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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 78
ANO DE 1944 6 DE ABRIL
III LEGISLATURA
SESSÃO N.º75 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Exmos. Srs.
José Manuel da Costa
Augusto Leite Mendes Moreira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. -Leu-se o expediente. Foram aprovados os três últimos números do Diário das Sessões.
O Sr. Deputado Duarte Marques pediu que fossem enviados ao Tribunal Militar Especial os patrões que iludem o cumprimento dos contratos colectivos de trabalho.
O Sr. Deputado Clemente Fernandes requereu cópia de todos os ofícios e circulares expedidos pelo Grémio dos Armazenistas e Exportadores da Azeite.
Ordem do dia. - Fez-se a discussão das contas da Junta do Crédito Público respeitantes ao ano económico de 1942, tendo usado da palavra o Sr. Deputado Juvenal de Araújo.
Foram aprovadas essas contas, mediante uma proposta de resolução da autoria do Sr. Deputado João Augusto das Neves.
Entrando-se na discussão do projecto de lei n.º 46, do Sr. Deputado Melo Machado, o Sr. Presidente leu os pareceres da Câmara Corporativa sobre as emendas apresentadas.
Usaram da palavra de Srs. Deputados Marques de Carvalho e Meto Machado.
Foi aprovada uma proposta de substituição do artigo 62.º da lei n.º 1:961, da autoria do Sr. Deputado Marques de Carvalho, e rejeitadas as outras emendas.
O Sr. Presidente, depois de anunciar o termo da 2a. sessão legislativa da III Legislatura, encerrou a sessão às 17 horas e 25 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer sobre a proposta de lei n.º 45, relativa às casas de renda económica.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Amandio Rebelo de Figueiredo.
Ângelo César Machado.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Angusto Leite Mendes Moreira.
Cândido Pamplona Forjaz.
Carlos Moura de Carvalho.
Fernando Angusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Luiz Augusto das Neves.
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João Mendes da Costa Amaral.
José Alberto dos Reis.
José Clemente Fernandes.
José Dias de Araújo Correia.
José Luiz da Silva Dias.
José Manuel da Costa.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Ranito Baltazar.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luíza de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Querubim do Vale Guimarães.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Coreia Ramires.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 51 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os Diários das três últimas sessões.
O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: no Diário n.º 77, p. 405, col. 2a., 1. 42a., onde se lê: "vogais", deve ler-se: "membros"; no mesmo Diário, p. 407, col. 1a., 1. 64a., onde se lê: "Sub-Secretário", deve ler-se: "Sub-Secretariado"; na p. 408 do mesmo Diário, col. 1a., 1. 6a., onde se lê: essa "conclusão", deve ler-se: "em conclusão".
O Sr. Clemente Fernandes: - Sr. Presidente: no Diário n.º 75, p. 389, col. 1a., 1. 62a., onde se lê: "2$80", deve ler-se: "3$80"; ainda nos mesmos Diário, página e coluna, 1. 69a., onde se lê: "2$80", deve ler-se: "3$80"
O Sr. Presidente: - Consideram-se aprovados os referidos Diários, com as reclamações apresentadas.
Foi lido o seguinte
Expediente
Uma representação, de Alberto Machado Cardoso e Costa, pedindo a revisão do processo que correu contra ele sobre lucros extraordinários de guerra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte Marques.
O Sr. Duarte Marques: - Sr. Presidente: o Governo, através do Sub-Secretariado das Corporações, tem trabalhado activamente no sentido de não só melhorar as condições de vida, de quem trabalha como ainda garantir as possibilidades de trabalho num meio salu-
tar de civismo e humanidade, num desejo cristão de igualdade de direitos à vida, num desejo de respeito mútuo que dignifica, a pessoa humana.
A concepção governamental de que o trabalho humano não é mera mercadoria transaccional, mas sim valor positivo a proteger e a respeitar, tornou-se um facto, mormente mas tempos modernos, em que a máquina - fruto desse trabalho humano - materializou e arrecadou para si as velhas concepções sobre um esforço que até então era escravidão.
0 Governo Português - porque é chefiado por um homem que trabalha - valorizou o trabalhador, adoptando medidas cujo espírito humanitário e altamente social é desnecessário enaltecer.
Entre elas pôs em regime de protecção os contratos colectivos de trabalho; valorizou o elemento produtor e garantiu, a quem dela necessita, a continuidade.
Assim parece que as duas partes viam completar-se as suas ambições.
Mas, se houve empresas, patrões, organizações que compreenderam, patriótica e civicamente, a finalidade altruísta e cristã de tão importante diploma, outros houve que desvirtuaram, em seu proveito, o pensamento governamental, mantendo intactos aqueles velhos e carcomidos sentimentos judaicos de escravidão, em prol de lucros ilícitos.
Concretizando, Sr. Presidente:
Há organizações patronais, empresas - graças a Deus poucas - que, presumindo cumprir o contrato de trabalho que muito conscientemente assinaram, não tiveram pejo em baixar capciosamente a categoria dos seus empregados para os manter na miséria em que viviam à altura da assinatura do mesmo contrato.
Excluo os casos de necessidade de reajustamento de quadros como resultante dos mesmos contratos.
Não se fala nos atingidos, revoltados, que, de dentes cerrados, olhos carregados de tristeza, acariciam de mãos retesadas os entes que lhes são queridos; não se discute o espírito de quem não tem pejo em explorar o suor que é sangue de trabalho, mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, protesta-se energicamente contra o vil atentado à pessoa humana protesta-se energicamente contra o crime de alta traição ao Estado.
Não concebo, em meu espírito, punição capaz para tais delinquentes, porque a intenção premeditada e concebida evidencia sentimentos tão indignos que nos nossos Códigos não existe pena para eles.
Entretanto, há sede de justiça social; e, como não é difícil, por um ligeiro inquérito, averiguar onde estão os prevaricadores, pede-se que estes sejam enviados ao Tribunal Militar Especial, onde escalpelada será publicamente a sua actuação, pelo menos com duas finalidades:
Satisfação moral ao desgraçado que submissa e ordeiramente está sofrendo a injustiça de uma vilania, prestigiando-se assim a autoridade Estado;
Punição moral e material do prevaricador, não só como satisfação devida à sociedade como ainda para prestígio daquelas que souberam honrar patriótica e alevantadamente o pensamento do Governo, mantendo íntegro o compromisso que assinaram.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pamplona Forjaz: - Sr. Presidente: são apenas duas palavras, para manifestar o reconhecimento de uma população que há cerca de dois anos vem recebendo da parte do Governo da Nação algumas provas de carinho, que são mais do que simples justiça, e que merecem da nossa parte, repito, verdadeiras manifestações de reconhecimento.
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Se é certo que a justiça não se agradece, porque é devida, quando da parte do Governo se manifesta um carinho a que não estávamos habituados, é justo e é nosso dever que traduzamos em palavras simples, mas absolutamente sentidas, aquilo que nos vai na alma.
De facto, desde esse extraordinário decreto sobre as estradas dos Açores, da autoria do saudoso e inolvidável Ministro que foi o engenheiro Duarte Pacheco, até a recentes providências legislativas do Governo, umas já em execução, outras em vésperas de publicação, ou mesmo simples medidas administrativas de algumas direcções gerais, a verdade é que se está manifestando por parte do Estado uma atenção e um carinho para com a população do Arquipélago que não podem nem devem deixar de ser reconhecidos e agradecidos.
Por isso peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me permita, em breves palavras, e por ser o único Deputado açoreano que veio de propósito a esta Assembleia para tomar parte nos seus trabalhos, manifestar aqui a grande gratidão das populações açoreanas por tudo quanto tem sido feito pelo Governo em seu benefício.
Trata-se de algumas providências de grande alcance administrativo e político, que não apenas de simples complementos de actos da administração local, e que nós não podemos nem tão pouco devemos esquecer. Por isso me permito dirigir daqui os meus sinceros agradecimentos a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, que, com um tão grande carinho e interesse, tem acompanhado todos os problemas açoreanos, agradecimentos estes que torno extensivos aos Srs. Ministros das Finanças, do Interior, da Economia e das Obras Públicas e Comunicações, pelo cuidado que vêm pondo na resolução de alguns problemas fundamentais dos Açores.
Todas essas medidas têm servido de estímulo para aqueles portugueses que trabalham no meio do Atlântico, os quais durante largos anos foram esquecidos pelos dirigentes da Nação.
Hoje, e já de há algum tempo, o Governo demonstra de maneira bem significativa, e que particularmente nos toca, que não nos esquece e que, pelo contrário, tem sempre presente que ali também é e será sempre Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Clemente Fernandes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte:
Requerimento
Requeiro que pelo Ministério da Economia me seja fornecida cópia de todos os ofícios e circulares expedidos pelo Grémio dos Armazenistas e Exportadores de Azeite, desde que este organismo se criou até hoje, referentes à fixação de preços de compra e venda de azeite nos mercados internos e externos, nota de todas as firmas inscritas na secção de armazenistas e na secção de exportadores, e bem assim cópia dos relatórios enviados ao Governo pelos seus delegados junto do Grémio dos Armazenistas e Exportadores de Azeite e junto do Grémio dos Exportadores de Frutas.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - A primeira parte é a discussão das contas da Junta do Crédito Público. Tem a palavra o Sr. Deputado Juvenal de Araújo.
O Sr. Juvenal de Araújo: - Sr. Presidente: estamos no nosso último dia de trabalhos desta sessão legislativa e não desejo de modo algum abusar, nesta altura, da atenção da Câmara.
Serão, pois, duas palavras apenas para referir-me: às contas da Junta do Crédito Público respeitantes a 1942 que V. Ex.ª, Sr. Presidente, acaba de por em discussão e que, apresentadas pontualmente à Assembleia Nacional, nos precisos termos legais e regulamentares, constituem por si só uma demonstração cabal, que é sempre grato constatar, da ordem e regularidade com que funcionam os serviços daquele alto organismo do Estado.
Vêm estas contas acompanhadas de um parecer da comissão especial para o efeito designada e de que foi relator o nosso distintíssimo colega Sr. Dr. João Neves. Trata-se de um trabalho tão escrupuloso e tão perfeitamente sistematizado que não só esclarece completamente a Câmara sobre a orientação e as conclusões das contas, como é de ordem a dispensar que sobre o assunto se façam mais considerações.
Entretanto, noto uma passagem do parecer que merece ser destacada e para a qual entendo dever ser particularmente chamada a atenção do País. É a que respeita ao aumento da dívida pública.
Com efeito, constata-se que, montando a 5.368:000 contos a dívida pública real e efectiva em 31 de Dezembro de 1941, ela sobe para 6.926:000 contos em 31 de Dezembro de 1942. Conclui-se, pois, que houve um aumento de 1.558:000 contos.
Pode alguém, lá fora, pela leitura superficial destes números e sem cuidar de averiguar das causas, impressionar-se e até perturbar-se com o facto, supondo que, como aliás era de velha tradição da nossa vida financeira, tal aumento se operou para com ele se fazer face a encargos orçamentais.
Embora - e seja-me permitido acentuá-lo - isso não fosse de estranhar, dadas as circunstâncias excepcionais da época e todo o seu conjunto de vastas, inesperadas e indeclináveis exigências no capítulo de despesas públicas, a verdade é que os empréstimos emitidos tiveram um objectivo muito diverso, pois apenas se destinaram a absorver capitais disponíveis no mercado monetário resultantes dos saldos fortemente positivos da nossa balança comercial, por efeito da maior valorização das exportações.
Com efeito, o que nos mostra o quadro do nosso movimento de importação e exportação desde 1929 a 1942 junto ao parecer? Que o saldo da nossa balança comercial, sempre negativo até 1940, passou a positivo em 1941.
Dez anos antes, em 1931 e 1932, respectivamente, contra importações de 1.673:000 contos e 1.707:000 contos, tivemos exportações de 811:000 contos e 791:000 contos, e, portanto, saldos negativos de 862:000 contos e 916:000 contos. Em 1941 e 1942; também respectivamente, contra importações de 2:468:000 contos e 2:477:000 contos, tivemos exportações de 2.972:000 contos e 3.939:000 contos, e, consequentemente, saldos positivos de 504:000 contos e 1.462:000 contos.
