assistência farmacêutica quando não funcione nenhuma farmácia na área de 5 quilómetros.
O fornecimento de drogas a cargo do centro diz respeito exclusivamente ao tratamento dos doentes inscritos nas consultas que constituem função dessas organizações sanitárias.
Nesta modalidade de assistência a parte dos serviços de saúde resume-se ao receituário para a consulta de medicina geral, na organização de formulários mínimas e na orientação pelos seus serviços técnicos da escolha e aquisição dos produtos necessários aos postos farmacêuticos dos centros de saúde.
Para esclarecimento das entidades que desejem colaborar com a Direcção Geral de Saúde e aclaração do parecer de 29 de Setembro se especifica quais os serviços podendo constituir função das organizações de higiene e profilaxia a criar.
Nos centros de saúde serão criados na totalidade ou em parte os serviços abaixo indicados:
1) Serviço de higiene infantil: onde funciona consulta especial de doenças das crianças;
2) Serviço de protecção às mulheres grávidas: com uma consulta da especialidade;
3) Odontologia: exames e limpeza da boca, extracção de dentes;
4) Oftalmologia: consulta de profilaxia contra o tracoma e tratamento do conjuntivite;
5) Oto-rino-laringologia: exames e tratamento clínicos;
6) Serviço antituberculoso: constituído por uma consulta da especialidade, com tratamentos e fornecimentos de medicamentos aos doentes pobres, onde não haja serviço de assistência já montado para essa doença;
7) Serviço antivenéreo: nas condições do n.º 6);
8) Serviço especial contra endemia reinante, quando a defesa de saúde local e as circunstâncias do meio assim imponham, nas condições do n.º 6);
9) Vacinações: fornecimento gratuito de vacinas antivariólica, antitífica e antidférica;
10) Análises clínicas: as que forem requisitadas pelos vários serviços e segundo o parecer de 29 de Setembro.
As câmaras municipais, as Misericórdias e as casas do povo deverão fazer uma contribuição para o serviço dos centros de saúde, que não deverá ser inferior à cota do contribuição da parte da Direcção Geral de Saúde.
Tenho a honra de propor que esta nota de elucidação seja publicada, para os efeitos de devida e apropriada aplicação.
V. Ex.ª determinará.
Direcção Geral de Saúde, 11 de Março do 1935. - O Director Geral, José Alberto de Faria.
Despacho ministerial: Publique-se. - 20 de Março de 1935. - Henrique Linhares de Lima.
Página 122
122 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
prática demonstração do carinho merecido pelas obras de iniciativa privada- o seu espírito e orientação próprias (penhor da continuidade da colaboração gratuita de tantos dos nossos melhores valores mentais no ensino), o Estado auxilie generosamente essas escolas, de onde sairá o melhor pessoal - pelo meio onde é recrutado, pela formação moral e preparação científica e técnica- para a efectivação da almejada reforma dos métodos da assistência.
Pessoal de enfermagem e visitadoras
63. Não há médico interessado no problema da assistência social em Portugal que não considere absolutamente fundamental a renovação dos métodos da formação do pessoal de enfermagem.
Estamos neste ponto embaraçados por hábitos inveterados, que hão-de custar a eliminar da nossa mentalidade e da vida hospitalar.
A diferença entre a enfermagem nos hospitais portugueses e nos hospitais de mais adiantados países estrangeiros é enorme. Resulta esse facto de que na Inglaterra ou na Alemanha a enfermeira destina-se à carreira por vocação e a ela se consagra com todas as veras, renunciando ao seu lar; ingressa numa corporação de rígida disciplina; adquire preparação técnica de primeira ordem; é uma auxiliar e colaboradora, apreciada, considerada e respeitada, dos médicos; encontra no hospital um ambiente moralmente irrepreensível, que lhe cumpre manter impoluto, embora com liberdade de vida, sob sua responsabilidade, fora do estabelecimento.
Análogas condições, adaptadas às suas circunstâncias, se encontram quanto ao pessoal masculino.
Recrutado todo este pessoal num. meio social já cultivado ou, ao menos, educado, é excelente cooperador na missão orientadora e formativa dos serviços de assistência social.
E não se pense que este pessoal, por ser laico, encara a sua missão como simples modo de ganhar a vida mediante o exercício mecanizado de uma técnica seca. Não. A severidade do recrutamento, a disciplina e o ambiente moral da corporação onde ingressam acendem-lhes um espírito de devoção carinhosa, de que todos os doentes guardam terna recordação. A memória dessa doce e enérgica figura de mulher (porque a doçura não é incompatível com uma perseverante, esclarecida e calma energia) que foi Florence Nightingale guia, e ilumina em muitos países a missão de enfermagem elevada à altura de uma gloriosa renúncia em benefício da humanidade sofredora.
Na impossibilidade de forçar vocações religiosas, há que fomentar a melhor orientação, dentro desta generosa concepção, das vocações de enfermagem.
Nos últimos tempos tem-se procurado melhorar e disciplinar a preparação e o exercício da enfermagem, e a isso visou o decreto n.º 31:612, de 31 de Dezembro de 1942. Persiste-se, porém, em fazer a educação de enfermeiros e enfermeiras por médicos, o que não é aconselhável, pois se trata de profissões inteiramente diferenciadas, cada uma das quais tem sua técnica, seu espírito e sua missão.
Há já, porém, alguma cousa de rasgadamente novo dentro da orientação preconizada: é a Escola Técnica de Enfermeiras, criada pelo decreto n.º 30:447, de 17 de Maio de 1940, no Instituto Português de Oncologia, com a valiosa colaboração técnica e assistência financeira da Fundação Rockefeller.
Tem de encarar-se também a preparação de pessoal especializado. No Hospital Júlio de Matos está a fazer-se um curso de formação de enfermeiros e enfermeiras psiquiatras, segundo as modernas concepções, com o auxílio do pessoal suíço em boa hora contratado com autorização do Governo.
As enfermeiras puericultura s e parteiras têm de ser formadas com extremos de cuidado, sem esquecer uma sólida preparação moral que as habilite a ser conselheiras nos melindrosos transes em que tantas vezes são procuradas.
Emfim, as enfermeiras visitadoras (visitadoras sanitárias, visitadoras escolares) hão-de ser formadas em institutos próprios, onde se tornem aptas para colaborar com a família e educá-la para, sem quebra de unidade e autonomia, vencer os obstáculos que a doença, o desânimo e a negligência criam ao desenvolvimento de uma vida sã e feliz.
A constituição de corporações de enfermagem deve ser estimulada e favorecida. Convém de facto que, dada a grande desigualdade de nível entre o pessoal existente e o que tem de formar-se para o futuro, se separem os grupos, homogéneos tanto quanto possível, deixando-se mesmo estabelecer entre eles fecunda emulação.
Toda a obra reformadora neste capítulo terá, porém, de ser condicionada pela vinda de pessoal estrangeiro que prepare, num meio isolado, os novos profissionais.
Os médicos sanitários
64. Vem finalmente o problema da preparação especial dos médicos que se proponham seguir a carreira sanitária. A este respeito Portugal foi dos países precursores e mais avançados ... na legislação. Mas, como sempre, deixou-se ficar largo espaço entre o que se imaginou na lei e o que se pôs em prática.
Na verdade, em 1901, Ricardo Jorge concebeu e incluiu na lei a criação do Instituto Central de Higiene, cujo primeiro objectivo seria o de a ministrar a instrução especial técnica e conferir o tirocínio profissional prático necessário como habilitação de admissão aos lugares de médicos e engenheiros do corpo de saúde pública (regulamento geral dos serviços de saúde pública, artigo 115.º).
