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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 87

ANO DE 1947 12 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 87, EM 11 DE FEVEREIRO

Presidente: Ex.mo Sr.Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Ex.mos Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram os n.ºs 85 e 86 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente propôs, e foi aprovado, que se enviasse um telegrama de pêsames ao Ex.mo Subsecretário de Estado das Finanças pela morte de seu filho.
Também o Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Luís Pinto Galvão ao Ministério das Calónias.
O Sr. Deputado Mário Madeira requereu várias informações sobre as contribuições e impostos cobrados nos concelhos de Sintra, Cascais e Oeiras e sobre as importâncias arrecadadas desta a una constituição pelo Instituto de Conservas de Peixe.
O Sr. Deputado Luís da Cunha Gonçalves ocupou-se da puna imposta pelo governador geral da índia ao Joranal Heraldo, de Goa.
O Sr. Deputado Froilano de Melo tratou da situação dos municípios da índia.
O Sr. Deputado Figueiroa Rego pediu urgência no envio dos elementos que há dias pedira ao Ministério da Economia.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu concluiu o seu aviso prévio acerca doa reformas de justiça.
Generalizado o debate, a requerimento do Sr. Deputado Armando Cândido, usou da palavra, além, do requerente, o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 15 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Indalêncio Froilano de Melo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.

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João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvao.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luisa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cyanbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.01 85 e 86 do Diário das Sessões.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 85: a p. 485, col. 1.% 1. 9 e 10, onde se lê: e contrariando-se ipsis verbis, deverá ler-se: «transcrevendo-se ipsis verbis».

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto mais nenhum dos Srs. Deputados desejar usar da palavra sobre os números do Diário postos em reclamação, considero estes aprovados com a rectificação pedida pelo Sr. Deputado Melo Machado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

«Ex.mo Presidente Assembleia Nacional Albino dos Reis.-Lisboa.-A homenagem da Assembleia Nacional que V. Ex.ª nos transmitiu causou muita satisfação em toda Guiné cuja população civilizada e indígena indistintamente integrada na unidade portuguesa tem o culto da Pátria e confia na actuação patriótica dos órgãos da soberania nacional. Esses sentimentos têm sido continuamente manifestados em todos os locais visitados pelo ilustre representante do Governo da metrópole e não tem sido esquecida a teoria dos realizadores desta obra extraordinária que é a Guiné Portuguesa actual desde descobrimento evangelização ocupação pacificação civilização colonização. Podemos afirmar V. Ex.ª ser Guiné Portuguesa dos mais brilhantes exemplos capacidade dos portugueses. Ao mesmo tempo todos confiamos no futuro animados pelo valioso apoio que o Governo Central nos dispensa assim como pelo carinho e atenções que ilustre Assembleia Nacional nos tem dedicado. - Governador.

Do Grémio da Lavoura de Murça, de apoio à representação dos grémios da lavoura alentejanos sobre o problema das lãs.
Do engenheiro silvicultor Manuel Rodrigues Filipe, manifestando a sua gratidão pela posição da Assembleia no que se referiu aos Próis. Sousa da Câmara, Mendes Frazão e Melo Geraldes, de quem o signatário do telegrama foi discípulo.

Exposições

Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Ex.mos Srs. Deputados da Nação. - As mãos dos signatários desta exposição, todos eles produtores de filmes portugueses e quase todos com longa experiência na distribuição e exibição de filmes cinematográficos, chegou o texto de uma outra exposição feita a V. Ex.ª pêlos dirigentes dos Grémios Nacionais dos Cinemas e dos Distribuidores de Filmes, em que são feitas várias reclamações e sugeridas diversas alterações ao decreto-lei n.º 36:062, chamado de protecção ao cinema nacional, que essa Assembleia se dispõe a discutir proximamente.
Para quem, tal como os signatários, conhece a verdadeira posição do problema, que as direcções dos referidos Grémios se empenham em ocultar ou efectivamente ignoram, contém essa exposição tão grande soma de inexactidões,- desvirtuamentos e até simples contrasensos que se impunha esclarecer devidamente o espírito de V. Ex.ª, para que possam bem julgar o diploma em discussão.
Todas as direcções dos Grémios reclamantes, desde a sua fundação até agora, têm reduzido exclusivamente a sua actividade ao estabelecimento de preços mínimos para a exibição de filmes estrangeiros e à reclamação sistemática contra todas e quaisquer medidas tributárias que têm sido adoptadas para o espectáculo cinematográfico. Nunca, por nunca ser, se preocuparam ou ocuparam dos problemas relativos ao cinema nacional, nem tentaram melhorar as condições técnicas de exibição e muito menos orientar selectivamente a programação cinematográfica. Não reconhecem, pois, os signatários qualquer autoridade a reclamantes que não fornecem uma só prova, que não apresentam um só número, limitando-se a protestar sem nexo e sem medida.
Convém invocar sucintamente os motivos que levaram o Governo a decretar as medidas que se discutem p que implicam o reconhecimento dos seguintes factores:
1.º Necessidade de que exista um cinema falado em língua portuguesa, representativo do nosso espírito e dos nossos costumes, cinema que de certo modo compense a infiltração maciça de espectáculos estranhos e desnacionalizantes;
2.º Existência de uma indústria cinematográfica nacional, erguida à custa de esforços verdadeiramente heróicos, para realizar aquele objectivo;
3.º Capacidade de essa indústria criar espectáculos dignos, susceptíveis de satisfazer o nosso público e até de encontrar aceitação junto do público estrangeiro;
4.º Preferência manifesta dada pelo nosso público aos filmes portugueses;

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5.º Escassez económica do nosso mercado, que tem reduzido a nossa produção a iniciativas acidentais de empresas marginais desprovidas de qualquer garantia de segurança;
6.º Asfixia comercial criada em mercado tão escasso por uma concorrência estrangeira esmagadora, pelo número de filmes importados e pela possibilidade de impor arbitrariamente aos exibidores programas que ocupam praticamente todas as datas disponíveis, dificultando a apresentação e a exploração dos filmes portugueses ;
7.º Possibilidade de criar, à semelhança de outros países estrangeiros, um condicionamento favorável à estabilização e ao progresso do cinema português, adaptando esse condicionamento às realidades nacionais.
Assim, a criação do Fundo cinematográfico nacional - cuja receita prevista anual, em função das necessidades do mercado em média 250 programas por ano), é de cerca de 3:000 contos permite, embora dentro de modestos limites, estimular e compensar uma indústria produtora que, sem ele, se mostrou capaz de apresentar no último ano seis filmes cujo nível médio é muito louvável: Ladrão, precisa-se, Cais-do Sodré, A Mantilha de Beatriz, Três Dias sem Deus, Camões e Um Homem do Ribatejo. Cinco desses filmes constituíram grandes êxitos, dos quais três podem qualificar-se de êxitos excepcionais e tendo mesmo um deles chamado sobre o nosso cinema a atenção de todo o Mundo.
Não parece justo que o incremento que fatalmente resultará do progresso verificado esbarre com as condições actuais da exploração nos cinemas portugueses, nem com a impossibilidade prática de dar ao esforço feito a merecida recompensa, garantindo à indústria produtora mais desafogado futuro.
Propõem-se os Grémios a redução das taxas de licença de exibição, que o decreto-lei estabelece harmònicamente, para cifras absolutamente arbitrárias e por um sistema que não obedece a qualquer critério justo.
Comecemos por notar que, o- adoptar a tabela proposta, um programa duplo, constituído por dois filmes da categoria B, pagaria, se fosse exibido duas semanas, a taxa ide 4.000$, ao passo que um programa constituído por um só filme da categoria A pagaria nas mesmas Circunstancia a taxa de 2.500$, o que só é defensável pelo facto verificado de um programa duplo nunca ir além de uma semana de exibição.
Também se não sabe o que aconteceria aos complementos; mas presume-se que só pagariam taxa de licença se se mantivessem duas semanas na estreia em Lisboa. Para que nenhum pagasse (e as actualidades nunca pagariam, pois mudam semanalmente) bastaria mudá-los todas as semanas, mesmo que permanecesse o filme de fundo.
Se o pensamento dos Grémios é outro, pergunta-se por que motivo pagariam taxa desde a primeira semana os complementos, que não trazem qualquer receita por si (meamos, e nada pagaria o filme de fundo, fosse qual fosse á receita que, no conjunto do mercado, viesse a obter.
Dizem os Grémios que, procedendo dessa sorte, «exibidores e distribuidores veriam os encargos fiscais apenas aumentados para cerca de 39 por cento da receita bruta das bilheteiras».
Vejamos qual seria, nessas circunstâncias, a sorte do Fundo cinematográfico nacional.
Durante a temporada de 1943-1944 foram exibidos, segundo informa o Anuário Cinematográfico Português, um total de 370 filmes. Desses filmes, apenas 75 atingiram a segunda semana de exibição. Isto é: 295 seriam isentos do pagamento de qualquer taxa. E, como o número de semanas- de estreia em Lisboa além da segunda totaliza, para todas as firmas e no decurso de toda a época, apenas 51 semanas, o Fundo teria rendido, incluindo os complementos, menos de 300 contos!
Na temporada seguinte (1944-1945), dos 233 filmes estreados apenas 54 atingiram, na estreia em Lisboa, a segunda semana de exibição e o total de semanas além da segunda perfaz 43 semanas. Nesse ano, segundo a tarifa do Grémio, teria havido 179 filmes isentos J e qualquer taxa e o Fundo teria rendido menos de 250 contos!
Fazemos justiça às direcções dos Grémios de que apresentaram a sua sugestão sem terem feito quaisquer contas. De contrário, elas próprias recuariam perante o grotesco da proposta.
Esta é a versão dos Grémios. Vejamos agora a realidade.
Segundo os próprios números do ST. Fayett Ward Allport, director europeu da Motion Pictures Association of America, que veio expressamente a Lisboa conduzir a ofensiva contra o novo decreto-lei, o espectáculo cinematográfico rende anualmente em Portugal cerca de 90:000 contos, dos quais 75:000 contos cabem às firmas americanas. Desses 75:000 contos, 60:000, segundo o Sr. Allport, são absorvidos pela economia nacional, exportando-se os restantes 15:000 contos anuais para os Estados Unidos da América. O encargo do Fundo cinematográfico representa, portanto, apenas 3,3 por cento do rendimento bruto das bilheteiras. O cinema americano pode continuar a exportar por ano 13:000 contos, pois só lhe cabem 2:000 contos do encargo representado pelo Fundo, isto é: 13,3 por cento do lucro. Como as firmas distribuidoras portuguesas não têm mais despesas de que as firmas americanas e as (receitas se distribuem na mesma proporção, eis o que representa efectivamente o novo encargo para o conjunto dos distribuidores e exibidores.
Pasmam os signatários que dirigentes de Grémios possam afirmar que, «comercialmente, a categoria dos filmes é quase sempre dada. pelo número de semanas que os mesmos conseguem fazer nos cinemas de estreia de Lisboa e Porto» e fundamentem nessa afirmação a defesa do seu sistema. Os números fornecidos acima seriam demonstração suficiente. Mas basta conhecer o regime denominado dos stop figures - receita mínima, estabelecida por contrato, além da qual o filme só mantém automàticamente no cartaz para saber quanto a afirmação dos Grémios não corresponde à verdade. E é evidente, mesmo para os leigos, que dois programas que rendam em duas semanas, por exemplo, 100 contos (tomando 60 contos por stop figure) dão mais interesse ao conjunto exibidor-distribuidor do que um só programa que renda, por exemplo, 60 contos na primeira semana e apenas 30 na segunda. Além disso, é notório que as segundas semanas, que tanto agradam aos> distribuidores, desagradam sobremaneira aos exibidores, para quem é sempre mais vantajoso mudar de programa todos as semanas; e isso porque, além da receita segura da nova estreia, vêem diminuídas regressivamente as receitas, dos dias fortes (sábado e domingo) nos programas que se mantêm duas ou mais semanas em exibição.
Considerando ainda o facto de existirem cerca de 500 programas que aguardam oportunidade de estreia (ou sejam dois anos de programação), é natural que distribuidores e exibidores acordassem entre si um sistema de renovação semanal que diminuiria ainda o número de segundas semanas e, por consequência, as receitas do Fundo, seguindo o sistema preconizado.
Estranham os Grémios que os complementos chamados culturais não gozem no decreto-lei de vantagens especiais. A verdade é que tais complementos só muito raramente representam qualquer contribuição, para a cultura, mormente quando apresentados ad hoc, como o são sempre, no começo do espectáculo, misturados

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com os filmes mais diversos, e fantasistas, apenas com a preocupação de encher a primeira parte até ao intervalo que precede a exibição do filme de fundo. E o efeito produzido por esse filme de fundo apaga, em 90 por cento dos espectadores quaisquer ensinamentos heterogéneos atrabiliàriamente ministrados em imagens fugidias, quase sempre comentadas em língua estrangeira e acompanhadas de legendas insuficientes, quando não absurdas.
Daí a justa obrigação estabelecida pelo artigo 14.º do decreto-lei, de tais filmes serem comentados em português. A isenção de taxas ou os prémios a conceder aos complementos verdadeiramente - úteis não deixará decerto o Governo de encarar ulteriormente nos acordos que se propõe celebrar, como dispõe o artigo 26.º
Dispensam-se os importadores-distribuidores e os exibidores de apreciar a aplicação do Fundo cinematográfico nacional tal como a determina o decreto-lei. Não dispensam contudo afirmar gratuitamente que contém «várias imperfeições» que «desvirtuarão na prática o objectivo que a lei tem em vista». E muito menos dispensam intervir na sua administração, por intermédio de um conselho de que fariam parte «representantes dos dois Grémios e também dos produtores e dos estúdios e laboratórios», juntamente com «os diversos Ministérios ligados à produção nacional».
Ora, se é certo que a produção nacional interessa efectivamente a todos os Ministérios sem excepção, não é menos certo que não valeria a pena montar tão complexo organismo para administrar os 250 ou 300 contos que resultariam da proposta dos distribuidores e exibidores. Mesmo os 3:000 que se calculam podem e devem ser administrados pelo único organismo legal e tecnicamente habilitado a intervir na orientação da cinematografia, posto que a Inspecção dos Espectáculos a ele se encontra subordinada pelo decreto-lei n.º 34:134, de 24 de Novembro de 1944, e ao Ministério da Educação Nacional só incumbe o cinema didáctico e certos filmes educativos., como taxativamente dispõem os decretos-leis n.ºs 20:859 (cinema educativo) e 26:611 (Junta Nacional da Educação).
Por outro lado, parecem os dois Grémios ignorar que, por despacho de 23 de Outubro último de S. Ex.ª o Subsecretário das Corporações e Previdência Social, foram esses mesmos Grémios encorporados num Grémio único, em que figuram os produtores, os estúdios e os laboratórios.
Discordam os dois Grémios da «proibição quase absoluta da dobragem em língua portuguesa dos filmes estrangeiros», tomando como exemplo o estrangeiro. Ora, MO cabo de muitos anos de experiência verificou-se nos países que permitem ou até impõem a dobragem que é ela o maior inimigo da produção nacional e sem dúvida o mais directo veículo de infiltração do que haja de condenável ou inconveniente na produção estrangeira. E parecem os Grémios ignorar que, por motivos psicológicos e de aversão artística, o nosso público preferi} os filmes em versão original, além de o rendimento nos pequenos cinemas, onde a dobragem seria possivelmente, bem aceita, não bastar para cobrir as despesas que traria. 'Mas a defesa do património linguístico, como vantagem principal da produção portuguesa, domina e torna inúteis quaisquer outras razões.
Afirmam os Grémios que a proibição de importar filmes de fundo estrangeiros falados em língua portuguesa vai longe demais e deveria ser condicionada. A verdade é que já é condicionada, como se lê no corpo do artigo 13.º, que serviu aos Grémios para afirmar que o não era: admite-se essa importação .em todos os filmes que forem realizados no Brasil ou reconhecidos superiormente como produzidos em regime de reciprocidade.
Conhecem os signatários desta exposição os inconvenientes que para o cinema nacional resultaram da produção em Espanha de filmes pseudo-portugueses de qualidade inferior, que nem sequer tiveram êxito comercial. Os próprios dirigentes da cinematografia espanhola reconhecem não haver vantagem em semelhantes co-produções, tal como têm sido feitas, salvo para filmes como Inês de Castro ou A Rainha Santa, que esses seriam facilmente autorizados a entrar em Portugal na sua «versão portuguesa», o que não é exactamente a mesma coisa que uma «dobragem». Verifica-se, pois, que todas as vantagens da co-produção não são «anuladas totalmente» pela doutrina do artigo 13.º, como distraídamente afirmam os Grémios; só são anuladas totalmente, e ainda bem, as iniciativas sem qualquer interesse comercial ou artístico para os países co-produtores.
Já disseram os signatários quais os motivos que os levam a considerar utilíssima a disposição do artigo 14.º, que torna obrigatória a locução em português dos filmes culturais e de actualidades. Dizem agora que o simples facto de existirem nos cofres dos distribuidores ou ma alfândega 500 programas por estrear torna impraticável a sugestão de isentar de licença de exibição os filmes de fundo importados até 31 de Dezembro último, tal como o legislador decidiu em relação aos complementos.
Reconhecem os Grémios que o grande futuro do cinema está no formato de 16 milímetros, modalidade com que, aliás, nunca se preocuparam. Mas preocupam-se com o facto de se ter enveredado pelo caminho do ti controle máximo e vago».
Quem conhece as possibilidades da exploração desse formato não estranhará decerto que o Governo não possa admitir outra solução para tão importante problema, e que queira evitar que, nesse campo, aconteça à produção nacional o que lhe aconteceu no de 35 milímetros. A portabilidade dos aparelhos de projecção e dos filmes de 16 milímetros torna impraticável qualquer outro sistema de fiscalização mitigada, para evitar a propaganda subversiva, as projecções inconvenientes, imorais ou até pornográficas.
Também se revelam os Grémios pouco fortes em aritmética e em legislação quando comentam o contingente Porque os Grémios parecem ignorar que o contingente só se revela «alto» paira os cinemas de estreia: qualquer cinema de reexibição ou da província exibe já filantes portugueses em proporção superior à estabelecida pelo contingente. E não pensaram que a contagem por dias, que propõem, seria mais desvantajosa para os cinemas que não dão espectáculo todos os dias, pois a lei não diz que se contem semanas completas, mas sim que se contem as semanas em que se exibem filmes

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portugueses, ainda que não preencham a semana toda, posto que a sua permanência no carta é regulada pela. receita, mínima, limite que o artigo 22.º prevê. Como os filmes portugueses se exibem dois, três e mais dias seguidos em cinemas, onde os melhores filmes estrangeiros não «e aguentam mais de um, a contagem por dias falsearia por completo os objectivos da lei.
Quanto á base mínima de 50 por cento da receita bruta, é ela a que se adopta geralmente (e até 55 e 60 por cento) para os filmes portugueses em todos os cinco mais do Pais. E a lei, ao contrário do que se tem procurado fazer crer, não estipula que os contratos sejam forçosamente à percentagem: autoriza tacitamente o preço fixo desde que se respeite a mesma base, que é a habitual.
Se os próprios Grémios consideram «inadmissível» outra interpretação, por que motivo a admitem?
E há mais: a lei nem sequer proíbe o ajuste de um filme por preço inferior; apenas faculta o direito de reclamar essa percentagem. Se o cinema puder cumprir o- contingente legal com filmes em melhores condições, a lei não o incomodará de nenhum modo. Portanto, também são destituídas de fundamento as reclamações dos Grémios nesse capítulo.
Quanto à redução da percentagem nas matinées, copiosa fonte de benefícios para os exibidores, bastará dizer que na província ela nunca é feita para os filmes portugueses e que nos grandes centros, quando o é, conduz a resultados como este: as matinées que rendiam 6000$ (25 por cento de percentagem) de receita bruta no S. Luís com a exibição do filme Camiões davam maior benefício ao exibidor do que as que rendiam para cima de 7.500$ (50 por cento de percentagem). No fim da exploração o exibidor, sem qualquer risco, apurou cerca de 460.000$ de lucro, ao. passo que cabiam ao produtor apenas 580.000$, aproximadamente, para amortizar um filme que custara mais de 5:000 contos.
Estranham os Grémios que se «adie» e «transfira» para o regulamento matéria que é nitidamente regulamentar, descabida, portanto, no texto de um decreto-lei.
Finalmente, insurgem-se os Grémios contra o facto de a lei favorecer cinco medidas de protecção os filmes portugueses produzidos nos últimos cinco anos. Parecem ignorar que em muitas terras alguns desses filmes (justamente os melhores, por serem os mais caros) ainda não foram apresentados, por intransigência do único exibidor local, que aproveita esse facto para recusar as condições normais. Por outro lado, o pequeno, número de filmes produzidos aconselha a tomar essa medida para facilitar aos cinemas de reprise o cumprimento do contingente de exibição. E os filmes portugueses que «caíram redondamente perante o desinteresse e r desagrado quase unânime do público» também não são tantos quantos os Grémios pretendem insinuar. Nos últimos cinco anos produziram-se 21 filmes portugueses. Desses, 9 constituíram êxitos rotundos, 8 obtiveram franca aceitação e apenas 4 (19 por cento), caíram efectivamente, embora tenham sido estreados, o que não deixa de estranhar-se, em cinemas de primeira categoria e tenham percorrido, como todos os demais, praticamente todos os cinemas da província.
Queixam-se os Grémios de que são elevados os encargos que impendem sobre o espectáculo cinematográfico. Compreendemos que a revisão desse aspecto do problema os deva preocupar. Mas desconfiam os signatários, polo que leram na exposição que se debate, que eles não dispõem dos elementos de informação nem dos argumentos necessários para fundamentar convenientemente quaisquer reclamações nesse sentido.
E, por ser assim, esperam os signatários ter esclarecido suficientemente o espírito de V. Ex.ªs, para que a Assembleia Nacional ratifique uma lei de cuja aplicação de dependente o presente o Futuro do cinema português, a que os signatários têm dedicado ingloriamente o seu dinheiro e o seu esforço, aguardando sem desfalecimentos o reconhecimento oficial que só o actual decreto-lei consubstancia.
Pela Companhia Portuguesa de Filmes (ex-Tóbis» Portuguesa, (Assinatura ilegível).
Pela Lisboa Filme, Limitada, (Assinatura ilegivél).
Pela Cineditora, Limitada, (Assinatura ilegível).
Pela Sociedade Portuguesa de Actualidades Cinematográficas, (Assinatura ilegível).
Pela Cinelândia, Limitada, (Assinaturas Ilegiveis)

Coimbra, 8 de Fevereiro de 1947. - Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Em referência à discussão suscitada pela intervenção do ilustre Deputado Dr. João da Rocha Paris na Assembleia Nacional sobre a momentosa questão do mercado do milho, os grémios da lavoura do distrito de Coimbra, na sua reunião mensal ordinária de 6 do corrente, depois de ponderadamento considerado o assunto, chegaram às seguintes conclusões:
a) É inegável a existência duma completa anarquia no que respeita à requisição e distribuição deste cereal, que é absolutamente indispensável à alimentação das populações rurais do centro e norte do País.
De facto, pelas disposições legais é absolutamente proibido aos produtores vender milho aos consumidores, mas a Federação Nacional dos Produtores de Trigo, à ordem de quem o milho está retido e única entidade que o pode vender, não abastece os mercados consumidores. De modo que, não se podendo vender milho, mas tendo de se comer, é evidente que se tem de ir buscar onde ele estiver, com todas as suas graves consequências.
Nem o recurso ao milho colonial consegue atenuar estas graves dificuldades da alimentação pública, porquanto, não só o seu quantitativo é insuficiente, mas ainda porque não há a certeza de um abastecimento regular. Se não fora o «mercado negro» muita gente teria morrido de fome.
b) Por outro lado, o manifesto do produtor é manifestamente falso, porquanto a tabela oficial, pela qual a Federação Nacional dos Produtores de Trigo o paga, não está em correlação com o custo de produção e o seu valor intrínseco.
Em Portugal sempre se reputou o valor de 1 alqueire de milho no dobro da jorna de um trabalhador rural ; isto é, no caso presente, l alqueire de milho deve valer entre 30$ a 40$, e por conseguinte os produtores, que têm de pagar aos jornaleiros as jornas actuais, e não as passadas, procuram defender-se subtraindo ao manifesto uma parte, pelo menos, da sua produção do milho; e não foi apenas a mão-de-obra que subiu demasiadamente, mas todas as despesas de exploração agrícola se têm agravado e o índice do custo de vida está também nas alturas.
c) E assim, vistos estes factos, que são indiscutíveis, a solução que se nos afigura mais simples para pôr termo a semelhante estado de anarquia é a seguinte:
1.º Revisão da tabela do milho, no seu preço. Não faz sentido, por exemplo, que os produtores de milho tenham de entregar o seu milho a 1$85 o quilograma, para comprarem 1 quilograma de sémens, por exemplo, que vêm a ser as cascas do mesmo milho ou coisa ainda pior, por 1$40 o quilograma!
2.º .Fiscalização eficiente da produção e abastecimento dos mercados deficitários.
Assim se poria termo ao «mercado negro» e se furtaria a alimentação pública à especulação a que a venda livre do milho inevitavelmente nos conduziria.
Transmitindo a V. Ex.ª as deliberações tomadas, solicitamos que V. Ex.ª dê delas conhecimento à Ex.mo

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Assembleia Nacional o que sejam mandadas exarar no Diário das Sessões.
Apresento a V. Ex.ª os meus cumprimentos de elevada consideração.
A bem da Nação.
Pêlos grémios da lavoura do distrito, o Presidente do Grémio da Lavoura de Coimbra, Pedro de Castro Pinto Bravo, engenheiro agrónomo.

O Sr. Presidente: - Têm V. Ex.ªs certamente conhecimento de que anteontem faleceu o padre Dinis da Fonseca, filho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Finanças e membro ilustre desta Assembleia.
Proponho que se exprima ao Sr. Subsecretário de Estado das Finanças o nosso profundo pesar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Presidência do Conselho remetendo os elementos enviados pelo Ministério das Colónias em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Luís Pinto Coelho.
Estes elementos vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Mário Madeira.

O Sr. Mário Madeira: - Sr. Presidente: vou mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Roqueiro me sejam fornecidos os seguintes elementos de informação:
Pelo Ministério das Finanças, nota discriminada pêlos últimos dez anos de todas as contribuições e impostos cobrados pelo Estado, câmaras municipais e comissões de iniciativa e turismo nos concelhos de Sintra, Cascais e Oeiras referentes à contribuição predial e direitos de transmissão de prédios rústicos e urbanos;
Pelo Ministério do Interior, nota discriminada pêlos últimos dez anos das receitas municipais provenientes de licenças para construções nos concelhos de Sintra, Cascais e Oeiras;
Pelo Ministério da Economia, nota discriminada pêlos diversos anos, desde a constituição do Instituto Português de Conservas de Peixe, de todas as importâncias arrecadadas pelo Fundo corporativo e pelo Fundo de previdência social j nos termos dos artigos 28.º e seguintes e 38.º e seguintes do decreto n.º 26:775, de 10 de Julho de 1936, qual a sua aplicação realizada e prevista e os saldos actualmente existentes».

O Sr. Cunha Gonçalves: - Sr. Presidente: falo raramente nesta Assembleia. Depois do discurso inaugural desta legislatura, na sessão em que V. Ex.ª foi eleito, remeti-me ao silêncio, até hoje, por duas razões: a primeira, porque não tenho pruridos ou prosápia do orador; a segunda, porque não me agrada intervir em assuntos para os quais não tenho competência ou, quando a tenho, porque a minha intervenção não é útil à discussão desse assunto (não apoiados)] mas hoje não posso deixar de falar, porque mo exigem os meus eleitores, sobretudo a minha consciência, e terei de falar largamente, tão largamente que, se o tempo regimental da sessão de hoje não for suficiente, roqueiro a V. Ex.ª, desde já, que me conceda a palavra em todas as sessões que se seguirem até eu ter despejado o saco.
Há poucos dias o meu ilustre colega Deputado Froilano de Melo chamou a atenção da Assembleia para o caso da suspensão do jornal Heraldo, da índia, por um despacho do respectivo governador; e eu estive calado, por duas razões: a primeira, porque não conhecia o artigo incriminado, o qual chegou hoje, e aqui o trago;
a segunda, porque, sendo eu aparentado com o director do jornal, podia parecer que tomava partido por mera paixão. Sem estar documentado não podia falar. Quero explicar, antes de mais, o que é este jornal, que se publica na índia há mais de quarenta anos. Publicou-se desde os últimos anos da Monarquia, na República velha e até ao Estado Novo.
Durante quarenta anos este jornal nunca foi acusado de antinacionalista ou de antiportuguês; muito pelo contrário, ele foi acusado de governamental, engraxador de governadores; e este mesmo governador, Dr. José Ferreira Bossa, que tenho pena de haver recomendado para tão alto e difícil cargo, no dia 24 de Novembro elogiou este jornal, mandando-lhe uma carta de agradecimento por motivo de um artigo que ele publicou, e um mês depois suspendeu-o por dois anos.
Mas o que diz o artigo incriminado? Este artigo foi provocado por considerações inteiramente descabidas e inúteis do Sr. governador na lei orçamental, lei que foi aprovada pelo Conselho de Governo, mas que não tinha o prefácio que S. Ex.ª depois acrescentou à sucapa. Nesse prefácio o Sr. governador, referindo-se à decadência da índia, cuja situação ele foi encarregado de melhorar, dizia o seguinte:

É a mesma patina secular de inércia que se nota por toda a parte, nos monumentos do passado como nos elementos de vida económica e social do presente.
Sintoma de estagnação é o facto de, agora como há dez anos, a circulação fiduciária manter-se à volta de 9 milhões de rupias (confrontem-se os balancetes do Banco Nacional Ultramarino publicados nos Boletins Oficiais de 29 de Janeiro de 1937 e de 12 de Dezembro de 1946), de onde resulta que, na média geral, cada habitante dispõe de 15 rupias, enquanto na índia Britânica entre 400 milhões de habitantes circulam 12 biliões de rupias em notas do Reserve Bank, ou seja uma capitação de 30 rupias, e na metrópole idêntica capitação anda já perto de l conto.

E acrescenta-se:

Apesar do exposto, há capitais paralisados em depósito no Banco e na Caixa Económica de Goa em valor superior a 30 milhões de rupias. Estes são os capitais inactivos. Dos activos não é possível saber ao certo o montante, principalmente daqueles que, em vez de fomentarem a riqueza do país, preferem alimentar a economia estranha e, pior do que isso, a voragem.