Ainda nestes números não é difícil constatar-se os resultados da política seguida pelo Governo, que, mercê da situação de paz em que tem conseguido trazer o País no meio de um mundo em guerra, permite a Portugal manter as suas relações com os mercados estrangeiros e ver tão consideravelmente valorizado o seu comércio externo.
A soma de ouro que, por este motivo, tem entrado no País, independentemente daquela de que estamos a crédito nos mercados de compra, trouxe-nos um tal excesso de disponibilidades que levou o Estado, no prosseguimento da sua política financeira e como regulador supremo do interesse económico do País, a fazer as emis-
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sões que tem realizado e que tem mantido em operações de tesouraria porque apenas feitas no intuito de possibilitar a colocação desse excesso de disponibilidades, com que, se assim se não procedesse, tão gravemente podia ser tocado o equilíbrio da vida económica nacional.
É certo que, como ainda anteontem acentuou desta tribuna o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado na discussão das Contas Gerais do Estado, podemos talvez considerar transitório, exclusivamente provocado por meras circunstâncias de emergência, o resultado tão acentuadamente favorável que acusa neste momento a nossa balança comercial.
Façamos votos por que, mesmo depois da guerra, esse resultado não torne a ser tão desfavorável como o era anteriormente a ela, por um maior progredimento da nossa produção, por um melhor apetrechamento industrial, pela manutenção de alguns mercados que agora ,se conquistaram, pelo desenvolvimento, enfim, de uma política comercial que abra mais largos horizontes à nossa movimentação mercantil externa.
Mas, eventual que seja, a verdade é que o saldo credor registado na nossa balança comercial tem determinado, como vários elementos o demostram, uma tal abundância, de disponibilidades que esta seria mais do que suficiente para exercer séria pressão no mercado, desorganizar toda a nossa política de preços e elevar o custo geral da vida a um nível incomportável, se não fora a absorção de capitais feita no momento próprio, por intermédio das emissões a que estou fazendo referência.
Foi esta a causa determinante e foi este o exclusivo destino que, pelo exame dos respectivos lançamentos, se verifica ter tido a emissão dos dois empréstimos de 1942, tanto do consolidado de 3 por cento como de amortizável de 2 1/2 por cento.
Ainda sobre este ponto, chama particularmente o parecer a nossa atenção para o confronto dos relatórios do Banco de Portugal de 1941 e 1942, pelo qual se vê que ao aumento de volume de títulos lançados no mercado correspondeu, paralelamente, o aumento do saldo da conta do Tesouro, que, sendo no fim de 1941 de cerca de 325:000 contos, já atingia no fecho de 1942 mais de 1.933:000 contos.
Peço, por minha vez, a atenção da Câmara para estes últimos números, pois, tendo-se verificado que a dívida pública sofreu, de 1941 para 1942, um aumento real e efectivo de 1.558:000 contos, vê-se que, dentro do mesmo período, o saldo da conta do Tesouro registou um aumento ainda superior àquele que teve a dívida pública. Podemos, pois, concluir com o parecer que "os fins económicos dos empréstimos foram inteiramente alcançados, na medida em que foram emitidos".
Salienta finalmente o parecer que com o aumento da, dívida "em nada foi afectado o prestígio nem o crédito do Estado", como o mostra o simples exame do mapa de cotações da dívida pública, pelo qual se vê que, nos últimos onze anos, foi justamente no último trimestre de 1942 que os fundos do Estado atingiram as suas cotações mais elevadas, especialmente o externo na Bolsa de Londres.
0 mesmo movimento de valorização se verifica, designadamente, nos títulos dos dois empréstimos emitidos em 1942, numa renovada e irrefutável demonstração da confiança do País.
Sr. Presidente: de todo o exposto nos é lícito concluir que o aumento da dívida pública operado em 1942 e acusado nas contas em discussão reveste um carácter nitidamente económico, que lhe dá toda a procedência e toda a justificação. Ele corresponde a mais uma prova da saúde financeira do Estado, da reconquista do seu
crédito e da inteligência e perseverança com que está sendo defendida a economia nacional.
E com este breve comentário dou por findas, Sr. Presidente, as minhas considerações sobre as contas da Junta do Crédito Público, às quais a Câmara, certamente, não deixará de, com inteira justiça, conferir a sua plena aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Como não está mais ninguém inscrito considera-se encerrado o debate.
Está na Mesa uma proposta de resolução apresentada pelo Sr. Deputado João Luiz Augusto das Neves, relator do parecer sobre as contas da Junta do Crédito Público. Essa proposta é do teor seguinte:
"A Assembleia Nacional:
Considerando que os empréstimos emitidos durante a gerência de 1942 foram destinados exclusivamente a absorver disponibilidades monetárias em excesso, resultante dos saldos fortemente positivos da balança comercial, e na sua emissão e objectivos foram escrupulosamente respeitados os princípios constitucionais em matéria de finanças públicas;
Considerando que o aumento da dívida em nada afectou o crédito dos portadores dos seus títulos, nem interna nem externamente;
Considerando que a orientação do Governo em relação à dívida pública foi, assim, a mais conveniente aos superiores interesses da economia nacional e da política financeira e administrativa do País:
Resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público referentes ao ano económico de 1942".
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se esta proposta de resolução.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Melo Machado relativo à frequência do curso de oficiais milicianos pelos alunos da Escola de Belas Artes.
Em primeiro lugar dou conhecimento à, Assembleia dos pareceres da Câmara Corporativa sobre as emendas que lhe foram enviadas.
São os seguintes:
Parecer acerca da proposta de aditamento à do projecto de lei n.º 46
1. A Câmara Corporativa ao emitir, pelas secções de Ciências e letras, de Belas artes e de Defesa nacional, o seu parecer sobre o projecto de lei n.º 46, que permite aos alunos de arquitectura das Escolas de Belas Artes frequentarem os cursos de oficiais milicianos, teve fundamentalmente como objectivo:
Por um lado, pronunciar-se sobre se os alunos de arquitectura das Escolas de Belas Artes aprovados em todas as cadeiras que constituem o 1.º ano do curso especial têm ou não as habilitações científico-literárias mínimas exigidas para a frequência dos cursos de oficiais milicianos;
Por outro, focar o problema do melhor aproveitamento nos quadros de complemento do exército dos indivíduos que frequentam cursos médios ou superiores.
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2. Quanto ao primeiro objectivo, e sem que para isso tenha feito equiparações de cursos, foi a Câmara Corporativa, por intermédio das secções chamadas a pronunciar-se, de parecer que os alunos de arquitectura das Escolas de Belas Artes, quando aprovados em todas as cadeiras que constituem o 1.º ano do curso especial, estão em condições de frequentar os cursos de oficiais milicianos de infantaria, artilharia, cavalaria e aeronáutica.
3. Quanto ao segundo, manifestou esta Câmara a opinião, conforme consta do n.º 3 do seu parecer, de que os diplomados com os cursos dos institutos industriais e comerciais, visto tratar-se de estabelecimentos de ensino técnico médio, devem ser destinados à frequência dos cursos de sargentos milicianos da arma de engenharia e do serviço de administração militar.
A formação do engenheiro deve ser caracterizada, tendo em atenção as exigências da sua vida profissional, por uma, grande cultura geral, por uma grande cultura científica e por uma boa cultura técnica.
Só assim ele poderá conceber, projectar, organizar e realizar obra útil, de uma maneira larga e que ultrapasse as exigências da sua vida profissional quotidiana - concorrendo de forma eficaz para o bem comum.
Ao lado de indivíduos com esta preparação, que terão de organizar o fabrico, de imaginar soluções novas para novas necessidades, de administrar grandes empresas e de conduzir homens, isto é, que terão de conceber e de organizar, outros são indispensáveis, com o papel mais de execução, e, por consequência, com uma formação caracterizada por uma menor cultura geral, por uma cultura científica adequada e por uma grande cultura técnica prática que lhes permita analisar, até aos mais pequenos pormenores, a natureza de problemas técnicos limitados.
Não pertencerá o primeiro papel na formação destes indivíduos às escolas superiores de engenharia - Instituto Superior Técnico e Faculdade de Engenharia?
Não pertencerá o segundo aos institutos industriais e comerciais?
Afigura-se a esta Câmara poder responder afirmativamente.
0 Estado, ao criar os dois graus de ensino no ramo da engenharia, separou, nitidamente, o papel, na vida prática, dos diplomados por um ou outro.
Toda a legislação que trata do seu aproveitamento nos diferentes departamentos da administração pública o confirma, quer se trate de vencimentos, quer se trate de funções.
4. A engenharia militar, à sua missão de arma da fortificação e das minas, que foi, nos séculos XVII e XVIII, necessária para a construção e defesa das praças fortes, juntou, no século XIX, a da colaboração com as outras armas, quer na organização do campo de batalha, quer na criação de obstáculos, quer na transposição de cursos de água.
No século actual a engenharia militar recebe, com o emprego dos grandes efectivos, o aparecimento e o desenvolvimento dos meios de comunicações, os progressos do armamento e a aplicação constante dos meios da ciência e da técnica, novas missões.
Por sua vez, a utilização, em larga escala, dos caminhos de ferro, das estradas, da navegação, das conquistas da ciência, das transmissões eléctricas, da rádio, da mecânica, da pneumática, que oferecem novos e vastos campos de aplicação, leva à criação de novas especialidades da arma.
5. A arma de engenharia, com tais missões e tal especialização, exige, para cabal cumprimento da sua mis-
são em campanha, quadros técnicos de qualidade, nos quais haverá que distinguir, como de resto em todas as armas e serviços, aqueles a quem cabe conceber e organizar e aqueles a quem cabe acompanhar, na execução., o trabalho do pormenor, chefiando as pequenas équipes de trabalho.
Ainda aqui, como na vida civil, é indispensável: para chefe, o engenheiro, e para seu auxiliar imediato, na fiscalização da execução do pormenor, o agente técnico.
Aquele é o oficial; este o sargento.
Dado o importante papel da engenharia nos exércitos modernos e a elevada representação que esta arma tem nas grandes unidades, só será possível fazer o seu recrutamento em quantidade suficiente se os alunos dos institutos industriais continuarem a ser destinados à frequência dos cursos de sargentos milicianos.
6. Termina-se este parecer pelas seguintes transcrições do n.º V do parecer emitido sobre o projecto do lei n.º 46:
"A admissão, na realidade, dos alunos dos cursos médios técnicos à frequência dos cursos de oficiais milicianos, visto que as suas habilitações não permitiriam designá-los para os cursos de oficiais milicianos das armas ou serviços de carácter acentuadamente técnico, designadamente a engenharia e o serviço de administração militar, traduzir-se-ia num mau aproveitamento destes indivíduos no exército.
É evidente, com efeito, que, podendo os diplomados com os cursos médios técnicos constituir excelentes elementos das armas ou serviços que exigem dos seus quadros, mesmo inferiores, uma preparação técnica especializada, a sua utilização noutras armas, mesmo como oficiais, traduzir-se-ia numa diminuição da eficiência do exército, pois criaria o grave problema da dificuldade, senão da impossibilidade, do recrutamento daqueles quadros inferiores especializados.
E, assim, os diplomados com os cursos dos institutos industriais e comerciais, visto tratar-se de estabelecimentos de ensino técnico médio, são destinados à frequência dos cursos de sargentos milicianos da arma de engenharia e do serviço de administração militar.
Estes institutos dão, de resto, saída para cursos superiores - o Instituto Superior Técnico e o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras -, quando os seus alunos alcançam o respectivo direito de matrícula, com o qual obtêm, automaticamente, as regalias do artigo 62.º da lei n.º 1:961.
0 seu problema militar deve, pois, considerar-se inteiramente resolvido, não só de acordo com a categoria dos dois graus de ensino técnico, como com o superior interesse da defesa nacional.
0 exército vive da pátria e dela tira a sua força; à Nação compete, pois, fornecer-lhe os meios necessários, quando os possua, para cumprimento da sua missão, e ao exército utilizá-los com o maior rendimento e, portanto, no lugar e nas funções próprias.
A categoria destes dois grupos é, por outro lado, nitidamente marcada no decreto-lei n.º 26:115, pela diferença dos vencimentos de categoria fixados".
Por tudo o que precede, esta Câmara é de parecer que não deve ser aprovada a proposta de aditamento à base I.
Palácio de S. Bento, 4 de Abril de 1944. - Eduardo Augusto Marques - Júlio Dantas - A. J. Adriano Rodrigues - Paulo Durão Alves - Ivo Cruz - Reinaldo Santos - Samuel Diniz - Pardal Monteiro - Manuel Gomes de Araújo (relator).
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Parecer acerca da proposta de alteração ao projecto de lei n.º 46, pela qual se consideram alunos de curso superior os estudantes habilitados com o 1.º ano do curso de arquitectura das Escolas de Belas Artes.
Não se compadece com o estudo profundo e ponderado que exige a escassez extrema de tempo dada à secção de Ciências e letras para se pronunciar sobre a proposta de alteração ao projecto de lei n.º 46, no sentido de serem considerados alunos de curso superior os estudantes que tenham obtido aprovação em todas as cadeiras que constituam o 1.º ano do curso especial de arquitectura das Escolas de Belas Artes.
Tal estudo caberá melhor, aliás, numa remodelação geral futura do ensino superior e de belas artes.
Ouvida subsidiariamente sobre o assunto a secção de Belas Artes desta Câmara Corporativa, foi ela também de parecer idêntico. Assim lê-se nesse parecer que "o problema não pode resolver-se com uma simples proposta de equiparação, sem as modificações que uma reorganização indispensável tem de lhe introduzir".
E diz mais: "que essa reforma é demasiado complexa e as suas consequências são demasiado transcendentes para serem resolvidas no simples articulado da proposta".
Em face das razões apresentadas entende, pois, a secção de Ciências e letras que não é de adoptar a proposta de alteração daquele projecto, relativo à classificação do curso de arquitectura, reservando-se a sua solução e estudo para ulterior oportunidade.
Câmara Corporativa, 5 de Abril de 1944. - Gustavo Cordeiro Ramos (assessor) - Júlio Dantas - Paulo Durão Alves - A. J. Adriano Rodrigues (relator).
Pausa.
O Sr. Presidente: - Ficam V. Exas tendo conhecimento dos pareceres da Câmara Corporativa sobre as duas emendas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Marques de Carvalho.
O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: em primeiro lugar uma palavra de homenagem para a Câmara Corporativa, pela presteza e rapidez com que forneceu a Assembleia Nacional os seus pareceres.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na parte relativa à emenda do Sr. Deputado Cortês Lobão a Câmara emitiu um parecer que concorda com a forma como me pronunciei nesta tribuna no sentido de que o assunto não estava maduramente estudado. Não quero, porém, Sr. Presidente, que fique de qualquer modo assente que eu considero, por ponto de vista pessoal, o curso de arquitectura como não sendo superior. Simplesmente a definição dada pelos órgãos próprios não o abrange e, assim, enquanto não se alterar aquele conceito ou não se modificar a forma de entrada e exigências de admissão, não pode o curso de arquitectura ser declarado superior.
0 Conselho Permanente da Acção Educativa, da Junta Nacional da Educação, definiu curso superior como sendo aquele que exige como preparatório, além do mais, o 7.º ano do liceu. Tal definição deveria até ser actualizada pela exigência expressa do exame de aptidão ou admissão que - com uma ou duas excepções que não deveriam manter-se - já é de lei para todos os cursos superiores. Assim, Sr. Presidente, é evidente que ou esta definição está errada ou o curso de arquitectura, em face dela, não é um curso superior. E, assim, se fossemos a reconhecê-lo aqui, tout court, como curso superior, poderiam vir a levantar-se difi-
culdades várias dentro da orgânica do Ministério da Educação Nacional, o que não estará, por certo, nos nossos propósitos.
Não me repugna, como já aqui disse, que reformas necessárias sejam feitas no sentido de vir a integrar-se dentro do que está definido como curso superior.
Mas o problema é delicado, porque há uma escala clássica de ensino primário, secundário e superior, e não é facilmente redutível um curso de índole fundamentalmente artística, se assim se considerar o curso de arquitectura.
Certamente, Sr. Presidente, que um pintor, um escultor, um arquitecto - um artista, em suma -, é por qualificação de espírito um elemento dotado de cultura superior, mas deve considerar-se à margem da escala clássica adoptada de ensino primário, secundário e superior, devendo ser antes curso especial que pode mesmo entender-se que, em certos aspectos, sobreleve o superior.
Quanto aos cursos relativos às artes plásticas, não tenho, para mim, dúvidas de que assim deve ser; quanto à arquitectura, tenho hesitação em definir o meu ponto de vista, porquanto, sob certos aspectos, se aconselharia que fosse um curso universitário nos moldes normais.
Há que ponderar, Sr. Presidente, o facto de que se forem prescritas para as Escolas de Belas Artes as mesmas exigências que para ingresso em qualquer Universidade possivelmente se estancarão vocações artísticas, uma vez que se iria exigir uma preparação especial que os candidatos não pudessem adquirir, ou por dificuldades económicas ou, até, por inadaptação para certos aspectos da aquisição de conhecimentos perfeitamente compatível com privilegiada vocação artística.
Pergunto, portanto, se dificultar o acesso a esses candidatos será conveniente no ponto de vista do aproveitamento de valores, que é -, no final de contas - o grande objectivo que deve nortear todas as reformas de ensino.
Há países em que o curso de arquitectura se frequenta em Faculdades mistas de engenharia e arquitectura e em que, portanto, parece predominar o conceito de que o arquitecto é um elemento de formação superior técnica. Noutros, e é o caso de Portugal, o curso de arquitectura é ministrado nas Escolas de Belas Artes, e parece então predominar a ideia de que ele é um elemento mais de formação artística.
0 Prof. Carneiro Pacheco, quando sobraçou a pasta da Educação Nacional, realizou trabalhos preparatórios para a eventual criação de uma Faculdade mista de engenharia e arquitectura. Mas devo dizer, Sr. Presidente, que eu próprio fui portador para S. Ex.ª o Ministro de uma exposição, subscrita por vários artistas, arquitectos, pintores, escultores, etc., em que se dizia que arrancar o curso de arquitectura as Escolas de Belas Artes era diminui-lo no seu valor formativo, pois que o ensino aos alunos de arquitectura devia ser feito aproveitando o convívio dos seus colegas das artes plásticas e vivendo ambiente criado por eles.
Mas eu não quero, Sr. Presidente, nem estou preparado para pronunciar-me aqui sobre esse problema. Quero apenas focar que há os dois conceitos estruturalmente distintos e que o Ministério da Educação Nacional considerará e regulamentará da melhor maneira, na oportunidade própria, as Escolas de Belas Artes, e a melhor solução será, por certo, encontrada para o enquadramento mais conveniente do curso de arquitectura.
Hoje entra-se para o curso de arquitectura apenas com o 6.º ano do liceu. Mas, se não se tiver esta habilitação, entra-se com um exame de admissão, para o qual só é preciso ter 14 anos de idade. E eu não acho nada mal, como disse, no ponto de vista de aproveitamento de vocações. Mas quanto ao curso de arquitectura deve
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esse aspecto sobrelevar tão marcadamente o de assegurar uma séria base inicial de conhecimentos?
0 Ministério da Educação Nacional encontrará, como disse, a melhor solução.
Quanto ao ponto de vista militar, a Câmara Corporativa chama-nos a atenção para a colaboração que a Nação deve dar ao exército para a defesa. nacional. No caso concreto dos alunos dos institutos industriais põe o parecer da Câmara o seguinte problema:
Qual será mais proveitoso para a armadura militar da Nação: que os alunos dos institutos industriais possam ir para sargentos milicianos de engenharia, daquilo para que têm preparação dirigida, ou possam ir para oficiais milicianos, mas não de engenharia, de qualquer das outras armas, com desaproveitamento manifesto da sua preparação escolar?
Como se garantirão à Nação os melhores elementos nos quadros do exército?
Suponho, Sr. Presidente, que a resposta é fácil.
Assim, Sr. Presidente, para finalizar as minhas considerações, declaro que voto o projecto e que, de acordo com os pareceres da Câmara Corporativa, rejeito as emendas.
Mas quanto à forma de fazer triunfar o ponto de vista do Sr. Deputado Melo Machado, para o qual a Câmara por unanimidade declarou a urgência, parece-me, Sr. Presidente, que, em vez de estarmos a fazer uma lei nova - providência que viria talvez sugerir mais leis novas, o que, facilmente se compreende, seria de grande inconveniência na orgânica do exército -, seria melhor enquadrar o ponto de vista do Sr. Deputado Melo Machado na própria legislação militar existente.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Existe uma legislação militar ao abrigo da qual se tem estado a fazer, quanto à mobilização da Nação, uma enorme obra, cheia de envergadura, para a qual quero ter aqui uma palavra de homenagem. A mocidade sã deste País hoje quase toda passa pela tropa: como a recruta, como furriel, como sargento, como oficial miliciano. Sempre como português em armas para a defesa da Nação. Esta passagem de todos os válidos pelos quadros do exército e uma das notas dos tempos de hoje, e assim se justifica a minha homenagem para o Ministério da Guerra pela maneira como tem actuado.
É nas próprias leis militares existentes, Sr. Presidente, que deve dar-se satisfação ao ponto de vista do Sr. Deputado Melo Machado.
Em tal sentido vou mandar para a Mesa uma emenda, que é concebida nos seguintes termos:
"O artigo 62.º da lei n.º 1:961 passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 62.º Os indivíduos que durante a frequência dos cursos superiores ou do curso especial de arquitectura, depois de obtida aprovação em todas as cadeiras que constituem o 1.º ano deste curso, forem apurados para o serviço militar deverão frequentar os cursos de oficiais milicianos das diversas armas e serviços, não sendo, porém, admitidos a essa frequência os que professarem ideias contrárias à existência e segurança da Pátria e à ordem social estabelecida pela Constituição Política.
Os alunos das Faculdades, Institutos ou Escolas de Medicina, Farmácia, Engenharia e Medicina Veterinária poderão obter adiamento da prestação do serviço militar até completarem o penúltimo ano do curso que frequentem, desde que possam completar o curso até aos 25 anos de idade e comprovem o seu bom aproveitamento escolar. Aos alunos de
outras escolas superiores e aos do curso especial de arquitectura apenas poderá ser concedido adiamento da prestação do serviço militar até à abertura do primeiro curso de oficiais milicianos seguinte à encorporação".
Parece-me, Sr. Presidente, que esta modalidade, dando realização ao ponto de vista do Sr. Deputado Melo Machado, é mais curial e evita o precedente de uma nova lei se acrescentar às leis já existentes.
Quanto ao curso de sargentos milicianos, não sei se realmente esse curso pode ser aligeirado. Estou convencido, porém, de que o Ministério da Guerra ponderará os sacrifícios não só dos alunos mas também dos pais, cada vez mais assoberbados com dificuldades. Emito, pois, daqui um voto confiante de que o Ministério da Guerra pondere e considere o caso, se é que, como disse, se pode coordenar esse objectivo com o objectivo supremo da defesa nacional.
Quanto aos oficiais milicianos, esses fazem o seu curso nas férias, e o caso está arrumado. O caso dos sargentos milicianos parece ser mais difícil de solucionar, mas reduzam-se ao mínimo os prejuízos acarretados às carreiras académicas e ter-se-á prestado um enorme serviço a todos esses rapazes.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente nas considerações, poucas e claras que derivam da proposta apresentada pelo nosso ilustre colega Sr. Marques de Carvalho, quero dar à Assembleia, e em especial ao nosso ilustre colega que é professor da Escola Superior Colonial, Sr. Dr. António de Almeida, a seguinte satisfação: no relatório do projecto há uma referência a essa Escola que inadvertidamente me passou.
Nunca V. Ex.ªs me ouviram uma palavra a respeito dessa Escola e não estava na minha intenção incluí-la nas considerações que fiz.
Tendo S. Ex.ª apresentado um documento em que demonstra a sem razão da inclusão dessa Escola no relatório do meu projecto, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de mandar inserir no Diário das Sessões o seguinte trecho:
"A Escola Superior Colonial é um curso superior, porque:
1.º O seu nome o diz e a lei (decretos n.ºs 5:827, de 31 de Maio de 1919, 12:539, de 25 de Outubro de 1926 e 14:317, de 24 de Setembro de 1927) e o parecer do Conselho Permanente da Acção Educativa, do Ministério da Educação Nacional (Diário do Governo de 13 de Julho de 1940), o declaram taxativamente, e tanto a respectiva organização, os programas e o nível de ensino ministrado como os trabalhos científicos dos seus professores e diplomados e as provas dadas pelos seus antigos alunos o demonstram insofismavelmente;
2.º Desde a sua criação (decreto de 18 de Janeiro de 1906) o recrutamento dos seus professores foi feito sempre segundo as normas universitárias (decretos de 22 de Fevereiro de 1907, n.º 9:310, de 14 de Dezembro de 1923, e n.º 12:539, de 25 de Outubro de 1926);
3.º A maioria dos seus professores exerce ou exerceu funções docentes em escolas universitárias;
4.º O regime de desdobramento de cursos ou de cadeiras é semelhante ao estabelecido nas Universidades;
5.º Ali hão sido realizados cursos de extensão universitária, regidos por catedráticos da Universidade, antigos Ministros das Colónias, governadores coloniais, engenheiros e magistrados ultramarinos, e pelos Depu-
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tados, nossos colegas, Júlio Freire, Manual Múrias, Mário de Albuquerque e Moura de Carvalho;
6.º Tem quatro anos de duração, como os cursos de letras, ciências e de ciências económicas e financeiras;
7.º Mais do que qualquer outra escola universitária, tem sido frequentada por numerosos oficiais do exército e da armada, com o respectivo curso da arma, e ainda por médicos, advogados, professores do liceu, engenheiros e veterinários, alguns dos quais ocupavam altas funções públicas, inclusive as do professorado superior - entre estes figuram os nossos colegas Deputados Linhares de Lima, Rui da Cunha e António de Almeida;
8.º Segundo a doutrina seguida pelo Ministério da Educação Nacional, a exemplo de qualquer indivíduo habilitado com outro curso superior, os diplomados com o curso da Escola Superior Colonial podem ingressar num curso universitário sem necessidade de exame de aptidão e independentemente da satisfação das demais condições legais;
9.º Alunos aprovados no 1.º ano têm frequentado sempre as escolas de oficiais milicianos;
10.º Os seus diplomados podem concorrer, em igualdade de condições, com os diplomados pelas escolas universitárias aos cargos públicos para os quais seja exigido um curso superior não especificado;
11.º Os seus diplomados concorrem, em idênticas circunstâncias, com os licenciados em direito e em ciências económicas e financeiras aos lugares das alfândegas coloniais;
12.º Para a matrícula dos seus alunos são obrigatórios o 3.º ciclo liceal (ciências ou letras) e a aprovação no exame de admissão;
13.º Os seus alunos pagam as mesmas importâncias de matrículas e propinas que os das Faculdades de Direito e bem assim análoga quantia pela respectiva carta de curso;
14.º O regime de vencimentos dos professores tem sido sempre o mesmo atribuído ao corpo docente universitário, quer com a modalidade das subvenções diferenciais, quer em obediência à doutrina contida no decreto n.º 14:995, de 8 de Fevereiro de 1928, actualmente em vigor em virtude de ainda não haver sido reformada a Escola Superior Colonial, como preceitua o decreto-lei n.º 26:115;
15.º Finalmente, embora gozando de autonomia igual à das Universidades, encontra-se dependente do Ministério das Colónias, por intermédio da Direcção Geral de Ensino, a qual competirá o estudo da próxima futura reorganização da Escola Superior Colonial, já anunciada oficiosamente".
O Sr. António de Almeida: - Em nome da Escola Superior Colonial agradeço a rectificação que V. Ex.ª acaba de fazer.
O Orador: - Sobre o meu projecto vamos a ver se encontramos a nossa aleluia em quarta-feira de trevas.
Tendo posto tão claramente as razões por que apresentei o meu projecto, sendo essas razões fundamentadas no - quanto a mim - inteiro e completo espírito de justiça que assistia aos alunos de arquitectura, tive
o grande prazer de encontrar uma absoluta unanimidade de vistas quanto a esse aspecto. E acentuei, de princípio, que não estava no meu espírito nem na minha, vontade criar a mais pequena dificuldade a solução do assunto, e tanto assim que de mótu-próprio eu perfilei
como base única a base I da Câmara Corporativa. Não podia, porém, aceitar a emenda do Sr. Deputado Cortês Lobão, visto que ela enxertava neste problema tão simples um outro problema do extrema complexidade que não estava na minha intenção e que prejudicava a aprovação do projecto, embora trouxesse mais vantagens
ainda aos alunos de arquitectura, a quem eu pretendia ajudar a alcançar justiça. Senti-me, pois, obrigado a rejeitar essa emenda, e vejo pelo parecer da Câmara Corporativa que tinha inteira razão.
Mas traz-nos agora o Sr. Deputado Marques de Carvalho uma outra solução, e eu, para demonstrar à Câmara e ao País que não me movia senão o interesse de dar satisfação à justiça que era pedida, e porque nessa emenda tal justiça é reconhecida e atendida, declaro que aceito gostosamente essa emenda e que lhe dou inteiramente o meu voto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Feitas estas considerações, resta-me agradecer à Assembleia a sua atitude de solidariedade e de simpatia para comigo, direi miais, até de sacrifício, porque sei que muitos Srs. Deputados tiveram prejuízos com a sua permanência aqui mais dois dias do que nos estava prometido.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, quero dizer que, se através das minhas palavras julgou porventura que pudesse haver qualquer coisa de impertinente, nunca isso poderia estar no meu ânimo ou nas minhas intenções.
Faço gostosamente esta declaração em virtude da muita consideração, estima e amizade que tenho por V. Ex.ª
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito. Pausa.
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate. Vai proceder-se à votação.
Vai votar-se, em primeiro lugar, a proposta de emenda da autoria do Sr. Deputado Cortês Lobão, que é a seguinte:
"São considerados alunos do curso superior para todos os efeitos legais, incluindo os referidos no artigo 62.º da lei n.º 1:961, de 1 de Setembro de 1937, os alunos de arquitectura das Escolas de Belas Artes que tenham obtido aprovação em todas as cadeiras que constituem o 1.º ano do curso especial".
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se, visto que o Sr. Deputado Melo Machado a aceitou, a proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho, cuja redacção é a seguinte:
"O artigo 62.º da lei n.º 1:961 passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 62.º Os indivíduos que durante a frequência dos cursos superiores ou do curso especial de arquitectura, depois de obtida aprovação em todas as cadeiras que constituem o 1.º ano deste curso, forem apurados para o serviço militar deverão frequentar os cursos de oficiais milicianos das diversas armas e serviços, não sendo, porém, admitidos a essa frequência os que professarem ideias contrárias à existência e segurança da Pátria e à ordem social estabelecida pela Constituição Política.
Os alunos das Faculdades, Institutos ou Escolas de Medicina, Farmácia, Engenharia e Medicina Veterinária poderão obter adiamento da prestação do serviço militar até completarem o penúltimo ano do curso que frequentem, desde que possam completar o curso até aos 25 anos de idade e comprovem o seu bom aproveitamento escolar. Aos alunos de
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outras escolas superiores e aos do curso especial de arquitectura apenas poderá ser concedido adiamento da prestação do serviço militar até à abertura do primeiro curso de oficiais milicianos seguinte à encorporação".
Submetida à votação, foi aprovada esta proposta por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação da proposta de aditamento apresentada pelos Srs. Deputados Cunha Gonçalves e José Cabral, que é a seguinte:
"Propomos que à base I do projecto em discussão seja aditado um parágrafo, assim redigido:
§ único. O Ministério da Guerra deverá considerar a situação dos engenheiros auxiliares, agentes técnicos de engenharia e condutores de obras públicas e equipará-los aos alunos de arquitectura das Escolas de Belas Artes da forma que julgar conveniente".
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Está concluída a votação. Pausa.
O Sr. Presidente: - A sessão legislativa termina no dia 7 do corrente, mas, atendendo à solenidade dos dias 6 e 7, não haverá sessões nesses dias, findando, portanto, hoje, de facto, os trabalhos da Assembleia.
Não pode dizer-se que tenha sido de grande fecundidade a 2a. sessão legislativa da III Legislatura.
Em todo o caso, convém registar que, além da actividade atribuída à Assembleia pela lei constitucional - discussão e votação da lei de autorização de receitas e despesas, discussão e aprovação das Contas Gerais do Estado e das contas da Junta do Crédito Público -, ratificaram-se vários decretos-lei (vinte e três), discutiram-se e aprovaram-se quatro propostas de lei: uma sobre os lucros das companhias de navegação, outra sobre o Estatuto da Assistência Social, outra sobre a delimitação da competência do Governo da metrópole e dos governos coloniais para a concessão de terras no ultramar, e a quarta sobre jurisdicionalização de penas e reabilitação dos delinquentes; aprovaram-se também duas resoluções, uma relativa à Convenção Ortográfica Luso-Brasileira, outra à revisão antecipada da Constituição, e discutiu-se e votou-se um projecto de lei.
Este é o balanço da actividade exercida na ordem do dia. No período de antes da ordem do dia foram frequentes as intervenções de vários Srs. Deputados tendentes a chamar a atenção do Governo para factos da vida administrativa ou da vida social da Nação.
Procurámos cumprir honestamente o nosso dever.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Se não foi mais intensa a nossa actividade, a ninguém pode ser imputada a culpa: nem a nós nem ao Governo. Foram as calamitosas circunstâncias criadas pela guerra que não permitiram trabalho mais largo e produtivo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Uma preocupação esteve sempre no nosso espírito: não agravar as dificuldades produzidas pela conflagração mundial, tornar mais forte e sadio o sentimento de coesão e solidariedade entre a Nação e o Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Ao pôr termo à presente sessão legislativa julgo interpretar fielmente o voto da Assembleia saudando o Sr. Presidente da República e o Chefe do Governo ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - ... e exprimindo a um e a outro o nosso apoio e a nossa confiança nesta hora atribulada e incerta que o mundo atravessa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ªs sabem, a Comissão de Redacção tem de dar forma definitiva às propostas que foram votadas. Não é possível, é claro, que os textos definitivos sejam submetidos à aprovação desta Assembleia, e então proponho que se invista a Comissão de Redacção dos poderes necessários para que ela dê forma definitiva a esses textos.
Os Srs. Deputados que aprovam esta sugestão ficam sentados; os que rejeitam levantam-se.
Foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Desejo a V. Ex.ªs todos uma Páscoa feliz.
Vozes: - Também a desejamos a V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão. Eram 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
José Gualberto de Sá Carneiro.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhães Ramalho.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
António Cortês Lobão.
Artur Proença Duarte.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Alçada Guimarães.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Júlio César de Andrade Freire.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz José de Pina Guimarães.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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CÂMARA CORPORATIVA
III LEGISLATURA
Parecer sobre a proposta de lei n.º 45, relativa às casas de renda económica
Em 29 de Fevereiro do corrente ano de 1944 apresentou o Governo à Assembleia Nacional a proposta de lei n.º 45, relativa às casas de renda económica. Nos termos do artigo 103.º da Constituição Política da República Portuguesa, veio a proposta à Câmara Corporativa para sobre ela dar parecer. Desta obrigação foram incumbidas as secções de Construção e materiais de construção, Crédito e previdência, Autarquias locais, Política e administração geral e Finanças e economia geral.
À primeira destas secções foi agregado o Procurador António Vicente Ferreira.
Examinada e discutida a matéria da proposta de lei, a Câmara Corporativa, pelas secções mencionadas, emite o seguinte parecer:
1. Começa o relatório da proposta de lei n.º 45 por nos dizer que:
"A resolução, em termos viáveis, do problema da habitação das classes pobres e médias foi, desde o seu início, uma das preocupações da Revolução Nacional".
A afirmação é verdadeira! O seu autor poderia confirmá-la - se de confirmação houvesse mester -, lembrando-nos que tem a data de 30 de Março de 1928 o decreto com força de lei n.º 15:289, que criou o Fundo nacional de construções e rendas económicas e que em numerosos decretos posteriores se modificaram e aperfeiçoaram, de forma original, os conceitos político-sociais da lei primitiva e se multiplicaram os auxílios financeiros concedidos pelo Estado aos construtores e adquirentes das habitações económicas. Estas modifi-
cações, aperfeiçoamentos e auxílios destinavam-se e destinam-se, precisamente, a resolver "em termos viáveis" o grave problema de que se trata, circunscrito, porém - até hoje - às habitações destinadas aos componentes de certas categorias de cidadãos: membros dos sindicatos nacionais, funcionários públicos, civis e militares, e operários dos quadros permanentes de serviços do Estado e das câmaras municipais, isto sem falar na solução provisória de casas desmontáveis, para alojar os antigos moradores dos abarracamentos improvisados em terrenos vagos da orla não edificada da cidade de Lisboa.
Mas, de toda a legislação citada e das providências ocasionais tomada pelo Estado e pelas câmaras municipais, o diploma mais importante e, incontestavelmente, o decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, porque nele se definem os conceitos político-sociais que o Estado Português adoptou para resolver, dentro da organização corporativa, o problema da habitação de classes cujos rendimentos se podem chamar pequenos, sem serem os mínimos, e às quais, talvez, caiba a denominação de classes pobres, desde que se não perca de vista a existência de outras, que, em comparação, se podem chamar pobríssimas, não sendo, contudo, formadas por indigentes.
2. Não se declararam, em relatório que tivesse sido publicado, os conceitos-bases político-sociais da nova legislação portuguesa das casas económicas, nem se deram as razões, fundadas nos mesmos conceitos, de cada uma das regras que os artigos do decreto-lei n.º 23:052 estabelecem. Mas, tanto quanto se julga possível deduzir de algumas declarações do Presidente do Conselho (Discursos, vol. I, pp. 202 e 203) e da análise daquele
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diploma e de outros que se lhe seguiram, parece que os principais desses conceitos e razões se podem condensar nas seguintes proposições:
a) Se a família é, na nossa civilização, o agregado fundamental ,da sociedade, todas as leis que tendam a consolidar os laços familiares são justas e necessárias;
b) A habitação familiar - o fogo ou lar - , para que contribua para aquele fim, deve ser independente, isto é, separada ou isolada dos outros lares; todas as promiscuidades são nocivas, física, social e moralmente;
e) Nenhuma conveniência de ordem material ou interesse económico pode justificar qualquer derrogação deste princípio; respeitá-lo e fortalecê-lo e sempre de maior e mais geral proveito para a sociedade do que a acumulação de bens materiais;
d) Se o predomínio desregrado do puramente económico sobre o social e moral produziu, no período de civilização que está findando, a obliteração daquele princípio e a consequente e perigosa desagregação social que dela deriva, é dever do Estado promover - com todos os poderosos meios de acção de que hoje dispõe - a necessária reintegração;
e) Um dos meios de promover esta reintegração consiste, precisamente, em facilitar com legislação social e auxílios financeiros apropriados a atribuição de um fogo ou lar independente a cada família que não o possua, tendo em conta, como é natural - que o mesmo é dizer, inevitável - , a diferenciação de classes, baseada na educação e rendimentos do agregado familiar;
f) Por não ser conforme com a moral social a cedência gratuita de uma habitação a cada família que não a possua nem ser possível - na fase actual da evolução económica do mundo - elevar os rendimentos de todas as famílias ao nível mínimo necessário para que cada uma delas possa adquirir, pelas formas correntes, a propriedade perfeita de uma habitação, só pode resolver-se o problema social enunciado se o Estado facilitar a cada família o pagamento do prego da casa pela integração de parcelas mínimas mensais poupadas no rendimento mensal do agregado familiar, sem prejuízo dos gastos indispensáveis com a alimentação, vestuário e educação dos filhos; o Governo admite que se respeitará esta condição se a prestação mensal não exceder um sexto ou um quinto daquele rendimento; a experiência parece confirmar a hipótese;
g) Esta forma de resolução do problema enunciado pressupõe, como é obvio, que qualquer entidade detentora de capitais disponíveis adianta a soma necessária para a construção, da casa; o Governo admite que o Estado, as câmaras municipais, as corporações administrativas, os organismos corporativos e de coordenação económica e certas sociedades ou empresas particulares podem - e, em rigor, devem - adiantar os capitais necessários para a construção;
h) A fixação da renda ou prestação mensal deve fazer-se em função dos rendimentos do adquirente, em vez de ser em função da taxa de juro corrente e do de amortização dos capitais despendidos. A solução problema peide, deste modo, o caracter capitalista: o Governo entende, porém, que, mediante certas desonerações fiscais e auxílios financeiros, há possibilidade de dar ao problema da casa familiar independente, propriedade resoluvel do morador, uma solução mista, de caracter simultaneamente social e capitalista; é um dos objectos da proposta de lei n.º 45.
Como se verá, os princípios enunciados - salvo modificações secundárias que a experiência aconselhou - regem toda a legislação promulgada depois de 1933 e a proposta.
3. À lei fundamental, que é o decreto-lei n.º 23:052, outras se seguiram em que se alarga a aplicação daque
les princípios e se precisa, com mais clareza, a intenção do legislador.
Merecem especial referência neste sentido o decreto n.º 28:919, de 12 de Agosto de 1938, e o decreto-lei n.º 33:072, de 24 de Novembro de 1943.
No relatório do primeiro destes diplomas muito se esclarecem as ideias iniciais e se traça, de certo modo, o programa do desenvolvimento da solução esboçada no decreto-lei n.º 23:052. Consideram-se "três fases perfeitamente distintas", caracterizadas pela intervenção crescente de mais diversas actividades particulares na resolução - sob tutela do Estado - do problema social de que se trata.
Na 1a. fase "o Estado por si ou em colaboração com os municípios teria de fazer tudo"; na 2a. fase - a que o decreto n.º 28:919 inicia - já intervêm além do Estado, as instituições de previdência social, organismos corporativos e grandes empresas concessionárias de serviços públicos; na 3a. fase "aquelas e outras actividades particulares" devem realizar por si próprias, integralmente, tudo: o financeiro, o técnico e o administrativo.
Convém observar, entretanto, que não só pela admissão do novos cooperadores evolucionou a política. do Governo nesta matéria, porquanto os benefícios da habitação económica se estendem gradualmente a outras classes sociais. Com efeito, nos decretos-lei n.ºs 23:052 o 28:9l2 consideravam-se apenas duas classes (A e B) de casas económicas (6 tipos), correspondentes a prestações mensais de 80$ a 200$ e destinadas a famílias com rendimentos compreendidos entre 20$ e 45$ por dia; mas no decreto-lei n.º 33:278 já se eleva a quatro (A, B, C e D) o número de classes de casas, com 12 tipos de habitação, a que correspondem prestações mensais de 110$ a 600$ e rendimentos de agregado familiar até 3.000$ mensais.
Se notarmos agora que, segundo o decreto-lei n.º 26:115, de 23 de Novembro de 1935, o vencimento de 3.000$ mensais é o dos funcionários civis da classe E e que nesta se incluem juízes de 2a. classe, ministros plenipotenciários de 2a. classe, professores catedráticos das escolas superiores, etc., ver-se-á, sem dificuldade e sem estatísticas, que o benefício social da habitação, propriedade resoluvel ou perfeita do morador, já abrange estratos sociais que não podem, com justeza, denominar-se classes pobres.
4. Vem aqui a propósito um pequeno reparo. E é que nem no decreto-lei .n.º 23:052 nem nos relatórios dos decretos subsequentes ao da proposta de lei n.º 45 se encontram os resultados qualitativos e quantitativos de qualquer estudo a que se tivesse procedido das condições de habitação urbana, das classes que dispõem de pequenos rendimentos, nas diferentes regiões do País e, em especial, nas principais cidades e centros industriais. E, todavia, parece essencial, para o inteiro e profícuo conhecimento do problema e bem fundada apreciação das soluções parcelares que forem aparecendo, que um inquérito - mesmo limitado a zonas judiciosamente escolhidas - permitisse responder com suficiente aproximação a uma série de questões prévias, das quais, a título de exemplo, se apontam algumas:
a) Quais os rendimentos médios por família ou tipos de famílias das chamadas classes pobres e médias nas diferentes regiões do Pais, pelo menos nas zonas urbanas e industriais?
b) Qual a percentagem dos rendimentos de cada família-tipo que pode ser destinada à renda da casa sem prejuízo dos gastos indispensáveis com alimentação, vestuário e educação dos filhos?
e) Qual a composição média de cada família, das classes citadas, em cada região?
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d) Quais as condições mínimas, pelo que respeita a área habitável, higiene física e moral e conforto, da casa destinada a cada família, segundo a sua composição, classe social, hábitos regionais, etc.?
e) Quantas famílias em cada zona urbana ou industrial se podem considerar alojadas em condições inferiores às do padrão mínimo correspondente?
f) Quais os tipos arquitectónicos de habitações, segundo as regiões climáticas e éticas do País e segundo a composição dos tipos familiares, que convém adoptar ou recomendar e quantas habitações de cada tipo se deverão construir para resolver satisfatoriamente o problema?
g) Quais os recursos de materiais de construção, de mão de obra e de transportes com que se poderá contar e, por consequência, qual o tempo mínimo em que se poderão edificar as habitações necessárias, em cada região ou zona, começando pelas mais necessitadas?
h) Qual o custo médio, em cada região ou zona, de uma habitação de cada um dos tipos adoptados?
i) A quanto montaria o encargo da execução dos pianos estabelecidos, a partir das respostas a estes quesitos, em cada região e em todo o País?
Declara-se, desde já, que não é intenção da Câmara Corporativa aconselhar ao Governo que aguarde o resultado do inquérito geral, cuja falta se notou, para iniciar a resolução "em termos viáveis" do problema da habitação das classes pobres e médias, antes reconhece a excelência das obras já executadas e dos resultados obtidos e a oportunidade da lei proposta, mas considera esta solução - e também as anteriores - como soluções parcelares e de certo modo desconexas e empíricas do grande problema cuja resolução o Governo tão corajosamente atacou.
0 próprio Governo criou, aliás, a tradição, a que nos habituámos desde a promulgação da lei n.º 1:914, do plano de reconstituição económica, de estabelecer planos e segui-los com persistência e método, porque só deste modo se tira de cada escudo despendido o máximo rendimento que um escudo pode dar. Isto com a vantagem suplementar, muito apreciável, de haver sequência lógica nos conceitos fundamentais da solução, nas leis correlativas e nas obras.
Inquéritos e planos, como os enunciados, para a resolução de problemas desta natureza têm-se feito em vários países, alguns, como o da Bélgica, anteriores à, guerra actual; outros, como os da Espanha e da Inglaterra, posteriores ao início dela.
Mesmo em Portugal não constituem eles novidade, porque temos, iniciados já depois de 1933, dois inquéritos relativos a habitações: o inquérito habitacional que a Direcção Geral de Saúde realizou, entrei 1937 e 1940, em duas freguesias de Lisboa - Santos e Camões - e o inquérito à habitação rural, promovido pela Universidade Técnica, cujo 1.º volume apareceu em 1943.
0 primeiro, sendo um trabalho valioso para o conhecimento das condições de salubridade das casas de Lisboa, não considerou, por não ser esse o seu fim principal, o aspecto económico-social do problema, traduzido pela relação entre a renda da casa e os proventos do agregado familiar que nela habita. O segundo, que pode servir de modelo para o inquérito desejado, também de nenhum modo o substitui, porque visa um grupo profissional bastante homogéneo, embora vasto, cujas exigências de habitação muito diferem das que os centros urbanos e industriais impõem.
A razão desta falta, tão contrária ao espírito da moderna administração pública portuguesa, deve encontrar-se no facto de ser bem patente e acusadora de grave doença social a multiplicidade crescente das habitações miseráveis, a extensão considerável dos hábitos de
promiscuidade e o congestionamento populacional que se verifica em cidades como Lisboa, onde em casas destinadas à habitação de uma família modesta se acumulam três ou quatro famílias e mais os hóspedes vagueantes dos quartos alugados. (Cf. Inq. Hab., pp. 91 e sgs). Acudir a tais misérias e urgente. Os bairros de casas desmontáveis remediaram o mal que era então mais patente e escandaloso. As casas económicas do decreto-lei n.º 23:052 e dos que o completaram, correspondendo a idênticas, embora menos prementes, necessidades, tiveram, sobretudo, o grande mérito de mostrar a viabi-
lidade e, porventura, a excelência da solução portuguesa do problema da casa familiar, propriedade do chefe de família.
5. Na proposta de lei n.º 45 tenta-se mais uma vez resolver o mesmo problema e, concomitantemente, o da habitação das famílias que, por diversas causas, não podem tornar-se proprietárias da casa em que habitam e são forçadas a tomá-la de arrendamento, mas agora por vias diferentes das seguidas nos anteriores decretos-
-leis.
Pretende-se adoptar uma solução mista, em que intervêm o Estado e as câmaras municipais, por um lado, e, por outro, as sociedades cooperativas, as sociedades anónimas, os organismos corporativos ou de coordenação económica, as instituições de previdência e as empresas industriais e concessionárias de serviços públicos; mas o Estado e as câmaras municipais intervêm por formas que se podem dizer financeiramente desinteressadas; as restantes entidades concorrem aplicando iniciativas, trabalho e capitais com fins lucrativos. A solução só se apresentará, portanto, "em termos viáveis" se aos capitais empregados nas empresas corresponderem lucros que os capitalistas reputem suficientes.
Ora esta condição, como veremos, pode tornar inviável a solução proposta, porquanto se limitam, rigorosamente, as rendas, o preço de venda das casas, o rendimento dos ocupantes e os dividendos ou quaisquer lucros das sociedades; mas fica indeterminado, como é natural, ou se fixa a priori - o que é arbitrário - o custo das edificações, e este é muito variável, por depender de numerosos factores, entre os quais avultam os salários, os transportes e o preço dos materiais.
Em sentido contrário pode alegar-se, porém, que nas circunstâncias económicas actuais, em que o dinheiro abunda e as aplicações lucrativas escasseiam, a construção de "casas de renda económica" - com as facilidades que o Estado oferece - deve tentar os capitalistas mais inteligentes e ousados, sobretudo se julgarem possível vender os prédios a pronto passados alguns, poucos, anos. Esta possibilidade depende, evidentemente, do desafogo financeiro dos futuros moradores-
-adquirentes. É possibilidade muito duvidosa, porque não pode afirmar-se, na época actual, que, mesmo, uma família de juiz, de professor ou de membro de sindicato, que só disponha de 1.500$ a 3.000$ por mês, consiga
realizar poupanças que lhe permitam pagar, de pronto, as 20 anuidades ou 240 prestações mensais correspondentes. O mais provável, portanto, é que os capitais das empresas particulares que para tais fins se constituírem fiquem imobilizados por longos anos. Pergunta-se então: Haverá capitalistas que, em face de tantas incertezas como as da época presente, queiram imobilizar os seus capitais por longos anos? Talvez...
Seja como for, a Câmara Corporativa reconhece que a lei proposta é conveniente e oportuna.
Vem-lhe a conveniência da própria natureza político-
-social do problema da família e do seu fortalecimento pela atribuição a cada uma delas, e em especial às que só dispõem de pequenos rendimentos, de casa própria de renda moderada, problema grave e que requer per-
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manente atenção e cuidado dos homens de Estado, para acudirem com eficaz remédio aos males que a vida social cria e que a guerra pode exacerbar até ao desespero e à falência moral das que os sofrem. Representa, além disso, o desenvolvimento lógico das soluções iniciadas com o decreto-lei n.º 23:052, cuja eficácia é para todos evidente.
A oportunidade resulta das próprias razões que justificam a conveniência e mais as de haver muitos capitais disponíveis e de convir preparar trabalhos que possam absorver a mão de obra que, de um momento para outro, pode vir a encontrar-se desocupada.
6. Nos n.ºs 6 a 8 do relatório da proposta de lei n.º 45 o Sr. Ministro interino das Obras Públicas, que a subscreve, resume e explica os princípios por que se orientou o seu autor e procura justificar algumas das mais importantes regras cuja adopção propõe.
Não vale a pena repetir neste lugar o que o autor do relatório com a maior proficiência expõe. Os comentários que as doutrinas seguidas e a sua tradução em regras imperativas suscitam serão apresentados a propósito das diferentes bases nos números seguintes deste parecer.
Transcrevem-se, porém, os dois períodos finais do referido relatório. Diz o Sr. Ministro das Obras Públicas e Comunicações interino:
"0s elementos fundamentais do sistema e a sua ordenação estavam já definidos pelo falecido Ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco.
Quem subscreve limitou-se a dar-lhe a forma definitiva e a juntar-lhe estas palavras de introdução".
7. Antes de passar à apreciação pormenorizada da proposta parece conveniente, por motivos de ordem e clareza, apresentar algumas observações prévias.
A) Refere-se a proposta de lei às casas de renda económica, designação diferente da adoptada nos decretos-lei n.ºs 23:052, 28:912 e 33:278, que tem sido de casas económicas. É evidente a intenção de distinguir umas das outras, embora materialmente possa a identidade ser perfeita.
Quais os caracteres distintivos?
No n.º 6 do relatório encontra-se uma definição (?): casa de renda económica é a que, "não excedendo determinados limites de renda, tem condições de acesso independentes, se encontra integrada em construções com o máximo de rés-do-chão e dois pisos tem o mínimo de divisões e acomodações indispensáveis à vida digna e confortável de uma família média".
Na verdade, nada de característico se encontra nesta definição que permita distinguir as casas definidas das casas económicas, a que os decretos atrás citados se referem.
A definição própria encontra-se talvez na base I. As verdadeiras características são as de carácter jurídico, em geral, e especialmente a condição 1a. daquela base - entidades que as podem construir - e os destinos que os construtores lhes podem dar (base IV).
B) O Dr. Oliveira Salazar, em 1933 (Discursos, vol. I, p. 202) condenou "os grandes falanstérios, as colossais construções para habitação operária, com seus restaurantes anexos e sua mesa comum". O autor do relatório (n.º 6) declara-nos que "insiste-se na resistência à construção dos grandes blocos, das grandes colmeias de casas ...". Mas na base II prevê-se - em condições especiais, é certo - "a construção de casas de renda económica constituindo agrupamentos ou blocos (sic)
convenientemente localizados e estudados por forma que resultem asseguradas boas condições de salubridade do conjunto".
Os três passos transcritos parecem referir-se a dois tipos de agrupamentos de habitações familiares distintos, convindo, por isso, precisar o significado que se atribui à palavra bloco.
Supomos que se rejeitam os grandes edifícios divididos em pequenas habitações, constituídas quase exclusivamente por dois ou três quartos de cama, servidos por extensos corredores ou grandes vestíbulos, a modos de hotel - o falanstérios -, em que o isolamento e quase impossível; mas que se tolera o agrupamento de habitações familiares, convenientemente separadas umas das outras - como nos prédios de Lisboa -, embora com meios de acesso (escadas) comuns a um certo número de habitações, dispostas em andares, com dois ou mais inquilinos em cada andar.
Estas habitações podem formar grandes prédios contínuos ou blocos (em francês blocs, em espanhol bloques), dispostos em linhas paralelas, ligadas ou não por outras transversais (ver Viviendas protegidas. Legislación y Formularios, Madrid, 1941, p. 66).
A este último significado nos cingimos, em harmonia - parece-nos - com o pensamento do autor da proposta de lei.
C) As expressões habitação, casa, fogo, moradia independente, parte de casa, acesso independente outras frequentemente empregadas nas bases nem sempre correspondem ao sentido que se lhes atribui na linguagem vulgar, motivo por que se nos afigura conveniente precisar o sentido que lhes atribuímos.
Casa será designação genérica dos edifícios destinados a residência de pessoas;
Habitação, a casa isolada ou parte de uma casa que se possa isolar por meio de portas, para residência de uma só família;
Fogo ou lar, o mesmo que habitação;
Divisão, um dos compartimentos da habitação;
Moradia independente, casa isolada das outras por duas, três ou quatro faces e destinada a residência de uma só família;
Parte de casa, habitação no interior de uma casa, dividida de modo que várias famílias nessa casa possam viver isoladas umas das outras (como os vizinhos do mesmo andar em Lisboa);
Acesso directo, escada, vestíbulo ou corredor que permita entrar numa habitação sem atravessar outras a que seja comum (como as escadas dos prédios de Lisboa);
Acesso independente, escada, vestíbulo ou corredor para serviço exclusivo de uma só habitação.
8. O problema social, de gravidade crescente, cuja resolução se iniciou com o decreto-lei n.º 23:052 e se desenvolveu nos decretos-lei posteriores n.º s 28:912 e 33:278, não difere essencialmente - convém repeti-lo - do que constitui objecto da proposta de lei n.º 45. Pretende-se, em suma, fazer construir pelo Estado ou incitar certas entidades particulares a construírem habitações que possam ser vendidas ou dadas de arrendamento a chefes de família, mediante relativamente pequenas prestações ou rendas mensais, aquelas e estas fixadas em função dos rendimentos do agregado familiar e, de modo indirecto, do número e idade dos seus componentes. O fim social é duplo: impedir a acumulação de moradores nas escassas habitações existentes, com os lastimosos inconvenientes morais da promiscuidade, e melhorar as condições higiénicas e de conforto das próprias habitações.
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Embora em relatórios e preâmbulos de decretos e, mais ainda, nas discussões públicas se encontrem alusões a dois estratos ou classes sociais - a classe pobre ou dos trabalhadores e a classe média -, o certo é que na legislação promulgada e na proposta não se encontra qualquer critério discriminativo para a classificação. Não seria fácil estabelecê-lo e, se o fosse, mais valia destruí-lo ou, pelo menos, ignorá-lo.
0 que se tem passado é isto: as duas classes de casas que primeiro se construíram (classes A e B) comportam diferentes tipos (I, II e III), que se distinguem pela área crescente - desde A-I até B-III - da superfície destinada a habitação, o que implica, em igualdade dos outros factores, a necessidade de o morador adquirente pagar maiores prestações mensais; mas nenhum limite ou condição restritiva se lhe impôs que não fosse a capacidade de pagar regularmente a prestação fixada. Daqui resultou - e pode dizer-se que felizmente - uma certa mistura de classes em cada um dos bairros construídos, havendo trabalhadores manuais em casas das mais caras e trabalhadores intelectuais (funcionários, oficiais do exército, empregados de escritório, etc.) em casas de menores rendas.
Os resultados obtidos são tão satisfatórios, pelos múltiplos aspectos por que podem considerar-se, que o decreto-lei n.º 33:278, de 1943, o último publicado sobre a matéria, elevou o número de classes de casas a quatro (A, B, C e D), o que contribuirá - diz o seu autor - "para a resolução do problema da habitação económica das famílias com proventos mensais de 1.500$ a 3.000$, entre as quais se encontram as dos oficiais das forças militares da Nação e as de muitos funcionários do Estado e municipais".
A leitura da proposta de lei n.º 45 mostra que a mesma indiscriminação de classes sociais nela subsiste, o que só pode merecer aplausos da Câmara Corporativa.
Parece, entretanto, que a intenção do legislador de ter em conta, na distribuição das moradias, o rendimento mínimo dos agregados familiares a que elas se destinam nem sempre, no passado, foi bem compreendida ou respeitada, de onde resultou que alguns adquirentes de casas económicas preferiram ou aceitaram as de rendas muito inferiores às que, razoavelmente, poderiam pagar. Não duvidaram os tais, por ganancioso espírito de poupança, sacrificar o bem-estar da própria família e tirar a outrem o que, em boa justiça social, lhes era destinado. Procurou o autor da nova lei evitar a repetição do abuso, proibindo que "tome ou mantenha de arrendamento uma casa de renda económica quem aufira rendimentos superiores a seis vezes a respectiva renda" (cf. base XIX). Mas esta proibição - aliás defeituosa na forma - não constitui realmente um critério de discriminação de classe pobres e médias, mas simples regra de disciplina e, mesmo, de solidariedade social.
9. À identidade de fins da legislação já promulgada e da que hoje se propõe não corresponde, porém, identidade dos meios por que numa e noutra se procura alcançá-los. Na primeira o Estado e os municípios adiantavam os capitais necessários e uma organização especial, dependente do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, denominada "Serviço de construção de casas económicas", tomou o encargo de construir as casas, conforme projectos estudados de tal modo que o seu custo não excedesse os limites que os decretos-lei fixaram, custo baseado nas séries de preços então correntes dos materiais, salários e transportes.
Todas as casas económicas deviam ser, e foram, vendidas aos moradores-adquirentes mediante prestações mensais em que se incluem: o juro e amortização do ca-
pital (renda); os prémios dos seguros de vida, invalidez, doença e desemprego do adquirente, e mais o prémio do seguro contra o risco de incêndios.
Ora as prestações - soma de todas estas parcelas - foram fixadas a priori como certa fracção do salário do morador; as taxas de juro e prazos de amortização do custo das habitações foram também determinados pela lei; o custo de cada moradia - incluindo terrenos -, que de todos estes factores depende, encontrou-se, assim, indirectamente limitado e o Estado não deixou, nos últimos decretos, de expressamente o fixar. Resultou, então, que o serviço que dos projectos se ocupava, não podendo influir nos preços dos materiais, mão de obra e transportes, para não exceder o custo arbitrado, reduziu as áreas habitáveis a extremes limites, sem prejuízo, porventura, das condições estritas da higiene, porém com sacrifício certo das exigências mínimas de comodidade que uma habitação permanente deve oferecer.
Na proposta de lei n.º 45 admite-se que as casas sejam não só vendidas, como anteriormente, mas também dadas de arrendamento. Fixam-se: os limites das rendas em um sexto do salário familiar (bases I, condição 6a., e XIX); o preço de renda em vinte vezes a renda anual (base V); a taxa de juro (4 por cento) e o prazo de amortização (vinte e cinco anos) dos capitais emprestados aos construtores (base XII), e os lucros máximos das sociedades anónimas ou cooperativas constituídas para edificar casas de renda económica (base III). Mas a principal característica da nova legislação consiste, como já foi dito, em passar para entidades particulares a iniciativa da construção, o angariamento dos capitais e os encargos da administração. A estas entidades compete estabelecer os projectos das casas, sujeitos porém ao "arranjo previsto" dos terrenos que as câmaras municipais venderem para aquele fim (base VII). O excesso de custo, se o houver, em relação aos limites de renda fixados na base I, condição 6a., constituirá encargo da entidade construtora. A esta compete providenciar para que tal não suceda, se o seu intuito for puramente lucrativo, como se admite.
Senhorios e inquilinos ficam, em princípio, sujeitos às leis gerais e disposições municipais que regulam as relações entre aquelas ou dizem respeito à construção e conservação dos prédios urbanos. Cessa, portanto, a obrigação dos seguros de vida, doença, invalidez e desemprego, que oneravam as prestações dos adquirentes das casas económicas; por isso os limites de renda são mais baixos que os das prestações pagas pelos moradores-adquirentes daquelas.
10. Mas será comercialmente viável uma empresa que se proponha explorar o negócio das casas de renda económica com as limitações rigorosas que a lei impõe?
É dificultosa a resposta, por motives óbvios; mas pode tentar-se uma verificação numérica das condições em que ela será afirmativa ou negativa, já que o grande número e a variabilidade dos factores de que depende maior precisão não consentem.
A Câmara tomará por base dos seus cálculos alguns resultados obtidos nos bairros de casas económicas de Lisboa, especialmente no da Madre de Deus, com certas correcções que as diferenças de épocas e novos elementos de apreciação aconselham.
Os tipos de casas neste cálculo considerados serão os designados por B-II e B-III, isto é, casas de cinco divisões, além da cozinha, despensa, casa de banho e retrete. Correspondem estes tipos, aproximadamente, aos das habitações de 1a. classe, mencionadas na condição 6a. da base I da proposta de lei, para rendas até 400$ ou 500$ por mês.
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A uma casa deste tipo corresponde:
[Ver Tabela Na Imagem]
Neste cálculo não se contou com os impostos para o Estado e o município, de que a lei não concede isenção passados doze anos, nem com a depreciação gradual da casa, que fatalmente se dará, sejam quais forem os cuidados de conservação que houver, o que obriga a constituir reservas para reconstrução.
A renda que serviu de base ao cálculo anterior pode considerar-se elevada para as casas do tipo B-II e corresponde ao salário familiar de 2.400$ (grupo G ou H do decreto-lei n.º 26:115).
Para, que a solução seja comercialmente viável, nas hipóteses consideradas, torna-se necessário, portanto, reduzir o custo do terreno e da construção, sem diminuir a área desta. Os bairros de casas de renda económica terão, possivelmente, de se afastar cada vez mais do perímetro das cidades, com maiores encargos de transporte e incomodo para os moradores; e serão inexequivéis se houver novos aumentos dos preços dos materiais, dos respectivos transportes e da mão de obra.
A discussão da proposta mostrou, entretanto, que as conclusões anteriores aplicáveis às empresas constituídas com intuitos lucrativos não deviam aplicar-se sem atenuantes aos organismos corporativos e às instituições de previdência social, que buscam, na construção de casas económicas ou de rendas económicas, uma materialização, por assim dizer, das suas reservas, pondo-as, tanto quanto possível, ao abrigo das flutuações do poder de compra da moeda corrente. Para tais entidades, a constância do rendimento é mais importante que a grandeza dos lucros.
A Câmara Corporativa não pode tirar por conclusão dos cálculos e observações anteriores que a proposta de lei não oferece uma solução "em termos viáveis" do problema da habitação das classes que só dispõem de pequenos rendimentos; parece-lhe, pelo contrário, que muito convém promulgá-la, para se verificar até que ponto a iniciativa particular, orientada e auxiliada pelo Estado, pode colaborar naquela resolução. O óptimo seria que a iniciativa particular só por si bastasse. Infelizmente, trata-se de um problema de largo alcance social que se apresenta, por força das circunstâncias, em termos que escapam ao jogo de interesses - ou de egoísmos - em que a organização económica do mundo
se fundamenta. Aliás, ter-se-ia já resolvido por si próprio. Como se trata de um problema social, que é tam-
bém de ordem, dificultoso será faze-lo sair do âmbito das atribuições do Estado.
Com estas restrições, que a sua prudência lhe ditou, a Câmara Corporativa é de parecer que a proposta merece aprovação na generalidade.
11. A análise e discussão do conteúdo das diferentes bases levou a Câmara Corporativa a formular acerca de algumas delas as seguintes observações e alvitres:
BASE I. - Como doutrina é, de modo geral, aceitável. Quanto aos pormenores suscitam-se certas dúvidas para as quais se sugerem soluções que parecem melhorar o texto e facilitar a interpretação.
a) Na condição 1a. diz-se que podem construir casas de renda económica as "grandes empresas industriais", sem que haja razão plausível para excluir as "médias" e "pequenas" empresas, às quais pode convir construí-las em terrenos próprios ou expressamente adquiridos para esse fim, próximo das respectivas instalações.
Sugere-se a eliminação da palavra "grandes".
b) Na mesma condição 1a. incluem-se as "sociedades anónimas para o efeito especialmente constituídas", o que suscita dúvidas quanto à situação das sociedades que para idênticos fins se fundaram ao abrigo do decreto n.º 16:055, de 12 de Outubro de 1928, ainda não revogado. Não parece conveniente que a tais sociedades se recuse o direito de construir casas de renda económica, nos termos da lei proposta, mantendo para as já construídas os benefícios e obrigações que o citado decreto lhes conferia.
Ressalvar-se-ia aquele direito escrevendo como esta Câmara sugere:
... sociedades anónimas para o efeito já constituídas ou que para ele especialmente só constituam ...
c) Na condição 2a. exige-se que tais casas sejam edificadas "de harmonia com os regulamentos de construção civil em vigor ...".
Estes regulamentos, nos raros concelhos onde existem, são regulamentos municipais para as construções urbanas sem distinção e contêm, por vezes, exigências que, rigorosamente aplicadas, não deixam usar novos e comprovados processos de construção ou empregar materiais económicos que a moderna indústria produz e que se podem utilizar sem prejuízo da salubridade e conforto das habitações.
Para o género especial de casas de que se trata lógico parece que novos e especiais regulamentos se adoptem.
A Câmara Corporativa sugere, portanto, que na condição 2a. simplesmente se diga:
... de harmonia com os regulamentos especiais que serão publicados pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações.
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d) Na condição 3a., onde se diz "acesso próprio e directo a cada fogo", convém escrever somente (Cf. alínea C) do n.º 7) "acesso directo a cada fogo", visto que se trata de casas com vários inquilinos. O "acesso próprio ou independente", isto é, uma escada privativa para cada morador, agravaria ainda mais o custo da construção, talvez sem grande proveito para os moradores. É certo que neste caso o arrendatário de um andar ou parte de um andar (direito ou esquerdo) terá serventia forçada pela escada comum, mas é fácil, por meio de uma regulamentação apropriada, distribuir por todos os moradores a despesa do tratamento da escada. Um empreiteiro de limpezas o tomaria a seu cargo.
A proposta de lei prevê a venda da habitação ao respectivo inquilino (Cf. bases IV e V), mesmo quando ela constitui parte de uma casa, o que implica a co-propriedade de certas parcelas da mesma: terreno, fundamentos, canalizações, telhado, etc. Nenhum inconveniente especial de ordem jurídica se acrescenta se a escada for também propriedade de vários senhorios.
Já se vê que a autorização de construir uma escada comum não invalida a de construir acessos independentes, se a empresa construtora os preferir.
e) Na condição 4a. admite-se que haja "redes públicas" de distribuição de águas e de drenagem de esgotos nas localidades onde se construírem casas de renda económica, o que, na maioria dos casos, não se verificará. Podem, todavia, construir-se redes privativas, com sistemas apropriados de captação de águas e de tratamento de esgotos. Por este motivo e para evitar dúvidas parece conveniente suprimir as palavras finais da condição 4a.: "tratando-se de centros industriais".
f) A condição 5a. ficaria talvez mais clara escrevendo-se:
5a. Terem, no máximo, rés-do-chão e dois pisos e contarem o mínimo de três divisões (habitações de 2a. classe) e de cinco divisões (habitações de 1a. classe), além de cozinha, despensa, casa de banho e retrete.
g) Na condição 6a. convém evitar o emprego da expressão "parte de casa", por significar em linguagem corrente "parte da habitação de uma família, arrendada a outra", o que é contrário ao espírito da lei.
Convém igualmente esclarecer que as rendas na mesma condição são rendas mensais, pois que noutra base há referência a rendas anuais.
Com as alterações apontadas a condição 6a. ficaria assim redigida:
6a. As rendas-bases mensais não excederem os seguintes limites:
a) Habitações de 1a. classe.
Em casa de um só fogo.......500$00
Em casa de vários fogos.....400$00
b) Habitações de 2a. classe:
Em casa de um só fogo.......300$00
Em casa de vários fogos.....240$00
h) O autor da proposta de lei ao fixar as rendas-bases limites da condição 6a. entendeu não considerar as variações do poder de compra da moeda, fenómeno que, infelizmente, atinge a própria moeda portuguesa. Ora, se as rendas-bases limites já se devem considerar baixas em relação aos preços actuais dos materiais e dos salários, qualquer agravamento destes pode - como se demonstrou - tornar inviável o sistema proposto. Convém
prever esta possibilidade e facultar ao Governo o meio legal de lhe atenuar as consequências. A Câmara Corporativa julga que para este fim convém juntar à base I um parágrafo assim redigido:
§ único. No caso de se verificar variação do custo da vida superior a 20 por cento em relação ao número-índice da data da publicação da presente lei, poderá o Ministro das Finanças elevar, por despacho, estes limites de renda para o efeito de futuras construções.
BASE II. - Reportando-nos ao que se disse na alínea B do n.º 7, parece que fica bem justificada a seguinte redacção desta base:
Em casos especiais e mediante autorização do Ministro das Obras Públicas e Comunicações, ouvido o do Interior, poderá permitir-se a construção de casas de renda económica agrupadas de modo que formem um só edifício ou grupos de grandes edifícios - blocos -, convenientemente localizados e estudados de forma que fiquem asseguradas as melhores condições de salubridade do conjunto.
Cada agrupamento ou bloco deve dispor de amplos logradouros comuns com arruamento ou arruamentos de serviço; excepcionalmente, quando a localização o justificar, deverá prever-se a inclusão dos estabelecimentos comerciais indispensáveis à respectiva população residente.
BASE IV:
a) Nos termos da alínea e), as empresas concessionárias de serviços públicos e as grandes empresas industriais podem arrendar as casas aos respectivos empregados e assalariados. O princípio é aceitável, mas, pelas razões já expostas a propósito da base I, convém eliminar a palavra "grandes".
b) As empresas mencionadas na mesma alínea e) pode convir construir casas, nos termos da lei proposta, para os seus empregados e assalariados, a fim de agrupar perto das instalações industriais o pessoal que nela, serve e que, porventura, não encontraria nas proximidades habitação adequada. Ora, parece que, nos termos da lei do inquilinato, um empregado assalariado que abandone o serviço da empresa poderá permanecer na casa arrendada enquanto pagar pontualmente a renda.
Onde alojará a empresa os novos agentes que vierem substituir os que saíram? Terá de construir novas casas?
Embora na alínea c) se diga "respectivos", em referência a empregados e assalariados, talvez convenha acrescentar:
... pelo tempo em que estiverem ao serviço da empresa.
c) Os organismos corporativos e de coordenação económica também possuem os seus empregados e assalariados, aos quais, naturalmente, desejarão arrendar as habitações que construírem enquanto eles estiverem ao seu serviço; mas nenhum inconveniente haverá em que os mesmos organismos vendam ou arrendem as casas aos empregados e assalariados das "respectivas actividades coordenadas". Sugere-se, por estes motivos, a seguinte (redacção para a alínea c) da base IV:
d) As construídas por organismos corporativos ou de coordenação económica: arrendamento aos seus empregados e assalariados; arrendamento e venda aos empregados e assalariados das respectivas actividades coordenadas.
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BASE V:
a) No corpo desta base convém declarar que se trata de "vinte vezes a renda-base anual".
b) Ao § 2.º talvez mais convenha a redacção seguinte:
§ 2.º São permitidas vendas a prestações, se-
gundo as tabelas de juro e amortização que forem
aprovadas pelo Ministro das Finanças
c) Uma vez que a lei permite ,que o inquilino-adqui-
rente, pague em prestações o preço da moradia, parece conveniente - a exemplo do que se pratica na venda de casas económicas - que ele pague com a anuidade o seguro de vida, doença, desemprego e invalidez, aplicando-se-lhe - com as modificações necessárias - a doutrina dos artigos 36.º. a 39.º do decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933.
A adopção deste princípio exige que à base V se acrescente o seguinte:
§ 3.º No caso previsto no parágrafo anterior aplicar-se-á a doutrina dos artigos 36.º a 39.º do decreto-lei n.º 23:052, de 23 de Setembro de 1933, com as modificações exigidas pela presente lei.
BASE VII:
a) Parece conveniente, por motivos de clareza, dar ao corpo desta base a seguinte redacção:
As câmaras municipais, abrirão concurso público para escolha do adjudicatário de cada lote de terreno destinado à construção de casas de renda económica.
b) Por idênticos motivos convém modificar um pouco o texto do § 1.º, escrevendo:
§ 1.º A arrematação será anunciada com a antecedência de, pelo menos, três meses, e das condições do concurso constarão o preço da alienação por metro quadrado de terreno, a planta geral do arranjo previsto e a documentação que os concor-
rentes devam apresentar, a qual incluirá sempre...
c) O processo indicado, no § 3.º da base VII, para a apreciação das propostas; e escolha dos adjudicatários dos terrenos, pareceu à Câmara Corporativa demasiado complexo e moroso. A comissão de delegados dificilmente reunirá para as adjudicações de terrenos situados em concelhos fora de Lisboa, Porto e de algumas outras capitais de distrito. Pois que pertence às câmaras municipais decidir sobre a adjudicação, nenhum inconveniente grave pode advir da falta da comissão, que é, apenas, consultiva.
Sugere-se, por estas razões, o seguinte texto para o referido parágrafo:
§ 3.º A apreciação das propostas e a adjudicação serão feitas pela câmara municipal, mas a deliberação só será executória depois de aprovada pelo Ministro das Obras Públicas e Comunicações, depois de ouvido o Serviço de construção de casas económicas. O Ministro poderá modificar, por despacho fundamentado, a deliberação da câmara.
d) Os concorrentes a adjudicação dos lotes de terrenos para a construção de casas de renda económica devem indicar as "rendas-bases para cada classe e tipo de construção".
Estas rendas-bases - que não podem ser superiores às rendas-limites da base I - constituem uma obrigação contratual do adjudicatário. Em vinte vezes o seu valor anual se fixo preço de venda da habitação. O senhorio
não pode alterar estas rendas sem acordo do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
Ora certas empresas mencionadas na condição 1.º da base I e na alínea e) da base IV podem construir e dar de arrendamento casas de renda económica e na lei nada se encontra que proíba às ditas empresas construí-las em terrenos que já possuam ou que, para esse fim especial, adquiram próximo das respectivas instalações industriais, como acima se disse. Muito convém, pelo contrário, que esta faculdade se mantenha.
Mas, neste caso, como não houve hasta pública, não houve prévia fixação da tal renda-base. Como se há-de fixá-la?
A Câmara Corporativa sugere que seja no próprio certificado de aprovação do projecto, mencionado no § único da base XIII, para o que convém acrescentar à base VII um novo parágrafo, que pode ficar assim redigido:
§ 4.º Quando as casas de renda económica hajam de ser construídas em terrenos já pertencentes a entidades para tal fim autorizadas, os documentos a que se refere o § 1.º desta base deverão ser apresentados, com o pedido de licença de construção, a respectiva câmara municipal.
BASE VIII. - Na proposta de lei não se declara expressamente quem executa os trabalhos de urbanização (ruas, esgotos, águas, etc.) nos terrenos que o município adjudica a determinada entidade, embora se depreenda que a esta tal encargo pertence. Esclarece-se a dúvida redigindo a base da seguinte forma:
BASE VIII. - Os agrupamentos de casas de rendas económicas considerar-se-ão encorporados nas áreas urbanizadas dos respectivos concelhos, competindo às câmaras municipais a conservação dos seus arruamentos e logradouros públicos. A execução dos trabalhos de urbanização pertence à entidade que construir o agrupamento.
BASE X. - Aponta-se a redacção que parece mais conveniente para o § único:
§ único. Se durante este período a casa for adquirida pelo respectivo morador, o benefício da isenção só persiste se a casa continuar a ser habitada pelo adquirente ou seus herdeiros e, no caso de ausência forçada daquele, se for habitada por locatário ou adquirente que obedeça às condições exigidas por esta lei, o que será comprovado perante o Ministro das Finanças.
BASE XI. - No corpo desta base devem substituir-se as palavras "do presente decreto-lei" por "da presente lei".
A Câmara Corporativa não alvitra outras modificações do texto desta base, mas observa que o decreto n.º 16:055, de 12 de Outubro de 1928, concedia às empresas construtoras de casas económicas outras isenções, tais como a do imposto sobre aplicação de capitais, a do selo nas acções e obrigações, a das contribuições e taxas relativas aos mesmos t^los ou aos dividendos ou rendimentos destes, ou sobre as transacções com eles efectuadas.
BASE XIII. - Deve substituir-se a expressão "neste decreto-lei" por "nesta lei".
BASE XIV. - Convém, por óbvias razões, alterar a redacção desta base nos seguintes termos:
a) No § único em seguida às palavras "sobre o respectivo terreno" acrescentar "se este tiver sido adquirido nos termos e para os fins da presente lei".
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b) Designar por § 1.º o § único e acrescentar um 2.º, assim redigido:
§ 2.º Esta disposição não se aplica as empresas mencionadas na alínea e) da base IV, quando o terreno não tiver sido adquirido para o fim especial da construção de casas de renda económica.
Base XVIII. - Q senhorio, de modo geral, encontra-se mal defendido, neste projecto de lei, contra os abusos que os inquilinos possam cometer contra eles, designadamente os de falta de pagamento das rendas. Julga-se por isso que haveria certa conveniência em acrescentar um novo parágrafo, nos seguintes termos:
§ 5.º Se o inquilino deixar de pagar as rendas de dois meses, poderá o senhorio requerer à câmara municipal que promova o seu despejo nos termos da presente lei.
BASE XIX:
a) A forma absoluta de proibição do "tomar ou manter de arrendamento" uma casa quem aufira rendimentos superiores a seis vezes a respectiva renda pode oferecer inconvenientes graves para o inquilino e para o senhorio, se este for uma empresa das mencionadas na base VII.
Para o inquilino, porque um pequeno aumento de salário acima do limite citado logo o obriga a mudar de residência, o que pode acarretar-lhe encargos superiores ao aumento, quer por ter de pagar maior renda e mais as despesas de mudança, quer por não encontrar casa devoluta próximo do seu local de trabalho.
Para o senhorio (empresa) as contínuas mudanças de residências do seu pessoal e, porventura, o afastamento para longe das instalações de certos agentes pode anular a vantagem que se pretendeu obter com a construção do bairro. O remédio será... não conceder aumentos de salário aos agentes cuja colaboração mais se deseja.
Parece à Câmara Corporativa que se mantinha o fim moral desta proibição (Cf. n.º 8 deste parecer) e se atenuavam os efeitos nocivos que se apontaram escrevendo:
Não poderá tomar de arrendamento, por si ou por interposta pessoa, uma casa de renda económica quem aufira rendimentos superiores a seis
vezes a respectiva renda; podendo, contudo, manter-se na mesma casa enquanto o rendimento total, por aumentos ulteriores, não exceder em 20 por cento aquele limite.
b) Ao § 1.º desta base convém acrescentar as seguintes palavras:
Com excepção do abono de família e quaisquer subsídios de carácter geral concedidos a título de compensação por aumento de custo de vida.
12. Parece à Câmara Corporativa que uma vez introduzidas na proposta de lei n.º 45 as modificações atrás sugeridas, ela representará uma contribuição importante para a resolução do problema da habitação das classes sociais cujos proventos se podem considerar diminutos ou, apenas, suficientes.
Palácio de S. Bento, 5 de Abril de 1944.
Domingos Fezas Vital.
Marcelo José das Neves Alves Caetano.
Bernardo Ernesto Moniz da Maia.
Gonçalo de Vasconcelos Pereira Cabral.
José Duarte Ferreira.
José Joaquim Ferreira da Silva.
Mário Borges.
Porfírio Pardal Monteiro.
António Colares Vieira.
António Tarujo Formigal.
Luiz Filipe Leite Pinto.
Eduardo Correia de Barros.
Albano do Carmo Rodrigues Sarmento.
António Pedrosa Pires de Lima.
Álvaro Salvação Barreto.
Belchior Rodrigues Martins de Carvalho.
João Rocha dos Santos.
Leonel Pedro Banha da Silva.
Fernão Manuel de Ornelas Gonçalves.
Manuel da Silva Carreiro.
João Serras e Silva.
Gustavo Cordeiro Ramos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Fernando Emídio da Silva.
Albino Vieira da Rocha.
Ezequiel de Campos.
António Vicente Ferreira, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA