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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES
N.° 190
ANO DE 1945
7 DE JULHO
ASSEMBLEA NACIONAL
III LEGISLATURA
(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)
SESSÃO N.° 187, EM 6 DE JULHO
Presidente: Ex.mo Sr. José Alberto dos Reis
Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
José Luiz da Silva Dias
SUMÁRIO: — O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. — Foi aprovado o Diário da penúltima sessão.
O Sr. Deputado Carlos Borges referiu-se à sindicância à Câmara Municipal de Abrantes.
O Sr. Deputado Rocha Páris ocupou-se da reorganização dos serviços hospitalares.
O Sr. Deputado Duarte Marques tratou das transgressões de ordem burocrática provocadas pelo sistema corporativo.
O Sr. Deputado Arnaut Pombeiro ocupou-se da situação económica dos médicos rurais e municipais.
O Sr. Deputado Querubim Guimarãis requereu informações sôbre a execução do decreto-lei n.º 24:402 (descanso dominical).
O Sr. Deputado Albano de Magalhãis tratou do problema vinícola.
Ordem do dia. — Concluiu-se a discussão, na especialidade, e votação das alterações à Constituïção e ao Acto Colonial. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: — Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 41 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhãis.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre de Quental Calheiros Veloso.
Alfredo Luiz Soares de Melo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
Amândio Rebêlo de Figueiredo.
António de Almeida.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Cristo.
António Rodrigues Cavalheiro.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur de Oliveira Ramos.
Artur Ribeiro Lopes.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernando Augusto Borges Júnior.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco da Silva Telo da Gama.
Henrique Linhares de Lima.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Jaime Amador e Pinho.
João Ameal.
João Antunes Guimarãis.
João Duarte Marques.
João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luiz Augusto das Neves.
João Pires Andrade.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Mendes Arnaut Pombeiro.
Joaquim Saldanha.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alberto dos Reis.
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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 190
José Luiz da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Rodrigues de Sá e Abreu.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Júlio César de Andrade Freire.
Juvenal Henriques de Araújo.
Luiz de Arriaga de Sá Linhares.
Luiz Cincinato Cabral da Costa.
Luiz da Cunha Gonçalves.
Luiz Lopes Vieira de Castro.
Luiz Maria Lopes da Fonseca.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Joaquim da Conceição e Silva.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Mário de Figueiredo.
Pedro Inácio Álvares Ribeiro.
Querubim do Vale Guimarãis.
Rui Pereira da Cunha.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: — Estão presentes 60 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão. Eram 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: — Está em reclamação o Diário da penúltima sessão. O da última ainda não chegou à Assemblea.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero, aprovado o referido Diário.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Borges.
O Sr. Carlos Borges: — Sr. Presidente: pedi a palavra por me julgar na obrigação de participar a V. Ex.ª e à Assemblea que, pelo Ministério do Interior, me foi facultado o processo de inquérito feito à Câmara Municipal de Abrantes.
Êste processo é bastante volumoso, tem muitos documentos e obriga a uma aturada leitura e a um exame minucioso.
Não é, portanto, Sr. Presidente, assunto que possa versar-se no curtíssimo período de antes da ordem do dia.
O carácter especial desta sessão — sessão extraordinária —, em que só podem ser versados os assuntos para que foi convocada, tolhe-me a apresentação de um aviso prévio.
Contudo, para que se não imagine que êste caso deixou de merecer a minha atenção, venho participar a V. Ex.ª que na primeira oportunidade enviarei à Mesa um aviso prévio, no qual tratarei da maneira como o Govêrno tem interpretado e dado execução aos artigos 378.°, 379.°, 381.°, 382.°, 383.° e 384.° do Código Administrativo e, simultâneamente, farei a crítica do processo de inquérito a que aludi.
É isto, Sr. Presidente, que entendi dever significar a V. Ex.ª e à Assemblea.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Rocha Páris: — Sr. Presidente: um dos problemas de mais vasto alcance social que o Govêrno dedicadamente enfrentou e está procurando resolver com o maior acerto é o da remodelação dos serviços hospitalares.
Para tal fim foram nomeadas há tempos pelos Srs. Ministros do Interior e das Obras Públicas e Comunicações três comissões especializadas, destinadas, respectivamente, ao estudo:
1) Dos hospitais centrais de Lisboa, Pôrto e Coimbra;
2) Da rêde hospitalar geral;
3) Da rêde hospitalar para tuberculosos.
Estas comissões, cujo labor tem sido notável, procuram resolver os graves problemas que lhes foram propostos, integrando os seus estudos no plano previsto no Estatuto da Assistência Social, publicado pela lei n.º 1:998, de 15 de Maio de 1944.
É já muito importante o que pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações tem sido feito em matéria de remodelação e novas construções relativamente aos assuntos que constituem o âmbito da primeira e terceira comissões citadas, pelo que é digno do maior aprêço e louvor o trabalho realizado pelos Srs. Ministro das Obras Públicas e Comunicações e Sub-Secretário de Estado das Obras Públicas.
E, assim, estou informado de que o Hospital de S. José, em Lisboa, se encontra quási integrado nas modificações propostas e que estão concluídas e avançam ràpidamente outras obras, tais como:
Colónia Agrícola para Alienados, em Coimbra (já pronta a funcionar);
Leprosaria Rovisco País, em Lisboa, que deverá ficar concluída em 1946 e que resolve definitivamente êste problema de hospitalização;
Hospital de Oncologia de Lisboa, cuja conclusão está prevista para 1946;
Sanatórios para tuberculosos no Pôrto e Viseu, em adiantado estado de construção;
Hospitais Escolares de Lisboa e Pôrto (o primeiro com 1:500 camas e o segundo com 1:000 camas), em plena construção.
Relativamente aos assuntos abrangidos pela esfera de acção da segunda comissão (estudo da rêde hospitalar geral), que, pela sua vastidão e complexidade, têm de suportar um ritmo mais lento, vou tentar fazer mais demoradas considerações, que se justificam plenamente pela importância fundamental de que se reveste esta magnífica obra, que, logo que estiver executada, representará um dos maiores títulos de glória do Govêrno do Estado Corporativo.
Segundo creio, o plano da rêde hospitalar geral compreende a reorganização ou construção nova de:
a) Hospitais gerais em Lisboa, Pôrto e Coimbra;
b) Hospitais distritais e regionais;
c) Centros de profilaxia e assistência social nos concelhos (hospitais concelhios);
d) Postos de consulta e socorro nos meios rurais mais importantes.
Já me referi, embora sucintamente, aos hospitais gerais, passando agora a tratar dos hospitais distritais e concelhios, escolhendo para tipo das minhas considerações (o que aliás é justo, visto conhecer melhor o assunto) o que se passa no meu distrito — o de Viana do Castelo.
Mas antes desejo focar de uma maneira geral, e como prefácio, a acção notabilíssima desenvolvida pelo Ministério do Interior através dos seus serviços de assistência, não só na protecção concedida aos hospitais e outros estabelecimentos de assistência, mas também na orientação e criteriosa direcção que tem pôsto no vasto estudo a que se está procedendo, sôbre a forma de realização dos mais importantes e instantes problemas postos pela publicação do Estatuto da Assistência Social.
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É verdadeiramente digna dos maiores aplausos e louvores a acção desenvolvida pelos Srs. Ministro do Interior e Sub-Secretário de Estado da Assistência no sentido de procurar realizar as indispensáveis obras de adaptação e reorganização dos serviços de assistência, que abrangem um dos mais importantes sectores da vida da Nação.
Pelo mapa que a seguir passo a ler (mapa n.º 1) verifica-se que no ano de 1944 foi gasta pelo Estado, só em subsídios aos hospitais e outras instituïções de assistência, a soma de 19:533.844$63.
Por êste mapa também ficam a conhecer-se números representativos da importância que assumem os nossos estabelecimentos de assistência.
E assim verifica-se que as suas receitas ordinárias atingem a verba de 97:092.381$27 e as extraordinárias a de 37:371.411$98, ou seja um total de 134:463.793$25.
O impulso que o Govêrno está dando à completa remodelação dos serviços hospitalares prevê comparticipações financeiras de grande vulto, que devem, porém, ser encaradas com a maior firmeza, pois o dinheiro gasto com a defesa e conservação da saúde dos portugueses constitue, sem dúvida, despesa abençoada por Deus!
Vou entrar agora na análise do problema particular do distrito de Viana do Castelo, cujos resultados me servirão para tirar as conclusões gerais que desejo apresentar ao Govêrno.
Para isso procurarei relatar primeiro o estado actual do problema hospitalar no distrito, focando em seguida o aspecto do problema depois de uma possível reorganização.
Devo neste momento agradecer às estâncias oficiais todas as facilidades e informações que me foram prestadas, sem as quais eu não teria podido organizar estas ligeiras considerações.
Pelo mapa que passo a ler (mapa n.º 2) vê-se que no distrito de Viana do Castelo existem actualmente 35 hospitais, com 35 enfermarias, com 318 camas, e 28 camas em quartos particulares, podendo desde já ser aumentadas 68 camas nas enfermarias existentes, o que constituïria um total de 414 camas, número êste manifestamente insuficiente para uma população de cêrca de 259:000 pessoas, atendendo a que está calculado que os hospitais devem ser providos de um número mínimo de camas igual a 3 por cento do número total de habitantes da sua zona de influência, o que, no caso presente, elevaria a cêrca de 770 camas as necessárias só para o internamento.
Com a reorganização em estudo, que gira em volta de um novo hospital a construir na cidade de Viana do Castelo e do já existente em Vila Nova da Cerveira, o problema ficará resolvido, permitindo, portanto, que os doentes do distrito nêle possam ser convenientemente tratados, com vantagens de toda a ordem.
Prevê-se que a capacidade de hospitalização, depois de construídos hospitais em Viana e Ponte do Lima e reorganizados os outros com pequenas despesas, passará de 375 para 813 camas.
Quere dizer: é realmente um dos problemas mais instantes êste a que nos estamos referindo.
O exemplo de Viana do Castelo poderá prestar-se para uma generalização, que levará à conclusão de que se impõe a resolução de tam magno assunto, cujo estudo o Govêrno tam corajosamente iniciou em Fevereiro de 1944.
Pela leitura do mapa n.º 3 poderá ser feita uma idea do que há a fazer.
O que solicitamos do Govêrno?
Apenas que continue trabalhando com todo o entusiasmo, de forma a que, num futuro muito próximo, a transformação que as prementes circunstâncias hospitalares exigem seja feita, para maior prestígio de todos os que a tam importante assunto têm ligado toda a sua atenção e todas as suas energias.
E os louvores que ao Govêrno são já devidos por tudo o que até hoje se tem feito subirão até ao ponto justo de uma verdadeira consagração nacional.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem! Mapas a que o orador se referiu e leu:
MAPA N.º 1
[Ver diário original]
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MAPA N.º 2
Mapa dos hospitais do distrito de Viana do Castelo, com indicação das enfermarias e quartos, número de camas existentes e da possibilidade de ampliação
[Ver diário original]
MAPA N.° 3
[Ver diário original]
O Sr. Duarte Marques: — Sr. Presidente: criado o sistema corporativo, veio com êle uma série de medidas de ordem disciplinar e fiscalizadora, que atingiu o máximo da impertinência, atropelando a vida de quem trabalha, amolecendo iniciativas e provocando por vezes sentimentos de revolta e de descrédito; e ainda, por virtude especialmente da confusão lançada nos espíritos com as séries infinitas de portarias e despachos, o prestígio do mesmo começou a ser abalado.
Deste estado de cousas nasceu um sudário de transgressões, que implicam deslocações, incómodos e despesas de toda a espécie a quem, por descuido, por ignorância ou pela confusão — mas nunca por má fé ou preconcebido desrespeito à lei —, foi envolvido no emmaranhado da fiscalização.
Para o nosso espírito de portugueses, de especial sensibilidade, o facto de se ser considerado forçadamente transgressor é já motivo de graves preocupações e por vezes de desalento.
Sr. Presidente: tem S. Ex.ª o Ministro da Economia sabido com superior critério orientar as actividades de acôrdo com o momento. Na louvável actuação de facilitar o labirinto burocrático do sistema e a sua depuração, conseguiu dar o primeiro impulso para que instalada fôsse a serenidade nos espíritos, criando em definitivo o Conselho Técnico Corporativo, organismo êste
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que aliás deveria em minha opinião ser o primeiro passo a dar ao pôr na prática o basilar problema da vida económica nacional.
Mas, Sr. Presidente, a crise em que a Nação se debate por mercê das desfavoráveis condições atmosféricas é de molde a provocar várias apreensões, e por isso é de considerar o desânimo dos que, além de não obterem o produto do seu trabalho, ainda estão sujeitos a outras contrariedades que a crise arrasta, algumas das quais, por serem do domínio da vontade humana, podem ser atenuadas ou debeladas.
Assim, o recente decreto do regime cerealífero, e do qual milhares e milhares de pequenos lavradores e seareiros beneficiaram, já foi, em boa verdade, um humano apoio moral dado pelo Govêrno à Nação. Nesta ordem de ideas, Sr. Presidente, todas as medidas governativas com o fim de aliviar as dificuldades do momento são merecedoras dos mais vivos aplausos.
Pensando desta forma, atrevo-me a dirigir a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Economia os meus apelos no sentido de que, além de outras determinações que facilitem a vida interna do sistema corporativo e que a sua preclara iniciativa tem em estudo, por S. Ex.ª seja também apreciada a possibilidade de aplicação de uma amnistia a todas as transgressões de ordem burocrática feitas às múltiplas determinações dimanadas como reguladoras da vida corporativa e postas em execução muitas vezes com objectivo diferente daquele que seria para desejar, alterando assim a concepção superior.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — E agora, Sr. Presidente, outro assunto me vejo obrigado a focar.
Ouvi com atenção as declarações do ilustre Deputado Sr. Dr. Carlos Borges. Essas declarações não interessam pròpriamente ao meu espírito nem certamente à maioria dos Srs. Deputados, porque não esclarecem devidamente o caso.
Não desejo fazer comentários, pois comentários desta natureza são contrários à minha maneira de ser.
Mas o que desejo é apresentar a V. Ex.ª um requerimento nos seguintes termos:
«Requeiro que pelo Ministério do Interior seja enviada à Mesa da Assemblea Nacional cópia das conclusões do relatório da sindicância feita à Câmara Municipal de Abrantes e que as mesmas sejam publicadas no Diário das Sessões».
São mais que justificativos os elementos de prova e sôbre os quais se demonstra exuberantemente a atitude de justiça do Govêrno colocando sob tutela a Câmara referida.
Com a publicação no Diário das Sessões da cópia citada, o assunto ficará devidamente esclarecido.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Arnaut Pombeiro: — Sr. Presidente: já tive a honra de me referir na Assemblea Nacional, na oportunidade que me facultou a discussão do Estatuto da Assistência Social, à situação dos trabalhadores rurais, cuja posição no quadro geral dos trabalhadores necessita e reclama ampla revisão, até se atingir aquele elevado objectivo e firme propósito de justiça social que o Sr. Presidente do Conselho traduziu na lapidar e programática frase: «A Revolução continua emquanto houver um lar sem pão».
Ora a verdade é que na origem da falta de pão está, em muitos lares, a doença, com todas as contingências económicas, que gera e o cortejo de misérias que condiciona.
Factor e índice de depauperamento orgânico, a doença tem, como é óbvio, considerável repercussão, não só no quadro geral da economia, onde pesa com avultados números, mas mais dramática e flagrante incisão, por falar ao sentimento, mais impressionável, em regra, que a inteligência, o directo e duro golpe no agregado familiar, que é atingido e reduzido a aflitivo desequilíbrio económico e desespero moral.
Entusiasta das admiráveis instituïções que são as Casas do Povo, privilegiada floração do corporativismo português e genial concepção da política rural do Estado Novo, que só por si bastava para impor e justificar a Revolução Nacional, nos seus mais arrojados e intrínsecos objectivos da reforma social, é inegável que da sua acção têm resultado, em benefício da grande família rural, uma, protecção económica e um confôrto espiritual e moral, a que me é grato prestar a mais rendida homenagem.
Só num país de acentuada, feição rural — cêrca de 60 por cento da sua população vive fora das suas cidades e vilas e outros 20 por cento ainda fora das grandes cidades — e por quem abarque e sinta tam flagrante realidade da nossa geografia humana e economia agrícola, como é o caso da inteligência ricamente facetada e do coração magnânimo e sensível do chefe ilustre da Revolução Nacional, poderia ter sido encontrada tam feliz e oportuna fórmula de resgate — qual é a Casa do Povo —, em que a não diferenciação social dos seus componentes, fiel tradução da anatomia e fisiologia das paróquias rurais, se alia à elevada finalidade dos seus objectivos.
Marca e honrado corporativismo português, as Casas do Povo ficarão a atestar para sempre um período áureo de realizações sociais e de sólida reconstrução nacional a partir dos seus verdadeiros alicerces.
Conhecendo-as de perto, por viver no seu seio, em meio rural, e nelas colaborar com progressiva fé desde a sua criação, auscultando-lhes as vicissitudes e compulsando-lhes o alcance e realizações, por isso mesmo mais as estimo e aprecio, não só no seu actual panorama, mas mais intensamente nas suas vastas possibilidades futuras, que a ainda recente criação da Junta Central, obra do ilustre Sub-Secretário de Estado das Corporações, Sr. Dr. Castro Fernandes, a quem presto homenagem pela acertada visão do problema, vera extraordinàriamente multiplicar em unidade de acção e robustecimento de forças.
Muito intencionalmente quis S. Ex.ª revestir a posse da referida Junta, composta de pessoas de provada competência, da necessária solenidade e importantes afirmações, que inequivocamente traduzem as esperanças que o Govêrno nela deposita.
Está, pois, em muito boas mãos a sorte dos trabalhadores rurais, tam extensa e profundamente são conhecidos no Terreiro do Paço os seus problemas e anseios e tam vigorosa é a vontade de os articular, solucionar e satisfazer.
Mas não é hoje pròpriamente, e por isto mesmo, a sua sorte que me preocupa, mas a de uma outra função social com a dêstes trabalhadores ìntimamente relacionada e que não tem sido até agora devidamente considerada como merece, quando é certo que uma solução paralela se impõe, a bem da justiça e equilíbrio sociais.
Quero referir-me, Sr. Presidente, aos médicos rurais, cuja situação económica se tem progressivamente agravado na razão directa das vantagens concedidas às populações dos campos.
Não me parece justo que a necessária e urgente dignificação de uma função social se possa, e muito menos
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deva, fazer à custa da mediocrização de uma outra; que já não vivia também em condições de desafôgo; que não impusessem até medidas de protecção conducentes à indispensável independência económica e moral.
Vasta obra de recuperação nacional, a assistência aos considerados débeis económicos deve ser feita a expensas da colectividade, cujo peso lhe pertence e cujos frutos colhe, e não, com certo exclusivismo, à custa da classe médica rural, que é forçada a aceitar, mercê da crise profunda que a mina, contratos que a nivelam às mais baixas categorias sociais.
Não tem descurado a Ordem dos Médicos, por intermédio do seu activo e brilhante Conselho Geral, tam grave e instante problema, antes o tem pôsto com clareza e objectividade perante o Govêrno da Nação, reclamando e pedindo justiça para tam prestante e digna classe, que se mantém, há anos já, em atitude de confiante expectativa.
Em representação entregue a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, em Dezembro de 1943, era a situação geral da classe médica devidamente focada com imparcial e lúcida visão, e nela tomava lugar de destaque a dos médicos rurais.
É transparente, Sr. Presidente, a causa principal da crise que se cifra na inscrição como sócios efectivos das Casas do Povo de todos os trabalhadores rurais e de muitos outros que daqueles se não diferenciam nìtidamente pelo seu modo de vida, mas que em certas regiões de pequena propriedade vivem, aliás com relativo desafôgo — todos êles com direito a assistência médica gratuita e que antes contribuíam mais ou menos para o pulso livre do facultativo local. É ainda a fixação de um médico, pela primeira vez, em certos meios rurais e mercê das Casas do Povo, quando êsses meios, pela limitação de recursos, não podem proporcionar mais que o subsídio do organismo corporativo.
Com vastas regiões a seu cargo, dificuldades e despesas de transporte, horário de trabalho de ilimitada elasticidade, estas Casas do Povo pagam mensalmente ao seu médico vencimentos de 500$ ou pouco mais, e muitas até bastante menos.
«Se tal situação é injusta e deprimente para a classe — acentua a Ordem —, não, é menos grave e perigosa para a sociedade em geral, pois, dando lugar à inevitável interiorização na qualidade da assistência médica, há-de vir a sentir-se inexoràvelmente na saúde da Nação».
Mais brilhante não é também a situação dos médicos municipais, integrados ainda nessa vasta rêde de clínica rural, quando não conseguem acumulações que lhes permitam, atingir um mínimo de receita compatível com o nivel de vida que lhes é exigido e a que têm incontestável direito.
E porque êste, Sr. Presidente, é o meu caso, sinto-me perfeitamente à vontade para chamar a atenção do Govêrno para a grande maioria dos médicos rurais, que não estão nestas condições e vivem muito mal.
Queixa-se amargamente a classe médica do desinterêsse da parte das entidades competentes pelos seus direitos, e creio que há toda a vantagem em que os poderes públicos conheçam estes justos clamores, pois confio em que, na natural e necessária seriação dos problemas a resolver, o dos médicos rurais esteja prestes a ser pôsto em equação e receber a equitativa solução por que todos anseiam.
É nessa convicção que apêlo para o Govêrno, especialmente para o titular ilustre da pasta do Interior, a cujo espírito de justiça e revolucionário dinamismo presto homenagem, e Ex.mo Sub-Secretário de Estado das Corporações, para um mínimo de pedidos formulados, que urge estudar e atender na medida do possível, mas adentro das indispensáveis normas de justiça.
Pelo que diz respeito aos médicos municipais, pede-se a actualização dos seus vencimentos, que, após a desvalorização da moeda, foram apenas multiplicados pelos coeficientes 12 ou 15, emquanto o aumento do custo de vida atingiu 30 vezes e mais, e ainda a hierarquização dos partidos em 1.ª, 2.ª e 3.ª classes, com permissão de permuta e possibilidade de promoção, elementares regalias conferidas a todos os funcionários, mas de que os médicos são lamentável e inexplicàvelmente excluídos.
Urge ainda a sua subordinação directa ao Estado; sob fiscalização dos seus serviços técnicos.
Porque já velha injustiça, nada impede, antes urgirá, quanto antes, extirpá-la do nosso Código Administrativo.
Os médicos das Casas do Povo pedem também e esperam confiadamente justiça, pois as suas reclamações limitam-se igualmente a um mínimo, que ninguém discute para qualquer outra classe de serventuários.
Porque, como disse, a Ordem dos Médicos tem já estudado e exposto o assunto superiormente, limito-me á breve enunciação e a acentuar a sua razão, justiça e urgência.
Em primeiro lugar o estudo dos seus vencimentos, estabelecendo-se um mínimo compatível com a dignidade da classe e concessão de reforma, com desconto obrigatório para a Caixa de Aposentações; seguem-se as permutas e transferências facultativas e a licença graciosa de 30 dias seguidos em cada ano que todos os funcionários gozam, e que a estes médicos é concedida, mas com a condição de se fazerem substituir à sua custa, o que não só elimina sempre o carácter gracioso, mas, na maioria dos casos, onde só há um médico e outro tem de vir de longe, comporta tal despesa que torna esta cláusula proibitiva.
Finalmente, a revisão cuidada e equitativa do cadastro dos sócios efectivos das Casas do Povo, de forma a evitar abusos, é medida que se impõe, bem como a extensão aos médicos dêstes organismos das regalias concedidas a todos os funcionários quando adoecem, pois a triste realidade é que também podem adoecer.
Creio, Sr. Presidente, que a simples enunciação destas reclamações, cuja justiça é tam evidente, e a convicção de que serão ouvidas por quem de direito constituem suficientes argumentos para acreditar na sua próxima satisfação, tam certo é o Govêrno de Salazar, ou antes os Govêrnos de Salazar, terem sempre por norma e timbre, em todos os problemas, a profundidade e acerto da solução, numa seriação lógica, em que o que parece demora, não é mais que exigência de estudo e escolha de oportunidade.
E temos todos de convir em que a satisfação dos mais caros anseios dos trabalhadores rurais, que geravam parte do mal-estar a que me refiro, tinham inegável prioridade — e tiveram-na de facto sôbre muitos outros.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Querubim Guimarãis: — Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que pelo Ministério do Interior e pelo Sub-Secretariado das Corporações — Instituto Nacional do Trabalho e Previdência — me sejam dadas informações sôbre o seguinte:
Se o decreto-lei n.º 24:402, que instituíu como regra o descanso semanal ao domingo, tem encontrado na sua
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aplicação algumas dificuldades e quais, indicando-se ao mesmo tempo:
a) O número de concelhos do País onde o descanso semanal se realiza ao domingo;
b) Quais as razões alegadas pelos restantes para assim se não fazer».
Sr. Presidente: desejo ocupar-me dêste assunto, mas não o quero fazer emquanto as informações que peço não chegarem ao meu conhecimento.
O Sr. Albano de Magalhãis: — Sr. Presidente: ao fazer-se a crítica simplista da organização corporativa, esquecem-se inteiramente das reais vantagens que essa organização corporativa trouxe às regiões vinícolas e ao comércio do vinho.
Sem ela a região vinícola do Douro teria sofrido uma catástrofe pior do que a da filoxera e os exportadores do vinho há muito tempo que teriam, na sua maioria, mergulhado na mais trágica das falências.
Tanto os viticultores da região do Douro como os exportadores do vinho do Pôrto têm-se agüentado, é o têrmo, neste tremendo momento de crise de exportação, há cêrca de cinco anos, mercê da organização corporativa e das facilidades financeiras que esta tem assegurado à lavoura e ao comércio.
Há quem diga que a Federação dos Viticultores da Região do Douro, ou seja a Casa do Douro, é uma organização que em qualquer regime poderia existir e até se atribue a sua fundação a apóstolos da região do Douro, que de facto sempre empregaram os seus melhores esforços na prossecução dêsse fim. De lamentar é que nada tivessem feito quando sobraçaram no antigo regime as pastas competentes. Foi preciso que o Estado Novo se estabelecesse para que um Ministro com a inteira consciência da organização corporativa — o nosso actual e ilustre colega engenheiro Sebastião Ramires, que não é do Douro — dotasse esta região com aquela organização, que o antigo regime era impotente, por maiores que fôssem as boas vontades dos seus servidores, para instituir.
Estes factos deviam ser lembrados numa época como esta, em que todos parecem apostados em maldizer ou a desvirtuar o sentido das cousas.
Os viticultores do País organizados corporativamente, em especial os viticultores da região do Douro e os exportadores do vinho do Pôrto, têm vencido, mercê da organização corporativa, a grave situação criada pelo encerramento dos seus mercados de importação. Justo é que se ponha em realce um facto que só os cegos não vêem.
Estamos, porém, chegados a um momento em que é ao Govêrno que compete, em face das condições actuais de trocas de produtos, velar pela manutenção de uma das maiores fontes de riqueza nacional, que abrange as mais diversas actividades e sustenta em grande parte do País a vida de numerosas famílias.
É ao Govêrno que compete graduar o valor das necessidades de exportação com o valor das necessidades de importação e de rever, nesta emergência, a política do vinho e dos seus derivados em conformidade com a economia do País.
Quero crer que não sejam descurados os magnos interêsses da lavoura e do comércio do vinho, que, quási estagnado, vai paralisando, pela acumulação de capitais, grande parte das actividades da vida portuguesa.
Espero que o Govêrno da Nação saberá assegurar o êxito de uma das suas maiores realizações — a organização corporativa do vinho.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão, na especialidade, a proposta de lei relativa a alterações à Constituirão Política e ao Acto Colonial.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: — Sr. Presidente: afirmei ontem que me sentia deminuído por falta de saúde, mas não tanto que chegasse ao ponto de votar contra mim mesmo.
Foi o que sucedeu quando se votou o artigo 95.°
Realmente, não me apercebi, bem como os signatários da minha proposta, com excepção do Sr. Deputado Nunes Mexia — com o que provou a agudeza do seu espírito e do seu ouvido —, da votação da emenda do Sr. Deputado Querubim Guimarãis, que a mim se afigurava tratar-se apenas do acrescentamento da palavra «absoluta».
Só assim se pode compreender que tivesse votado contra mim mesmo, o que evidentemente não estava nos meus propósitos nem dos meus colegas.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Ontem a votação ficou no artigo 95.°. Segue-se, pois, a discussão da proposta do Govêrno relativa à alteração do artigo 96.° da Constituïção.
Quanto a esta alteração não há na Mesa nenhuma proposta.
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém quere usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta governamental relativa ao artigo 97.° da Constituïção.
Quanto a êste artigo, há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Querubim Guimarãis perfilhando a sugestão da Câmara Corporativa relativa à última parte do § 1.° e uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis no sentido de ser eliminado o § 2.° da proposta de lei, bem como o § único do artigo 97.° da Constituïção.
E acaba de chegar à Mesa uma proposta assinada pelos Srs. Deputados Oliveira Ramos, Alçada Guimarãis, José Cabral, Lopes da Fonseca e João das Neves, do seguinte teor:
«Propomos que o § 2.° do artigo 97.° da proposta do Govêrno seja eliminado e a sua matéria incluída no artigo 101.° e que êste artigo fique a ter a redacção seguinte:
Artigo 101.° Do Regimento da Assemblea constarão:
a) A proïbição de preterir a ordem do dia por assunto não anunciado com a antecedência, pelo menos, de vinte e quatro horas;
b) As condições de apresentação de projectos de lei».
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
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O Sr. Antunes Guimarãis: — No Diário das Sessões a proposta que eu tive a honra de enviar para a Mesa ficou assim redigida:
A eliminação do § 2.° do artigo 97.° da proposta de lei, bem como do artigo 97.° da Constituïção.
Trata-se de um lapso, que eu já rectifiquei junto do Sr. Presidente da Assemblea.
Essa proposta ficou, por isso, assim concebida:
A eliminação do § 2.° do artigo 97.° da proposta de lei, bem como do § único do artigo 97.° da Constituïção.
As razões que determinaram esta rainha atitude já tive ocasião de as explicar quando usei da palavra no debate, na generalidade, desta proposta de revisão constitucional. E então eu afirmara ter certa repulsa em concordar, e até reprovei a inclusão desta doutrina, de se sujeitarem os projectos de lei apresentados pelos Deputados à apreciação de uma comissão especial, depois conhecida por «comissão filtro».
Entendia eu que tal precaução nunca deveria ser necessária com pessoas da categoria de todos os membros desta Assemblea, Nacional, cujo critério é garantia de julgarem da perfeita oportunidade da apresentação de projectos de lei. Mas, mesmo que uma tal determinação viesse a ser julgada conveniente, nunca deveria figurar na Constituïção Política da República Portuguesa, pois a sua matéria cabia perfeitamente no Regimento.
Portanto, Sr. Presidente, uma vez que o Govêrno entendeu ser o momento oportuno para uma revisão do estatuto constitucional e tocou em sua proposta naquele melindroso assunto, eu aproveitei o ensejo para propor a eliminação da proposta que o Govêrno sugere sôbre êste assunto, mas, simultâneamente, que se revogue o § único do artigo 97.° da Constituïção em vigor, relativo à tal comissão «filtro».
Desta forma só prestigiaríamos a Assemblea Nacional.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: só duas palavras para dizer por que não voto a proposta de alteração que está na Mesa e que perfilha, em substituïção da proposta do Govêrno, a sugestão da Câmara Corporativa.
Não é porque, excluída a parte final, entenda que ela diverge essencialmente, interpretada através da sua leira, da proposta do Govêrno. Entendi sempre esta proposta, excluída a parte final, como não sendo mais do que a interpretação do que já estava contido na Constituïção.
Porque era então precisa a disposição que aparece na proposta do Govêrno?
Era precisa porque a interpretação que efectivamente tem sido dada nesta Assemblea ao artigo 97.° da Constituïção não coincide com a que resulta do texto da proposta do Govêrno e que também, podia e devia ser dada àquele.
Para não cansar V. Ex.as direi apenas que a interpretação que tem sido dada à Constituïção nesta parte é a seguinte: a Assemblea não pode, mesmo a propósito de uma proposta do Govêrno em discussão, propor qualquer emenda que importe uma deminuïção de receitas ou um aumento de despesas relativamente àquela proposta.
Esta tem sido a interpretação adoptada quanto ao aumento de despesas e deminuïção de receitas, mas sempre supus que, quanto a esta última, ela era errónea.
Isto pelo que respeita a propostas de alteração a propostas ou projectos de lei.
Pelo que respeita à iniciativa de projectos de lei, tem a mesma disposição sido interpretada no sentido de que aquela não existe quando dêsses projectos resulte directamente, ou possa resultar indirectamente, aumento de despesa ou deminuïção de receita.
Ora creio também errónea esta interpretação quanto aos projectos de lei de que indirectamente possa resultar aumento de despesa ou deminuïção de receita, porque, devendo esta Assemblea, por disposição constitucional, limitar-se a votar as bases gerais dos regimes jurídicos, e nunca podendo prever-se os reflexos que essas bases gerais virão a ter no Orçamento do Estado, quando executadas, ela pode, pràticamente, conduzir à inutilização da iniciativa atribuída aos Deputados na primeira parte do artigo 97.° e, portanto, à negação do princípio que aí se estabelece.
Porque sempre julguei erróneas aquelas interpretações, entendi a doutrina da proposta como querendo afastá-las e fixar o verdadeiro sentido do texto constitucional. Quere dizer: entendi a proposta do Govêrno como interpretativa do texto constitucional.
Mas pode dizer-se: o texto da Câmara Corporativa não elimina as possibilidades de interpretação consentidas pelo actual texto constitucional, vigente e até as alarga, visto que na sua parte final expressamente admite propostas de alteração que deminuam receitas não criadas por leis anteriores às propostas de lei.
Neste aspecto e neste sentido, a sugestão da Câmara Corporativa seria de aceitar. Mas não o é, emquanto pode conduzir à conclusão de que a interpretação dada pela Assemblea ao texto constitucional vigente de que não podem ser admitidos projectos de lei de que indirectamente possa resultar aumento de despesa ou deminuïção de receita é de manter.
E esta conclusão pode aparecer avigorada em face das considerações, embora nada convincentes e manifestamente improcedentes, em que a Câmara Corporativa funda a sugestão que propõe em substituïção da proposta do Govêrno.
Em todo o caso, se vier a ser aprovada, não me dispenso de lhe dar a interpretação que resulta do seu texto e do contexto, apesar dos fundamentos que se invocam para justificar aquele.
Na parte final da proposta do Govêrno diz-se: «propostas de alteração que envolvam deminuïção de receitas cuja cobrança já foi autorizada pela Assemblea Nacional».
Na sugestão da Câmara Corporativa diz-se: «propostas que envolvam deminuïção de receitas resultantes de leis anteriores».
A diferença é clara: na proposta do Govêrno os impostos criados por decreto-lei durante a gerência podem ser discutidos a propósito da discussão da proposta de lei de receita e despesa; na sugestão da Câmara Corporativa não podem. Como creio que uma das prerrogativas gerais e constantes, no tempo e no espaço, do Assembleas desta natureza é votar os impostos, de modo a o povo não os sofrer senão quando aprovados pelos seus representantes, e como os criados por decreto-lei, durante a gerência, o não foram, devem estes poder discutir-se e, porventura, reduzir-se, a propósito da proposta de lei em que se pede autorização para a sua, cobrança. Recusar isto é negar aquela prerrogativa. Aqui têm V. Ex.as as razões por que me parece que não deve ser votada a sugestão da Câmara Corporativa, mas a proposta do Govêrno.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
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O Sr. Ulisses Cortês: — Sr. Presidente: sôbre a questão que se debate agora tive desde a primeira hora uma posição nítida e coerente.
Defini-a na Comissão de Redacção. Reeditei-a nas sessões de estudo. Tive ensejo de a marcar mais uma vez a quando da minha intervenção na generalidade.
Fui sempre partidário de uma disciplina financeira que limitasse a liberdade da Assemblea em matéria de aumento de despesas e de deminuïção de receitas.
Porquê?
Trata-se porventura de uma atitude leviana e irreflectida?
Procedi assim por simples teimosia?
Suponho que me farão a justiça de crer que não tomaria tal posição se não estivesse profundamente convencido da verdade desta doutrina, e não tivesse razões sólidas em que fundamentá-la.
A primeira dessas razões é a necessidade de acautelar as bases da nossa política financeira.
Foi por esta política que se iniciou a Revolução.
Foi ela que permitiu a estabilização da moeda, a redução da dívida pública, a política de reconstituïção económica, de defesa militar, de melhoramentos rurais, emfim, a política que conduziu à situação de prestígio interno e externo de que gozamos.
A obra iniciada tem de continuar, porque ela é a própria Revolução.
Não posso, pois, concordar com qualquer medida que comprometa ou dificulte, directa ou indirectamente, o equilíbrio financeiro ou a política de saldos que previdentemente tem sido seguida.
Esta a minha primeira razão.
Mas a ela outras vêm acrescer.
Tenho o grave defeito de acreditar que nos livros se aprende alguma cousa.
O que dizem aqueles que estudaram estes problemas?
Não estou aqui a fazer um discurso, mas apenas a produzir documentação em abono do meu ponto de vista.
Nitti, professor e homem de Estado, que alia ao saber uma longa experiência política, escreve o seguinte a p. 673 da Ciência das Finanças: «A iniciativa parlamentar em matéria de despesas revela-se cada vez mais nociva; os deputados, quando se trata de gastar, são de uma prodigalidade de soberanos orientais. O mal é que as suas liberalidades são custeadas pelo contribuinte».
Nesse mesmo livro cita-se uma frase de Gladstone que me parece oportuno reproduzir.
É a seguinte: «A iniciativa de todo o aumento de despesas deve pertencer ao Govêrno, e não ao Parlamento, cuja única função é conceder ou recusar».
Idêntica é a posição de Jèze, Tardieu e Barthélemy.
Esta opinião dos teóricos está convertida em testos legais.
Citarei a Constituïção de Weimar, artigo 85.°, a Constituïção da Prússia, artigo 67.°, a da Finlândia, artigo 68.°, a da Jugo-Eslávia, artigo 113.°
Peço licença a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para ler o que a tal respeito se dispõe nas Constituições da Irlanda e do Brasil.
Diz o artigo 37.° do primeiro dêstes diplomas: «Nenhum voto, nenhuma resolução, nenhuma lei poderão decidir afectar créditos a um fim que não tenha sido recomendado durante a sessão por mensagem do representante da Coroa, agindo em conformidade com o parecer do Conselho Executivo».
Preceitua, por sua vez, o artigo 64.° da Constituïção do Brasil: «Não serão admitidos como assunto de deliberação projectos ou emendas de qualquer das Câmaras em matéria tributária ou de que resulte aumento de despesa».
E em Inglaterra?
Continuo apenas a fazer documentação.
Maurice Ordinaire, no seu livro Revision de la Constitution, diz: «O exemplo da Inglaterra podia servir-nos nesta matéria: os membros da Câmara dos Comuns não podem propor nem a criação nem o aumento de despesas; Só o Govêrno tem qualidade para pedir a abertura ou a anulação de créditos».
Entre nós foi o assunto regulado na lei da contabilidade de 20 de Março de 1907. Segundo o artigo 13.º dêste diploma, «não podem os membros das duas Câmaras, na discussão do Orçamento, apresentar quaisquer propostas que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receita».
Êste preceito foi reproduzido no artigo 1.° da lei-travão de 1913.
Contra a doutrina da proposta, na parte relativa à iniciativa da Assemblea em matéria de aumento de despesas, manifestam-se, pois, a doutrina financeira, o direito constitucional de vários países, a nossa tradição legislativa e a proverbial prodigalidade das Assembleas.
Não me parece impertinente evocar as palavras proferidas nesta sala pelo Deputado Jorge Nunes, em sessão de 7 de Março de 1913: «Justificam-se plenamente estas limitações. Em Portugal não há Deputado ou Senador que não traga na algibeira, embora animado das melhores intenções, um projecto de lei que deminua as receitas ou aumento as despesas, defraudando inoportunamente os interêsses do Estado e impedindo o equilíbrio financeiro».
Isto no que respeita a despesas.
Quanto à deminuïção de receitas não fixadas em lei anterior, todos estamos de acôrdo.
Existem, porém, duas fórmulas para realização do nosso pensamento comum: a da proposta e a da Câmara Corporativa.
Embora haja diferença entre elas, a divergência é insignificante no plano prático.
Abstenho-me, por isso, de tomar posição a favor de qualquer delas, se bem que julgue mais perfeita a fórmula da Câmara Corporativa, até por que ela impedirá atritos e colisões entre o Govêrno e a Assemblea quanto aos decretos-leis sôbre matéria tributária publicados no intervalo entre duas leis de meios.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas dir-se-á: com estas limitações cerceiam-se as prerrogativas parlamentares e inutiliza-se o direito de iniciativa da Assemblea.
Responderei: suponho que não é assim.
À Assemblea será legítimo reduzir despesas, aumentar receitas, deminuir receitas não fixadas em leis anteriores e estabelecer os grandes princípios a que deve subordinar-se o orçamento na parte relativa a despesas não determinadas em leis preexistentes nos termos do n.º 4.° do artigo 91.° da Constituïção.
Através dêste preceito poderá a Assemblea impor ao Govêrno uma política de fomento económico, de valorização colonial, de reconstituïção da marinha mercante, de melhoramentos rurais, de assistência social, educação popular ou qualquer outra da mesma transcendência no plano nacional.
E isto é o que interessa verdadeiramente a uma assemblea política.
Poderão ainda apresentar-se projectos de lei que não envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receitas, semelhantes a tantos que nesta Câmara têm sido apresentados.
Poderá finalmente a Assemblea votar moções, convidando o Govêrno, inclusivamente, a estabelecer desa-
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gravamentos tributários e a realização de certas despesas que se afigurem convenientes ao interêsse colectivo.
É assim na Inglaterra.
E não se diga que isto constitue um simples platonismo.
Uma moção desta natureza formulada em termos imperativos, tem, no aspecto político, muito mais fôrça vinculante do que à primeira vista pode supor-se.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Não pretendi, Sr. Presidente, responder ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Quis apenas, modestamente, prestar o meu depoïmento sôbre esta questão.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Albino dos Reis: — Sr. Presidente: o assunto pode considerar-se iluminado suficientemente pela exposição que dele fez o Sr. Dr. Mário de Figueiredo e depois pela que acaba de nos dar também o Sr. Dr. Ulisses Cortês.
Entretanto, em questão tam delicada como é a da iniciativa dos Deputados em matéria, financeira, isto é, quanto a propostas de alteração ou projectos de lei que envolvam aumento de despesa ou deminuïção de receitas, não será demais chamar a atenção da Câmara para o melindre da posição que ela vai tomar em relação ao texto constitucional em que fique definido o âmbito da sua iniciativa a tal respeito.
Em primeiro lugar ocorre que, tendo a Constituïção de 1933 delimitado a iniciativa dos Deputados em matéria financeira, por forma que lhes não é lícito apresentar projectos de lei ou propostas que envolvam aumento de despesa ou deminuïção das receitas do Estado, e tendo esta Câmara e o Govêrno vivido bem com êsse regime até hoje, logo surge a dúvida: Para que alterar aquilo que até agora parece ter dado bons resultados? E isso aumenta naturalmente a responsabilidade de quem tiver de se pronunciar sôbre êsse aspecto.
Claro que o facto de ser o próprio Govêrno, presidido pelo Sr. Presidente do Conselho, que manda para a Assemblea Nacional sôbre tal assunto uma proposta que amplia a iniciativa dos Deputados em matéria financeira poderá dar à Câmara uma grande dose de tranqüilidade de consciência, visto que se trata não só do responsável máximo pela administração pública, mas porque se trata ainda do grande homem de Estado que equilibrou as finanças e as contas públicas do mesmo Estado.
Entretanto, não há homens infalíveis, e eu posso dizer a V. Ex.as que, neste ponto, a proposta de alteração consignada no texto governamental, ampliando por forma difìcilmente determinável as faculdades dos Deputados, não traduz hoje inteiramente o pensamento de quem redigiu essa proposta.
Examinando a proposta governamental, vêem V. Ex.as que a restrição consignada na segunda parte do artigo 97.° teria, aplicação apenas aos projectos e propostas de alteração que, convertidos em lei, importassem, por si mesmos um aumento de despesa ou uma deminuïção de receitas cuja cobrança já houvesse sido autorizada pela Assemblea Nacional.
Portanto, sempre que a Câmara, tomasse a iniciativa de um projecto ou de uma alteração a qualquer proposta do Govêrno que não importassem por si mesmos, uma vez convertidos em lei, aumento de despesa ou deminuïção de receitas, cuja cobrança tivesse sido autorizada pela Assemblea Nacional, estava a Câmara no uso do seu direito e podia assim aumentar a despesa ou deminuir a receita.
Vou pôr um caso a V. Ex.as.
Admitamos a hipótese de que a Assemblea toma a iniciativa de um projecto de lei em que se estabelece a deminuïção de horas de trabalho nos estabelecimentos industriais do Estado.
Pregunta-se: Nesta hipótese o texto governamental permite o seguimento do projecto?
Há ou não há aumento de despesa motivado pela deminuïção de horas de trabalho? Há, evidentemente.
Êsse aumento de despesa, resultaria directamente da iniciativa tomada pela Câmara, ou resultaria por via indirecta.
Se resulta indirectamente parece ser autorizada pelo texto governamental.
Se resulta directamente, não. E não haverá muitos casos em que será difícil determinar se o aumento de despesa resulta directa ou indirectamente de certo projecto de lei?
Pode dizer-se, é certo que a proposta ou projecto acarretariam por via indirecta aumento de despesa se da sua conversão em lei resultasse a necessidade imediata da inscrição ou reforço de verba orçamental, e por via directa em caso contrário. Mas não se corta inteiramente a dificuldade; e não há dúvida de que fica aberta uma porta para aumentos de despesa, com reflexos perigosos na gestão financeira do Estado.
Relativamente à receita, suponhamos que o Govêrno nos primeiros meses do ano reconheceu a necessidade, para manter o equilíbrio orçamental, de criar certas receitas mediante o lançamento de determinado imposto e publicou para êsse fim o respectivo decreto-lei. Trata-se, como é óbvio, de impostos cuja cobrança não foi autorizada pela Assemblea Nacional. Dentro do texto da proposta governamental qualquer Deputado podia apresentar e a Câmara votar um projecto de lei revogando aquela medida do Govêrno, e atingir, por esta forma, o equilíbrio financeiro do Estado.
Mas a proposta de lei de revisão fala de proposta ou projecto que importem por si mesmos aumento de despesa ou deminuïção de receita. E esta expressão «por si mesmos» afigura-se-me ainda mais obscura e perigosa quanto a determinar-se em cada caso se a despesa é aumentada e a receita deminuída pelo próprio projecto em si ou por conseqüência acidental.
Não quero, nem está no meu espírito, dar uma resposta completa à argumentação brilhante que aqui produziu o ilustre Deputado Dr. Mário de Figueiredo. É difícil acompanhar as deduções do seu esplêndido talento. E não só do seu talento, mas do seu saber, porque sentimos que estudou o assunto como S. Ex.ª costuma fazê-lo. Mas as dificuldades que pus e os exemplos que apontei parecem-me de molde a fazer ponderar a Câmara, que, naturalmente, deseja seguir a solução mais própria à continuação da disciplina financeira da Nação.
Dada a importância do assunto, senti-me na obrigação de vir à tribuna fazer os reparos que acabei de expor. A Câmara relevará as deficiências da minha intervenção.
É que, não obstante a doutrina do digno Deputado Antunes Guimarãis de que os Deputados hão-de saber de tudo um pouco para poderem tomar a sua posição nos debates, confesso que, fazendo o meu exame sincero de consciência, reconheço não corresponder àquela exigência, e que de poucas cousas sei alguma cousa e de muitas não sei nada.
Mas, tendo examinado a questão em debate e tendo concluído que era de reprovar o texto governamental, julguei do meu dever marcar na tribuna essa atitude
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antigovernamental, que não direi seja em mim única, mas que é certamente muito rara.
Procedendo assim creio prestar um serviço ao País. Deliberar em matéria tam grave com prudência e bom senso é às vezes menos temerário que seguir a lógica intelectual, aparentemente clara.
Nesta ordem de ideas, preconizaria, se votasse ou o texto actual da Constituïção ou êsse texto com a redacção sugerida pela Câmara Corporativa, no sentido de que a Câmara não possa aumentar as despesas, mas possa deminuir receitas que não tenham sido criadas por lei anterior; o que, aliás, era já a interpretação que a Assemblea dava à Constituïção, mas da qual, como a Câmara sabe, discordava o nosso ilustre Presidente.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Vai votar-se em primeiro lugar o § 1.° do artigo 97.° A respeito dêste parágrafo votar-se-á primeiramente a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Querubim Guimarãis, para ficar com a redacção sugerida pela Câmara Corporativa.
Submetida à votação, foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Querubim Guimarãis, ficando, por isso, prejudicada a proposta do Govêrno:
O Sr. Presidente: — Vai votar-se o § 2.° do artigo 97.° Estão sôbre a Mesa duas propostas: uma, do Sr. Deputado Antunes Guimarãis, no sentido de êste parágrafo ser eliminado; outra, do Sr. Deputado Oliveira Ramos, assinada também por mais Srs. Deputados, no sentido de êste assunto passar a constituir matéria regimental, inserindo-se portanto no artigo 101.°.
A votação incidirá, em primeiro lugar, sôbre a proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
Submetida à votação, foi rejeitada esta proposta.
O Sr. Presidente: — Vai agora votar-se a proposta do Sr. Oliveira Ramos e outros Srs. Deputados.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta de alteração do § único do artigo 98.°.
Quanto a esta proposta, nenhum Sr. Deputado enviou para a Mesa qualquer alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto que ninguém deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Segue-se a proposta de alteração respeitante ao § único do artigo 99.°, mas a discussão desta proposta está dependente da resolução que se tomar quanto ao artigo 109.° Portanto não a ponho por emquanto à discussão...
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a alteração constante da proposta do Govêrno sôbre o artigo 101.
Não foi apresentada qualquer emenda a esta proposta.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta governamental relativa ao § 3.° do artigo 102.°
Quanto a esta alteração, há na Mesa duas propostas: uma do Sr. Deputado Querubim Guimarãis, que diz:
Proponho que às palavras «e seus parágrafos» do § 3.° do artigo 102.° se acrescentem estas: «com excepção da imunidade referida na alínea c), que subsiste emquanto durar o mandato».
A outra é do Sr. Deputado José Cabral, e também assinada pelos Srs. Deputados Rocha Páris, Nunes Mexia, João Ameal e Alberto Cruz, no sentido de ser eliminado pura e simplesmente êste § 3.° da proposta do Govêrno.
Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto que ninguém pede a palavra, vai votar-se em primeiro lugar a proposta de eliminação apresentada pelo Sr. Deputado José Cabral.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está, pois, prejudicada a proposta do Sr. Deputado Querubim Guimarãis.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta do Govêrno de alteração aos §§ 1.° e 3.° do artigo 103.°
Nenhuma proposta foi apresentada relativamente a esta alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta de alteração respeitante ao artigo 104.°.
Acêrca desta alteração não foi apresentada nenhuma proposta.
O Sr. Albino dos Reis: — Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa uma proposta de alteração aos artigos 104.° e 105.º, que também é assinada por outros Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Acaba de chegar à Mesa uma proposta assinada pelos Srs. Deputados Albino dos Reis, Mário de Figueiredo, Oliveira Ramos, Soares da Fonseca e Manuel Múrias, assim redigida:
Propomos o texto sugerido pela Câmara Corporativa quanto aos artigos 104.º e 105.°.
Como V. Ex.as vêem, trata-se apenas de uma questão de redacção.
Está também em discussão esta proposta e, em conseqüência disso, está igualmente em discussão a proposta do Govêrno para alteração do artigo 105.°.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto que nenhum dos Srs. Deputados quere usar da palavra, vai votar-se a proposta do Sr. Deputado Albino dos Reis e outros para que seja adoptado o texto sugerido pela Câmara Corporativa.
Submetida à votação, foi aprovada.
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O Sr. Presidente: — Está, portanto, prejudicada a proposta do Govêrno.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a proposta governamental para alteração ao artigo 109.°
Quanto a esta proposta, há na Mesa, em primeiro lugar, uma proposta do Sr. Deputado Antunes Guimarãis para a eliminação do referido artigo. Há depois uma proposta do Sr. Deputado Marques do Carvalho quanto ao n.º 2.° e § 3.° dêsse artigo da actual Constituïção.
O Sr. Querubim Guimarãis: — Este artigo é pôsto em discussão conjuntamente com o 99.°, § único?
O Sr. Presidente: — Exactamente.
A proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho, também assinada pelos Srs. Deputados Lopes da Fonseca, Júlio das Noves, Querubim Guimarãis, Joaquim Mendes do Amaral e Quelhas de Lima, é a seguinte:
2.° Fazer decretos-leis e em casos do urgência aprovar as convenções o tratados internacionais. Os decretos-leis publicados durante o funcionamento efectivo da Assemblea, quando o não sejam no uso de autorizações legislativas, ficam sujeitos à sua ratificação, que se considerará concedida sempre que, no prazo de dez dias, a contar da primeira sessão posterior àquela publicação, um mínimo de cinco Deputados não requeira que êsses decretos leis sejam submetidos a debate para efeito da mesma ratificação.
§ 3.° (Propomos a eliminação do primeiro período).
Estão igualmente em discussão estas propostas.
O Sr. Antunes Guimarãis: — Sr. Presidente: é justamente no artigo 109.° da proposta de revisão constitucional apresentada pelo Govêrno, que V. Ex.ª acaba de pôr à discussão, que está o ponto mais grave de toda a proposta.
A Câmara Corporativa, em seu parecer, afirma, com razão, que, em síntese, nesta proposta do Govêrno se procura, por um lado, um reforço da fiscalização da Assemblea Nacional, e, por outro lado, o reforço da função legislativa do Govêrno.
Já afirmei, quando usei da palavra na generalidade, que o reforço de fiscalização não se verifica; todos os poderes de fiscalização existiam já no texto da Constituïção em vigor e não são reforçados com os textos agora votados pela Assemblea nos termos propostos pelo Govêrno.
Mas, em compensação dêsse pretenso refôrço de fiscalização, propõe o Govêrno um reforço da sua função legislativa, evidentemente com prejuízo da função legislativa da Assemblea Nacional, isto é, do órgão de soberania nacional que, pela Constituïção, é considerado o órgão por excelência no que respeita à função legislativa, competindo-lhe fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las.
Por êste artigo 109.° da proposta de revisão do Govêrno desapareceriam as autorizações legislativas concedidas pela Assemblea. Quere dizer: o Govêrno não precisaria mais de ser autorizado por esta Assemblea para legislar sôbre determinadas matérias, e poderá fazê-lo com maior amplitude que agora e sem carecer da nossa ratificação, mesmo que se trate de decretos-leis publicados durante o funcionamento da Assemblea Nacional.
Mercê de tal deslocação da função legislativa da Assemblea Nacional para o Govêrno, a Assemblea Nacional ficaria consideràvelmente deminuída na sua função essencial, isto é, na função legislativa, a meu ver com prejuízo da Nação, que na Assemblea política, constituída por representantes seus, tinha, até certo ponto, a garantia de não serem os diplomas legais condicionados por orientações excessivamente técnicas.
Eu esperava que esta matéria não tivesse de ser votada nem apreciada pela Assemblea, confiado na disposição constitucional que eu aqui já citei e que se refere à faculdade de o Sr. Presidente da República, sempre que se trate de alteração da função legislativa ou do respectivo órgão, ouvir a Nação através de plebiscito.
Eu preferiria não ter de manifestar-me, como Deputado, sôbre matéria que interessa à função legislativa desta Assemblea.
Mas, perante a interpretação de V. Ex.ª de que a discussão e votação que vai fazer-se é constitucional, subi a esta tribuna para discutir esta projectada restrição da nossa função essencial, que reputo, de facto, muito grave.
Entendo, repito, que a Constituïção deveria ser mantida tal como fôra votada em plebiscito no ano de 1933.
Da redacção publicada no Diário dos Sessões consta que eu propusera a eliminação de todo o artigo 109.º da proposta.
Devo, porém, declarar a V Ex.ª que no meu pensamento estava exceptuar a parte relativa ao § 4.° do artigo 109.° em discussão, que diz: «Quando a lei não fôr exeqüível por si mesma, o Govêrno expedirá os respectivos decretos dentro do prazo de seis meses, a contar da publicação, se nela se não determinar outro prazo».
Concordo com esta doutrina e, portanto, pedia a V. Ex.ª que, quando me der a honra de submeter à votação a minha proposta de eliminação, o faça com a declaração que acabei de expor.
Sr. Presidente: nas considerações que acabo de fazer em defesa das funções da Assemblea Nacional só me orienta o desejo de prestigiar a nossa Constituição e, portanto, o Govêrno, que eu desejo forte e independente, mas que, a meu ver, não carece da referida deslocação de funções. A Nação precisa de um Govêrno forte, mas não poderia concordar com a deminuïção de poderes da Assemblea dos seus representantes. Estou certo de que, se o Sr. Presidente da República a consultasse em plebiscito, todos confirmariam a minha opinião.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Marques de Carvalho: — Sr. Presidente: trata-se de regular a maneira como a Assemblea Nacional e o Govêrno hão-de exercer cumulativamente a função legislativa.
Constitucionalmente, a função legislativa pertence à Assemblea e ao Govêrno. Já foi dito aqui, tanto na generalidade como na especialidade, que nos Estados modernos os Govêrnos estão, por vezes, em muito melhores condições para legislar do que as Assembleas representativas, não só pelo mais perfeito conhecimento dos factos e razões de emergência, mas, ainda, pela segurança de uma maior celeridade de intervenção.
Por isso, a Constituïção consigna — e bem — o princípio de que, apesar de haver uma Assemblea representativa, também ao Governo compete legislar.
Nestes termos, Sr. Presidente, nos intervalos das sessões legislativas não está em causa a atribuïção, ao Govêrno, da função legislativa.
O problema surge, portanto, em relação ao período em que a Assemblea estiver em funcionamento efectivo.
A mim parece, Sr. Presidente, que durante êste período o Govêrno não deve poder legislar sem que se
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lhe imponha a ratificação por parte da Assemblea. Em meu entender, a ratificação impõe-se uma vez que o Govêrno legisle com a Assemblea em funcionamento efectivo.
Mas, por outro lado, Sr. Presidente, a experiência de onze anos mostrou que as ratificações de dezenas de decretos, de afogadilho, sem qualquer discussão, não são nada prestigiantes para esta Assemblea legislativa.
É assim que a minha proposta visa a conciliar o princípio de que o decreto-lei durante o funcionamento efectivo da Assemblea Nacional carece de ratificação, com a fixação de uma norma prática, útil e eficiente.
Nesse sentido, considerar-se-ão os decretos-leis tàcitamente ratificados sempre que a nenhum Sr. Deputado interêsse, de forma especial, o debate. Porém, se a algum Sr. Deputado interessar o debate, requerê-lo-á, com mais quatro Srs. Deputados, e sôbre o decreto-lei incidirá a discussão, a fim de vir a ser depois ratificado pura e simplesmente, ou ratificado com emendas, ficando, assim, automàticamente transformado em proposta de lei e, como tal, seguindo para a Câmara Corporativa, como estabelece o § 3.º do artigo 109.°
Aqui tem V. Ex.ª, Sr. Presidente, muito ràpidamente, as razões que me levaram a apresentar a minha proposta de alteração, certo de que contribuïrá, se fôr aprovada, para o prestígio desta Câmara, sem entravar, de forma sensível, a liberdade de legislar por parte do Govêrno, mesmo aquando do funcionamento efectivo da Assemblea.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: mantenho-me fiel à doutrina da proposta do Govêrno e entendo que, desde que se votou e nos termos em que se votou o n.º 2.° do artigo 91.°, a ratificação é não só desnecessária, mas pode ser prejudicial ao exercício das funções que cabem a esta Assemblea. Não é necessária desde que, nos termos daquele n.º 2.° do artigo 91.°, a Assemblea fica com possibilidades não só de fiscalizar os actos individuais ou administrativos do Govêrno e da Administração, mas ainda os próprios actos de carácter legislativo do Govêrno.
A possibilidade de ratificação, que continua a admitir-se na proposta em discussão, é desnecessária em face daquela faculdade atribuída pelo n.º 2.° do artigo 91.º aos Deputados.
Mas avanço mais; é que pode ser prejudicial, quer sob a forma de ratificação expressa, quer sob a forma de ratificação tácita. Porquê?
Porque, sem se demorar a considerar o decreto-lei, a Assemblea ratifica-o expressa ou tàcitamente e fica, em conseqüência, naturalmente — não digo legalmente —, impossibilitada de depois o discutir com base na faculdade de que dispõe e lhe é conferida pelo n.º 2.° do artigo 91.°.
Eu disse «naturalmente» e não «legalmente». Mas avanço mesmo que legal e constitucionalmente ficará impossibilitada de o discutir, com base no n.º 2.° do artigo 91.°, durante a sessão legislativa em que o ratificou.
Considero, portanto, aquilo que uma parte dos meus colegas nesta Assemblea supõem ser um alargamento das suas prerrogativas relativamente à proposta do Govêrno como uma deminuïção dessas prerrogativas.
Esta uma ordem de considerações.
Outra ordem de considerações por que o meu voto continua a acompanhar a proposta do Govêrno é esta: é que é altamente inconveniente e fortemente perturbador da ordem que se deixe na iminência de ser revogado ou substituído um decreto-lei que, não obstante convertido, para efeitos de discussão nesta Assemblea, em proposta de lei, continua em vigor como se a sua autoridade não tivesse sido atacada.
São os serviços que hesitam em o fazer cumprir e são os particulares, é o público, que justificadamente, em vez de o cumprir... aguarda.
Esta Câmara deve ter viva a lembrança de um caso dêstes. Um caso em que os que cumpriram as disposições de um decreto-lei pendente de ratificação foram prejudicados e os que deixaram de as cumprir, embora vigorassem, foram beneficiados! Consequências de, pelo processo da ratificação, se atacar a autoridade de disposições legais que continuam em vigor.
Benefícios para os recalcitrantes e prejuízos para os que mostram o saüdável pendor social de cumprir!
Aqui tem, Sr. Presidente, as razões por que continuo a manter o meu ponto de vista relativamente ao n.º 2.º do artigo 109.° da proposta de lei apresentada pelo Govêrno, convencido de que, nos termos em que está redigido, defende mais fortemente o prestígio da Assemblea do que qualquer das modalidades de substituïção que foram propostas.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Querubim Guimarãis: — Sr. Presidente: conjuntamente com o autor da proposta, o Sr. Dr. Marques de Carvalho, e outros Srs. Deputados, assinei esta proposta de alteração ao artigo em discussão.
Satisfazem-me plenamente os argumentos apresentados pelo Sr. Dr. Marques de Carvalho e não me convenceram, salvo o devido respeito, as razões apontadas pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Afigura-se-me, na verdade, que, ao contrário do que S. Ex.ª afirmou, o prestígio da Assemblea se mantém muito melhor na posição em que coloca o problema a proposta de emenda apresentada pelo Sr. Dr. Marques de Carvalho.
Se o Govêrno e a Assemblea Nacional podem legislar, não faz bom sentido, mesmo no necessário e justo equilíbrio do exercício da mesma função entre dois órgãos da soberania, que o Govêrno legisle com a Assemblea a trabalhar.
Parece que, salvo o devido respeito, não pode fàcilmente compreender-se que, estando a funcionar a Assemblea Nacional, o Govêrno legisle e que aquele órgão de soberania, que tem uma mais expressiva representação da vontade nacional, se alheie completamente da matéria legislada pelo Govêrno.
No próprio plano moral em que os dois órgãos de soberania se encontram, no texto constitucional que se discute, sem dúvida que é mais aceitável a faculdade dada à Assemblea pela proposta de emenda do Sr. Dr. Marques de Carvalho, que tive a honra de assinar também.
Diz o Sr. Deputado Mário de Figueiredo: «Acho, ao contrário do que se afirma, que se deminue o prestígio da Assemblea Nacional e que pode prejudicar-se a missão dos Deputados no cumprimento de obrigações que lhes são conferidas pelo que respeita à segunda parte do n.º 2.° do artigo 91.°: apreciar os actos do Govêrno ou da administração pública». Porquê? Argumento do Sr. Dr. Mário de Figueiredo: porque uma vez a Assemblea ratificando tàcitamente ou expressamente, pela apresentação de uma proposta subscrita por cinco Deputados, qualquer diploma legislativo do Govêrno, fica inibida de, junto da Administração, exercer a sua função fiscalizadora.
Ora, melhor do que ninguém, o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, que é um ilustre professor de direito, sabe á.
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distinção que há entre o diploma que é objecto da lei e a sua execução. A fiscalização que os Deputados exercem não é sôbre a substância ou essência dos diplomas...
O Sr. Mário de Figueiredo: — Nisso é que V. Ex.ª está equivocado!
Apreciar os actos do Govêrno, desde que um dos actos do Govêrno hoje é a expedição da lei, envolve a possibilidade de apreciar a própria lei.
Isso é indiscutível. Lá que V. Ex.ª discuta as minhas ideas, está bem, mas pondo-as como elas são. E não me venha dizer que aí, nessa disposição, não está a possibilidade de apreciar a lei em si mesma, mas sòmente os actos da sua execução.
O Orador: — Parece-me, ao contrário do que V. Ex.ª pensa, que a Assemblea exerce a sua fiscalização no momento em que ratifica ou não ratifica um decreto do Govêrno. Implicitamente envolve o nosso exame e apreciação do diploma publicado um acto de fiscalização.
O resto é execução da lei e a fiscalização desta do mesmo modo pode ser exercida.
Portanto, salvo o devido respeito, creio que em nada é deminuída a função da Assemblea Nacional com a alteração que se propõe, ficando até numa posição mais condigna como órgão de soberania a par do outro órgão de soberania que é o Govêrno.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Suspendo a sessão por uns momentos.
Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: — Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: — Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vão fazer-se as votações.
Em primeiro lugar tem de votar-se a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarãis.
Êste Sr. Deputado propõe a eliminação pura e simples do artigo 109.° da proposta do Govêrno, com excepção do § 4.°.
Segue-se, pois, que, segundo a sua proposta, se mantém o artigo 109.° tal como está na Constituïção, acrescido do § 4.° da proposta do Govêrno.
Submetida à votação, foi esta proposta rejeitada.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se agora o n.º 2.° do artigo 109.° de harmonia com a redacção proposta pelo Sr. Deputado Marques de Carvalho e outros Srs. Deputados, que há pouco li a V. Ex.as
Submetida à votação, foi aprovada a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Marques de Carvalho e subscrita também por outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se agora o n.º 4.° do artigo 109.° tal como consta da proposta do Govêrno.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se em seguida o § 4.° do artigo 109.° tal como consta da proposta do Govêrno.
Pausa.
O Sr. Presidente: — É claro que, neste artigo da proposta do Govêrno, o § 4.° actual passa a ser o § 2.° e o § 5.° actual passa a ser o §3.° Como é uma questão de redacção, não há necessidade de fazer uma votação sôbre isto.
Submetido à votação o § 4.º tal como consta da proposta do Govêrno, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Chamo a atenção da Assemblea! Propôs-se no artigo 109.° a eliminação dos §§ 2.° e 3.° Ora o actual § 2.° diz assim:
As autorizações legislativas, exceptuadas as que, por fôrça dos seus próprios termos, importarem uso continuado, não podem ser aproveitadas mais de uma vez. Pode, no entanto, o Govêrno utilizá-las parcelarmente até as esgotar.
Parece que a conseqüência lógica daquilo que já foi votado é a subsistência dêste § 2.°.
O Sr. Albino dos Reis: — Parece-me que não há necessidade de uma votação expressa da Assemblea sôbre isso.
O Sr. Presidente: — Também assim creio.
No que respeita ao §3.° actual, a proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho é no sentido de subsistirem as segunda e terceira partes, eliminando-se a primeira, mas isto já está votado por uma disposição que prejudica esta. Julgo, pois, que não será necessária uma votação. Em todo o caso, vai votar-se a eliminação do primeiro período do actual § 3.° da Constituïção.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Como conseqüência desta votação subsiste o n.º 13.° do artigo 91.°.
Com referência ao § único do artigo 99.° da proposta do Govêrno, a eliminação nêle da alínea a) do actual também não tem razão de ser, visto que já está votado que continue a haver a ratificação de decretos-leis.
Está, portanto, prejudicada a votação dêsse § único, como conseqüência da que já foi feita.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a alteração ao § 2.° do artigo 110.°
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto que ninguém deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada a alteração relativa ao § 2.º do artigo 110.º.
O Sr. Presidente: — Está em discussão a alteração proposta pelo Govêrno ao artigo 110.° Quanto a esta alteração, está na Mesa uma proposta subscrita pelos Srs. Deputados Albino dos Reis, Cunha Gonçalves, Mário de Albuquerque, João das Noves, Ulisses Cortês e Soares da Fonseca, nos seguintes termos:
A função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais.
São tribunais ordinários o Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de 1.ª e 2.ª instância, os quais terão a competência territorial e material que a lei fixar.
Está em discussão também esta proposta.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Sr. Presidente: a Assemblea leu, como eu, com interêsse e proveito, o parecer da Câmara Corporativa. Está portanto elucidada
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completamente acêrca do problema em discussão, que se desenvolve assim: dentro do testo actual da Constituïção só são tribunais ordinários o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações e os tribunais de comarca; lodos os outros tribunais que o Govêrno pode livremente criar, menos na hipótese prevista no artigo 117.º, são tribunais especiais.
Consequências: é que só o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações e os tribunais de comarca é que gozavam necessàriamente — chamo a atenção de V. Ex.ª para esta palavra — das garantias previstas no artigo 119.°, no qual se diz que «os juízes dos tribunais ordinários são vitalícios e inamovíveis, fixando a lei os termos em que se faz a sua nomeação, promoção, demissão, suspensão, transferência e colocação fora do quadro, e não podem aceitar do Govêrno outras funções remuneradas, sem prejuízo da requisição para comissões permanentes ou temporárias».
Digo: todos os tribunais ordinários previstos na Constituïção, e só êsses, é que tinham necessàriamente de gozar daquelas garantias. Os tribunais especiais podiam ser por lei criados com as mesmas garantias, mas não as tinham necessàriamente.
O que se pretende com a proposta do Govêrno?
Isto: tornar possível alargar o quadro dos tribunais ordinários de modo a ficarem com aquelas garantias só pelo facto de serem criados como tais.
O importante, portanto, segundo o que acabo de dizer a V. Ex.as, é só isto: é, na hipótese da proposta, poder chamar-se ordinário a um tribunal que, fora dela, seria especial. É só isto o importante, desde que se não estava constitucionalmente impedido de criar por lei tribunais especiais com as mesmas garantias dos ordinários.
É evidente que, se o que se quere é alargar o quadro dos tribunais ordinários para que os juízes possam gozar das prerrogativas apontadas, a única cousa que, na verdade, se pretende é chamar ordinários a tribunais que na orgânica actual podiam existir com as mesmas garantias mas que não podiam chamar-se tribunais ordinários e tinham de se chamar tribunais especiais.
É claro que, para quem só considere o fundo das cousas, a modificação não é grande.
Mas há instituïções para as quais os nomes têm a sua importância. E o facto de se chamar ordinários, e não especiais, a certos tribunais tem a maior importância, mesmo que êles, como especiais, oferecessem as mesmas garantias que oferecem os tribunais ordinários. Oferecessem as mesmas garantias em que sentido? No sentido de os seus juízes serem inamovíveis, vitalícios e não poderem aceitar do Estado qualquer função remunerada. Tem a maior importância!
O problema de fundo seria outro. Êste: alargar o quadro dos tribunais ordinários de modo a não poderem ser atingidas pela lei ordinária as garantias constitucionais de que são cercados.
Mas desde que, para além de certos limites, se fica livre de criar determinados tribunais, através da lei ordinária, como ordinários ou como especiais, não é êsse o problema que se nos põe.
A proposta o que faz é tornar possível o alargamento do quadro dos tribunais ordinários e portanto tornar normal que, pela simples designação de ordinários de tribunais que também podiam ser criados como especiais, com as mesmas garantias, êles gozem das garantias previstas no artigo 119.º da Constituïção que já referi.
Isso se consegue através das sugestões apresentadas pela Câmara Corporativa e creio que também se consegue, em termos paralelos, através da proposta de alteração apresentada por cinco Srs. Deputados e que V. Ex.ª, Sr. Presidente, há pouco leu.
E como a do Govêrno nos não parece de aceitar pelas razões ditas no parecer da Câmara Corporativa, que V. Ex.as conhecem tam bem como eu e que, por isso, me dispenso de repetir agora, creio que pode votar-se alguma das outras.
A votação de qualquer delas conduz à modificação do artigo 118.° da Constituïção, por haver necessidade de determinar a categoria dos agentes do Ministério Público nos tribunais ordinários que tiverem competência não comarca.
E seria preferível a uma fórmula com especificações, como a actual, uma fórmula genérica.
Disse.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: — Visto ninguém mais querer fazer uso da palavra, vai proceder-se à votação.
Submetida à votação a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Ulisses Cortês e outros, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está, portanto, prejudicada a proposta do Govêrno.
Na mesma proposta dos referidos Srs. Deputados dá se uma outra redacção ao artigo 118.° da Constituïção.
É a seguinte essa proposta:
O Estado será representado junto dos tribunais pelo Ministério Público.
Como se verifica, na proposta do Sr. Deputado Ulisses Cortes dá-se uma redacção mais genérica ao artigo 118.° Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como ninguém quere fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: — Está era discussão a proposta do Govêrno para alteração do § 1.° do artigo 134.° Não há na Mesa nenhuma proposta a êste respeito.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Visto ninguém querer fazer uso da palavra, vai votar-se o § 1.° do artigo 134.° tal como consta da proposta do Govêrno.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: — Segue-se a «Disposição transitória» contida na proposta de lei.
Quanto a esta disposição, está sôbre a Mesa uma proposta de eliminação subscrita pelos Srs. Albino dos Róis, Soares da Fonseca, Oliveira Ramos, Marques de Carvalho, Sebastião Ramires e Amador e Pinho.
O Sr. Soares da Fonseca: — Sr. Presidente: a proposta que tive a honra de subscrever, com outros Srs. Deputados, creio que não exige grande justificação.
Propõe-se que seja eliminada a «Disposição transitória» da proposta do Govêrno, segundo a qual expressamente se determina que a actual Assemblea Nacional continuará em funções até ao fim da legislatura normal, sem prejuízo do disposto no artigo 81.°, n.º 6.°, que é a disposição constitucional que dá ao Presidente da República a faculdade de dissolver a Assemblea quando o entenda necessário.
A minha proposta de eliminação não significa pròpriamente discordância com a doutrina que vem consignada na proposta governamental.
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Entendo, porém, que é desnecessário e, talvez mais do que isso, que pode parecer inconveniente consignar-se de modo expresso tal doutrina no número das alterações à Constituïção.
Na verdade, há nesta proposta dois aspectos a considerar: o aspecto político e o aspecto jurídico.
Admito que polìticamente se pode julgar lógico que, como conseqüência de algumas das alterações constitucionais votadas, se devesse concluir pela dissolução desta Assemblea. Mas esta conseqüência, a admitir-se, exactamente por ser de uma natureza política, só teria relevância jurídica quando viesse a ter claro acolhimento no nosso texto de direito político.
De igual modo admito que também polìticamente se pode julgar que outras razões políticas determinem a conveniência de se não dissolver a Assemblea e, portanto, de esta continuar em funções. Mas, em tal caso, desde que o texto de direito político nada consigne de especial em contrário, está jurìdicamente satisfeita a conveniência ou necessidade política. Mantém-se, como me parece mais natural, o statu quo.
Por outras palavras: polìticamente tanto pode sustentar-se que a actual Assemblea Nacional deve continuar no exercício do seu mandato como o contrário. Ora o texto da proposta governamental é, não de natureza política, mas de carácter jurídico-político. E, como texto jurídico, afigura-se-me que, sem êle, tudo se passará como se êle não existisse. Pela própria fôrça da Constituïção, esta Assemblea Nacional há-de durar emquanto durar o seu mandato normal; e o Chefe do Estado tem sempre o direito de a dissolver, nos casos em que o pode fazer, como tem o direito de dissolver qualquer outra que venha depois dela.
Creio, portanto, desnecessária esta proposta governamental. E, desde que desnecessária, reputo-a inconveniente. Pareceria, na verdade, que, contra inúteis receios, pretenderíamos assegurar-nos numa perdurabilidade que legìtimamente se não pode contestar.
E até poderia dizer-se que se viria, de algum modo, a deminuir, polìticamente, o próprio poder de dissolução do Chefe do Estado ou, inclusive, o prestígio da mesma Assemblea. Na verdade, se, decorridas breves semanas sôbre a votação desta alteração, o Chefe do Estado entendesse que deveria usar do direito de dissolução...
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu tenho precisamente o ponto de vista de V. Ex.ª, mas não interpreto a disposição que se discute nos mesmos termos em que V. Ex.ª a interpreta.
Se a disposição pudesse ser interpretada como significando que esta Assemblea, no momento em que se modifica a sua composição e o seu funcionamento, marcava o princípio de que queria perdurar, eu votava contra ela. Mas a disposição não pode querer significar isso, e segundo o meu critério quere significar precisamente o contrário.
Um jurista qualquer, e mesmo um jurista sem «qualquer», pode tirar do desaparecimento dessa disposição esta conseqüência: é que a Assemblea acaba de votar um conjunto de disposições que modificam o seu funcionamento e composição, e, portanto, por fôrça dessas disposições, uma vez votadas, desaparece.
Pode dar-se esta interpretação a essas disposições. E o que é que então se pretendeu? Pretendeu-se que se não tirasse esta conclusão da votação das disposições que modificam a composição e o funcionamento desta Assemblea.
Foi a única cousa que se pretendeu. E por isso a disposição está redigida por maneira que não se perturba em nada o poder de dissolução do Chefe do Estado.
Perdoe V. Ex.ª mais umas palavras para esclarecer que, se não existisse essa disposição, podia pôr-se a dúvida, com a votação das alterações constitucionais, de que a Assemblea desaparecia? A dúvida pode resolver-se assim: desaparece; e então é que nos ficava mal mantermo-nos em funções em face da interpretação, que podia ser considerada razoável, de que a Assemblea desaparece. Se V. Ex.ª entende que, com a votação desta disposição, a Assemblea não desaparece ipso facto, então nós poderemos votar a sua eliminação, e assim ficaremos na mesma posição em que ficaríamos se votássemos a sua aprovação.
Mas será necessário que, numa moção da Assemblea, fique marcado que a interpretação que se dá à eliminação eventual dessa disposição é a de que a Assemblea continua a funcionar aplicando-se-lhe as disposições constitucionais vigentes. Se assim se fizer, não tenho dúvida em votar a eliminação.
O Orador: — Ouvi, com muito interêsse, o àparte elucidativo do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, e sinceramente folgo por que S. Ex.ª me tenha interrompido para dar à Assemblea os doutos esclarecimentos que ela ouviu.
No fundo, parece-me, estamos ambos de acôrdo; apenas divergimos num pequeno pormenor: entendo que, jurìdicamente, é desnecessário o texto da proposta do Govêrno, exactamente porque, com a sua eliminação, as cousas se passarão da mesma maneira, devendo por conseguinte eliminar-se.
Parece-me, por outro lado, que só polìticamente se poderia entender que as alterações aqui votadas deveriam ter como conseqüência lógica a dissolução da Assemblea; e que, no mesmo plano político, poderia também entender-se precisamente o contrário. Mas o aspecto jurídico não é atingido necessàriamente por esta ordem de considerações. Acêrca dele não assomam dúvidas ao meu espírito: com ou sem esta proposta, as cousas irão passar-se do mesmo modo.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Eu fui aluno da mesma escola que V. Ex.ª e digo: suponho que pode haver dúvidas; são possíveis as duas interpretações.
O Sr. Carlos Borges: — E o Sr. Dr. Mário de Figueiredo é um jurista sem «qualquer»...
O Orador: — O Sr. Dr. Mário de Figueiredo e eu pertencemos, efectivamente, à mesma escola e, por felicidade minha, eu fui até discípulo de S. Ex.ª. Apesar de tudo, porém, continuo a supor que, divergindo neste caso, não é o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, com perdão de S. Ex.ª, quem está no melhor raciocínio jurídico. Ao meu espírito não tinha assomado, e ainda agora não assomou, qualquer dúvida...
O Sr. Mário de Figueiredo: — Ao meu espírito também não tinha assomado e foi um professor de direito público quem ma suscitou.
O Orador: — Não duvido do valor dessa autoridade; mas isso não basta, para mim, como argumento convincente. Portanto, continuo fiel ao meu ponto de vista e creio até que não é mester enveredar-se pela eliminação da proposta através da moção justificativa preconizada pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo. Em todo o caso, se a Assemblea assim o não entendesse, seria eu quem teria todo o prazer em convidar S. Ex.ª a substituir a minha proposta eliminatória por uma moção de eliminação, a que desde logo me associaria.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
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O Sr. Presidente: — Talvez seja desnecessário votar-se uma moção, desde que fique entendido qual o sentido da eliminação, se porventura ela fôr votada.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Em todo o caso, atrevo-me a pedir a V. Ex.ª que consulte sôbre a matéria a Assemblea.
O Sr. Soares da Fonseca: — A minha intervenção teve lugar exactamente com a finalidade de esclarecer-se o sentido da proposta em discussão.
O Sr. Presidente: — Vou, então, consultar a Assemblea sôbre se entende que bastará ficar declarado qual o sentido da eliminação proposta pelo Sr. Dr. Soares da Fonseca, ou se entende que é necessário votar-se uma moção em que êsse sentido fique bem consignado.
Consultada a Assemblea, foi deliberado não ser necessária a moção.
O Sr. Presidente: — Basta, portanto, a declaração de que a disposição é eliminada, não por se julgar inaceitável, mas por se julgar desnecessária.
Vai votar-se a proposta de eliminação com êste alcance.
Consultada a Assemblea, foi aprovada.
O Sr. Soares da Fonseca: — Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que fique consignado no Diário das Sessões que esta deliberação foi tomada por unanimidade.
O Sr. Presidente: — Assim se fará.
O Sr. Marques de Carvalho: — Peço a palavra para um esclarecimento.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Marques de Carvalho: — Desejo, como esclarecimento, fazer uma sugestão à Comissão de Redacção.
Há pouco foi aprovada uma proposta minha em que se contém a frase: «nos primeiros dez dias a seguir à publicação do decreto».
Ora o que ou queria dizer ora: «nas primeiras dez sessões a seguir à publicação do decreto».
O Sr. Presidente: — Poderá pôr-se nos primeiros dez dias de sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Vai passar-se à discussão das alterações relativas ao Acto Colonial.
Está em discussão a alteração relativa ao § único do artigo 27.°
Tem a palavra o Sr. Deputado António de Almeida.
O Sr. António de Almeida: — Sr. Presidente: é inegável que, entre os mais importantes projectos de lei vindos à Assemblea, se encontra a presente proposta sôbre a revisão da Constituïção e do Acto Colonial, acêrca da qual a Câmara Corporativa elaborou um notável parecer.
Se, naturalmente, todas as modificações introduzidas pelo Govêrno me interessam, contudo, e mercê da formação cultural e científica que possuo, são os assuntos respeitantes aos nossos domínios ultramarinos os que mais particularmente me prendem o espírito.
Eis por que as considerações que me proponho fazer se circunscreverão ao conteúdo dos três artigos do Acto Colonial que foram alterados, aproveitando no entanto o ensejo que se proporciona para me pronunciar sôbre alguns conceitos doutrinários que, consoante o douto relatório do Sr. Prof. Dr. Manuel Rodrigues, consentiriam «alterações mais amplas e profundas, indo porventura até à integração das disposições fundamentais relativas às províncias ultramarinas».
Sr. Presidente: o § único do artigo 27.° do Acto Colonial contém duas modificações que reputo da maior acuïdade política.
A primeira alteração consiste em retirar a competência legislativa ao Ministério das Colónias para a entregar ao Govêrno - em caso de urgência extrema e fora do período das sessões da Assemblea Nacional — no que respeita ao estabelecimento ou alteração da forma de govêrno das colónias, à elaboração de diplomas que cuidem da aprovação de tratados, convenções ou acordos com nações estrangeiras e à autorização de empréstimos ou outros contratos que exijam caução ou garantias especiais.
Porém, quanto às matérias assinaladas na alínea c) do n.º 2.º do artigo 27.°, porque não se revelam de feição premente e inadiável, só a Assemblea Nacional continua a apreciar os projectos de lei sôbre elas elaborados.
A segunda modificação — o desaparecimento da frase «ou se esta não resolver o assunto no prazo de trinta dias, a contar dá apresentação da respectiva proposta de lei» — constitue uma acto de justiça e de elevado aprêço pela Assemblea Nacional; órgão de soberania, formado por pessoas responsáveis e devotadas à cousa pública, é evidente que não podia deixar de esforçar-se por cumprir zelosa e patriòticamente o mandato simultâneamente honroso e grave que lhe confiou a Nação.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Igualmente no corpo do artigo 28.º se operaram alterações relevantes, mais salientes ainda pelo acrescentamento de dois parágrafos, umas e outros para bem da estreita e eficiente solidariedade política e económica de Portugal de aquém e de além-mar. Assim, preceitua-se que cabe ao Govêrno legislar sôbre as matérias de interêsse comum da metrópole e de todas as colónias ou de algumas delas sob a forma de lei, de decreto-lei ou de decreto simples, nos termos da Constituïção, devendo sempre êsses diplomas ser acompanhados da declaração de que têm de ser inseridos nos Boletins Oficiais dos territórios onde vão executar-se; lògicamente e à semelhança do que sucede com a natureza dos assuntos anotada no § único do artigo 27.°, propõe-se no § 2.° do artigo 28.°, e muito acertadamente, que os diplomas emanados do Ministério das Colónias hajam de levar a referenda de todos os membros do Govêrno.
Também as modificações do artigo 40.° e de seus parágrafos — respeitantes à aprovação dos orçamentos de além-mar — representam um largo passo a favor da consolidação da condicionada autonomia financeira de que disfrutam as nossas possessões, medida legislativa de inapreciável significação moral e política, especialmente percebida pelos portugueses que laboram a grandeza delas e que, por circunstâncias várias, tam sensíveis se mostram às atenções e regalias que a metrópole lhes preste ou conceda.
No sistema actual da confecção dos orçamentos ultramarinos, estes são preparados localmente com seis meses de antecedência e enviados ao Ministério das Colónias (até 15 de Setembro) para que os serviços da Direcção Geral de Fazenda das Colónias os estude e, posteriormente, o titular da pasta aprecie as propostas o qual, depois de aprovar os respectivos projectos, os faz publicar no Diário do Govêrno até 8 de Dezembro, anterior ao início do ano económico a que correspondem.
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A par da manutenção dêste mecanismo, preconiza-se do artigo 40.° uma innovação relativamente à intervenção do Ministro das Colónias na organização dos orçamentos de além-mar, pela qual se faculta a êste membro do Govêrno autorizar expressamente a aprovação dos orçamentos in loco e, por conseguinte, a sua entrada em vigor; se as tabelas orçamentais endereçadas ao Ministério das Colónias durante o mês de Janeiro do ano a que pertencem não satisfizerem as normas financeiras rigidamente estabelecidas na lei ou não estiverem de acôrdo com as autorizações dadas pelo Ministro das Colónias, pode êste alterá-la ou suspendê-las, retirando a possessão interessada a regalia da elaboração do seu orçamento.
Porque de qualquer modo os orçamentos virão ao conhecimento do Ministro das Colónias e são susceptíveis de correcções, a diferença essencial existente entre os dois sistemas admitidos consiste em os projectos orçamentais poderem ser aprovados pelo Ministro das Colónias e publicados em Lisboa, como até ao presente, ou na capital da respectiva província pelo governador e seu conselho de govêrno, conforme a nova modalidade, além de que esta prática deminue muito o trabalho das repartições do Ministério das Colónias.
A supressão do § 3.° do artigo 40.° deve ter sido condicionada pela adopção do moderno sistema de aprovação dos orçamentos ultramarinos.
Seja como fôr e não obstante as grandes distâncias que separam da metrópole alguns dos nossos domínios se terem encurtado, por virtude do aperfeiçoamento dos meios de comunicação rápida, o sistema de autorização é tentativa interessante e oportuna, tanto pelo valor político que encerra como ainda por se ir utilizar, decerto a título de experiência educativa, e muito cautelosamente, exclusivamente nas possessões mais extensas e adiantadas e já em via de completa integração nas regras financeiras vigentes em todos os territórios da Nação Portuguesa; os receios de grande número de colonialistas (habituados a ver nos govêrnos ultramarinos entidades com propensão para as despesas inoportunas e desregradas, sob pressão imperiosa das características particulares dos meios novos) neutralizam-se pela intervenção posterior do Ministro das Colónias, adivinhada na invocação do artigo 66.º da Constituïção, que reza assim: «O orçamento deve consignar os recursos indispensáveis para cobrir as despesas totais».
Sr. Presidente: concluída a apreciação das modificações feitas pelo Govêrno no Acto Colonial, e às quais dou a minha plena concordância, passemos a reflectir sôbre as almejadas alterações mais amplas e profundas que, a efectivarem-se, determinariam a «integração na Constituïção das disposições fundamentais relativas às províncias ultramarinas, terminologia esta que merece a aprovação da Câmara Corporativa, por considerá-la mais harmónica do que a palavra colónias, com a índole do Império Português», para novamente me servir das expressões da Câmara Corporativa.
Através da obra ingente da expansão portuguesa pelo mundo até ao século XX, jamais a palavra colónia figurou em documentos legais ou literários com o sentido que hoje se lhe empresta; aos territórios do ultramar chamávamos oficialmente domínios e conquistas e, por vezes, descobrimentos, feitorias, praças, senhorios, capitanias, donatárias, reinos e vice-reinos, govêrnos, possessões e províncias, mas nunca colónias.
Apoiados.
A filiação etimológica do vocábulo na língua latina, a recordação das antigas colónias fenícias, cartaginesas, gregas e romanas, ou ainda a invocação das colónias medievais e das que instalámos durante a primeira dinastia, apenas conseguem reforçar a definição do têrmo e jamais justificar a construção jurídica, correntemente aceite pelas potências possuidoras de terras ultramarinas.
Adoptada entre nós a nomenclatura de províncias ultramarinas há perto de duzentos e cinqüenta anos (a partir do princípio do século XVII, conforme demonstrou perfeitamente o Sr. Dr. José Bossa na tese que levou ao II Congresso da União Nacional) e generalizada pela dinastia de Bragança, no regime liberal oficializou-se essa designação, persistindo em ser dada às possessões de além-mar, ainda que com sentido político-administrativo diferente do que tinha até então. Emquanto na legislação anterior à implantação do constitucionalismo em Portugal, inteligentemente, se haviam sempre em conta as condições mesológicas de cada região ultramarina, com o liberalismo instituíu-se o sistema de assimilação integral, tantas vezes criticado pelos nossos coloniais de renome e, por isso, algo atenuado na segunda metade do século XIX e início do actual, regime êsse que a República substituíu definitivamente pelo sistema da autonomia, mais ou menos mitigado, que ora perdura no Acto Colonial.
O douto parecer do Conselho Superior das Colónias, relatado pelo Sr. Dr. António Correia de Aguiar, nosso antigo e ilustre colega nesta Casa, e com êle os adeptos da expressão colónia, parecem dar a entender que êste têrmo contém a idea de autonomia.
Consoante a lúcida argumentação do Sr. Dr. Leite Duarte — contida na sua tese apresentada ao II Congresso da União Nacional —, no ultramar português não vigora o sistema da autonomia completa, nem ali se aplicam inteiramente os princípios jurídico-administrativos da metrópole e das ilhas adjacentes; e, em nossos dias, não há que temer — como o crêem os que se batem pela nomenclatura de colónia — o regresso aos tempos da centralização.
Além disso o conceito de autonomia nada tem que ver com o significado dos étimos colónia e província, pois tanto pode haver colónias sob o sistema de sujeição ou de assimilação plena (os territórios ultramarinos da Holanda e alguns da França e da Inglaterra), como províncias e distritos em regime de autonomia: as províncias da metrópole e os distritos autónomos dos Açores e da Madeira, por exemplo.
O argumento, aliás de somenos valor, baseado na não existência de províncias no continente perdeu já todo o merecimento, e o motivo que invoca a inscrição da palavra na Constituïção da República ou no Acto Colonial e nas Cartas Orgânicas do ultramar — embora jamais tivesse aparecido nas Constituïções da Monarquia — é razão de pouca monta, tam fàcilmente o nome se cambiaria por outro nos textos a promulgar posteriormente; demais, após a implantação da República, continuou a chamar-se oficialmente províncias ultramarinas às possessões de além-mar até 1920, data em que o têrmo colónia ganhou foros constitucionais — quere dizer, há vinte e cinco anos apenas!
Analogamente, a circunstância de a denominação províncias ultramarinas obrigar à substituïção do apelido do Ministério das Colónias — nome impróprio ao tempo da sua criação, visto não haver colónias mas províncias de além-mar — não se mostra, convincente, porquanto, bem recentemente, se trocou a designação do Ministério da Instrução Pública pela de Ministério da Educação Nacional, e os Ministérios da Agricultura e do Comércio e Indústria se fundiram num só, que recebeu o nome de Ministério da Economia.
E não se apele para o facto de lá fora existirem Ministérios das Colónias em lugar de Ministérios do Ultramar; alguém, porventura, se lembrou de apelidar o nosso Ministério dos Negócios Estrangeiros de Ministério
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das Relações Exteriores, imitando os países que assim nomeiam êsse departamento de Estado?
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Mas, Sr. Presidente, para que socorrer-me da argumentação alinhada em prol da adopção da terminologia de províncias ultramarinas, se bastava escudar-me nas magníficas palavras do insigne Chefe do Govêrno, que, com a sua autoridade de eminente estadista e guardião indefectível do património moral e material da Nação, em seus reluzentíssimos escritos mais de uma vez manifestou a sua simpatia por aquela portuguesíssima expressão? «Política e jurìdicamente, as colónias portuguesas são meras províncias do ultramar», declara luminosamente o Sr. Dr. Oliveira Salazar no volume III dos seus notáveis Discursos.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — O uso de semelhante classificação, se patenteia uma preocupação sentimental, não menos deixará de consagrar o voto do III Congresso Colonial (1930) e as conclusões de algumas teses do II Congresso da União Nacional (1944), e então, como agora, viva aspiração de uma pléiade imensa de cultos obreiros do engrandecimento ultramarino de Portugal.
É motivo de redobrado júbilo para todos quantos se votam ao estudo dos complexos problemas de além-mar reconhecer que uma maré alta de nacionalismo reclama maior aproximação moral, política e económica de todas as parcelas de Portugal de aquém e de além-mar; o Govêrno, a União Nacional, a Câmara Corporativa e a Assemblea Nacional — pela voz autorizada dos oradores que me precederam nesta tribuna — unânimemente proclamaram a necessidade de mais fortes e apertados laços de solidariedade espiritual e material entre todos os territórios da Nação, e para a qual, creio eu, o restabelecimento da expressão províncias ultramarinas nos textos constitucionais muito concorrerá, mercê dos reflexos de toda a ordem que essa adopção implica e condiciona.
Sr. Presidente: se foi tarefa fácil provar que a designação de província ultramarina interpreta melhor a finalidade histórica e política da nossa expansão, já os obstáculos se multiplicam ao pretender-se repô-la em lugar da palavra colónia.
É que, como afirmou o Sr. Dr. Marques Mano, a mudança não se mostra apenas de índole formal, porque envolve alterações substanciais, tanto no Acto Colonial como na própria Constituïção, e tais ajustamentos exigem demorado e profundo estudo durante alguns anos, o que equivale a dizer que sòmente aquando da futura revisão constitucional poderão considerar-se de novo as reflexões expostas, ainda que bem precisem de meditar-se, mormente no tempo em que nos horizontes internacionais parece ensaiar-se o estabelecimento de um direito colonial sui generis, fundamentado no condomínio do aproveitamento das matérias primas—o caminho tortuoso mas propício à supremacia política e à absorpção territorial, pensamento que, por mais que as conferências diplomáticas se cansem em fingir afastar, há-de persistir em dominar os povos e as nações poderosas.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Com efeito, Sr. Presidente, desde o título VII da Constituïção até ao Acto Colonial, muitas modificações se farão na terminologia como na essência, e com estas se abrirão novos rumos a seguir na reorganização das Cartas Orgânicas e da Reforma Administrativa Ultramarina, para me restringir, por agora, a citar os diplomas basilares das nossas possessões de além-mar.
E uma das questões mais delicadas a enfrentar é a que se prende com o conceito jurídico de Império Colonial Português — expressão com admirável sentido espiritual e bandeira de uma mística empolgante, capaz de impulsionar e de guiar as novas gerações lusitanas para os mais altos destinos da Nação, precursora e principal agente da civilização ocidental.
Vozes! — Muito bem!
O Orador: — Mas se a nossa idea imperial (que pena é não impregne ainda todos os filhos de Portugal) anda divorciada do espírito político que, no decurso das eras, tem conduzido a funestas conseqüências — nunca nenhum dos nossos reis, mesmo no acume da expansão, usou o título de imperador — e visa tam sòmente a inflamar a grei de são nacionalismo e de amor pela causa de além-mar, a figura jurídica de Império, a manter-se como desejamos, tem de abranger todos os territórios portugueses: europeu, insulares e ultramarinos.
Apoiados.
É assim que pensam os portugueses de aquém e de além-mar; os portugueses de Angola foram os arautos da aliciante e lusitaníssima idea excelente e explìcitamente concretizada na mensagem que em 1938, ao terminar a primeira viagem presidencial, endereçaram ao Sr. Presidente do Conselho: «Nós não desejamos o Império Colonial; nós não desejamos a metrópole; nós, os portugueses de Angola, queremos Portugal, e Lisboa capital do Império Português».
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Outro importantíssimo problema que se põe com a restauração das antigas províncias ultramarinas é o que deriva da reorganização da Reforma Administrativa Ultramarina, diploma que ora estabelece a divisão provincial de Angola e de Moçambique.
Nenhum argumento de carácter tradicional ou científico consegue demonstrar e persuadir-nos da vantagem que resultou da divisão em províncias das duas possessões; estrangeira de origem, a repartição provincial, ao lado das enormes despesas que acarretou com as novas instalações, deslocamento dos arquivos e do pessoal, e a ampliação dos quadros e com a manutenção dos próprios governadores, matou alguns povoados de muito honroso passado histórico.
Depois, a expansão desmedida das províncias evita que as povoações estejam em mais íntimo contacto com os governadores, que, desta sorte, não poderão ouvi-las tanto amiúde nem conhecer as suas necessidades mais instantes.
Por todas estas ponderosas razões e ainda por outras que me dispenso de anotar, com o Sr. Dr. Marques Mano, advogo a restauração da velha e bem portuguesa divisão distrital, que bastante contribuíu para a ocupação militar e administrativa do nosso ultramar.
Vozes: — Muito bem!
O Orador: — Sr. Presidente: eis-me chegado ao cabo das considerações que prometi fazer e julguei de minha obrigação trazer à Assemblea Nacional.
Todavia, antes de terminar e já que dificuldades invencíveis, por emquanto, obstam a que a revisão do Acto Colonial atinja aquela amplitude e profundeza tam ansiadas por todos os portugueses, seja-me permitido perfilhar a opinião que quere ver na próxima futura Assemblea Nacional um maior número de Deputados possuïdores de conhecimentos ultramarinos, ambição fácil de realizar devido ao aumento de trinta lugares, previsto na Constituïção.
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Sr. Presidente: pôsto que estranha à revisão constitucional, outra sugestão pretendo formular: a representação das autarquias locais de além-mar na Câmara Corporativa.
Nas últimas décadas assinalou-se prodigiosamente o progresso material e social do nosso ultramar; os melhoramentos ali efectivados pelo Estado Novo, enchendo-nos de legítimo orgulho, impõem-nos à admiração das nações detentoras de territórios nossos vizinhos, e em muitas localidades de além-mar a vida é tanto ou mais confortável do que na metrópole e nas ilhas adjacentes.
Criados há centenas de anos uns e fundados outros mais recentemente, contam-se actualmente nas nossas possessões ultramarinas setenta e nove concelhos, muitos dos quais atingiram considerável importância, convertidos em centros activos e fecundos de aportuguesamento e civilização.
Presentemente, só os institutos missionários portugueses têm delegação na Câmara Corporativa, a indicar pelos prelados ultramarinos, parecendo-me aconselhável e oportuno que os municípios de além-mar devam também fazer-se representar nesse alto organismo consultivo.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Se, como declarou o Sr. Presidente do Conselho, política e jurìdicamente as colónias portuguesas são meras províncias do ultramar; se nos territórios portugueses de além-mar há dezenas de concelhos; se as autarquias locais da metrópole e das ilhas adjacentes têm Procuradores na Câmara Corporativa, porque não promover que os concelhos ultramarinos se façam representar ali, por intermédio de delegados escolhidos pelos respectivos municípios?
Apoiados.
Apesar de, como é sabido, as características de ambiência das nossas oito possessões diferirem bastante, julgo, para o efeito da representação dos seus municípios na Câmara Corporativa, não ser desacertado reüni-las em três grandes grupos, cada um dos quais tendo o seu Procurador: um pelos concelhos das nossas terras da África Ocidental, outro pelos de Moçambique e o último pelos dos nossos territórios do Oriente.
É evidente que, ao encarar-se a hipótese da obtenção desta regalia política para as autarquias locais do ultramar, com dois grandes obstáculos se topa: a distância e a não efectividade funcional de todas as secções da Câmara Corporativa.
No século da aviação, quando o ultramar, sob o ponto de vista das comunicações, se encontra mais perto da metrópole do que até há pouco tempo o estavam os Arquipélagos dos Açores e da Madeira, o factor geográfico distância amesquinhou-se extraordinàriamente; em aviões estrangeiros que servem os nossos domínios, ou nos das nossas carreiras aéreas que, tudo leva a crer, teremos brevemente, o Procurador da África Ocidental portuguesa chega a Lisboa em dois ou três dias, os de Moçambique e do Oriente em cinco ou seis — isto no caso de reünir e quererem assistir às sessões plenárias da 24.º secção, ou, ao contrário (e a exemplo do que acontecia há alguns anos quanto à presença legal das possessões de além-mar no Conselho Superior das Colónias, ou nos organismos que o antecederam) as câmaras municipais ultramarinas poderiam delegar em pessoas idóneas, residentes em Lisboa, a sua representação na Câmara Corporativa.
Dir-se-á que tal procuradoria não é real e pode desvirtuar os intuitos que a proporcionaram; mesmo virtual e simbólica, ela não deixaria de irradiar transcendente projecção política, porque tocaria o coração e o cérebro de todos os nossos irmãos de além-mar, portugueses dos melhores e infatigáveis construtores do engrandecimento da Nação, para quem quaisquer atenções e deferências do Govêrno encerram incalculável valor espiritual.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O Orador: — Ao colocarmos em pé de igualdade os municípios europeus e ultramarinos, aplanaremos o caminho e os alicerces das futuras reformas, atinentes a fazer das colónias províncias ultramarinas, de facto e de direito, e teremos ajudado a cumprir uma cota parte da espinhosa mas nobilíssima missão magistralmente enunciada no artigo 2.° do Acto Colonial: «É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendam, exercendo também a influência moral que lhe é adstrita pelo Padroado do Oriente».
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: — Como o Sr. Deputado António de Almeida acaba de fazer considerações sôbre todos os artigos relativos às alterações ao Acto Colonial, ponho à discussão em globo todas estas alterações.
Se algum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra, conceder-lha-ei.
Não há na Mesa qualquer proposta de alteração com relação a estes artigos.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Como nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vão votar-se em globo as alterações no Acto Colonial, salvo se algum dos Srs. Deputados reclamar que a votação seja feita em separado.
Pausa.
O Sr. Presidente: — Vai votar-se.
Submetidas à votação, foram aprovadas todas as alterações ao Acto Colonial.
O Sr. Presidente: — Está concluída a votação da proposta de lei relativa às alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial. Terminaram, portanto, os trabalhos da sessão legislativa extraordinária.
Vou, pois, encerrar a sessão...
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª dá-me licença?
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Na qualidade de substituto do presidente da Comissão de Redacção, peço a V. Ex.ª para pedir à Câmara o indispensável bill.
O Sr. Presidente: — Tem V. Ex.ª razão.
Como V. Ex.as sabem, a Comissão de Redacção tem de dar agora a forma conveniente às propostas de lei sôbre coordenação dos transportes terrestres e alterações à Constituïção Política e ao Acto Colonial.
Porém, os textos que a Comissão de Redacção aprovar já não podem ser sujeitos à apreciação da Assemblea.
Proponho, pois, que se dê um voto de confiança à Comissão de Redacção para redigir definitivamente êsses textos.
Consultada a Assemblea, foi aprovada a proposta do Sr. Presidente.
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O Sr. Presidente: — Estão encerrados os trabalhos.
Apresento a V. Ex.as os meus cumprimentos.
Eram 19 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Artur Proença Duarte.
João Mendes da Costa Amaral.
José Alçada Guimarãis.
José Clemente Fernandes.
Luiz Mendes de Matos.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Acácio Mendes de Magalhãis Ramalho.
Ângelo César Machado.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Ranito Baltasar.
O Redactor — Leopoldo Nunes.
Imprensa Nacional de Lisboa