O curso de medicina sanitária, compreendendo o ensino da administração, legislação e polícia sanitárias, demografia, epidemiologia, bacteriologia aplicada à higiene, profilaxia anti-infecciosa, meteorologia, hidrologia, telurologia aplicadas à higiene, microscopia, química e engenharia sanitárias, era destinado a médicos. Podia ser professado em Coimbra e no Porto, mas todos os exames se realizavam em Lisboa.
Instalou-se o Instituto, que ainda hoje existe, numa casa arrendada, e entrou a funcionar o curso, depois considerado condição de preferência nos concursos para médicos municipais. Mas permitiu-se que o frequentassem quintanistas de medicina, os exames são feitos nas três cidades universitárias e, segundo testemunho autorizado, o ensino a é lamentavelmente benévolo, de onde resulta, apesar da comprovada competência dos que o têm regido, ser proverbialmente inútil»1.
Quanto ao Instituto Central de Higiene, que hoje tem o nome do seu fundador, basta também ouvir o queixume do ilustre director geral de saúde, Sr. Dr. José Alberto de Faria: «Ao percorrer-se aqueles laboratórios ficar-se-á possivelmente na idea de que também nas suas funções entrará a de apresentar a higiene em ar faceto e caricatural» 2.
Não é preciso acrescentar mais para demonstrar quanto é indispensável olhar a sério para este problema- onde não há grande cousa a progredir no do-
_____________________
1 Dr. Fernando Correia, Portugal Sanitário, p. 802.
Administração sanitária, p. 293.
Página 123
25 DE FEVEREIRO DE 1944 123
mínio das ideas e dos projectos, mas onde tudo tem de se refazer na acção.
Quanto às concepções, já ficou recordada a prioridade portuguesa na criação de um instituto de investigação, ensino e propaganda da higiene pública e da exigência de um curso de moderna sanitária aos médicos que pretendessem especializar-se nesse capítulo. Também aqui, por iniciativa da organização de higiene da Sociedade das Nações, se realizaram trabalhos internacionais de ajustamento de ideas aérea do ensino de higiene, trabalhos em que tomou parte Ricardo Jorge1.
Por consenso das maiores autoridades no assunto, sabe-se como deve ser a preparação dos médicos sanitários, tudo o que precisam de aprender e praticar, como repartir o tempo de ensino e as disciplinas de estudo. Aproveitou-se já então a prática de muitos países (Ricardo Jorge, precursor português, apresentou um relatório sobre o ensino da higiene... na Holanda) e outros aproveitaram depois as conclusões das conferências.
Em 1936 o Sr. Dr. José Alberto de Faria, que tem clamado sem cessar (e geralmente sem sucesso) pela resolução dos problemas nacionais da saúde pública, visitou, a convite da Fundação Rockefeller, os institutos de higiene da Polónia, Áustria, Hungria e Jugo-Eslávia, elaborando, à volta, o seu relatório, publicado sob o título de Preceitos sanitários.
Aí narra, em conclusão, como propôs ao Governo a construção do edifício do Instituto de Higiene e a criação da Escola Nacional de Higiene Pública. Recorda a publicação da portaria de 8 de Novembro de 1934, que constituiu uma comissão encarregada de elaborar o programa e o anteprojeeto das instalações de uma instituição de higiene. E meneiona a disposição - manifestada em hora de lúcida visão no decreto n.º 22:386, de 1 de Abril de 1933 - em que se estava de aceitar largamente a colaboração técnica e financeira já solicitada à Fundação Roekefeller.
Por isso a Câmara Corporativa se limita a reconhecer a absoluta necessidade de uma séria preparação especializada, num ambiente técnico e moralmente estimulante e formativo, dos médicos destinados às tarefas sanitárias da assistência social, fazendo votos por que, também neste capítulo, se entre no caminho das realizações, como preliminar de qualquer reforma de envergadura.
Estágios de aperfeiçoamento
65.º É evidente, porém, que não basta dar aos agentes da assistência social uma preparação inicial: é preciso actualizá-la, aperfeiçoá-la, revê-la e até de vez em quando acendrar o interesse afrouxado, reanimar entusiasmos desapontados.
Há, portanto, que prever a obrigação periódica de os agentes da assistência social frequentarem, por turnos, breves cursos ou reuniões de aperfeiçoamento.
Particularmente para o médico sanitário rural, essas reuniões são indispensáveis.
Assente que só a partir do distrito se pode pensar em especialização dos órgãos da acção sanitária, tendo por conseguinte os elementos da primeira linha de possuir competência polivalente, há que impor a frequência periódica de cursos onde, a par de algumas conferências de actualização geral, se insista num determinado aspecto em especial.
Assim, de cinco em cinco anos, por exemplo, o médico e a enfermeira visitadora seriam obrigados a frequentar, primeiro um curso sobre tuberculose, depois sobre doenças venéreas, depois sobre cardiopatias, etc.
Essas reuniões, mas para revisão de métodos, troca de impressões, fixação de regras, são também necessárias para assistentes sociais e dirigentes de obras de assistência.
VII
Os recursos financeiros para a execução do plano
As despesas públicas de assistência
66. Actualmente o Estado tem a seu cargo despesas de assistência social resultantes da manutenção dos serviços de saúde pública e de alguns estabelecimentos do recolhimento e dos subsídios dados a estabelecimentos oficiais autónomos e a obras particulares.
Tinha interesse verificar-se quanto se gastava há quinze anos e quanto se gasta hoje pelos cofres públicos para este fim. A comparação é difícil - tamanha foi a modificação introduzida na arrumação dos orçamentos e na própria orgânica dos serviços. Mas não há dúvida que as dotações aumentaram muito.
Comparando nas Contas Públicas as importâncias liquidadas nas principais rubricas de Assistência nos anos económicos de 1928-1929 e de 1941, encontram-se os números redondos de 55:000 contos no primeiro e de 82:000 contos no segundo, ou seja um aumento de 27:000 contos em treze anos, na maior parte destinado a assistência hospitalar.
No mesmo intervalo a despesa total dos serviços da saúde pública passou de 4:023 contos (1928-1929) para 7:714 contos (1941).
No orçamento para 1942 só a despesa das Direcções Gerais de Saúde e de Assistência montavam a 98:000 contos, isto sem contar portanto com a despesa suportada pelos patrimónios próprios dos numerosos estabelecimentos oficiais autónomos. Basta observar, para fazer idea do que estas contas separadas representam, que a Misericórdia de Lisboa previra para esse ano uma despesa de 18:000 contos, inteiramente a cobrir por força das suas receitas privativas.
O rol das necessidades da assistência social que abre este parecer mostra, porém, quanto ainda falta fazer. Sobretudo em matéria de assistência sanitária há uma acção urgente a desenvolver, que tem forçosamente do ficar cara. É certo que, como se escreveu no relatório do decreto com força de lei n.º 12:477, e a saúde não tem preço e nunca ficará cara. Bem empregado será o dinheiro, sobretudo se for gasto para poupar vidas e evitar dores. Mais de uma vez Salazar o sublinhou, e convém recordar as suas palavras inaugurais da X Conferência Internacional Contra a Tuberculose, em 1937: e Ainda que geralmente os meios preventivos sejam mais caros, estamos diante de um problema cujo condicionamento nos leva a crer haver mais economia em prevenir o alastramento do mal do que em curar a doença» (Discursos, n, p. 340).
Não se esqueça que, como ficou também frisado, muitas vezes é indispensável curar ou isolar os doentes para atalhar o alastramento da moléstia.
Há que considerar, portanto, o inevitável aumento das despesas com assistência social e aumento que não pode ser pequeno.
As despesas públicas a prever na execução do largo e eficaz plano de assistência social reclamado pelo País podem agrupar-se em três classes:
a) Despesas extraordinárias a fazer com obras públicas de construção, adaptação e guarnecimento das instalações necessárias à prossecução do plano;
1 S. D. N. Organisation d'hygiène. Rapport sur les travaux des conférences des directeurs decoles d'hygiène ténues à Paris...et à Dresde, Geneve, 1980.
Página 124
124 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
b) Despesas a fazer com pessoal, instalações e material para imediata intensificação dos serviços de saúda pública;
e) Despesas com subsídios a estabelecimentos oficiais autónomos e obras de a55istêneia privada.
Quanto às despesas da alínea a) já ficou dito poderem ser cobertas pelo empréstimo, pois a sua utilidade respeita em larguíssima escala às gerações futuras, que justo é compartilharem nos respectivos encargos.
As despesas das alíneas b) e c) convém que sejam cobertas pelas receitas ordinárias do Estado.
As receitas
67. Mas será necessário criar novas fontes de receita ordinária para que o Estado possa arear com o inevitável aumento de despesa que tenha também carácter ordinário?
Antes de mais nada observe-se que esta Câmara não sugere uma reforma global e universal, do estilo clássico português: pretende, sim, uma modificação profunda, séria e profícua na organização e no ritmo dos serviços.
Por isso mesmo aconselhou que, em vez de se procurar abarcar o País todo de uma vez só e por via legislativa, se procedesse em imediata execução por sucessivos lances, começando por visar objectivos simples em circunscrições dadas, de onde se iria irradiando para outras.
Ao fazer esta sugestão a Câmara Corporativa também não tem em mente que, feita a reorganização numa região, se fique dez anos à espera de passar a outra. Não. O progresso deve ser sucessivo, o alastramento rápido. Acabada, sem preguiça, a montagem numa zona, passe-se à outra sem detença.
Em todo o caso resultará daqui também certa graduação no aumento da despesa ordinária.
A criação de novas receitas ordinárias especialmente para fins de assistência social não parece aconselhável. Em primeiro lugar porque, sendo o nosso direito orçamental contrário às consignações de receitas, o produto de novos impostos ou taxas viria a final a entrar nas receitas gerais do Estado. Em segundo lugar porque os encargos do desenvolvimento da política social devem pertencer a toda a Nação.
Com isto não pretende a Câmara Corporativa negar a legitimidade e moralidade de qualquer novo sacrifício fiscal pedido em nome da necessidade de ampliar as despesas com a assistência social no dia em que for visível o incremento e a utilidade renovada desses serviços.
Em geral o sistema tributário português sofre, não de ser excessiva a cota pedida a cada contribuinte, mas da má distribuição dos encargos. A terra precisa de ser aliviada (sobretudo a pequena exploração), e em compensação a fortuna mobiliária está longe de contribuir com o que podia e devia dar.
O justificadíssimo aumento de despesa que a realização do plano de assistência social implica bem justificará, quando necessário, a elevação da carga tributária, em termos de fazer contribuir generosamente aqueles que possam fazê-lo, para o cumprimento desse dever de justiça e solidariedade.
A base XXVI da proposta prevê o lançamento de algumas taxas, que têm significado, não propriamente pelo seu rendimento financeiro, mas como instrumento de uma política e afirmação de uma moral.
Por meio delas se pode, efectivamente, estabelecer certa igualdade entre as empresas que cumprem os deveres sociais de assistência e as que os não cumprem, ou refrear e tributar os consumos supérfluos.
Não, pois, como solução financeira do problema, mas, pelos motivos indicados, é aceitável a providência proposta.
Quanto às derramas permitidas às câmaras municipais pela base XXV, não se afigura prudente a sua adopção.
Pelo artigo 781.º do Código Administrativo são as derramas permitidas às juntas de freguesia, a título extraordinário, para obras ou melhoramentos públicos e podendo ir até 15 por cento das colectas pagas ao Estado por cada contribuinte.
Uma nova derrama municipal, parece que podendo ter carácter regular, seria motivo de anarquização da tributação local, pois nenhum contribuinte saberia nunca em cada ano as surpresas que sucessivas derramas paroquiais e municipais lhe reservariam.
Por outro lado a multiplicação das derramas conduz à desordem do orçamento municipal, pois se deixará de prever aquilo que se reserva para suprir pela derrama.
Consinta-se então, de preferência, a elevação dos adicionais municipais aos impostos directos, no caso de existirem no concelho obras de assistência merecedoras e necessitadas de auxílio.
Emfim não quere a Câmara Corporativa deixar de referir-se ao disposto no artigo 4.º da base XXIII da proposta quanto à cobrança coerciva das dívidas a instituições ou serviços de assistêneia. A comissão jurisdicional que, nos termos do artigo 6.º da lei n.º 1:981, de 3 de Abril de 1940, funciona junto dos Hospitais Civis de Lisboa, para apreciar as contestações de dívidas resultantes do tratamento de sinistrados por acidentes de viação, passaria para junto da Direcção Geral de Saúde e Assistência e a decidir da liquidação de todas as responsabilidades sem que sejam interessadas instituições ou serviços de assistência».
Trata-se, de facto, da criação de um novo tribunal especial, cuja utilidade é discutível e cuja legitimidade esta Câmara também põe em dúvida, na sequência da orientação que tem mantido de chamar a atenção do legislador para os inconvenientes da dispersão das funções jurisdicionais e da subtracção à justiça comum de causas sem nenhuma especialidade de natureza.
VIII
Considerações finais
Importância da proposta de lei
68. Versados os principais aspectos do problema da assistência social no nosso País, chega agora o momento de a Câmara Corporativa formular o juízo conclusivo sobre a proposta de lei submetida à sua apreciação.
Nunca será demais o louvor dado à oportunidade de um estatuto da assistência social. Durante anos e anos vogámos, neste importante aspecto da política social, ao sabor das marés, sem directrizes seriamente pensadas e seguramente mantidas. Após a criação do Sub-Secretariado de Estado da Assistência Social firmou-se uma orientação nítida, que neste momento, quando tudo indica a necessidade de se entrar em largas e decisivas realizações, é a altura de recapitular.
A apresentação da presente proposta demonstra que o Governo considera a ampliação e a intensificação da política de previdência social, assistência e saúde pública como constituindo um dos objectivos primaciais da sua acção.
Efectivamente a necessidade maior não é de leis, mas de obras. Uma nova lei vale sobretudo pelo que prometa de realizações.
Página 125
25 DE FEVEREIRO DE 1944 125
Técnica da proposta
69. No decorrer do parecer ficaram feitos os reparos suscitados pela doutrina de algumas das bases da proposta, cuja técnica também se afigura carecida de correcções.
Intitula-se a proposta de lei «Estatuto da Assistência Social». Na legislação portuguesa o termo Estatuto designa ou o conjunto de princípios normativos gerais que informa certo ramo de direito (Estatuto do Trabalho Nacional) ou a codificação de regras aplicáveis a certos funcionários, a certas entidades ou a certos serviços (Estatuto Judiciário, Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, Estatuto dos Oficiais da Armada, Estatuto Disciplinar dos Funcionários Civis...).
A proposta não entra em nenhuma destas duas categorias.
Ao contrário do Estatuto do Trabalho Nacional, contém preceitos de aplicação imediata e não meramente inspiradores de novas providências a adoptar; mas não chega a constituir uma codificação.
Convir-lhe-á, pois, na actual forma, a designação de Estatuto?
Conclusões
70. Fez a Câmara Corporativa no decorrer do seu parecer algumas reservas à doutrina da proposta de lei e manifestou certas discordâncias. Tratando-se, porém, de bases gerais de um regime jurídico, julgou preferível à elaboração de nova proposta a apresentação de princípios sobre os quais entende dever a55entar a construção técnica do diploma a publicar.
Para concretizar o seu pensamento sobre o problema examinado, a Câmara Corporativa, em resumo, formula as seguintes conclusões:
I
O auxílio material e moral a todo aquele que não tenha meios de subsistência e por doença, defeito físico, desemprego involuntário, invalidez ou velhice não os possa granjear pelo trabalho constitue um dever social.
II
A ordem moral e o interesse nacional impõem a defesa social da perpetuação da grei portuguesa e do valor intelectual e moral, da sanidade e do vigor físico dos cidadãos, desde a infância, mediante auxílio educativo e profilático proporcionado às circunstâncias de cada um.
III
A eficácia da assistência social depende do papel que nela seja conferido a educação.
IV
Deve procurar-se estender ao maior número possível de pessoas a prática da previdência dos tipos corporativo ou mutualista e as respectivas instituições devem ser organizadas e ajudadas de modo que no mais breve espaço de tempo os seus sócios beneficiem plenamente do seguro na doença, na invalidez e na velhice e até de pensões de sobrevivência.
V
A política da reforma da habitação popular por meio da construção de essas económicas, nos termos da legislação do Estado Novo, deve ser prosseguida intensamente, como elemento fundamental de uma eficaz assistência social.
VI
O estudo da alimentação racional do povo português constitue uma das bases da política social e de fomento agrário a prosseguir.
VII
A assistência social em Portugal compreende:
a) A protecção à maternidade e aos lactantes;
b) A luta contra a mortalidade infantil;
e) A protecção a infância pre-escolar e escolar;
d) A educação das crianças deficientes e anormais;
e) A eficaz assistência médica e farmacêutica, preventiva e terapêutica, no domicílio ou em estabelecimentos próprios, a toda a população;
f) A luta contra as doenças venéreas;
g] A luta contra a tuberculose;
h) A luta contra as doenças infecciosas;
i) A luta contra o sezonismo;
j) A luta contra a lepra;
k) A luta contra o cancro;
l) A protecção aos diabéticos e aos cardíacos;
m) A protecção, tratamento e internamento e dos que sofram de doenças e anomalias mentais;
n) A preservação e amparo dos menores e das mulheres em perigo moral e a readaptação social dos regenerados ou em vias de regeneração;
o) A luta contra a mendicidade;
p) O auxílio aos velhos e inválidos não garantidos por seguro;
q) A reeducação profissional dos inabilitados pela doença e invalidez para os seus antigos labores;
r) A educação, orientação profissional e protecção aos cegos, surdos-mudos e outros deficientes físicos.
VIII
O meio familiar, profissional ou local dos assistidos deve, sempre que possível, ser aproveitado e interessado na assistência a prestar. Para esse efeito é ainda missão da assistência educar, reorganizar e robustecer os núcleos sociais correspondentes, de modo que po55am desempenhar activamente o seu papel.
IX
O objectivo da assistência social, salvo no tocante aos absolutamente inválidos, é colocar os indivíduos em condições de, com o apoio normal dos núcleos sociais em que se encontrem integrados, resolverem pelos seus próprios meios as dificuldades da vida.
X
Pertence ao Estado:
a) Elaborar o plano das realizações de assistência social de modo que gradualmente vão sendo enfrentados, com a maior soma de recursos que for possível, os problemas existentes;
b) Organizar os serviços gerais de saúde pública em bases eficazes, criando instrumentos de acção directa sem espírito burocrático;
e) Tomar as iniciativas indispensáveis para a realização integral em cada período da parte do plano que lhe couber;
d) Gerir os estabelecimentos que para pôr em prática as iniciativas tomadas tiverem de ser criados, embora concedendo-lhes autonomia administrativa e financeira e entregando-os a entidades particulares quando seja possível;
e) Coordenar superiormente todas as actividades públicas e privadas dentro das normas estabelecidas no plano da assistência social.
Página 126
126 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 48
XI
Com o plano de a55istêneia social deve ser elaborado o plano das obras públicas e apetrechamento necessários para a sua execução.
XII
A iniciativa privada em matéria de assistência social só deve ser condicionada pela necessidade de coordenação e melhor distribuição dos meios disponíveis.
XIII
Convém animar as qualidades de zelo, dedicação e economia que caracterizam a gestão privada dos estabelecimentos de assistência, auxiliando-a por meio de subsídios de comparticipação nos encargos financeiros, sempre que seja necessário para sustentar uma obra ou permitir o seu desenvolvimento.
XIV
O Estado tutelará a assistência privada mediante inspecção orientadora, facultando conhecimentos técnicos e inculcando métodos administrativos, sem prejuízo do espírito e proee55os próprios de cada obra.
XV
Às autarquias locais pertencem as atribuições de assistência social que lhes são conferidas pelo Código Administrativo e cujo exercício, bem como o da acção de assistência dos organismos corporativos e de coordenação económica, deverá ser coordenado e disciplinado, de acordo com o plano geral, nos mesmos termos das actividades privadas.
XVI
É desejável a concentração do maior número possível de serviços de assistência social num Ministério próprio, sem prejuízo da diferenciação dos organismos técnicos e burocráticos aos quais compita o estudo, a preparação e a execução em cada modalidade especializada.
XVII
Os estabelecimentos de assistência ou de acção sanitária e os institutos de investigação e ensino com eles relacionados devem possuir autonomia administrativa e financeira.
XVIII
A organização local dos serviços de saúde e a55istêneia deve consistir na rede dos centros sanitários e sociais.
XIX
Não é de aconselhar a súbita reforma da organização existente, parecendo preferível que o Governo fique autorizado a substituir a orgânica actual progressivamente, à medida que for dispondo de pessoal técnico com a preparação necessária ao desempenho das novas funções.
XX
Os centros sanitários devem ser polivalentes nas circunscrições menores que o distrito. Nas sedes de distrito convém organizar hospitais gerais distritais, em condições de descongestionar os atuais três grandes centros hospitalares de Lisboa, Porto e Coimbra, com dispensários mono valentes anexos.
XXI
Importa fomentar a preparação intensiva e em moldes modernos de assistentes soerias e de pessoal de enfermagem e de visitação. A formação profissional dos médicos sanitários, de acordo com as necessidades da sua função activa, é, igualmente, condição essencial do qualquer reforma profícua. A especialização, nas tarefas sanitárias que a exijam, o aperfeiçoamento do pessoal por meio de cursos e estágios periódicos e a investigação científica, ligada com as necessidades a atender, têm igualmente de ser considerados.
XXII
Para que o pessoal técnico dos serviços de assistência social possa devotar-se à sua missão importa assegurar uma boa selecção, dar garantias de carreira, retribuir os cargos em condições satisfatórias e proporcionar meios de acção e ambiente moral e profissional condignos.
XXIII
O Estado deve facultar os meios financeiros necessários à realização rápida do plano de assistência social e respectivo plano de obras e apetrechamento.
XXIV
É admissível a utilização de meios fiscais para a sequência de uma política de instigação da iniciativa privada ao cumprimento do dever social de assistência e de repressão dos consumos supérfluos ou nocivos.
Palácio de S. Bento, 25 de Março de 1943.
Domingos Fezas Vital.
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
José Gabriel Pinto Coelho.
Luiz Filipe Leite Pinto.
Reinaldo dos Santos.
Manuel Rodrigues Júnior.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Álvaro Machado Vilela.
Paulo Arsénio Veríssimo Cunha.
Amadeu Guerreiro Fortes Ruas.
António José Pereira Flores.
Joaquim, Manuel Valente.
Luiz Lopes de Melo.
D. Maria Joana Mendes Leal.
Albano do Carmo Rodrigues Sarmento.
António Pedrosa Pires de Lima.
Belchior Rodrigues Martins de Carvalho.
Eduardo Rodrigues de Carvalho.
Fernão Manuel de Orneias Gonçalves.
João Rocha dos Santos.
Leonel Pedro Banha da Silva.
Manuel da Silva Carreiro.
Marcelo José das Neves Alves Caetano, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA