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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 62

ANO DE 1946 11 DE DEZEMBRO

CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

PARECER N.º 15

Projecto de lei n.º 95

Restabelecimento dos lugares de administradores de concelho

Convidada a pronunciar-se, nos termos do artigo 103.º da Constituição Política, acerca do projecto de lei n.º 95, a Câmara Corporativa, por intermédio das suas secções de Política e administração geral e de Autarquias locais, emite o seguinte parecer:

1. O aludido projecto de lei, da iniciativa do ilustre Deputado Sr. Dr. Mário de Aguiar, pretende o restabelecimento dos lugares de administradores de concelho em todas as circunscrições municipais do continente, com excepção de Lisboa e Porto.
Nos termos dos artigos 1.º e 2.º do projecto, compete ao administrador do concelho:

a) Exercer as atribuições conferidas actualmente ao presidente da câmara, como magistrado administrativo e autoridade policial, respectivamente nos artigos 79.º e 80.º do Código Administrativo;
b) Assistir obrigatoriamente às sessões das câmaras municipais, promover o cumprimento, por aqueles corpos administrativos, de todas as suas obrigações e enviar ao governador civil cópia de todas as deliberações contrárias à lei ou ao interesse público.
O artigo 3.º do projecto dispõe sobre os vencimentos do administrador, os quais serão fixados pelo Governo, segundo a categoria de cada concelho, e pagos pelas receitas municipais.

2. No relatório do projecto o seu autor aponta os fundamentos que legitimam, a seu ver, o restabelecimento daquela autoridade concelhia, e que a seguir se indicam:

a) Após o estabelecimento das bases do sistema administrativo português pelo decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832, e depois do decreto de 18 de Julho de 1835, publicado no uso da autorização dada ao Governo pela lei de 25 de Abril do mesmo ano, nos vários Códigos Administrativos, e até há poucos anos, o administrador do concelho foi sempre a autoridade superior do concelho, no qual representava permanentemente o Governo e o respectivo governador civil;
b) Cumulando as funções de magistrado desempenhadas dentro da hierarquia administrativa com as de autoridade policial, o administrador chegava a revestir-se de uma grande tradição de respeito e obediência e impunha-se, com manifesto louvor público, contra os agitadores profissionais da desordem e do crime;
c) A supressão do cargo de administrador de concelho nas bases do novo Código Administrativo (diga-se já que a extinção do lugar se operou pela base viu da lei n.º 1:940, de 3 de Abril de 1936, diploma-base do anterior Código Administrativo de 1936) importou a substituição dos administradores de concelho pelos presidentes das câmaras municipais, «cujas atribuições

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eram já de si muito complexas e de uma natureza completam ente diferente para que pudessem ser desempenhadas com tempo e aptidão pelo mesmo indivíduo»;
d) Ainda que àqueles presidentes assista a faculdade de delegação, nos vice-presidentes, dos poderes de sua competência como magistrados administrativos e autoridades policiais, tal substituição «não se tem mostrado muito compatível com os princípios de independência e de autoridade dentro da boa disciplina administrativa»;
e) A crescente importância das funções policiais concelhias é um facto que já determinou a criação em cada concelho -pelo decreto n.º 4:166, de 27 de Abril de 1918, não regulamentado- de um lugar de comissário de polícia municipal;
f) Sendo indispensável ensinar os princípios da organização corporativa autodirigida, «mais se torna necessário que não se quebre a tradição de força e de protecção que andou sempre ligada ao nome dos administradores de concelho;
g) «A bom das normas administrativas», e visto que o presidente da câmara municipal não pode « fiscal fixar-se II si próprio», voltará a criar-se o lugar do administrador de concelho, ainda para o efeito de cumprindo-lhe assistir sempre às sessões municipais, promover o cumprimento de todas as obrigações camarárias e informar o governador civil de todas as deliberações contrárias à lei ou ao interesse público;
h) A recriação do cargo de administrador de concelho ainda se justifica «dado que a experiência dos últimos anos tem demonstrado que não se obtiveram os resultados esperados da supressão dos lugares de administradores de concelho ou, melhor, da forma da sua substituição».
Ainda no preâmbulo do projecto em referência o digno Deputado, seu autor, apoia a remuneração das funções e o encargo do respectivo pagamento, previstos no artigo 3.º, com as considerações de que, a exigindo-se graves e pesadas responsabilidades aos administradores de concelho, que por vezes têm de expor o seu sossego e até a própria vida para bem cumprir, é de justiça que se lhes concedam os meios necessários à sua categoria funcional e aos serviços prestados, o que ficará a cargo das câmaras municipais, como sempre esteve».
Finalmente, vê-se do relatório que o ilustre apresentante do projecto, desejando o restabelecimento do cargo de administrador de concelho, visa uma solução de o inergência «enquanto não se procede à revisão do Código Administrativo».

3. Posto isto, passemos agora à apreciação do projecto.
No parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei n.º 73, ou seja a proposta-base do Código Administrativo de 1936, o problema da supressão do lugar de administrador de concelho foi discutido e resolvido com a clarividência, a penetração e o saber peculiares ao eminente relator.
Ganha-se transcrevendo alguns passos do citado parecer. Neste, em comentário à base VITI da referida proposta de lei, manifestava-se de começo o convencimento de que levantaria oposição «a morte dos administradores de concelho», isto é, «o facto de na mesma pessoa acumularem duas situações: a de presidente da câmara e a de magistrado administrativo», ou ainda, se se quiser, «o facto de o presidente da câmara ser, no concelho, o representante do Poder central».
Como explicação da oposição prevista, acrescentava-se:
E não admira.
Nasceu a dualidade das magistraturas, sendo, portanto, velha de um século.
Todos os nossos Códigos Administrativos a sancionaram, falando no administrador de concelho, como o decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832 a havia sancionado, falando no provedor.
E logo o mencionado parecer esclarecia, a todas as luzes de um profundo conhecimento do direito administrativo português e do direito comparado, que:
Não inovava quem propugnava uma organização monista, pois esta era o regime em vigor quando da revolução de 1830;
Nem todos os defensores do liberalismo se mantiveram fiéis ao sistema dualista, e para o comprova: invocavam-se os nomes de Fernandes Coelho, Almeida Garrett, Anselmo Braamcamp e Jacinto Nunes;
Mesmo dentro dos quadros republicanos não só estava em face de uma novidade, porquanto logo no projecto de Código Administrativo elaborado pela comissão nomeada por decreto de) de Outubro eram abolidos os administradores de concelho) e transferidas as suas atribuições, nos concelhos não capitais de distrito, para as comissões executivas das câmaras e seus presidentes, aos quais o projecto chamava «representantes do Poder Central», competindo as funções policiais, nos concelhos capitais de distrito, aos governadores civis e, nos outros concelhos, às comissões executivas e seus presidentes;
Não obstante a lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, no artigo 26.ª, não fazer do presidente das comissões executivas um magistrado administrativo, não deixa, contudo, de lhe dar competência para «substituir os administradores dos concelhos», podendo assim acumular, ainda que transitoriamente, o exercício de ambas as funções;
Nos «figurinos estrangeiros», ou sejam certas autoridades referidas no parecer, com exercício de funções similares em Espanha, França, Itália, Bélgica, Holanda e Dinamarca, encontrava a proposta governamental modelos aproximados.
Depois de no aludido parecer se notar que Lobo de Ávila, apologista do sistema da dualidade, em oposição a Garrett, reconhecia, todavia, o desacordo da legislação do País com a geralmente emitida nos outros povos, surgia naturalmente a pergunta sobre se era de aplaudir a doutrina da base em apreciação.
A defesa, feita brilhantemente, encontra-se a p. 446-Q do Diário tias Sessões, suplemento ao n.º 75, de 8 de Fevereiro de 1936, e, dada a sua oportunidade, muito convém trasladar para aqui alguns excertos.
A acumulação das funções municipais e administrativas em um único funcionário, escrevia Fernandes Coelho, não é só conforme aos nossos antigos usos e ao que se acha estabelecido nos demais países constitucionais, mas facilita o expediente dos negócios; toma mais compacta a administração pública pela ligação e unidade que lhes dá, e põe termo aos conflitos de autoridade e jurisdição que constantemente aparecem entre as câmaras e os administradores de concelho.
Não se vê razão decisiva que legitime a existência de duas autoridades: o presidente da câmara e o administrador.
A unificação, neste caso, só pode contribuir para fortalecer o prestígio do presidente, que no concelho deverá apresentar-se como o mais incontroverso depositário da autoridade.
Em seguida à demonstração da necessidade de serem exceptuados os concelhos de Lisboa e Porto quanto ao

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sistema da unificação e à refutação da argumentação produzida por um digno Procurador à Câmara Corporativa, o parecer concluía a justificação da base proposta nos seguintes termos:
Em desabono da solução proposta diz-se ... que o exercício, pelo presidente da câmara, das funções de magistrado administrativo do concelho, designadamente das funções policiais, pode comprometer a sua acção como presidente, criando-lhe inimizade: e malquerenças, sempre politicamente inconvenientes e sempre prejudiciais à sua acção administrativa.
Não concordamos.
O presidente da, Camara, quando seja nomeado por certo período e quando, durante esse período, lhe seja assegurada a inamovibilidade, dispensa para futuras reconduções os votos dos vizinhos e, por isso, deve ele contentar-se com o aplauso público à sua obra, sem que para este possam influir em demasia as más vontades que os seus actos como autoridade policial possam ter despertado neste ou naquele cacique, neste ou naquele influente.
Torna-se, de resto, necessário que a gestão da fazenda e dos interesses municipais se vá desprendendo, nos limites do possível, das preocupações de pura regedor ia, só provocadoras de erros administrativos e de injustiças graves.
É necessário corrigir a mentalidade pública neste domínio e, para essa correcção, não pouco, supomos, contribuirá o regime da proposta.
Convém, de resto, evitar que entre as duas autoridades nasçam conflitos e emulações.
E para os impedir, o melhor meio consiste, ainda,... no desaparecimento de uma delas.
4. Estabelecida na Assembleia Nacional a discussão referente às bases constantes da proposta de lei n.º 73, incidiu larga controvérsia sobre a base n.º 8, a que a Câmara Corporativa dera pleno acordo.
Não cremos ser descabido lembrar que um ilustro Deputado, intervindo no debate, em que pôs, como é seu hábito, o brilho da sua inteligência e o ardor da sua personalidade, ao fazer a defesa do sistema dualista, não deixou nobremente de reconhecer:
Dir-me-ão: os administradores do concelho eram autênticos agentes eleitorais, eram caciques, eram delegados do Poder Central, que exerciam poder; violentos, discricionários, para preparar eleições II até muitas vezes falsificar resultados eleitorais. Realmente eles tinham esses defeitos...
E o mesmo Sr. Deputado, na paixão do seu combate à extensão de poderes que se pretendia conferir aos presidentes dos municípios, chegava a exclamar: «O que eu não quero é um tirano em cada concelho!».
Por fortuna o receio não se confirmou.
5. Aprovada a base 8.º, veio mais tarde a ser alterada, de harmonia com a lei n.º 1:946, de 21 de Dezembro de 1936, por força da qual, «exceptuados os concelhos de Lisboa e Porto, onde haverá administradores de bairro, o presidente da câmara será o magistrado administrativo do concelho, podendo o Código atribuir-lhe funções policiais nos concelhos onde não exista outra autoridade policial».
Publicado em 31 de Dezembro de 1936, no uso da autorização dada pela citada lei n.º 1:946, o primeiro Código Administrativo do Estado Novo, que foi também o primeiro do regime republicano, nos seus artigos 79.º e 80.º foi tomada em consideração a aludida base 8.º das leis n.ºs J :940 e 1:946. E assim ficou delimitada a outra da competência do presidente da câmara municipal como magistrado administrativo e ainda como autoridade policial, cujas funções não exerceria nos concelhos sede de distrito, nos concelhos com secção de polícia de segurança pública e nos outros em que o Governo julgasse conveniente a nomeação de delegado especial com atribuições policiais (§§ 1.º e 2.º do citado artigo 80.º).
Como medida transitória, no § 2.º do artigo 2.º do decreto-lei n.º ,27:424, que aprovou aquele Código, dispunha-se que «os administradores dos concelhos exerceriam até 31 de Dezembro de 1937 as funções policiais que, segundo o disposto no artigo 80.º do Código Administrativo, pertencem ao presidente da câmara».
Devemos recordar que, pelo decreto n.º 14:812, de 31 de Dezembro de 1927, haviam sido extintas as administrações de concelho do continente e ilhas adjacentes, determinando-se que todos os concelhos cuja cede não fosse também sede de distrito continuariam a ser administrados por administradores de concelho, nomeados pelo Ministro do Interior, e que seriam os presidentes natos das comissões executivas das câmaras municipais, e dispondo-se ainda, transitoriamente, que, enquanto os municípios estivessem a ser geridos por comissões administrativas de nomeação do Governo e da confiança do governador civil, o presidente da comissão seria, ao mesmo tempo, o administrador do concelho, tendo os governadores civis todavia a faculdade de quando assim o entendessem, nomear em determinados concelhos mais um vogal para as comissões administrativas, que desempenharia cumulativamente as funções de administrador de concelho.
E já nem queremos falar no decreto n.º 9:356, de 8 de Janeiro de 1934, pois que a supressão do lugar de administrador de concelho não passou de uma ficção, visto tal autoridade ter continuado a existir com outro nome.
6. Publicado o actual Código Administrativo, aprovado pelo decreto-lei n.º 31:095 de 31 de Dezembro de 1940, manteve-se a transferência de competência, preceituada no § ] .º do artigo 80.º do Código de 1936, cessando, porém, a faculdade de nomeação, pelo Governo. de um delegado policial, prevista no § 2.º daquele artigo 80.º
Tendo ficado descrita a evolução legislativa por que passou a entidade administrador de concelho até à sua supressão, com passagem dos seus poderes e atribuição pura o presidente municipal, vejamos agora V. Ex.ª procedentes os fundamentos invocados no relatório do projecto de lei n.º 95 para, só pretender o restabelecimento do cargo de administrador de concelho.
Ora, diga-se desde já: visando o ilustre Deputado, com o seu projecto, o regresso ao sistema dualista, como solução tomada enquanto não é revisto o Código Administrativo e imposta - segundo o autor - pelas presentes circunstâncias t; pela lição da experiência, pareci! não ser aconselhável, desde que, no juízo do Sr. Dr. Mário (de Aguiar, «a prática tem demonstrado que se impõe uma revisão criteriosa e urgente», restringi-la agora apenas às funções do presidente da câmara. Se há urgência na revisão, como pensa o ilustre Deputado, porque não a estender então a todas as matérias que dela careçam?
De duas uma: ou «a publicação do actual Código Administrativo é uma das realizações jurídicas mais notáveis dos últimos anos, destinada a exercer uma decidida influência nas administrações locais» - como muito bem diz o autor do projecto de lei - , e então o tempo decorrido afigura-se-nos não ser o suficiente para pôr à prova todas as qualidades e possíveis defeitos do Código, ou este tem revelado imperfeições e vícios de funcionamento importantes que justifiquem uma revi-

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são, e esta deve ser feita quanto antes e não abranger apenas o problema em causa.
Julga, porém, a Câmara Corporativa que os diminutos anos de vida de tão relevante monumento nacional de codificação administrativa, como é o Código de que nos ocupamos, em cujos trabalhos colaboraram os nossos mais reputados administrativistas e até S. Ex.ª o Presidente do Conselho, não fundamentam a revisão para já daquele diploma, cuja «orientação profundamente nacionalista, dentro da tradição municipalista que adoptou, foi recebida - são judiciosas palavras do Sr. Dr. Mário de Aguiar - com justificado júbilo por todos aqueles que vêem no progresso dos concelhos um dos mais poderosos factores do engrandecimento nacional».
Mas, reportando-nos ao assunto em apreciação, não vemos que ponderosas razões possam basear o pretendido restabelecimento.
Ressuscitar uma entidade cuja existência se vinha criticando, pelos malefícios que originava, sobretudo nos costumes políticos, e de que até o atrás citado decreto n.º 9:356 se fez eco, seria provocar a revivescência de processos que fizeram o descrédito do País e eram bem o atributo da orgânica demo-liberal.
Ora, se ao presidente da câmara foi, nos códigos do Estado Novo Corporativo, atribuída a concentração, nos seus poderes, de atribuições de magistrado administrativo e de autoridade policial, foi porque se vinha operando uma forte reacção doutrinária e legislativa no sentido de acabar com o lugar de administrador de concelho.
Com efeito, a lei n.º 621, de 1916, dava ao presidente da comissão executiva municipal competência para substituir o administrador de concelho; o decreto 11.º 9:356, de Janeiro de 1924, suprimia o cargo de administrador, ainda que promovesse o provimento das respectivas funções; e o decreto n.º 14:812, de Dezembro de 1927, extinguia as administrações de concelho, cujos serviços eram transferidos para as secretarias municipais, embora contraditoriamente mantivesse o cargo.
Assim, em face do desprestígio em que caíra a autoridade administrador de concelho, mercê dos vícios gerados pela política de campanário e pela máquina eleiçoeira e dos atritos e até conflitos entre a edilidarle e aquele magistrado administrativo, os quais nem mesmo a afinidade partidária evitava, porque era sobrelevada pela vaidade pessoal o pelas preocupações de mando, criara-se nu administração local e na opinião pública a atmosfera de desagrado e antipatia contra os administradores de concelho, ainda que nem sempre fossem arbitrários e mesmo prepotentes, visto que os havia exercendo o cargo com ponderação, dignidade e espírito de colaboração.

7. Independentemente das críticas já feitas ao lugar de administrador de concelho, a Câmara Corporativa não vê a necessidade da sua criação. E isto porque:

a) Quanto às funções de autoridade policial, são elas exercidas ou pelos próprios presidentes das câmaras naqueles concelhos em que naturalmente dispuserem do tempo suficiente para, além de cuidarem da gerência municipal, se ocuparem daquelas funções, ou pelos vice-presidentes, por virtude da delegação nos termos do artigo 81.º do Código Administrativo, ou pelo comandante distrital da polícia de segurança pública nos concelhos que forem sede de distrito, ou pelo comandante de secção daquela polícia nos concelhos em que a houver, sendo ainda de notar que onde há postos de polícia de segurança pública vêem os presidentes e os vice-presidentes a sua missão policial muito facilitada;
b) Quanto às funções de magistrado administrativo, elas são asseguradas pela sua atribuição aos presidentes das câmaras e harmonizam-se com a qualidade de delegados e representantes do Poder Central, cumprindo-lhes a executar e fazer executar no concelho as leis e regulamentos administrativos», além do dever de informarem o governador civil sobre todos os assuntos de interesse público que esse magistrado deva conhecer.
Como com todo o acerto escreveu o Sr. Dr. António Augusto Pires de Lima no seu livro sobre Administração Pública, a p. 91, e o presidente nomeado pelo Governo é o traço de união entre este e a vereação eleita; sem ele há o divórcio entre a administração local e o Estado, o que é dos mais perniciosos efeitos», sendo certo que «a existência de uma câmara eleita, representante directa do município, mas presidida por um funcionário nomeado pelo Governo, e por isso representante do Estado, é uma fórmula feliz, porque conjuga e harmoniza o princípio municipalista com outro princípio que obriga o Governo a fiscalizar o cumprimento das leis e o desenvolvimento da Nação».
A larga experiência tinha mostrado os inconvenientes e prejuízos resultantes dos excessos da descentralização, cometidos à sombra de um imperfeito entendimento das franquias dos municípios. Por sua vez, ca tutela administrativa já se não apresenta como instituição só defendida pelos inimigos dos foros e regalias municipais, mas como instituição necessária à defesa do interesse geral e até à defesa bem compreendida de certos interesses particulares dos povos, protegendo-os contra os erros de uma má gestão administrativa» (parecer atrás citado).
Ainda, por outro lado, ao mesmo tempo que se cercava de prestígio e autoridade o cargo de presidente da câmara, eram tidas em vista, para o caso de exorbitância no exercício das funções, as inspecções exercidas pelo conselho municipal, pela superintendência do Governo e pela própria opinião pública, como salientou acertadamente um ilustre Deputado aquando da discussão conducente à publicação do primeiro Código Administrativo do Estado Novo.
Houve, por isso, o melhor cuidado em procurar obter o rendimento e eficácia na gestão dos negócios municipais, em ordem a servir o melhor possível o interesse local, conjugado com o interesse nacional. Com esta finalidade é que a Constituição Política prescreve no seu artigo 127.º que «a vida administrativa das autarquias locais está sujeita à inspecção de agentes do Governo, podendo as deliberações dos respectivos corpos administrativos depender da autorização on exigir a aprovação de outros organismos ou autoridades e ser submetidas a referendum».
Tudo isto serve, afinal, para concluir que o legislador tomou as necessárias medidas do prudência para, respeitando as tradicionais liberdades municipais, prevenir abusos e exageros, para o que estabeleceu o elo de ligação entre o Estado e o município, ou seja o presidente da câmara com os seus poderes e atribuições de magistrado administrativo e até de autoridade policial.

8. Não se alcança, pois, onde reside a vantagem de retirar aos presidentes das câmaras tais poderes e atribuições, para os conferir a uma entidade a restabelecer, cujo descrédito está intimamente ligado à orgânica defeituosa e aos vícios de funcionamento do caduco estado liberal.
A despeito de todos os defeitos inerentes à entidade administrador de concelho, ainda se poderia compreender no tempo do liberalismo o sistema dualista, uma vez que o Poder Central precisava de alguém de sua confiança que o representasse no concelho e fosse o elemento informador da acção administrativa local, dado que a escolha de presidente do município era feita por eleição.

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Desde que, portanto, o presidente da câmara passou 5 ser nomeado - e contra tal orientação se não mostra discordante no relatório do projecto em apreciação o seu autor -, não há fundamento consistente para que sejam retirados àquele magistrado os poderes que a lei lhe atribuiu e se nos afigura coadunarem-se melhor com a organização político-social do Estado.
Apesar da anomalia de se extinguirem as administrações mas se manterem os administradores dos concelhos - o que se verificou, como se recordou já, no decreto n.º 14:812 -, o certo é que este diploma se deve considerar como precursor da orientação que viriam a tomai-os Códigos Administrativos de 1936 e 1940, pois naquele decreto o administrador seria o presidente do .município e, exercendo aquelas funções, poderia até existir um vogal especial, que equivaleria agora ao vice-presidente da câmara.

9. Se o presidente da camara é a autoridade superior do concelho, como representante e delegado do governador civil e do Governo; se pode desempenhar as funções atribuídas pela lei ou as podo delegar parcialmente, perante a vastidão e complexidade dos assuntos e atribuições, daí provindo vantagem para o respectivo serviço; se, precisamente porque o presidente constitui o traço de união» entre o Estado e o município, pode remover dificuldades e alcançar benefícios importantes de toda a espécie, graças ao prestígio de que foi rodeado e ao apoio naturalmente dado pelo governador do distrito, não se compreende, na verdade, o restabelecimento do cargo de administrador de concelho, que só traria encargos a mais, não só com o pagamento da sua remuneração, como ainda com as despesas de instalada) e manutenção das administrações.

10. Se os administradores de concelho ressurgissem, deveriam assistir sempre às sessões das câmaras municipais, promover o cumprimento de todas as suas obrigações e enviar ao governador civil cópia de todas as deliberações que fossem contrárias à lei ou ao interesse público. Assim o pretende o artigo 2.º do projecto, cuja fonte parece ter sido o n.º 8.º do artigo 277.º do Código Administrativo de 1896.
Ora, dada a maior latitude de poderes que foi conferida aos presidentes das câmaras, desde que estes fossem privados das atribuições consignadas nos artigos 79.º e 80.º, a investidura, em tais atribuições, da nova autoridade restabelecida seria altamente chocante para a edilidade e em especial para o seu presidente, nomeado pelo Governo, pessoa de sua confiança, servindo na maioria dos casos graciosamente, ao passo que o administrador - «autoridade superior do concelho»- seria pago... pela câmara, de que seria o fiscal e quase uma espécie de tutor.
As câmaras municipais não aceitariam de bom grado essa ingerência na sua gestão administrativa, quando dela cuida superiormente o presidente e o Governo exerce sobre ela inspecção, nos termos dos artigos 372.º e seguintes do Código Administrativo, competindo particularmente aos governadores oivia as atribuições do artigo 375.º do citado Código.
A intervenção do administrador de concelho traduziria uma demonstração de pouca confiança nas qualidades que são de exigir num presidente de município.
A assistência daquela autoridade, na câmara municipal, às reuniões (devendo esta palavra, à face da terminologia do Código, usar-se de preferência a e sessões») geraria um ambiente de desconfiança, constrangimento ou suspeição, ainda que entre o administrador, o presidente e a vereação houvesse identificação política, e seria tida, na sua permanente aparência de policiamento, como um vexame ao princípio da independência ao serem tomadas as deliberações camarárias, que só podem ser suspensas, modificadas ou anuladas pela forma e nos casos previstos no Código Administrativo (artigo 343.º).
De resto, o entendimento da expressão «deliberações contrárias à lei ou ao interesse público» levaria inevitavelmente a questões desagradáveis e falta de colaboração. O que para a câmara traduziria uma deliberação ou medida proveitosa ou legal poderia ser intenportado pelo administrador como deliberação contrária a lei ou ao interesse público.
Ainda mesmo que a fiscalização se fizesse dentro das normas da lei e da cortezia e sem intromissões injustificadas, a função do administrador nunca perderia, e mesmo perante o público, o carácter que representa: fundamentalmente tutelar para o corpo administrativo vigiado e, portanto, desautorizante para este.

11. Mas, se os lugares de administradores de concelho viessem a ser restabelecidos, não se justificaria que 03 vencimentos respectivos fossem pagos pelas receitas das câmaras municipais (artigo 3.º do projecto).
É certo que, enquanto o cargo de administrador foi remunerado, os seus vencimentos oneraram as finanças municipais.
Não faria, porém, sentido que, sendo os administradores de concelho os representantes do Governo e fiscais da actividade das câmaras, não fossem pagos pelo Estado, que lhes conferira a fiscalização. O carácter mesmo da função repele o pagamento pelo município.
Acresce que os encargos de toda a ordem com que lutam as câmaras lhes trazem as maiores dificuldades financeiras, que bem se reflectem ao serem elaborados os orçamentos.
O volume daquelas dificuldades não permitiria, portanto, que as municipalidades suportassem obrigatoriamente mais aquela despesa.
Nos termos expostos, a Câmara Corporativa é de parecer que o projecto de lei n.º 95 não deve ser aprovado.

Palácio de S. Bento, 10 de Dezembro de 1946.

José Gabriel Pinto Coelho.
Gustavo Cordeiro Ramos.
João Serras e Silva.
Manuel Gomes da Silva.
Alberto Sá de Oliveira.
Armando Jacques Favre Castelo Branco.
Paulo de Oliveira Machado.
Álvaro Malafaia, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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