Até aqui são as palavras do Sr. governador.
Para este grande economista que é o Sr. Dr. Bossa o tipo de prosperidade de um país é o aumento da circulação fiduciária.
Para mim isto é uma novidade; para ele não!
Agora seguem os comentários do jornal:

A «patina secular de inércia» não foi culpa da terra nem da gente, mas da sua administração e pior aplicação de fundos públicos. Milhões de rupias se sumiram na voragem, em obras sem durabilidade nem oportunidade, quando o país reclamava reais benefícios de onde pudesse auferir vantagens materiais o morais e se fez exactamente o contrário.
Exemplos frisantes são as pontes de Sandalcalo, em Damão, e a de Cortalim, que nunca se iniciou, mas, no entanto, custou ao erário público alguns milhares de rupias. Fartos exemplos mais poderia-mos dar a demonstrar ca patina secular de inércia» - amontoar cifras cujo montante faria estarrecer de

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pasmo muita gente. No entanto, a ninguém se pediram responsabilidades.
Típica amostra são os barcos alemães incendiados no porto de Mormugão, cheios de colossais riquezas, e que há anos jazem inertes, sem que alma caridosa deles se recorde.
Eles atestam a inércia dos governantes; talvez ocupados em assuntos de maior monta, deixaram que todos os barcos fossem impunemente «limpos» de preciosa carga e se corroessem pela acção do tempo.
Esta ponte do Sandalcalo foi construída por um engenheiro que dizia saber construir pontes e fiscalizada pelo governo local; mas a verdade é que ela desabou pouco dias depois de ser inaugurada!
Houve ainda outra ponte, que também desabou pouco depois de inaugurada. Tom o jornal ou não razão em invocar estes casos de voragem, para os quais a colónia em nada contribuiu?
A segunda ponte a que me refiro foi construída pôr um engenheiro mandado daqui, da metrópole. Depois pretendeu-se construir uma terceira ponte, entre a ilha de Tissuari e a aldeia de Cortalim, na outra margem do rio Inori.
Mas, de facto, Sr. Presidente, essa última ponte nunca chegou a ser construída e gastaram-se nela milhares de rupias.
Se isto não foi voragem, em que a colónia não teve culpa, o que será?
Mas continuemos a ler:

Quanto ao outro sintoma de estagnação a que se refere o preâmbulo - de a circulação fiduciária se manter a mesma de há dez anos atrás, havendo, contudo, mais de 30 milhões de rupias em depósito no Banco e Caixa Económica - prova à saciedade que a riqueza do país não se apoia nas notas do Banco emissor, mas em notas do Reserve Bank; são elas que, aos milhões, circulam no país, pois à emigração se deve o seu maior quinhão. E mesmo muitos capitais estão aplicados na índia vizinha em acções e por outros meios, por aqui não haver colocação condigna, porque na nossa terra não se avança, antes parece como o caranguejo - anda para trás. É que não se soube estimular iniciativas, ampará-las, mas, ao contrário, todas as peias se puseram para que as melhores vontades se entibiassem.

Isto são verdades iniludíveis; e, se inércia houve, não foi da colónia, mas dos governantes. Afirmar estas verdades não constitui injúria.
Como se verifica, até aqui não há qualquer expressão ofensiva para o Estado ou para o governador.
Com relação a funcionários, diz o Sr. governador no seu preâmbulo:
Ressalta-se no preâmbulo o fraco rendimento de grande parte do funcionalismo, atribuindo-se a sua causa «ao efeito do clima ou outros motivos, quando, se a premissa fosse verdadeira - que o não é-, a cansa seria diversa: a magra remuneração que, na maioria, o funcionário recebe, que lhe amputa os voos, que lhe tolhe iniciativa e faz perder o incentivo; quando em qualquer outra província ultramarina os funcionários de igual categoria auferem vencimentos que os põem a coberto das intempéries da vida.
Reconhece-se este princípio no preâmbulo; reconhece-se ainda que em alguns serviços há alguma inflação de pessoal; mas faz-se injustiça ao seu rendimento. Honra, porém, ao funcionalismo goês, que, tanto na metrópole como noutras províncias ultramarinas, ainda nas Áfricas inglesas e mesmo na vizinha índia, é preferido e estimado, não só pela sua inteligência, mas sobretudo pela sua honestidade e cordura. Vemo-lo nas melhores casas comerciais e em todos os serviços públicos: a sua assiduidade, o sen rendimento nada ficam a dever ao do sen colega de qualquer outra raça.
Bastos testemunhos poderíamos transcrever, mas não é necessário, porque está na consciência de todos, porque é uma verdade nua e crua.
Diz o Sr. governador ainda no referido preâmbulo:
Entretanto há quem reclame que a metrópole mande para aqui arroz como dádiva de soberania e apetreche os estabelecimentos hospitalares em homenagem aos antepassados, tudo, evidentemente, à custa do contribuinte metropolitano.
Esta parte do preâmbulo do orçamento é uma bisca ao nosso ilustre colega Sr. Dr. Froilano de Melo, que pediu que o Governo acudisse à necessidade de arroz que havia para a subsistência dos habitantes; mas o Sr. Deputado, cujo discurso está publicado, não disse que o arroz fosse fornecido à custa da metrópole, como dádiva de soberania, pois há na índia muito dinheiro para pagamento do arroz fornecido.
O jornal bem o explica assim:

Não fomos nós que fizemos tal reclamação; o que o país pediu e exige é que os laques provenientes do lucro de venda de arroz, farinha, trigo, açúcar e outros cereais se utilizem para aquisição de arroz, donde quer que venha, dando nos barcos portugueses preferência ao transporte de comestíveis do que aos vinhos e artigos de luxo. É essa a obrigação do Estado em toda a parte; é o que fazem os governos que pensam. Primeiro os abastecimentos, depois os projectos e planos. Antes de mais, prover a subsistência da população, à custa de todos os sacrifícios, e a seguir o resto.
Suponho que ainda nesta parte não há ofensa alguma, quer ao Governo ou à Nação, quer ao governador. Prossigamos a leitura:
Também para apetrechar os estabelecimentos hospitalares o público paga imposto sobre cada especialidade farmacêutica que entra no país. Dê-se-lhe o destino devido.
Depois, no fim do preâmbulo, diz-se isto:
Como se fosse pouco o sacrifício já por este suportado (contribuinte metropolitano) de ter adiantado até agora mais de 3,5 milhões de libras esterlinas para garantir um caminho de ferro de que só a índia beneficia e de há séculos vir suportando o Padroado, o mais alto e desinteressado testemunho de uma política ultramarina que simbolicamente já vinha definida do Príncipe Perfeito, pela sigla do pelicano que tira o sangue do próprio peito para alimentar os filhos.

Que culpa tem a índia de que se fizesse o mais desastrado dos acordos com a VV. I. P. Railway, denotando somente a incompetência das autoridades em apetrechar um porto natural como o de Mormugão, dádiva da Natureza, e em construir as poucas dezenas de quilómetros de linha férrea?

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que já atingiu o período de tempo regimental.

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O Orador: - Vou acabar de ler o artigo e pego a V. Ex.ª me reserve a palavra para amanhã e para as sessões seguintes.
Diz ainda o artigo:

O Padroado é o símbolo de Portugal de antanho, que conquistou um mundo, mas deixou-o perder, não por culpa da índia, antes, talvez, pêlos íamos que ela criou em muitos cérebros de outras eras. Todos choram a sua perda - e historiadores insuspeitos à farta provam como é que tão grande Império das índias se esboroou, tal qual frágil castelo de cartas... Ela, a índia de outrora, foi o pelicano que tirou o sangue do próprio peito para alimentar a cupidez dos que até aqui vinham ao cheiro do cravo e da pimenta...

Estas referências do Sr. governador ao caminho de ferro de Mormugão e ao Padroado são contraproducentes.
O caminho de ferro de Mormugão não é da responsabilidade do actual Governo nem do actual governador. Foi construído em 1878, em virtude do tratado anglo-luso. que suponho ter sido imposto pela Inglaterra aos portugueses. Esse caminho de ferro em nada aproveitou à economia da colónia. A colónia nunca o solicitou. Ele foi construído por uma companhia inglesa, em troca do monopólio do fabrico e exportação de sal e do abcári ou destilação de bebidas alcoólicas derivadas do coqueiro, da cajuri ou tamareira e do caju. O caminho de ferro de Mormugão deu sempre déficit, pelo que a sua exploração foi entregue a uma companhia inglesa -Southern Mahrata Raihvay - por arrendamento. Tudo isto foi obra dos governantes de então; não da colónia. Hoje, essa companhia está extinta; a sua linha férrea pertence ao governo da Grande índia. Mas isto representa um grande perigo, visto que a índia Portuguesa pode ser invadida em vinte e quatro horas, pela circunstância do o nosso caminho de ferro estar nas mãos do mesmo governo da Grande índia.
A colónia só teve de lamentar o prejuízo enorme que teve de pagar a companhia construtora, em juros elevadíssimos. Foi esta a outra fonte de voragem.
O Padroado é uma despesa da soberania; é feita para a manutenção de velhas glórias religiosas da Nação. Não ora justo que a colónia a pagasse, porque não tinha com ela proveito algum.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª pode concluir hoje as suas considerações num prazo de cinco minutos, eu concedo-lhos. Se V. Ex.ª vê que não, peço que encerre as suas considerações, embora noutra sessão use da palavra sobre o mesmo assunto.
Quanto à reserva da palavra antes da ordem do dia, regimentalmente V. Ex.ª não podo ficar com a palavra reservada.

O Orador: - Estava explicando aos Srs. Deputados a origem do caminho de ferro de Mormugão.
Foi por isso que tanto o caminho de ferro como a despesa do Padroado foram transferidos para o orçamento da metrópole, em virtude de relatórios sucessivos apresentados pelo antigo director de finanças da índia conselheiro Navarro de Andrade, que depois foi director geral no Ministério das Colónias.
Eu voltarei a pedir a palavra sobre o assunto, e entretanto afirmarei a V. Ex.ªs que, se o actual governador não for demitido imediatamente, ter-se-ão de suportar as consequências lamentáveis da sua nomeação. Ele só tem prejudicado na índia a soberania de Portugal, tantas e tão grandes são as antipatias que ali tem criado para si e para a Nação que representa.
Disse.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: devia eu ter produzido estas considerações durante o esplêndido debate que nesta Casa teve lugar sobre a situação financeira das câmaras de Portugal. Juntaria a minha voz ao coro das vozes que aqui profligaram o peso da tutela que tanta vez, em contravenção com as tradições sociais da alma nacional, abafa e por vezes estrangula as iniciativas e as liberdades municipais. Os elementos que requisitei para comprovar as minhas afirmações chegaram-me, porém, longo tempo após o encerramento desse debate, e vejo-me, por isso, forçado a pedir à gentileza de V. Ex.ª Sr. Presidente, mo permita tratar do assunto antes da ordem do dia, com o simples fito de pôr a Assembleia Nacional ao corrente dos óbices que tem de enfrentar a administração municipal no nosso Estado da índia e de levar ao conhecimento das altas entidades responsáveis as queixas do povo que represento, a fim de se darem a esses problemas as soluções que forem convenientes para o bem da Nação.
Quem viaja pelo nosso ultramar constata o magnífico progresso que só nota nessas formosas e elegantes cidades de Luanda, Lourenço Marques e Beira, que são o orgulho dos seus habitantes e o encanto dos olhos de forasteiros. Em doloroso contrasto, porém, as cidades da nossa índia jazem na rotina e na estagnação, sem um plano de urbanização, sem movimento, sem estética e sem higiene, num apático cruzar de braços em que governantes e governados se deixam mergulhar no dolce farniente da moleza tropical.
O progresso de uma terra depende em grande parte dos recursos das suas câmaras municipais. As da nossa índia não têm dinheiro para cumprir a sua missão! E o pouco que têm esvai-se em despesas improdutivas que muitas vezes a tutela lhos impõe, à sombra de interpretações sibilinas dos articulados da Reforma Administrativa Ultramarina.
Pague, pague, pague! Institui-se uma caixa de crédito rural? As câmaras paguem! Funda-se o Montepio dos Servidores do Estado, uma instituição de proveito meramente particular? As Câmaras paguem, o permanentemente, para o seu funcionamento! São mal pagos pelo Estado os professores primários? Movem-se as camarinhas, graves discussões se agitam no seio do Conselho de Instrução Pública, formula o governo um projecto de diploma, a galeria está cheia de pedintes e a vítima são as câmaras! Paguem uma gorjeta mensal a esses pobres funcionários! Mas a Reforma Administrativa Ultramarina manda subsidiar o ensino, não, porém, por meio de espórtula aos agentes do ensino. Mesmo por uma questão de dignidade, porque não apartar um N por cento das receitas municipais para entrar nos cofres do Estado a titulo desse subsídio, a que o Estado dará o destino que for mais conveniente? O despacho da tutela diz que não, porque não! Manda quem pode. As câmaras que obedeçam !
Ora, quem manda porque pode suprimiu as taxas de licença que as lojas de comércio pagavam às câmaras desde a reforma de Rebelo da Silva. Este imposto estava nos hábitos do povo. Era quase secular! Porque foi suprimido ? Porque a Reforma Administrativa Ultramarina, de quem a tutela se considera o intérprete infalível, só falava de imposto a vendedores ambulantes no seu artigo 501.º, n.º 2.º, alínea k).
Ponderou-se que era uma omissão, que não havia na Reforma Administrativa Ultramarina nada que se opusesse a esse imposto secular. Mas a tutela despachava ex catedral! E os fiscais camarários tiveram de lançar mão da medida ridícula e picaresca de correr atrás de umas mulheres vendendo eventualmente mangas e melancias, com cestos à cabeça, para ir à caça do multas, a fim de se cobrarem receitas. Consequência: ódio à câmara, ódio aos zeladores, que a alturas tantas acharam melhor fazer

