O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 213

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 69

ANO DE 1947 9 DE JANEIRO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º69 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 8 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 62, que insere o parecer n.º 15 da Câmara Corporativa, acerca do projecto de lei n.º 95 (restabelecimento dos lugares de administradores da concelho).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados, com rectificações, os n.0 67 e 68 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
A Assembleia, por proposta do Sr. Presidente, aprovou votos de pesar pela morte do Sr. Deputado Fausto de Almeida Frazão, do pai do Sr. Deputado Sá Carneiro e da mãe do Sr. Deputado Henrique Galvão.
O Sr. Presidente comunicou que recebera o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei relativo do restabelecimento dos lugares de administradores de concelho e o relatório e contas da Junta do Crédito Público relativos ao ano Se 1945.
Os Srs. Deputados Bagorro de Sequeira e Craveiro Lopes congratularam-se com o estabelecimento da linha aérea imperial Lisboa-Luanda-Lourenço Marques.
O Sr. Deputado Armando Cândido apresentou um requerimento acerca do plano de repovoamento florestal do distrito de Ponta Delgada.
O Sr. Deputado Henrique Galvão mandou para a Mesa um requerimento sobre a falta de cumprimento de uma cláusula do contrato com a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela.
O Sr. Deputado Mendes Correia e outros Srs. Deputados requereram que o decreto-lei n.º 36:062 fosse submetido à ratificação da Assembleia.
Por proposta do Sr. Presidente, apoiado por toda a Câmara, foi aprovado um voto pelo pronto restabelecimento da saúde de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República.

Ordem do dia. - Foram aprovadas as bases I e II da proposta de lei de reorganização dos estabelecimentos fabris dependentes do Ministério da Guerra e iniciou-se a discussão da base III, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Melo Machado, Mário de Figueiredo, Marques de Carvalho e Ricardo Durão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sonsa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobão.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.

Página 214

214 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 69

Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Gosta.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 67 e 68 do Diário deu Sessões.

O Sr. João Ameal: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer uma pequena rectificação ao Diário das Sessões n.º 67. No sumário dessa sessão encontra-se escrito: cos Srs. Deputados João Amaral e Pinheiro Torres», em vez de: «os Srs. Deputados João Ameal e Pinheiro Torres».

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: uso da palavra para igualmente pedir a rectificação, no Diário das Sessões n.º 68, dumas pequenas gralhas que constam das considerações que fiz acerca da apresentação do meu projecto de lei e que são as seguintes:
A p. 204, col. 1.ª: 1. 36, onde está a imobiliários», deve ler-se «mobiliários»; na 1. 59, onde está «das locações»; «da locação»; na 1. 61, «23.º», em vez do «22.º»; na 1. 68, suprimir «da parte»; na col. 2.ª: 1. 20, «poderão ser feitos», em vez de «perderão efeito»; na 1. 63, «da destinada», e não «das destinadas»; a p. 205,1. 5, «despejo», em lugar de e despesa»; a p. 210: no § 4.º do artigo 1.º, depois do § 8.º, acrescentar «do artigo 5.º»; no artigo 2.º, «perde o arrendamento feito», e não «feito perde o arrendamento» ; a p. 211, col. 2.a: o artigo 22.º é o 23.º e o 22.º tem a seguinte redacção: «Artigo 22.º As decisões proferidas nas acções de despejo e naquelas de que, directa ou indirectamente, possa resultar o despejo admitem recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça».

O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: pedi a palavra para solicitar as seguintes rectificações ao discurso por mim proferido na última sessão:
No Diário n.º 68, p. 206, col. 2.ª, 1. 29, onde se lê: «Tudo isto é corrente...», foi dito: «Todo isto é coerente...»; a 1. 35, onde se lê: «Tudo isto é coerente com o sistema de funcionamento relatório...», foi dito: «Tudo isto é coerente também com o que se afirma no relatório...»; a ls. 54 e 55, onde se lê: «... à custa de no que se refere à remuneração...», foi dito: «... à custa de uma inferior remuneração...».

O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre os números do Diário que se encontram em reclamação, considero-os aprovados com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposições

Da pensionista D. Maria da Glória de Assunção de Oliveira Guimarães, sobre o subsídio de 30 por cento, que pede seja extensivo às pensionistas dos servidores do Estado.
De Jaime Rodrigues Valverde e Cunha, no sentido de as alterações à lei do inquilinato serem o mais concretas possível.
Da Lutuosa de Portugal, associação de socorros mútuos, com sede no Porto, sobre a situação da mutualidade livre, em especial a que ingressou na organização técnica após a publicação do decreto n.º 19:281.
De D. Maria Alves Tomás e de Álvaro Augusto Moreira, em que, apontando situações que se lhes referem, pedem a alteração da actual lei do inquilinato.

Ofícios

Do Sindicato Nacional dos Electricistas, acompanhando o relatório e parecer elaborados pela comissão

Página 215

9 DE JANEIRO DE 1947 215

nomeada para estados de previdência adequados ao aperfeiçoamento da preparação técnica dos operários electricistas, cuja doutrina, sendo considerada na reforma do ensino técnico, viria satisfazer, como dizem, as aspirações da classe dos electricistas.

«Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Em resposta ao ofício de V. Ex.ª n.º 223/IV, de 11 do corrente, informo que circunstâncias de força maior impediram que se conseguisse até agora solução favorável para a deficiência das condições acústicas da sala da Assembleia Nacional.
Nesta ocasião está em curso, porém, a experiência de um sistema de microfones auscultadores, sobre o qual determinei também que V. Ex.ª seja oportunamente consultado, o que deve ter lugar dentro de alguns dias.
Do resultado dessa experiência dependerá a maior ou menor brevidade da resolução do assunto.
A bem da Nação.

Lisboa, 19 de Dezembro de 1946. - O Ministro das Obras Públicas e Comunicações, A. Cancella de Abreu».

O Sr. Presidente: - Durante as últimas férias parlamentares esta Assembleia sofreu a sua primeira perda irremediável pela morte do Sr. Deputado Fausto de Almeida Frazão, Deputado eleito pelo círculo de Angola e que aos assuntos coloniais na última sessão legislativa prestou todo o cuidado e o maior interesse. No início da actual sessão legislativa, ao tomar conhecimento da doença grave que motivou a sua falta, a Câmara exprimiu os seus desejos de pronto restabelecimento. Infelizmente, a morte vitimou aquele ilustre Deputado, que a esta Câmara e ao Pais prestou a sua colaboração patriótica.
Proponho um voto de sentimento pela morte do Sr. Deputado Fausto de Almeida Frazão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Durante as mesmas férias também ocorreu a morte do Sr. Dr. Joaquim Sá Carneiro, pai do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Era, sem dúvida, uma figura de notável jurisconsulto e advogado.
A sua morte fere de lato o foro português e aquele nosso digno colega.
Proponho também um voto de sentimento pela morte do Sr. Dr. Joaquim Sá Carneiro e, em nome da Assembleia, apresento ao Sr. Deputado José Gualberto de Sá Carneiro as mais sentidas condolências.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª e à Câmara a manifestação de pesar que acaba de ser feita pela morte de meu pai.

O Sr. Presidente: - Ainda durante as férias ocorreu a morte da mãe do Sr. Deputado Henrique Galvão.
Estou certo de que a Câmara acompanha com as suas condolências e o seu pesar o Sr. Deputado Henrique Galvão.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: agradeço a V. Ex.ª e à Câmara esta manifestação de pesar.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos em resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Araújo Correia, a quem vão ser entregues.
Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei n.º 95. relativo ao restabelecimento dos lugares de administradores de concelho, que vai baixar à Comissão de Administração Pública.
Estão igualmente na Mesa o relatório e contas da Junta do Crédito Público relativos ao ano de 1945. Vão ser publicados no Diário das Sessões e baixarão à Comissão do Contas Públicas, para estudo.

O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir, embora em poucas palavras, à carreira de navegação aérea imperial, cuja inauguração se realizou há poucos dias, com a presença do ilustre Ministro das Colónias e de outros membros do Governo, que assim oficializaram o acontecimento, ao mesmo tempo que lhe conferiram categoria e foros de obra nacional.
Efectivamente, sob todos os pontos de vista, político, moral e económico, como obra nacional deve ser considerada a ligação aérea Lisboa-Luanda-Lourenço Marques, porque vem continuar e desenvolver, tornando-as mais íntimas e constantes, as relações espirituais e do interesses entre a comunidade portuguesa da metrópole e as duas mais importantes províncias portuguesas do ultramar; porque revela, e afirma mesmo, as possibilidades e capacidade realizadora do Governo ao serviço do engrandecimento da Nação, e, sobretudo, porque é inspirada por um sentimento de comunhão fraterna, em que os interesses morais se sobrepõem às conveniências materiais da exploração.
É, pois, por esta razão fundamental que me parece não poder a Assembleia Nacional deixar de se interessar pelo acontecimento, e esta também a razão por que entendi dedicar-lhe aqui algumas palavras.
É ainda e exclusivamente dentro deste aspecto que tem explicação e justificação a ardorosa e entusiástica ansiedade com que em Angola e Moçambique se desejava, e até se reclamava, o urgente estabelecimento da carreira imperial agora inaugurada, reclamação que por vezes, diga-se em abono da verdade, perdia o equilíbrio da justa apreciação dos factos, pois era apaixonadamente influenciada, aliás com boa intenção, pelo que puderam fazer logo após a terminação da guerra os nossos vizinhos do Congo Belga, restabelecendo as suas carreiras aéreas, que já realizavam em 1940, entre Léopoldville e Bruxelas, e pelo que fizeram de novo os americanos, que, além de possuírem como ninguém um extraordinário conhecimento e treino das coisas da aviação comei ai, acabavam de sair das hostilidades com uma massa incalculável de material aeronáutico e quadros fantásticos de pessoal disponível de todas as categorias e especialidades, por consequência em boas condições de satisfazer todas as necessidades das carreiras civis que restabeleceram e criaram de novo, havendo ainda a considerar que para os americanos era indispensável imporem-se como uma grande potência aerotransportadora, circunstância que não influi, nem pode influir, os nossos propósitos em matéria de navegação aérea.
Desta maneira, como as circunstâncias que permitiram aos belgas e aos americanos restabelecer as suas carreiras aéreas antigas e criar carreiras novas foram e são bem diversas das que prevaleceram e prevalecem no nosso caso, temos de considerar e admitir que no estabelecimento da carreira imperial as coisas correram como puderam correr, nem muito depressa nem muito devagar, nem muito cedo nem muito tarde, fazendo-se a inauguração quando foi possível, tendo em conta as dificuldades a vencer, que certamente foram muitas e muito complicadas, em consequência da falta de pessoal e material indispensáveis a uma organização de conjunto dos serviços que assegurasse as garantias de segurança exigíveis e a eficiência o continuidade necessárias.

Página 216

216 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 69

E, porque a obra realizada é de utilidade reconhecida, julgo que todos temos obrigação de ser agradecidos àqueles que na sua resolução definitiva puseram toda a sua boa vontade, estorço e zelo de bem servir.
Sr. Presidente: após estas ligeiras e modestas considerações, desejo exprimir votos sinceros por que seja constante o progresso e desenvolvimento da carreira imperial e por que sejam as suas dotações em material e pessoal sempre suficientes, de maneira a garantirem uma boa organização o eficiência dos serviços, com vista ao melhor desempenho da missão a que é destinada.
A S. Ex.ª o Ministro das Colónias, como representante do Governo, e aos Srs. governadores gerais de Angola e Moçambique, como representantes das populações daquelas duas importantes províncias de Portugal, dirijo as minhas saudações pelas facilidades que a carreira aérea imperial vai conceder aos seus governos e pela felicidade de verem realizado Ião grande melhoramento durante a sua gerência, na superior administração do Império.
Para terminar, peço à Assembleia que me acompanhe nos votos e saudações que acabo de formular, considerado o sentido e a realidade nacional de que se reveste a inauguração da carreira aérea imperial dirigida para Angola e Moçambique.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Craveiro Lopes: - Sr. Presidente: há cerca de um ano tivemos ocasião de dar merecido relevo ao acordo relativo à navegação aérea entre Portugal e duas das grandes nações do Mando. Pouco tempo depois tivemos também oportunidade de nos referir aos trabalhos realizados para o estabelecimento das ligações aéreas entre a Mãe-Pátria e o ultramar português.
Dissemos nessa ocasião que estávamos seguros de que, apesar das dificuldades de toda a ordem motivadas pelo conflito que vinha de ter seu termo, as nossas linhas aéreas, tanto na Europa como além-mar, não tardariam a sor uma realidade.
E assim sucedeu.
No último dia do ano que findou levantou voo do Aeroporto da Portela o primeiro avião da linha aérea imperial ligando as três grandes capitais do Mundo Português: Lisboa-Luanda-Lourenço Marques - elos de uma sólida cadeia, de boa têmpera, que nem os homens nem o tempo poderão jamais quebrar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ficam assim satisfeitos os desejos tão insistentemente manifestados por todos os portugueses, principalmente por aqueles que em terras africanas há tanto tempo e com tanta dureza labutam.
Vamo-nos sentir mais cerca uns dos outros e poder coordenar com menor dificuldade os nossos esforços para o aproveitamento em comum das riquezas do Império.
A nossa bandeira não será estranha nas rotas que, pelo mar, seguimos antes que outro qualquer povo, e, se as nossas possibilidades no ar ainda são modestas, não devemos esquecer que modestas eram as proporções da nossa frota mercante, e foi ela que permitiu que a gente portuguesa vivesse durante a última guerra.
São, pois, devidos os maiores louvores ao Governo e a todos os que com ele colaboraram para levar a efeito empresa de tamanha responsabilidade.
Recordamos também aqueles homens do ar que há já bastantes anos atrás, em avião de um motor e em condições de segurança hoje incríveis, correram ao longo dessa costa, seguida pelas caravelas do Infante, e depois passaram da costa à contracosta, que no século passado Serpa Pinto levou mais de um ano a percorrer através da selva.
Sr. Presidente: com a passagem do ano alguma coisa de novo também se passou, que terá influência capital no desenrolar dos acontecimentos aeronáuticos no nosso País.
Decidiu o Governo colocar os assuntos respeitantes à aeronáutica civil dentro da orgânica do novo Ministério das Comunicações, pondo assim os serviços daquela aeronáutica em pé semelhante aos dos transportes por via terrestre.
Será esta a melhor forma de tirar rendimento de serviço que quase constitui novidade entre nós, onde a mentalidade aeronáutica é quase inexistente?
A época que atravessamos, Sr. Presidente, obriga a concentrar em um só departamento todos os elementos que trabalham no ar, a fim de que se possa tirar deles o maior rendimento e justificar o sacrifício financeiro que o País terá de fazer caso deseje acompanhar os progressos extraordinariamente rápidos da aviação.
Assim faz a maior parte das nações que têm responsabilidades no Mando semelhantes às nossas.
Todos V. Ex.ªs sabem que os assuntos relativos ao mar estão tradicionalmente reunidos, quer eles sejam de natureza militar quer de comércio.
É que todos os homens que exercem as suas actividades no mar criaram características especiais, psicologia própria, hábitos que não são vulgares e que os tornam aptos para o desempenho da sua missão, criando-se assim o tipo do homem do mar.
Ora, na aviação sucede o mesmo. Pela especialidade dos serviços, todos aqueles que durante muitos anos lhe deram o seu esforço e a sua inteligência criaram um espirito diferente, uma mentalidade nova, de onde surgia o tipo do homem do ar, que muitas vezes, pela sua própria natureza, é incompreendido.
Sr. Presidente: assim como o departamento da marinha vê reunidos os assuntos referentes à marinha militar o à marinha mercante, parece que também um único departamento do ar deve reunir os assuntos relativos à aviação militar e à aviação mercante. Desta forma haverá maneira de coordenar todos esses elementos, que hoje estão dispersos por diversos departamentos.
É preciso na aviação, mais do que em outro qualquer serviço, coordenar, visto que o aproveitamento dos meios aéreos é muito semelhante, quer no que diz respeito à aviação militar, quer no que diz respeito à aviação civil. O seu pessoal, a sua preparação, os técnicos que servem na aviação, o próprio material, têm do ser criados com o pensamento sempre presente na sua possível utilização na defesa nacional.
Foi, portanto, com mágoa que os velhos homens do ar não viram realizadas as ideias aqui apresentadas como simples apontamento e que representariam um bom passo em frente para o progresso da aeronáutica nacional.
Julgavam eles, Sr. Presidente, que lhes seria dado ainda assistir à criação de um grande departamento de defesa nacional onde poderiam viver, irmanados no mesmo desejo, na mesma aspiração, no mesmo sentir, o exército, a marinha e a aviação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Os artigos 15.º e 18.º do estatuto por que se rege a Junta Geral do Distrito Autónomo de Ponta Delgada

Página 217

9 DE JANEIRO DE 1947 217

dão ao organismo atribuições de fomento florestal, fixando a lei orgânica o quadro do pessoal técnico em um mestre e dois guardas, além do engenheiro silvicultor, único funcionário actualmente existente. Desta forma não pode a Junta, por falta de técnicos bastantes e carência de fiscais, promover uma regulamentação de cortes de modo a impedir as devastações das essências florestais que se estão praticando desordenadamente na ilha de S. Miguel e que tendem, à semelhança do que se verificou na ilha de Santa Maria, para a liquidação imediata e simples de todo o património silvícola, acumulado ao longo de muitos anos de inteligente e tenaz labor.
Conhecendo a sua, aliás manifesta, incapacidade e olhando o problema na ampla estrutura do seu conjunto, aquele corpo administrativo tem pedido que se estude e aprove urgentemente para o distrito um plano de arborização, com os respectivos serviços directamente subordinados à Direcção Geral dos Serviços Florestais, como está previsto no artigo 18.º já citado para logo que se efective o disposto na lei n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938.
Uma delegação daquela Direcção Geral, instalada já em Ponta Delgada, seria mesmo o suficiente para acabar com os cortes devastadores e evitar o aniquilamento da riqueza lenhosa micaelense, mas, a não ser que se trate duma solução muito transitória, o assunto, pelos aspectos necessários da sua natural grandeza, transcende as saídas de momento, as visões incompletas, os arranjos incompatíveis com os ensinamentos da técnica e uma política de futuro digna dos conhecidos recursos da terra e das reais exigências do meio.
E porque a questão evolucionou depois de ter sido proficientemente tratada nesta Assembleia pelo ilustre Deputado engenheiro Pedro Cymbron e terá, porventura, de ser oportunamente posta com novos dados e novos argumentos, requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os elementos e as informações seguintes:
a) Se o plano do povoamento florestal do distrito de Ponta Delgada se encontra ou não elaborado;
b) No caso afirmativo, cópia das directrizes seguidas e do despacho ministerial que as mandou observar;
c) Nota da estimativa do orçamento, especificando-se as verbas destinadas a cada uma das modalidades possivelmente estabelecidas para a arborização dos terrenos incultos particulares».

O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: desejo enviar para a Mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que pelo Ministério das Colónias, me sejam prestados os esclarecimentos adiante referidos acerba, do assunto que passo a expor:
1. Em 20 de Fevereiro de 1926, por consequência há vinte anos, o Boletim Oficial da colónia de Angola n.º 6 publicou o diploma legislativo n.º 88 (decreto), que estabeleceu as condições para a prorrogação do prazo de construção da linha de que é concessionária a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela. Por esse diploma o prazo foi prorrogado por mais dois anos, mediante algumas condições, entre as quais figura, com o n.º 4, a seguinte:

A Companhia assumirá o encargo de fazer à sua custa os trabalhos de reparação e conservação das estradas de acesso às estações da linha, dentro da zona da sua antiga concessão mineira.

Este diploma já havia sido publicado no Diário do Governo em 10 de Dezembro de 1925.
A Companhia aproveitou a prorrogação, mas não cumpriu, até hoje, as obrigações que, ao mesmo tempo, sobre ela recaíam, por força da referida condição 4.º
E desenrolam-se então, a partir da publicação do citado diploma, os seguintes acontecimentos:
2. Em 23 de Junho do mesmo ano de 1926, quatro meses depois de estabelecida a obrigação da condição 4.ª, a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, expõe, em requerimento dirigido ao Ministério das Colónias, as dificuldades em que se encontra para cumprir a condição referida, e propõe uma das duas soluções seguintes:
1.º A Companhia entregaria ao Governo, mensal ou anualmente, uma quantia a fixar e que o Estado aplicaria na construção e reparação de estradas - decerto aquelas que a Companhia era obrigada a conservar e reparar.
2.º A Companhia tomaria a seu cargo a conservação da restinga do Lobito.
Aceite uma destas condições, que, frise-se bem, foram propostas pela Companhia, desapareceriam as obrigações da condição 4.º do diploma n.º 88.
3. De 18 de Julho até ao fim deste ano de 1926 o assunto, retardado pela burocracia, conhece os seguintes passos: o governo de Angola, em parecer do Alto Comissário, Sr. Vicente Ferreira, opina no sentido de ser aceite a primeira solução e de ser encarregada a fiscalização do Governo junto do Caminho de Ferro de Benguela de proceder ao estudo e cálculos que permitissem fixar o valor da remição a dinheiro do encargo de reparar e conservar as estradas - parecer que parecia o melhor e inatacável. O Ministério das Colónias concorda e é encarregada a fiscalização do Governo de realizar o estudo proposto.
4. Em Março de 1927 inicia a fiscalização os seus trabalhos. O seu relatório é entregue na Direcção das Obras Públicas em Julho. O governo da colónia só toma conhecimento dele em Outubro.
Tinham-se passado vinte meses sobre a publicação do diploma n.º 88 - vinte meses durante os quais nem a Companhia pagou fosse o que fosse nem as estradas se conservaram senão por conta do Estado, se de facto algumas atenções mereceram.
Muito mais tempo se havia de passar em iguais circunstâncias.
O relatório da fiscalização do Governo refere as estradas compreendidas na antiga concessão mineira (120 quilómetros) para cada lado da linha e, calculando as despesas que a sua conservação acarreta, fixa a quantia de 3:150 contos por ano, que a seguir acha excessiva em proporção com as receitas da Companhia. Quer dizer: faz o cálculo das despesas, mas não propõe um número. Deixa ao governo a fixação da importância sobre a base de cálculo que lhe forneça.
5. De 13 de Outubro desse ano de 1927 até 10 de Outubro do ano seguinte o assunto é triturado pela burocracia, e verificam-se passos lamentáveis: da parte do governo, por indecisão, desacerto de resoluções e, por vezes, falta de poderes; da parte da Companhia, por nítida resistência passiva, procurando adiar o cumprimento de qualquer obrigação.
Só neste dia 13 de Outubro, sobre uma informação, aliás bem elaborada, do então director das obras públicas e hoje Subsecretário de Estado das Colónias, Sr. engenheiro Rui de Sá Carneiro, se decide enviar o processo a Lisboa em termos de se poder comunicar à Companhia a importância da anuidade pela qual o Governo aceita a remição da condição 4.ª do diploma n.º 88.
E em 15 de Outubro - dois dias depois - despacha-se nesse sentido. Ao mesmo tempo - quer dizer, antes de qualquer resolução do Governo Central - dão-se ordens

Página 218

218 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 69

terminantes à Companhia para iniciar a reparação e conservação das estradas, noa termos do referido diploma.
A questão é posta, por ofício, ao Ministro das Colónias nestes termos:
«Ou V. Ex.ª aceita a remição a dinheiro, e a Companhia pagará uma anuidade de 2:520 contos, ou V. Ex.ª rejeita a remição, e a Companhia terá de reparar e conservar as estradas, indemnizando, em qualquer dos casos, a colónia pelas despesas correspondentes a 1926-1927 e 1927-1928».
E enquanto se aguardava a decisão ministerial pretendia-se fazer cumprir o diploma legislativo vigente.
Tinham-se passado quinze meses sobre a entrega do relatório da fiscalização do Governo e dois anos e oito meses sobre a publicação do diploma n.º 88, sem que a Companhia tivesse pago um centavo ou reparado um quilómetro de estrada.
Mais tempo haveria de passar.
6. Em cumprimento do despacho referido, a fiscalização do Governo marca à Companhia o dia 1 de Dezembro para iniciar os trabalhos e notifica-a de que tem de pagar a anuidade de 2:520 contos desde que entrou em vigor o diploma n.º 88 até à data em que principiar a Companhia a cumprir a obrigação da condição 4.ª
7. Em 13 de Dezembro o director da Companhia em África oficia ao governo geral - não paga, mas oficia. Considera exageradas as diligências do Governo e conclui por alegar, contra o que constava do primeiro requerimento entregue pela Companhia em Lisboa, que o Caminho de Ferro de Benguela só assumira de facto o encargo da condição 4.ª depois de concluída a linha, não tendo, por consequência, que indemnizar o Estado pelas reparações e conservação de 1926 a 1928. Na verdade, do requerimento citado compreende-se que a indemnização é devida desde 1926.
No mesmo ofício a Companhia anuncia que deu início aos trabalhos - o que mais tarde se provou não ser verdade, pois toda a sua actividade neste sentido se reduziu a colocar uma tabuleta junto à ponte dos Mangais e a enviar meia dúzia de homens para a estrada entre o Lobito e Bocoio (um percurso de cerca de 200 quilómetros).
8. Em 27 de Dezembro de 1928 o encarregado do governo geral, esquecido ou ignorante dos termos em que a questão fora posta para Lisboa em 15 de Outubro, propõe ao Ministério, precedendo alvitre que parece ter partido do Caminho de Ferro de Benguela, que este, em substituição do encargo da condição 4.ª, construa antes edifícios públicos em Vila Luso e no Luau.
É a questão, que parecia ter ficado esclarecida em Outubro, desliza assim outra vez para o caos em Dezembro.
E a Companhia continuava a não pagar.
E as estradas continuavam a esperar.
9. Em 12 de Janeiro de 1929, no entanto, a Direcção de Fazenda mostra-se disposta a cobrar os seis mil e tantos contos debitados ao Caminho de Ferro de Benguela por força do despacho referido no n.º 5. Não se sabe até onde foram tais disposições. Sabe-se apenas que a Companhia ainda desta vez não pagou.
10. Durante o mês de Fevereiro informa o governador do distrito de Benguela e a circunscrição de obras públicas de Vila Luso que a Companhia não iniciara ainda os trabalhos para a conservação e reparação das estradas.
11. As coisas arrastam-se assim até 28 de Março de 1929 (já lá vão três anos sobre o diploma n.º 88), dia em que é expedido para Lisboa, pelo Alto Comissário, um telegrama em que este diz: «Negociações financiamento porto Lobito oferta Caminho Ferro Benguela 500:000 libras livres juro amortização durante cinco primeiros anos amortizável depois 65 por cento durante vinte anos. Como compensação pedem dispensa conservação estradas só o Governo poderá conceder».
O governo da colónia dava parecer favorável a esta proposta.
Entre 17 de Abril e 10 de Maio troca-se vária correspondência entre o governo geral e o Ministério, da qual se conclui que o governo da colónia e o Caminho de Ferro de Benguela parecem dispostos a arrumar a questão nos termos deste telegrama, mas que o assunto ficou mais uma vez em suspenso, por falta de andamento no Ministério.
O despacho que obrigava a Companhia parecia enterrado e esquecido. Da remição da condição 4.ª não se falava mais.
12. Mas em 15 de Julho o governo da colónia, em longo ofício enviado ao Ministério, expõe:
1.º As obras do porto do Lobito vão afinal ser feitas por força de um empréstimo contraído na Caixa Geral de Depósitos, não com o empréstimo proposto de 500:000 libras.
2.º A Companhia do Caminho de Ferro de Benguela com puta em 200:000 libras o valor do encargo que advém da cláusula 4.ª do diploma legislativo n.º 88.
3.º A Direcção dos Portos e Caminhos de Ferro da colónia computa aquele encargo em 250:000 libras.
4.º Finalmente, o governo da colónia pede ao Ministério para fixar o quantitativo do resgate da condição 4.ª, deixando à colónia a liberdade de aplicar esse quantitativo, de acordo com o Caminho de Ferro de Benguela.
13. Passam-se sete meses. Em 13 de Fevereiro de 1930 a fiscalização do Governo junto do Caminho de Ferro de Benguela envia à Direcção dos Portos e Caminhos de Ferro cópia de uma informação de Junho do ano anterior, da qual se destacam os seguintes pontos:
1.º A anuidade só é devida pela Companhia a partir de 1939, data em que se concluiu a linha (!).
2.º A anuidade de 2:520 contos representa o juro, à taxa de 10 por cento, de um capital de 25:200 contos, quantia esta que traduz o valor da obrigação estabelecida na condição 4.ª
Não se avançou mais um passo durante este ano de 1930. A Companhia não pagou e as estradas não conheceram a sua presença em actividades de conservação.
14. Só em Maio do ano seguinte (1931) - já lá vão cinco anos sobre o diploma legislativo n.º 88 - um novo governador geral pede o processo às Direcções de Obras Públicas e Caminhos de Ferro. Lê, estuda-o... e devolve-o três meses depois, para ser arquivado!
15. No fim do ano, com outro governador geral, o assunto ressuscita. Surge, de facto, no governo geral a comunicação de uma proposta feita pelo governo de Benguela ao Caminho de Ferro de Benguela e que este aceitaria. A proposta, que era mais uma derivante de tantas que este assunto já conhecia, consistia agora no seguinte: a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela, macadamizando a estrada Benguela-Lobito, ficaria desobrigada do encargo da cláusula 4.ª pelo espaço de um ano.
O governador geral manda ouvir a Procuradoria da República sobre a proposta, certificando-se que a Companhia não tem reparado as estradas... e transmite (28 de Novembro) telegràficamente para o Ministério a proposta do governo de Benguela, perguntando que procedimento deve adoptar.
16. Termina assim o ano de 1931. Mas já em 7 de Janeiro de 1932 surge nova ideia - mais uma! Todas, excepto a estabelecida pela condição 4.ª ou a sua remição, nos termos da proposta de 1926. Desta vez o

Página 219

9 DE JANEIRO DE 1947 219

governo geral, depois de dissertar sobre o encargo da referida condição 4.ª, diz que a Companhia pagará metade em numerário e metade em transportes. E propõe que a parte em dinheiro seja aplicada na execução de um plano quinquenal de fomento agrícola, elaborado pelo chefe dos serviços de agricultura!
Tudo cai outra vez em silêncio até Julho.
E de Julho a Dezembro o assunto apenas é lembrado em duas ou três diligências que não lhe modificam a feição.
17. Mas em 15 de Dezembro de 1932 (já lá vão seis anos e dez meses sobre o diploma n.º 88) o governador do Bié, que também queria ter uma ideia, comunica ao governo geral de Angola uma proposta que fez ao Caminho de Ferro de Benguela e que este aceitou. A Companhia, de resto, a partir de certa altura, percebeu que o melhor era aceitar todas as propostas, confiando, talvez antecipadamente, no destino a que estavam votadas.
A proposta desta vez consistia em dispensar a Companhia da reparação das estradas, mediante o encargo novo de reparar a ponte do Cutato e construir as pontes de Cuchi e Cacuchi.
18. Não se fala mais no caso até 23 de Novembro do ano seguinte (são agora sete anos e nove meses os passados sobre o diploma n.º 88).
E em Novembro de 1933 é a própria Companhia que tem outra ideia.
Comunica telegràficamente ao governo geral que oferece uma anuidade de 700 contos e o transporte gratuito de indígenas e materiais para a reparação de estradas, a troco de ser dispensada das obrigações da condição 4.ª
O governo geral achou bem e transmitiu a (proposta para o Ministério, onde ficou sepultada, como a anterior.
Em 1935, em Julho salvo erro, pensa-se em reorganizar o processo de documentos que se lhe referem.
E tendo perdido de então para cá o contacto com o assunto, desejaria ser esclarecido sobre os seguintes pontos:
1.º Foi resolvida finalmente a questão iniciada pela publicação do diploma n.º 88?
2.º Em caso afirmativo, que solução se adoptou: precisamente o cumprimento das obrigações estabelecidas na base 4.ª? Alguma das numerosas soluções que foram durante tantos anos propostas? Uma solução nova?

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o seguinte requerimento:

«Requeremos que seja submetido à ratificação da Assembleia o decreto-lei n.º 36:062, de 27 de Dezembro de 1946, que estabelece a protecção ao cinema português.
8 de Janeiro de 1947. - Os Deputados: António Augusto Esteves Mendes Correia - Francisco Eusébio Fernandes Prieto - António de Almeida - João Antunes Guimarães - Fernão Couceiro da Costa».

Como o requerimento foi apresentado em tempo e nos termos da Constituição Política, considero submetido à ratificação da Assembleia o dito decreto-lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia: é do conhecimento de todos que não se realizaram este ano os tradicionais cumprimentos ao Chefe do Estado no dia de Ano Novo, em virtude de S. Ex.ª se encontrar doente. Não obstante a doença do Chefe do Estado não ser grave, nem por isso ela deixou de preocupar o País.
E certamente essa notícia não pôde deixar de ter provocado em todos nós os votos mais sinceros pelo pronto restabelecimento do venerando Chefe do Estado.
Penso assim que é desejo da Câmara acompanhar-me nos votos que de todo o coração formulo, que todos formulamos, pelo restabelecimento do venerando Chefe do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Como a Câmara sabe, a ordem do dia de hoje é a discussão, na especialidade, da proposta de lei relativa à reorganização dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
Está em discussão a base I.
Sobre esta base há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Ricardo Durão perfilhando o texto da Câmara Corporativa.
Está em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai ser posta à votação a proposta do Sr. Deputado Ricardo Durão, em nome da Comissão de Defesa Nacional, segundo a qual é perfilhado o texto da Câmara Corporativa.

Posto à votação o texto da Câmara Corporativa para a base I, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base II.
Sobre esta base estão na Mesa duas propostas de alteração: uma, do Sr. Deputado Ricardo Durão, em nome da Comissão de Defesa Nacional, para se intercalar na segunda linha, a seguir à palavra «podem», a expressão cem geral»; e outra, do Sr. Deputado Melo Machado, para que no segundo período se substitua a expressão «pode, porém, ser autorizada» por «deve, porém, ser preparada e fomentada».
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer a V. Ex.ª que estou em desacordo com a emenda apresentada pelo Sr. Deputado Ricardo Durão quando pretende acrescentar as palavras «em geral» à segunda linha da proposta do Governo.
A proposta do Governo diz: «os estabelecimentos industriais do Estado não podem concorrer com as empresas ou actividades particulares...».
Este «em geral», na minha opinião, vem inutilizar o princípio estabelecido na proposta de lei do Governo e não está de perfeito acordo com a Constituição. Pelo contrário, a proposta do Governo está dentro dos princípios da Constituição e corresponde perfeitamente a uma ansiedade pública neste sentido.
Uma das coisas que têm preocupado a indústria particular é a concorrência feita pelo Estado através dos seus estabelecimentos fabris, bem apetrechados, uma vez que tem uma indústria de exploração diferente da dos particulares.
É certo que o Estado se serve de elementos que recebem os seus vencimentos por outras folhas que não são as dos serviços, e que o Estado não paga impostos, nem tem outras despesas inerentes, o que não sucede com a indústria particular.
Desta forma, a concorrência feita pelo Estado é desleal.
Esta proposta tem, portanto, o merecimento de vir ao encontro das ansiedades da indústria particular e de estar de acordo com os preceitos constitucionais.

Página 220

220 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 69

Entendo, portanto, que a Assembleia - desculpem-me V. Ex.ª o termo- não deve ser «mais papista que o Papa», porque se o Governo diz que não devem os estabelecimentos militares concorrer com a indústria particular, eu acho inconveniente a adjunção destas palavras, que pode prejudicar os intentos do Governo.
Por consequência, em nome da Comissão de Economia, declaro a V. Ex.ªs que não posso votar as palavras que se pretendem intercalar na proposta do Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para esclarecer o Sr. Deputado Melo Machado relativamente à questão que acaba de pôr.
Supõe S. Ex.ª que o acrescentamento das palavras «em geral», proposto pela Comissão de Defesa Nacional, pode desvirtuar, ou pelo menos conduzir a que alguém desvirtue o pensamento fundamental animador da proposta, pensamento que se traduz nesta fórmula: com a organização dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra não se quer fazer concorrência à indústria privada.
Diz o Sr. Deputado Melo Machado que o intercalarem-se as palavras propostas pela Comissão de Defesa Nacional no texto da base II da proposta do Governo pode contribuir para que alguém entenda que se enfraquece o pensamento fundamental de não concorrência ínsito na proposta e a que há pouco aludi.
Não foi essa a ideia da Comissão de Defesa Nacional. Á ideia foi outra, que passo a expor.
Como V. Ex.ªs sabem, a Câmara Corporativa sugeriu uma redacção diferente para o texto da base II, com o fundamento de que o texto tal como existia na proposta não era harmónico com outras disposições da mesma proposta.
Na verdade, na base II afirmava-se que não haveria concorrência e em outras passagens da proposta afirmava-se que realmente podiam ser lançados no mercado certos produtos ou subprodutos dos estabelecimentos fabris do Ministério da Guerra.
A Comissão de Defesa Nacional, assim como achou que era melhor a redacção da Câmara Corporativa para a base I da proposta, achou também que era melhor a redacção da proposta para a base II. Mas quis obtemperar àquela observação da Câmara Corporativa, e só para obtemperar a ela é que entendeu que, sem se alterar em nada o pensamento fundamental de não concorrência, expresso tanto no relatório da proposta como no seu articulado, poderiam intercalar-se e deveriam intercalar-se as palavras «em geral».
É isto que me cabe observar em nome da Comissão de Defesa Nacional relativamente às considerações que acaba de fazer o Sr. Deputado Melo Machado, e espero que realmente o esclarecimento que acabo de prestar seja suficiente para satisfazer S. Exa.
Não me refiro a uma outra proposta, que eu creio que está na Mesa, também da Comissão de Economia, em que se pretende sejam substituídas no segundo período da base II as palavras «pode autorizar» por «deve preparar».

O Sr. Presidente: - Há efectivamente uma proposta subscrita pelo Sr. Deputado Melo Machado no sentido de que aquelas palavras sejam substituídas por estas?

O Orador: - Se há, a Comissão de Defesa Nacional não concorda com essa alteração.
Como o Sr. Deputado Melo Machado há pouco se não referiu a ela, talvez esteja no seu pensamento pedir à Camará autorização para a retirar. A ser assim, eu nada mais acrescentarei...

O Sr. Presidente: - Convido o Sr. Deputado Melo Machado a declarar se mantém a soa proposta.

O Sr. Melo Machado: - Mantenho e já vou dizer porque.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Vou então eu dizer, desde já, porque é que a Comissão de Defesa Nacional entende não dever ser aceite a proposta da Comissão de Economia. É que eu suponho, sem ir longe demais, que se dá muito mais satisfação ao pensamento que a Comissão de Economia quis exprimir com a fórmula «deve preparar», mantendo-se a redacção da proposta.
Vou explicar porque.
Diz o texto da Comissão de Defesa Nacional: «pode ser autorizada a colaboração, etc....».
Pode ser autorizada a colaboração para quê? Para as indústrias privadas em momento de mobilização ou de guerra estarem preparadas para, em conjunto com as do Estado, poderem satisfazer às necessidades desse momento. Quer dizer: pode autorizar-se a colaboração em tempo normal para se preparar a distância o trabalho em conjunto ou planificado em tempo anormal. «Preparar a colaboração» é uma fórmula que não exige nem postula a colaboração em tempo normal; mas «autorizar a colaboração», se não exige, pelo menos postula a colaboração em tempo normal. A Comissão de Defesa Nacional entende, por isto, que a fórmula da proposta de lei é melhor que a da proposta de alteração da Comissão de Economia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base II.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: ao insurgir-me contra o acrescentamento proposto pela Comissão de Defesa Nacional era coerente comigo próprio, visto que aquelas duas excepções que adiante se encontram no texto da base III tinham sido salvaguardadas pela mesma emenda proposta por mim em nome da Comissão de Economia.
S. Exa. o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, com aquela argumentação subtil de que sempre usa, defendeu que o acrescentamento dessa palavra não põe em perigo o princípio que com tanto prazer eu tinha visto pôr na proposta do Governo.
Certamente por insuficiência minha, não fiquei absolutamente convencido com a argumentação de S. Exa., porque o dizer-se «em geral, não deve concorrer» é mais rebarbativo que «não deve concorrer em absoluto».
Mas a Câmara decidirá neste pequeno pleito, que não merece tanta discussão.
Quanto à colaboração, que deve ser preparada e não autorizada, nesse ponto é que eu não posso estar de acordo com S. Exa.
S. Exa. acha que é muito mais imperativo dizer-se «pode ser autorizado», mas na minha modesta opinião entendo que a expressão «deve ser preparada e fomentada» é muito mais imperativa e impõe a obrigação de realizar um trabalho que até hoje se não fez e que se me afigura indispensável fazer.
É evidente que a Comissão de Defesa Nacional tem, neste ponto, uma autoridade especial, mas devo dizer ao meu querido amigo Sr. Dr. Mário de Figueiredo que as suas palavras não me convenceram. Dizer que «pode ser autorizado» é uma frase mais doce e menos imperativa do que «deve ser» preparada a colaboração com as indústrias particulares.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

Página 221

9 DE JANEIRO DE 1947 221

O Sr. Presidente: - Visto que mais nenhum Sr. Deputado pretende fazer uso da palavra sobre esta base II, vai proceder-se à votação.
A Câmara ouviu a exposição do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, em nome da Comissão de Defesa Nacional, e a exposição do Sr. Deputado Melo Machado, em nome da Comissão de Economia.
A alteração apresentada pela Comissão de Defesa Nacional à base II consiste em intercalar entre as palavras apodem concorrer» a expressão «em geral».
No fundo há uma questão de redacção apenas.
A proposta do Sr. Melo Machado quanto ao segundo período da base u consiste em substituir as palavras «pode porém, ser autorizada» por «deve, porém, ser preparada e fomentada».
Ainda aqui parece verificar-se divergência de pensamento com o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, porque este Sr. Deputado, em nome da Comissão de Defesa Nacional, entende que a sua fórmula, ou melhor, o texto que consta da base u da proposta é melhor para obter a colaboração entre os organismos do Ministério da Guerra e os organismos particulares.
Vai proceder-se à votação.
Vai em primeiro lugar votar-se o primeiro período da base II, com a alteração apresentada pelo Sr. Deputado Ricardo Durão, em nome da Comissão de Defesa Nacional.

Consultada a Assembleia, foi aprovado o primeiro período da base II, com a alteração proposta pelo Sr. Deputado Ricardo Durão, em nome da Comissão de Defesa Nacional.

O Sr. Presidente: - Vai proceder se à votação do segundo período, com a alteração apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado, em nome da Comissão de Economia, que também já foi explicada à Câmara.

Consultada a Assembleia, foi rejeitada a alteração proposta pelo Sr. Deputado Melo Machado, relativa ao segundo período da base II.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o texto deste segundo período da base II tal como se contém na proposta de lei.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o § único desta base. Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por momentos.

Eram 17 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base III.

O Sr. Marques de Carvalho: - Sr. Presidente: a base III, § 9.º, cria o Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, em substituição da Farmácia Central do Exército, e diz que a esse Laboratório compete fazer estudos respeitantes à guerra química e bacteriológica e também medicamentos.
Ora o decreto n.º 17:676, de 21 de Novembro de 1929, determina que a preparação de medicamentos só pode ser autorizada a farmácias ou a laboratórios de produtos farmacêuticos. Diz o artigo 1.º desse decreto: «A preparação de medicamentos, especializados ou não, só é permitida nas farmácias e laboratórios especiais montados para esse fim, denominados laboratórios de produtos farmacêuticos».
Nos termos da proposta do Governo, passa agora, Sr. Presidente, a preparar medicamentos uma entidade que não é farmácia nem laboratório de produtos farmacêuticos.
Entende-se o ponto de vista da proposta: é que o Governo quer cometer a esse estabelecimento os estudos respeitantes à guerra química e bacteriológica, e, sendo assim, não quis chamar-lhe apenas laboratório militar de produtos farmacêuticos.
Pessoalmente, entendo que nada obstava a que esses estudos fossem cometidos a um laboratório farmacêutico, dado que são os farmacêuticos os profissionais mais qualificados para estudos de natureza química.
A Comissão de Defesa Nacional, parece, porém, necessária a especificação «produtos químicos», mas não se opõe a que se faça uma alteração de redacção, que para mim já tem bastante importância, pois na hierarquização dos objectivos desse organismo se dará proeminência à parte farmacêutica. Por essa alteração, ao instituto a criar chamar-se-ia Laboratório Militar de Produtos Farmacêuticos e Químicos e cometer-se-lhe-ia como função fundamental a preparação de medicamentos e, como complemento, os estudos respeitantes à guerra química e bacteriológica.
Nestes termos, tenho a honra de enviar para a Mesa uma proposta de substituição, também assinada pelos Srs. Deputados Antunes Guimarães, António de Almeida, Mendes Correia, Manuel Lourinho e D. Maria Luísá van Zeller:

«Base III, § 9.º - O Laboratório Militar de Produtos Farmacêuticos e Químicos destina-se à manipulação e fabrico de medicamentos e outros produtos químicos necessários ou requeridos pelo serviço de saúde militar, bem como ao estudo de produtos respeitantes à guerra química e bacteriológica ou a contrabater os meios químicos utilizados em tal modalidade de guerra».

O Sr. Ricardo Durão: - Pedi a palavra ùnicamente para dizer que a Comissão de Defesa Nacional não tem qualquer objecção a opor à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Marques de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão a base III.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: quero enviar para a Mesa uma proposta de substituição daquela que já tinha apresentado acerca do § 3.º da base III, o que é a seguinte:

«Acrescentará palavra «mercado» as seguintes: uno regime adoptado para a indústria particular».
Os Deputados: Francisco de Melo Machado -João Garcia Nunes Mexia - José Martins de Mira Galvão - Luís Teotónio Pereira - Artur Augusto de Figueiroa Rego».

Se V. Ex.ª me permite, eu direi que a respeito do § 3.º da base III aparece a primeira objecção séria àquele princípio que me fez insurgir contra o com geral» aplicado à base I. Diz esse § 3.º da proposta do Governo, definindo o que faz a Fábrica Militar de Pólvoras e Explosivos, no último período, o seguinte:
«Salvo o que estritamente interesse ao aproveitamento económico de subprodutos da sua laboração, a Fábrica não pode lançar no mercado ..».
É, como V. Ex.ª vêem, uma excepção ao princípio de não concorrência e acresce que não é fácil esclarecer o que são os subprodutos que a Fábrica pode lançar no mercado.

Página 222

222 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 69

A proposta de emenda da Comissão de Defesa Nacional diz o seguinte:
«Enquanto o mercado não for devidamente abastecido de pólvoras químicas pela indústria particular nacional pode a Fábrica estudar e preparar as fórmulas mais adequadas à realização desse abastecimento».
Até aqui parece que havia uma defesa da não concorrência com a indústria particular, que era precisamente o que eu desejava com a minha emenda, que, salvo erro, dizia que estes subprodutos só podiam ser lançados no mercado na medida em que não colidissem com os legítimos interesses da indústria particular.
Pareceu-me, e à Comissão de Economia, que esta afirmação estava absolutamente de acordo com o princípio estabelecido pelo Governo de não concorrência com a indústria particular.
Suponho que sobre este assunto não pode haver duas opiniões. Simplesmente no fim da primeira parte da proposta de alteração da Comissão de Defesa Nacional se diz o seguinte: «e sempre poderá lançar ao consumo público os subprodutos da sua laboração nos limites do estritamente necessário ao seu aproveitamento económico».
Eu digo que estas últimas três linhas inutilizam por completo o princípio estabelecido na primeira parte da emenda, desde que a Fábrica de Pólvoras pode lançar no mercado os seus subprodutos, tanto mais que é difícil classificar o que são subprodutos e o que não são.
Seria porventura conveniente, se possível, esclarecer o que quer dizer subprodutos, para que a Assembleia pudesse, neste assunto, votar com inteira consciência e com absoluta tranquilidade.
Se não sabemos o que são subprodutos - e eu suponho que são pólvoras de caça, pólvoras brancas - é evidente que se vai estabelecer a concorrência com a indústria particular, e consta-me, neste momento, que esta indústria está apta a começar o seu funcionamento e que essa concorrência pode ser estabelecida em termos de porventura inutilizar os esforços e os legítimos direitos da indústria particular. De mais a mais, embora se diga que «é nos limites do estritamente necessário ao seu aproveitamento económico», esta afirmação não é bastante consistente para deixar tranquilo o meu espírito, a menos que a Comissão de Defesa Nacional possa esclarecer cabalmente o que são estes subprodutos e como esta disposição poderá funcionar em termos de não colidir com os interesses da indústria particular.
Eu não posso desistir da emenda que apresentei, em nome da Comissão de Economia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações que sobre a proposta de alteração do § 3.º da base III, apresentada pela Comissão de Defesa Nacional, foram feitas pelo Sr. Deputado Melo Machado. E devo dizer a V. Ex.ª que se compreendo as apreensões de S. Ex.ª relativamente a uma eventual concorrência de estabelecimentos industriais do Estado com estabelecimentos industriais particulares, não as compreendo no caso em discussão.
São concebíveis, Sr. Presidente, hipóteses várias em que se põem problemas de concorrência. É concebível a instituição de uma empresa do Estado que concorre com empresas privadas, de uma empresa do Estado que se constitui para alimentar o mercado geral, e, portanto, se apresenta como um elemento de concorrência a outras empresas que também se constituíram para alimentar o mercado geral.
Pergunta-se: é esta a hipótese da proposta em discussão? Basta formular a pergunta para imediatamente se concluir que os estabelecimentos previstos na proposta não se constituem, não se organizam para concorrer com outros estabelecimentos industriais no mercado geral.
Suponho, Sr. Presidente, que isto é suficiente para afastar a ideia de que no fundo desta proposta há um pensamento de concorrência com a indústria privada, pois que, se estes estabelecimentos se não constituem, nem se organizam para concorrer com estabelecimentos paralelos de carácter privado no mercado geral, como é que pode dizer-se que dentro da proposta há um pensamento de concorrência? É evidente que não há dentro da proposta um pensamento de concorrência desde que o mercado a que a proposta se refere é um mercado circunscrito, cujas exigências não devem ser deixadas, na sua satisfação, ao aleatório da indústria privada.
Mas então diz-se: no § 3.º, segundo a proposta de alteração da Comissão de Defesa Nacional, há um elemento de concorrência: não na primeira parte da proposta, porque essa só admite abastecimento pelos estabelecimentos fabris do Estado do mercado geral enquanto não for feito pela indústria privada; mas na parte final, que permite àqueles estabelecimentos lançar mesmo nesse mercado geral abastecido subprodutos que não possa aproveitar para o sen mercado particular.
O que acabo de dizer logo mostra que estes subprodutos que pretendem lançar-se no mercado geral não são aí lançados com o intuito de concorrência, mas com intuito estrito de economia da empresa.
Pode exigir-se a um estabelecimento fabril do Estado que não trabalhe em geral para o mercado, mas não pode pedir-se a um estabelecimento organizado em bases económicas e em bases industriais que destrua completamente valores que não têm nenhuma utilização se não forem lançados no mercado geral que os emprega, para se evitar uma eventual concorrência.
Quero acrescentar que neste momento, em que a proposta está para ser votada, pode haver algumas entidades que estejam em condições de vir a alimentar o mercado geral de pólvoras químicas, mas até hoje não há nenhuma que esteja efectivamente a alimentar o mercado geral de pólvoras químicas.
E porque amanhã pode haver uma empresa que alimente o mercado geral de pólvoras químicas, há-de pedir-se às empresas fabris do Estado que trabalhem em condiçOes não económicas, inutilizando produtos que lhe não servem para os fins da sua actividade específica, só para não ir, porventura, perturbar como elemento de concorrência a vida desta empresa, que eventualmente se constituirá ou eventualmente alimentará o mercado?
Pergunto: para estes subprodutos, que não são utilizáveis para o fim para que os estabelecimentos fabris se constituíram, há-de determinar-se que o Estado pague o seu transporte para serem pura e simplesmente lançados no Tejo, quando eles têm um valor económico que pode contribuir para o equilíbrio económico destas empresas?
Ponho a pergunta e creio que depois das considerações que fiz basta pô-la para desde logo os espíritos que quiseram esclarecer-se darem a resposta conveniente.
Sr. Presidente: não quero concluir sem aludir a uma matéria que muito preocupa o Sr. Deputado Melo Machado. O que são esses subprodutos?
É evidente que não é a um homem que de pólvoras só sabe o indispensável para com elas montear perdizes por essas terras de Portugal que deve perguntar-se o que, em matéria de pólvoras químicas, há-de entender-se por subprodutos.
No entanto, creio que neste caso a noção de subproduto não tem nenhum interesse para se resolver o problema, e vou dizer porquê. No nosso caso há os produtos utilizáveis para os fins para que se constituíram e organizaram os estabelecimentos fabris e há os produtos

Página 223

9 DE JANEIRO DE 1947 223

que não podem ser utilizáveis para esses fins, mas que têm um valor económico.
Ora os primeiros são adaptados aos fins próprios para que se produziram, enquanto que os segundos, que necessariamente aparecem em consequência da fabricação dos primeiros, esses chamem-lhes o que quiserem - produtos ou subprodutos -; o que é essencial é saber se têm ou não valor económico, e, tendo-o, se hão-de destruir-se ou devem lançar-se no mercado, que demais a mais não está de todo abastecido.
Formular a pergunta nestes termos é realmente o mesmo que dizer que não tem, para a hipótese, o mínimo interesse a determinação do que no caso são os subprodutos.
Em meu entender os subprodutos são os produtos da actividade do estabelecimento fabril que não podem ser utilizados para o fim para que se constituiu esse estabelecimento, mas que têm um valor económico e que são utilizáveis no mercado livre. E é quanto basta, suponho eu, para, não em nome da concorrência, mas em nome dos princípios de uma boa economia, que particularmente devia ser defendida pela ilustre Comissão de Economia desta Assembleia, que eu entendo que só tem defesa a proposta de alteração apresentada pela Comissão de Defesa Nacional.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª preferir ficar com a palavra reservada para a próxima sessão, reservar-lha-ei, visto que a hora vai adiantada.

O Sr. Melo Machado: -Prefiro, realmente, ficar com a palavra reservada para a próxima sessão.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Paris.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Luís da Silva Dias.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Soares da Fonseca.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
D. Virgínia Faria Gersão.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 224

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×