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que não viam ... E consequência gravo: uma diminuição de receita, que na Câmara das Ilhas atingiu 30 e tantas mil rupias anuais (215 contos) e outro tanto nas de Salsete e Bardez.
Com as despesas cada vez mais crescentes, com a carestia da vida e o consequente aumento dos salários e com esse corte brutal nas suas receitas, o que podem pois fazer as câmaras para embelezar e higienizar as povoações? O trabalho resume-se hoje a pouco mais do que a varrer o lixo da cidade, a raspar o capim das ruas e a encher de terra os caboucos causados pelas chuvas da monção! E as nossas ruas estão cobertas de lama! E as nossas cidades são burgos que metem dó!
Por uma simples portaria do governo local (n.º 3:440, de 14 de Dezembro de 1939) foi revogado o artigo 262.º do Código de Posturas, aprovado pelo acórdão do conselho de província n.º 323, de 15 de Setembro de 1906, alterado pela portaria n.º 3:054, de 19 de Novembro de 1937, e revogado também, à sombra daquela omissão na Reforma Administrativa Ultramarina, o n.º 20.º do artigo 305.º do mesmo Código de Posturas e as tabelas anexas, excepto, é claro, as relativas aos vendedores ambulantes, a que já me referi." E, como se verificasse que as lojas de comércio não pagavam taxa nenhuma, pela portaria n.º 3:441, da mesma data, resolveu-se mandar pagar apenas o selo na administração do concelho, para não haver furo nas receitas do Estado!
Ora esta doutrina, fundada na soi-disant omissão na Reforma Administrativa Ultramarina - que por mais de uma vez fiz ver ao governo local, quando presidente da Câmara das Ilhas -, acha-se discutida e plenamente esclarecida por sentença do juiz de direito da comarca de Benguela Dr. Aleixo António Ludovico da Costa, de que me permitirei transcrever a parte essencial, para esclarecimento dos interessados:

Tratando-se dum ponto de direito melindroso, cuja resolução, conforme a doutrina da embargante, pode cercear as receitas o, consequentemente, reduzir bastante a actividade dos municípios, como a própria embargante pressente no final das suas alegações, os tribunais, cuja missão é declarar o direito controvertido, só podem dar guarida às invocações radicais quando a lei, devidamente interpretada, as autorize.
Mas autorizará?
A propósito do alcance do artigo 5.º da carta de lei de l de Julho de 18(57, que aprovou o Código Civil, com redacção idêntica à do citado artigo 4.º do decreto-lei n.º 23:229, os comentadores do Código ensinam que, não obstante aquele preceito, e independentemente de qualquer ressalva, continuaram em vigor as leis civis anteriores sobre expropriações por utilidade pública, sobre registo civil dos católicos, sobre bens das corporações religiosas, etc. (Cunha Gonçalves, Tratado, vol. I, p. 163).
Semelhantemente poderá dizer-se sobre variadas matérias abrangidas na Reforma Administrativa, que enferma de grandes lacunas.
A única conclusão segura que em face do citado artigo 4.º se pode tirar é a seguinte:
A matéria está regulada, expressa e completamente, na Reforma. Aplica-se integralmente aquele artigo revogatório.
Encerra lacunas ? Devem ser preenchidas pela lei anterior e na parte compatível.
Isto posto, importa saber se é taxativa a enumeração do citado artigo 615.º
Quer-nos parecer que não é, como doutamente pondera o acórdão do Tribunal Administrativo da colónia de 25 de Maio de 1935 (Boletim Oficial, 2.a série, n.º 25, p. 346), de que foi relator o ilustre desembargador Cruz Alvura e onde o assunto foi ex professo ventilado.
A enumeração dos tributos feita nesses artigos ((513.º a 615.º da Reforma Administrativa Ultramarina) não é taxativa, pois em nenhum desses artigos se diz que as receitas sejam exclusivamente as nesses artigos referidas, que nem sequer se referem às heranças, legados e doações constantes do n.º 4.º do artigo 504.º Diz o § único do artigo 617.º da mesma Reforma que os corpos administrativos podem votar e autorizar a cobrança de impostos nos limites estabelecidos nesse diploma, mas o confronto desse parágrafo com o corpo do artigo 454.º mostra que tais limites não são quanto às espécies de taxas e impostos que podem ser criados ...
Mas, quando fosse taxativa, nem assim seria ilegal a licença exequenda.
Em primeiro lugar porque, interpretado o n.º 2.º do citado artigo 605.º segundo as regras gramaticais, o vocábulo estabelecidas desse número refere-se tão sòmente às matriculas, e, assim, só estas precisariam de ser estabelecidas por posturas. É que esse n.º 2.º tem a seguinte redacção:
As licenças, taxas, matriculas estabelecidas por posturas e as multas ...
Se a lei quisesse referir aquele vocábulo também às licenças, como a embargante pretende, seria redigida deste modo:

As licenças, taxas e matriculas estabelecidas por posturas e as multas ...

Tanto assim é que o artigo 504.º da Reforma confere no n.º 14.º competência às câmaras para deliberarem definitivamente sobre «licenças para edificações, reparações ou alterações de edifícios», e tais licenças não estão expressamente mencionadas no artigo 501.º
Tudo indica, pois, que foi intencional a redacção dada ao citado n.º 2.º do artigo 615.º Mas, quando assim não fosse, nem assim procederia a conclusão da embargante, porque:
O artigo 501.º, depois de estabelecer o princípio de que às câmaras municipais pertence editar posturas sobre as matérias da administração local a seu cargo, acrescenta que, dentro dessa atribuição, compete editar posturas sobre os assuntos que designa nas alíneas do seu n.º 2.º
Dai é legítimo concluir que é exemplificativa esta enumeração. Os assuntos da administração local são tantos e tão variados, conforme a evolução dos tempos, que seria impossível cingir a matéria das posturas nas malhas de um preceito legal.
Se assim não fora, não se compreenderia o motivo por que, depois de especificada a competência postuária, o § único, n.º 1.º, deste artigo veio estabelecer que não podem as câmaras Gaitar posturas que versem assunto estranho à sua competência.

Pelo exposto, julgo improcedente e não provados os embargos, devendo, por isso, prosseguir-se na execução.

Citando essa sentença a favor da Câmara Municipal do Lobito quis provar-vos que a considerações de ordem moral e histórica se juntam razões de ordem jurídica para que se revoguem as portarias n.08 3:440 e 3:441 do governo da índia e se restabeleçam as taxas ao abrigo do Código de Rebelo da Silva e legislação ulterior.
Mas há mais: conhecedor do meio, eu não desejaria que essa receita servisse para, à sombra de politiquice, se esbanjar o dinheiro em quaisquer sinecuras. E por

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isso ouso sugerir à consideração de S. Ex.ª o Ministro das Colónias e do governador da índia:
1.º O restabelecimento da cobrança pêlos corpos administrativos da índia das taxas de licenças comerciais, industriais e outras que foram suprimidas pela portaria n.º 3:440, acima citada;
2.º O quantitativo dessa cobrança serviria de base para os corpos administrativos adquirirem na Caixa Económica Postal um empréstimo a 1,5 por cento, amortizável em cinquenta anos e destinado exclusivamente ao asfaltamento das ruas das cidades e das sedes dos municípios, dentro do prazo de quatro anos, prazo que poderá, todavia, ser aumentado se o município respectivo o justificar e o Conselho de Governo o aprovar, nunca podendo, todavia, ser superior a oito anos;
3.º O asfaltamento poderá ser substituído por processos mais aperfeiçoados, se for reconhecido útil e não antieconómico;
4.º Os trabalhos de asfaltamento compreenderão também o serviço de drenagem das águas pluviais (e não residuais domésticas nem esgotos) que se reconheça necessária no curso do mesmo asfaltamento;
5.º Todas as despesas a fazer com os estudos necessários para os fins do asfaltamento correriam por conta do mesmo empréstimo, devendo ser especificadas e sujeitas à aprovação do conselho técnico;
6.º As despesas da amortização do capital correriam por conta dessas receitas e o empréstimo seria levantado in tot ou parcialmente, conforme fosse reconhecido mais vantajoso para os interesses do município;
7.º Terminado o asfaltamento das ruas das cidades e sedes dos municípios, o excedente do quantitativo da receita, deduzida a parte correspondente à amortização do capital adquirido, seria empregado exclusivamente no estabelecimento o melhoramento da viação interaldeana, que nas localidades em que existam domicílios com disposição urbana será, nessa área, igualmente asfaltada ou tratada por processos similares ou mais aperfeiçoados.
Possam estas sugestões servir para, se dar um avanço de progresso e higiene àquela nossa índia, que jaz hoje na estagnação o na rotina.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para insistir em que me sejam fornecidos os elementos que requeri há dias ao Ministério da Economia, por intermédio da Direcção Geral da Indústria e da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.

O Sr. Presidente: - Vou insistir para que o pedido de V. Ex.ª seja satisfeito.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Prossegue a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu acerca das reformas de justiça. Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu -Foram numerosas e sempre amáveis as interrupções de que fui alvo na sessão anterior. E, confesso, longe de me contrariarem, foram-me gratas as frechadas do Sr. Dr.Carlos Borges, as vibrantes expansões do Sr. major Botelho Moniz e as anotações oportunas dos Srs. Drs. José Cabral, Ernesto Subtil e outros. Estou habituado a mais e, sobretudo, a diferente e pior, pois, noutro tempo, desabaram
sobre nós, ocupantes daquela bancada da extrema direita, verdadeiras avalanches de apartes e de protestos, quando não de imprecações.
E agora, como não podia cometer a deselegância de não responder, estabelecemos repetidamente diálogo, com manifesto desgaste no escasso tempo de que dispunha para usar da palavra.
Por isto, sem desprimor, tento evitá-lo hoje. E nada perdem, porque o debate será certamente generalizado, e assim todos podem vir emprestar-lhe o interesse e o brilhantismo que ainda não tem.
Sr. Presidente: sei que só à bondosa tolerância de V. Ex.ª e da Assembleia devo a possibilidade de prosseguir nas minhas considerações. Tenho, por isso, o dever de não abusar. E, assim, vou limitar-me a referir alguns pontos fundamentais das reformas do Sr. Ministro da Justiça de que discordo e outros que exigem imediatas providências para se tornar possível ou viável a sua execução.
E isto, por natural imperativo de lealdade, é restrito aos decretos que são objecto do meu aviso prévio, embora termine por algumas sugestões a que me concita o desejo sincero de colaboração.
Especialmente do habeas corpus, direi muito pouco do que estava nos meus propósitos e o interessante problema merecia. Mas voltarei, porém, ao assunto, se tiver oportunidade.
Na sessão anterior fiz uma síntese da evolução das leis portuguesas no sentido da benignidade das penas e do alargamento das garantias individuais, com o fim de demonstrar algumas das ilações que enumerei e poder afirmar que Portugal dá lição ao Mundo. E referi a posição e o alcance que nesta evolução têm as reformas penais do Sr. Ministro da Justiça, definindo-os e indicando algumas rias suas vantagens mais importantes, que julgo, incontestáveis.
Vejamos agora, a traços largos, alguns dos defeitos o deficiências, e, especialmente, a inadaptação das reformas, em certos passos, ao meio e às realidades.
Já me referi à falta de observância do disposto no artigo 5." do decreto preambular do Código de Processo Penal, que manda integrar nele as modificações posteriores; e houve-as - e importantes - em alguns decretos. O inconveniente desta falta de codificação é evidente. Recomeça-se no mau sistema da legislação avulsa, dispersa. O próprio Ministro reconhece o mal no relatório do decreto-lei n.º 35:015, dizendo:

Mas é sempre útil integrar no contexto original de um diploma, sobretudo quando de código se trata, as alterações que se vão tornando indispensáveis, a fim de que se não percam as vantagens da codificação, traduzidas na maior certeza e clareza do direito.
São as importantes alterações feitas no Código havidas como meras experiências P Seria esta a justificação aceitável daquela omissão; mas nem os relatórios e texto dos decretos o dizem, nem a boa administração da justiça e a regularidade dos seus serviços se compadecem com simples ensaios de inovações que alteram verticalmente todo um sistema. Os tribunais não são laboratórios em que os delinquentes figurem de cobaias. Nem de outro modo pensa o Sr. Ministro da Justiça.
O artigo 28.º do decreto-lei n.º 35:007 peca pela passividade e quase subalternização em que coloca o juiz, sem que o justifique satisfatoriamente o princípio basilar da separação das jurisdições.
Há uma espécie de e recurso», partido do próprio julgador para o Procurador da República, quando aquele entenda que devia ter sido formulada a acusação que o Ministério Público recusou e não haja reclamação do denunciante. O julgador -um poder do Estado! -

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intervém quase como se fora parte; e será "parte vencida" se a indicação não for aceite! Mero acto de fiscalização? Não concordo.

E é, em última análise, uma intromissão do juiz na fase da acusação. Intromissão tutelada.

Os delegados do Ministério Público da maioria das comarcas da província precisam de ser dotados de qualidades excepcionais de competência e de trabalho, além de. faro policial, e até careciam do dom da ubiquidade para poderem exercer as atribuições que os decretos lhes conferem, desde a instrução preparatória dos processos até à acusação, e que depois, como é óbvio, se estendem ao julgamento; isto acumulado com a intervenção na jurisdição civil e, nomeadamente, por forma directa e activa, no orfanológico, na representação do Estado, dos incapazes e dos ausentes, na tutoria da infância, na comissão de assistência judiciária, no registo comercial, nas execuções por custas e fiscais, na tesouraria, na direcção e visita das cadeias, nas liquidações do imposto sobre as sucessões e doações, na fiscalização dos serviços do tribunal, na escrituração dos livros, mapas, etc. Escravidão sem ao menos terem retribuição capaz!

Por mais que se multipliquem, por maiores que sejam as suas faculdades, não podem cumprir. E não é ofensivo dizer que, em muitos casos, os jovens e inexperientes delegados de 3.a classe, na maioria com nula ou insuficiente prática de subdelegacia, não estão em condições de suportar tamanhas e tão múltiplas responsabilidades.

O anal já se revelava; mas a reforma veio agravá-lo.

E certo que os delegados podem, em casos especiais, requisitar agentes da polícia judiciária para procederem u instrução preparatória; mas isto não é a regra, nem é suficiente. E a inviabilidade ou dificuldade e a demora estão, ao que me constou, tornando-se evidentes, em requisições pendentes e impossíveis de atender por faltai de agentes, com gravame para a administração da justiça. As demoras na investigação fazem, muitas vezes, desaparecer a possibilidade da descoberta dos crimes e o rasto dos criminosos.

Há que rever o problema e dar-lhe remédio urgente; atribuindo às autoridades administrativas intervenção na instrução dos processos, transferindo pana os chefes de secretaria, se for possível, algumas das atribuições ou tornando obrigatória a existência, de subdelegados em todas ou na maioria dois comarcas, ou ainda separando as jurisdições civil e criminal, em mais algumas delas.

Os decretos-leis n.ºs 35:007 e 35:042 tornaram exageradamente frequentes, injustificadas e contrárias à hierarquia funcional as intervenções do Procurador Geral e dos Procuradores da República.

E tal prática não se Compadece com a boa intenção que houve de simplificar e abreviar os processos e os serviços.

Não se justificam especialmente as disposições dos artigos 23.º e 26.º a 29.º do decreto-lei n.º 35:007 e o § 1.º do artigo 20.º do n.º 35:042, que, além de importarem uma incomportável .acumulação de serviço em mão dos Procuradores da República, equivalem a recursos interpostos, como sucede em casos onde o Ministério Público não formule a acusação e outros.

Até o alargamento da competência territorial da polícia judiciária para a instrução preparatória de determinados processos, que devia estar expressa na lei, depende de autorização ou ordem do Procurador Geral da República; e, nos processos em que a averiguação ou descoberta seja difícil, aquela resolução do Procurador Geral ainda tem de ser precedida de parecer favorável dos Procuradores tia República!

Finalmente, novas iniciativas vejo atribuídas ao Procurador Geral da República no decreto-lei n.º 35:044, quando se trate de a vocação de determinados processos no plenário.

Ainda no domínio do excesso das subordinações está o facto de se tornar dependente de autorização do Ministro o prolongamento da prisão preventiva e da instrução preparatória por cada um de dois períodos de quarenta e cinco diais, mediante a proposta fundamentada do director da polícia judiciária, e a realização de novas investigações sobre processos já julgados.

Relativamente a prazos, apesar da melhoria notada, há-de continuar a suceder, com frequência, a polícia judiciária, devido à acumulação de serviço, ter de deixar esgotar os prazos legais da instrução ou da prisão preventiva e suas prorrogações, e remeter os processos a juízo no dia em. que terminem ou depois de terminarem. Sucedendo isto, o delegado tem de formular imediatamente a acusação e o juiz de dar a pronúncia. Isto além de haver que interrogar os presos, afiançá-los e cumprir nos cartórios todas as demais formalidades necessárias.

E como podem, nestas condições, o delegado e o juiz estudar os processos, frequentemente volumosos e complicados, num só dia, numa só tarde?

Vem a propósito dizer também que, mantendo-se os actuais quadros do pessoal de justiça de 1.a instância, será difícil, senão impossível, cumprir os prazos estabelecidos no Código e nos decretos-leis n.ºs 34:564 e 35:007, o que só redunda em prejuízo dos serviços- e em. desprestígio dos tribunais. Na verdade, não é admissível que, como infelizmente muitas vezes sucede, os tribunais, que têm por função aplicar as leis, sejam os próprios a dar o exemplo da sua infracção. E sucede assim geralmente porque é muita a acumulação do serviço.

O mesmo decreto-lei n.º 35:044, no artigo 16.º, além de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça dias decisões finais do plenário, passando, mais uma vez, por cima da Relação, estabelece á reclamação para este plenário dos decisões - que geralmente são dos "ou" próprios vogais- em matéria de liberdade povisória e dos despachos de pronúncia. Espécie de recurso para a conferência, só justificável nos tribunais superiores e de decisões interlocutórias. Sobretudo relativamente ao despacho de pronúncia, julgo o sistema inaceitável. O recurso deve ser sempre para a Relação.

O mesmo decreto-lei n.º 35:044 adopta restritivamente a designação de "criminais", aplicando-a apenas a um dos tribunais e seus juízos, quando é certo que todos o são.

As expressões "denúncia" e "denunciante", pelas quais a reforma substituiu "participação" ou "queixa" e "participante" ou "queixoso", não as considero felizes. São expressões chocantes, em virtude do significado infamante que, em linguagem comum, se lhe(r) atribui.

Também não parece defensável que para os tribunais correccionais e de polícia de Lisboa e Porto possam ser nomeados quaisquer juizes e delegados, sem se dar preferência aos de 1.º classe que requeiram a colocação.

Finalmente, o artigo 28.º deste decreto, regulando a representação do Ministério Público nos tribunais civis de Lisboa e Porto, contém matéria estranha. Mostra-o este simples enunciado.

Eis alguns simples apontamentos sobre as reformas, suas virtudes e seus males. Destes, existiam alguns já, mas os decretos não os remediaram.

Tiremos agora uma prova real.

Vejamos, de relance e para finalizar, quais estão sendo alguns resultados práticos das reformas em referências, à face de números oficiais que abrangem os sete primeiros meses de vigência.

Estes números, logo à primeira análise, dizem-nos que havia já alguns sintomas dos bons resultados na execução.

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Não podemos esquecer que se estava aluda, e ainda se está, na fase de adaptação; e há a considerar a enorme complexidade e a amplitude dos novos serviços criados ou alterados- e a sua acumulação.
Houve, e em parte ainda pode haver, a natural e inevitável confusão dos primeiros tempos em que se trata de dar execução a uma obra de vulto, que envolve unia transformação radical, confusão aliada à rotina e à habitual reacção de alguns inimigos de inovações ... e da situação.
E «indevidas interpretações, criando assim uma atmosfera de dúvidas e uma diversidade de actuações que urgia dissipar», foram as razões da circular expedida em 23 de Março de 1946 pelo Comando Geral da, Polícia de Segurança Pública; e à «solução de dúvidas» se destinou também a. circular que a Procuradoria Geral da República expediu a 2 de Janeiro de 1946; e a e suprir muitas deficiências verificadas e a acelerar a integração da polícia judiciária no espírito da reformas se destinou o despacho ministerial de 21 de Janeiro último.
O que dizem os números?
Em Lisboa, ao passo que, segundo os dados oficiais, de 1 de Janeiro a 31 de Julho de 1945 foram julgados nos nove tribunais criminais 3:302 processos, no período correspondente de 1946 foram julgados nos três juízos criminais, nos seis correceionais, nos dois tribunais polícia e na plenário :660; isto é, houve um aumento de 3:358 julgamentos. Mais do dobro.
No Porto, nos mesmos sete meses, em 1945 foram julgados e arquivados 2:629 e em 1946 2:890, ou seja mais 261, apesar de os julgamentos em 1946 só terem começado no fim de Fevereiro.
Outro objectivo atribuído às reformas parece estar em vias de realidade. Quero referir-me ao aumento da percentagem dos processos chegados a julgamento, devido talvez a unia- mais cuidadosa, e mais completa instrução. Como aumentou também, porventura polo mesmo motivo, a percentagem das condenações nos processos corruccionais e de quereta. Se realmente a razão é aquela, está corto. A defesa das sociedade exige a posição dos crimes; a impunidade é o seu maior estímulo.
Em todos os tribunais de Lisboa, de 1 de Janeiro a 31 de Julho de 1945, houve 3:302 julgamentos, com 2:297 condenações e o resto absolvições; e em igual período de 1946 realizaram-se 660 julgamentos, com 2:703 condenações e 3:57 absolvições.
Temos, é certo, em 1945, no total, mais condenados do que absolvidos e em 1946 o contrário; mas isto porque em 1946 (refiro-me sempre aos sete primeiros meses)-só os tribunais de polícia, em 3:562 processos, absolveram 3:042 acusados. Nos restantes tribunais as condenações foram 2:190, contra 915 absolvições, isto é, aquelas- muito além do dobro.
No Porto os números são mais expressivos, porque a estatística apresenta em 1946 um acentuado aumento na proporção das condenações em relação às absolvições: 1:973 condenações e 733 absolvições, ou seja estas muito menos de metade daquelas; e em igual período de 1945 houve 1:563 condenações, contra 840 absolvições, ou seja estas mais de metade daquelas.
É de notar que - até 31 de Julho de 1946 nos tribunais plenários foram julgados apenas. 8 processos: 7 em Lisboa e 1 no Porto.
Finalmente, é interessante conhecer também o movimento geral dos processos, porque nos mostra o seu aceleramento total em 1946.
De 13:104 já existentes ou distribuídos em Lisboa desde 1 de Janeiro a 31 de Julho de 1946, ficaram pendentes nesta última data 4:051; ao passo que os números correspondentes a igual período de 1945 foram, respectivamente, de 7:979 pendentes ou distribuídos e de 4:207 transitados de 31 de Julho para Agosto.
Isto é importante, pois mostra que, apesar de ser de quase o dobro o lote de 1946, ficaram pendentes em Julho menos 156 do que em igual data de 1945.
Os números são livro aberto da realidade. E os que referi inspiram confiança no que diz respeito aos efeitos da aplicação das reformas, se lhes forem feitas as alterações necessárias.
É esta a prova real; e, segundo me consta, alguns resultados continuam melhorando progressivamente.
Mas, infelizmente, o mesmo não podemos dizer por agora sobre os resultados práticos da importante reforma da polícia judiciária.
Não obstante a competência dos magistrados ilustres que dirigem e a boa vontade dos funcionários que executam, a polícia judiciária não está em condições de poder cumprir as funções em que foi investida pelo importante decreto n.º 35:042.
Grande falta de pessoal, más instalações, poucos recursos, etc., devem ser as causas essenciais das graves deficiências que se notam nos serviços e que, ao que me informaram, determinam a existência de dezenas, de centenas de milhares de participações sem seguimento. O Sr. Ministro conhece o melindre da situação, pois está envidando esforços no sentido de solucioná-la, como mostra aquele seu despacho de 21 de Janeiro último, cujo conteúdo reputo todavia, em parte, contrário ou além do texto legal.
Mas, pergunto agora: o que vai suceder nos tribunais quando se romperem os dique e forem invadidos pela avalanche de processos pendentes na polícia judiciária, e que forçosamente têm de prosseguir?
É outro problema sério que se põe. Como resolvê-lo?
Sr. Presidente: não são objecto do aviso prévio os diplomas publicados pela pasta da Justiça depois de Outubro de 1945. De contrário, e se mas sobrasse tempo, ocupar-me-ia deles, e da legislação anterior a- que nu; referi inicialmente.
Acabado o rápido balanço, cujo saldo é positivo, direi agora que o País espera mais do digno Ministro da Justiça. É mister que S. Ex.ª não adormeça sobre os louros que colheu e deve ao seu saber e ao brilho do seu talento.
E não deve limitar-se a corrigir e aperfeiçoar as suas reformas e a adaptá-las às realidades (presentes - ou as realidades a elas -, torná-las, enfim, objectivamente mais eficientes.
Deve ir mais longe.
Há muito por fazer.
Vi com satisfação anunciado para Outubro o anteprojecto do novo Código Penal, que, a meu ver, deveria ter precedido ou acompanhado a reforma prisional ou a sua execução em marcha. Pelo menos evitava-se, por exemplo, o absurdo de os tribunais, em obediência ao Código, estarem a aplicar petras que já não se executam, como sucede com a de degredo.
Estamos atrasados quanto à definição e classificação dos crimes e à aplicação e graduação das penas, injustas em alguns casos, absurdas noutros tantos, nomeadamente quando são unicamente função do dano material, do valor económico da ofensa, sem consideração pelas razões e circunstâncias do delito, como sucede nos crimes de furto, dano, burla e outros.
Escuso de desenvolver, porque é axiomática, a tese de que a justiça deve ser acessível e barata, e não o pode ser enquanto for considerada fonte de receita do Estado.
E por que não uma nova lei de imprensa? A actual data de há vinte anos e será preciso actualizá-la, enquadrá-la em novos princípios, ir ao encontro de justas aspirações, tendo-se em vista os dois «pilares» em que

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o Sr. Ministro da Justiça se inspirou nu instituição do habeas corpus: «autoridade» e «liberdade».
Autoridade e liberdade iluminadas pelo preceito que algures li:

A imprensa é um enorme poder para o bem e deve evitar ser um grande poder para o mal.
Escreveu há pouco o jornal O Século:

Um grande jornal é sempre a crónica viva e ardente de um povo, pois nenhum outro meio de expansão espiritual com mais facilidade e oportunidade pode traduzir e defender as aspirações, as necessidades, as dores, os entusiasmos, as alegrias e os anseios de justiça de uma população.

A imprensa é realmente um instrumento poderoso e inigualável de propaganda e divulgação, porque chega a toda a parte, a todos os recantos do Mundo; e por isso o alto espírito que foi o Conselheiro Morais de Carvalho exclamou um dia na
Câmara dos Pares do Reino:

Se a imprensa existisse quando Cristo viveu a sua doutrina não teria levado séculos a espalhar-se sobre a terra.

Sim: maior liberdade do imprensa, não obstante o decreto de 2 de Agosto de 1926 ser mais liberal do que a legislação que vigorou no tempo do demo-liberalismo. Ê preciso afirmá-lo, recordá-lo aos saudosistas da liberdade de pensamento e de expressão desses tempos calamitosos.
Existe hoje, pela legislação de 1933, a censura prévia a imprensa feita por comissões especiais? Existe. Mas também a estabeleceu, pelo mesmo processo, a lei n.º 495, de 28 de Março de 1916.
Pode ser ordenada a suspensão de jornais e outras publicações que infrinjam normas legais? Pode. Mas também o podia ser pelo decreto de 28 de Outubro de 1910, publicado no raiar da República, e, depois, pelo decreto n.º 2:270, de 12 de Março de 1916, que ampliou os seus fundamentos.
Mas o que não está no decreto de Agosto de 1926 é a medida violenta da apreensão dos jornais; antes proíbe no seu artigo 9.º, sob pena de multa grave e de perdas e danos. Ao passo que a lei de 12 de Julho de 1912, aquela lei n.º 495 e o decreto de 1916 a permitiam, feita, por e quaisquer» autoridades policiais ou administrativas, em relação a publicações que fizessem propaganda tendenciosa e subversiva, atentassem contra a ordem e a segurança públicas e infringissem determinados artigos do Código Penal.
Portanto, quanto à liberdade de imprensa, a lei do Estado Novo é menos rigorosa e violenta do que as do extinto liberalismo!
Isto quanto às leis.
E quanto às realidades?
Disse, em sintese Salazar que as liberdades que interessam não são as que se outorgam, mas sim as que se executam.
Houve uma realidade nesses tempos idos que, de certeza, a imprensa não deseja ver restabelecida e indignadamente repete. Uma realidade que, graças a Deus, mio se verificou desde o 28 de Maio. Uma realidade que nasceu, se criou, desenvolveu e multiplicou em pleno regime parlamentar democrático, que, com raras excepções, dominou o País durante dezasseis anos.
Refiro-me, meus senhores, à «acção directa», ou «justiça popular», a que já fiz alusão.
Recordam-se? A imprensa, essa - asseguro - não o esqueceu.
Assaltos, destruições, empastelamentos, roubos, incêndios nas sedes dos jornais, ameaças e agressões contra os jornalistas, realizados por vezes sob os olhares complacentes das autoridades - e íntimo contentamento de muitos adversários das vítimas, isto foi a «liberdade» de imprensa, que vigorou no tempo em que dominaram, na política, e na administração, muitos dos que hoje a reclamam.
Mais ampla liberdade de imprensa, sim. Mas não têm autoridade para reclamá-la os responsáveis, directos ou indirectos, pêlos atentados que nesses dezasseis desgraçados anos foram cometidos contra a liberdade de pensamento, contra a imprensa; como não a têm os que aspiram ao regresso a um passado que os tornou possíveis.
E não devia, esquecer no relatório da nova lei a história circunstanciada do que foi então a liberdade de imprensa e enviá-lo à O. N.º U. e mais concílios internacionais, como amostra da «democracia» que os inimigos internos e externos de Portugal os incitam u restabelecer pelo preço da honra da Nação.
E agora, rapidamente, algumas palavras sobre o habeas corpus, que eu reservara para capítulo especial.
Foi o Estado Novo que criou pela primeira vez no continente europeu, polvilhado de democracias, o instituto jurídico do habeas corpus, que, apesar de, na expressão de Rui Barbosa, ser uma instituição contra a qual só reagem os espíritos revessos às garantias individuais, apenas existia na Inglaterra, onde é secular, nos Estados, unidos da América do Norte e no Brasil; aqui no artigo 340.º do Código de Processo Criminal de 1S32 e depois na lei de 1871 e § 22." do artigo 72.º da Constituição de 1889.
É que, como diz o douto relatório, o harbeas corpus só pode funcionar com segurança em situações de estabilidade política, e de justo equilíbrio dos poderes de Estado.
O decreto teve o grande merecimento de abandonar os moldes dos dois países americanos- e, sobretudo, do projecto do Deputado Mendes de Vasconcelos de 1911 e da proposta de lei apresentada- em 1924 pelo Ministro Pedro de Castro, absolutamente impraticáveis. O decreto seguiu o sistema inglês, que só admite o habeas corpus - «tenhas o corpo» - no caso «de prisão real efectiva». Só nele a Corte do Rei manda expedir o writ, o breve ou ordem de soltura.
Só até à presente data não foi apresentado no Supremo Tribunal de Justiça nenhum pedido de habeas corpus, isto não pode significar somente que, em alguns casos, não tivesse havido fundamento para o solicitar. Significa também que o decreto é demasiado rigoroso. Embora seja certo que muitas autoridades têm o pavor do habeas corpus, por imaginarem que as penalidades se aplicam à infracção que o motivou, e não apenas ã desobediência à sua concessão.
Discordo absolutamente da parte do decreto que só refere ao modo de aplicação do sanções aos advogados que intervêm no processo, e apelo para o Sr. Ministro da Justiça, a fim de se dignar atender a representação que a Ordem dos Advogados há muito lhe dirigiu, e que eu concretizo e por mini amplio nos seguintes termos:
1.º Reintegração da Ordem dos Avogados na plenitude - da - sua competência disciplinar, para julgamento das infracções do decreto-lei n.º 35:043, embora mediante um processo sumário e urgente, com preferência a qualquer outro;
2.º Tornar dependente de prova o «conhecimento» pelo advogado «da manifesta improcedência» dos factos em que se baseou o pedido do habeas corpus, ou pelo menos considerá-la como presunção tantum júris;

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3.º Tornar as sanções aplicáveis aos advogados a independentes» das dos arguidos.
A Ordem dos Advogados, independente e ciosa das prerrogativas que justificadamente lhe conferiu o fundador, espera e merece ver atendido o apelo que, no sentido indicado, dirijo ao ilustre Ministro da Justiça.
Sem recear confronto, em vinte anos decorridos desde a sua fundação por Manuel Rodrigues, a Ordem dos Advogados tem sabido corresponder à elevada missão que dela havia a esperar, na organização da classe, na função disciplinar e de assistência e notavelmente no campo da vasta cultura jurídica.
Dignificou e enobreceu uma classe, alfobre em que, por elevado nível moral e intelectual e natural adaptação, são recrutados muitos dos maiores valores na administração e na política da nossa terra.
Uma elite ao serviço da Nação.
O Dr. José Alberto dos Beis, mestre que foi meu o de muitos que me ouvem e o é, afinal, de todos, disse:
« A advocacia é uma das profissões mais gratas ao espírito, uma daquelas que mesmo as pessoas de mais fina sensibilidade moral exercem com prazer».
Sr. Presidente: sinto orgulho em exercê-la, em ter uma profissão do que alguém disse ser «a mais livre que um homem livre pode ambicionar»!
Tenho dito.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: às vezes solta-se a nota de que há juizes bons e juizes maus.
Não se nega com isto a estrutura do Mundo, nem ou pergunto se é perfeito todo aquele que produz a afirmação. Lembro só que é tanto da vida do juiz dar provas do que vale e dar contas do que faz, que o mau não segue carreira. Haveria ainda motivo para indagar da utilidade de desmerecer o volume da regra com a raridade da excepção. E se dermos por nós debruçados sobre os ódios e os interesses que diminuíram este País não descobrimos só os julgadores que nunca se venderam, encontramos uma magistratura que viveu sempre acima das paixões, integra por dever, isenta por consciência.
Ao menos o reconhecimento, o ouro da gratidão.
Sr. Presidente: se tivesse de agrupar por pensamentos informadores os últimos decretos-leis que transformaram a administração da justiça, talvez os dividisse bem pelas preocupações neles visíveis.
Começo pela humanização do preceito legal:
O arguido, fosse ele quem fosse, que não pudesse prestar a caução arbitrada tinha de aguardar na cadeia o dia do julgamento.
O decreto-lei n.º 34:564, de 2 de Maio de 1945, quando o arguido é pobre, bem comportado e não dá mostras de tentar cometer novas infracções, autoriza o juiz a substituir a exigência impossível pela apresentação periódica no tribunal ou às autoridades policiais.
A cada passo se exige o certificado do registo criminal, como instrumento biográfico inexorável e rígido.
O decreto n.º 34:540, de 27 de Abril de 1945, permite ao tribunal ordenar que não se faça menção da sentença condenatória nos certificados requeridos para fins particulares, quando se aplica a pena de prisão até seis meses ou outra equivalente, não seja desonroso o móbil do crime e o réu, com bons antecedentes e bom teor de vida, não tenha sofrido anterior condenação.
O combate à provável delinquência futura é outra ideia dominante:
Passou a época do tratamento repressivo dos crimes desacompanhado de medidas de vigilância e de estudo dos delinquentes, dentro de um critério de pena maleável.
Mas foi o decreto n.º 34:553, de 30 de Abril de 1945, que criou os tribunais de execução das penas. Interessa conhecer a marcha das reacções anti-sociais do delinquente. E é a capacidade organizada, jurisdicionalizada, de determinação sobre circunstâncias de facto essenciais no combate à delinquência provável, que constitui a principal função daqueles tribunais.
A salvaguarda da inocência nos meios oficiosos processuais afirma-se também como princípio orientador.
Sempre me impressionaram os direitos da inocência e sempre os ajudei, mesmo no exercício de funções em que a lei mais parecia indicar-me o caminho de acusador público do que a posição de defensor da sociedade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Era delegado do Procurador da República quando escrevi numa minuta de recurso:

A inocência tem direitos que nascem com ela, direitos anteriores ao julgamento.
Em matéria judiciária, a ideia de que é sempre bom ou sempre justificável, por uma mera dúvida, por um simples factor aparente, forçar a inocência à experiência do Pretório converteu-se em fonte de condenáveis abusos. E isto faz-se e tem-se feito, muitas vezes, a requerimento do lugar comum - descargo de consciência. A frase é quase sempre esta: «Vai para julgamento; lá se há-de ver».
Essa garantia da defesa, aliás constitucional, a que se deu o nome de instrução contraditória melhor fora riscá-la, tão raras vezes triunfa da pré-disposição dos juizes.
Não! Devemos fazer tudo para evitar a dor, a revolta do homem que sentiu a injustiça pisar-lhe a honra, por comodidade ou rotineira obcecação.
A defesa oficiosa da inocência - afirmo ainda hoje - nem tinha, na fase processual do corpo de delito, a consideração necessária, nem lograva o agrado de muitos juizes, que viam nela, designadamente sob a forma contraditória, uma antecipação do julgamento, ousada o inútil.
A prova da inocência, só a cargo do arguido, estava, por assim dizer, relegada para o momento de o réu prestar contas em audiência pública. E eu já sustentei, e continuo a sustentar, que erro judiciário é também o erro de instrução e que não é lícito, sobre conjecturas sem fortes raízes de prova, erguer um libelo, fazer prender o acusado e levá-lo, depois, a receber as palavras e as atitudes do acusador, que persiste; as dúvidas do tribunal, aumentadas pelo facto de se ter chegado ao apuro de fazer intervir o julgador; os olhares do público, sempre pouco disposto a absolver aqueles que a própria terminologia legal nivelou com o nome de réus.
O decreto-lei n.º 35:007, de 13 de Outubro de 1945, bateu no alvo. Nele se determina, com visão renovadora e esclarecida, que na instrução do processo se não «devem efectuar só as diligências conducentes a provar a culpabilidade dos arguidos, mas também aquelas que possam concorrer para demonstrar a sua inocência e irresponsabilidade».
Nos processos de querela haverá sempre instrução contraditória e nos processos correccionais mais complexos poderá o Ministério Público requerê-la, se a entender necessária para um melhor esclarecimento da causa.
O relatório do decreto-lei é que precisa bem:
A investigação completa da verdade e até a melhor organização da defesa deixam de ser mera faculdade do arguido para se transformarem em dever do próprio tribunal.

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E dá vontade de perguntar se legislar assim é calcar a liberdade individual, que outros rodearam de palavras vistosas e nós enchemos de realidades fecundas.
Há quem ataque a medida, dizendo que ela é inútil para os crimes confessados e provados e que o Ministério Publico não está indicado para requerer a instrução contraditória.
Farte-se, evidentemente, de duas proposições mal seguras: a primeira não vê a dificuldade de um critério justo na separação dos casos susceptíveis do instrução contraditória dentro da forma mais grave de processo; a segunda amarra-se ao passado e continua imaginando o Ministério Público a influir-se gostosamente com as provas da acusação e a triturar, para deitar fora, as provas da defesa.
Uma força nova enche o espirito dos tribunais, e eu vivo ainda no satisfeito orgulho de ter pedido algumas vezes, como delegado do Procurador da República que fui, a absolvição de réus cuja inocência me pareceu afirmar-se durante o julgamento.
De resto, se é a lei que manda recolher activamente as provas da defesa e prosseguir com elas em busca da verdade, é norma da magistratura portuguesa obedecer aos imperativos da lei e aos escrúpulos da consciência.
Mais um propósito evidente: o de conduzir o julgador à integridade da sua função.
Enquanto agente do Ministério Público, muitas vezes me interroguei a mim mesmo sobre a utilidade do exercício do meu cargo: aparência de magistrado independente com poderes de comando próprios; actuação constante de subalterno reduzido ao simples ofício de promover as diligências necessárias.
Julgava-me então requerente oficioso de formalidades prescritas na lei, e, embora ficasse alguma margem para a inteligência e para a deliberação pessoais, a inferioridade prática da posição era manifesta, deprimente, incompreensível.
Revigorando um velho conceito de funções paralelas o independentes, o decreto-lei n.º 35:007 prepara e anuncia a separação completa das duas magistraturas - a judicial e a do Ministério Público.
A instrução preparatória passa a ser dirigida pelo agente do Ministério Público, obrigatoriamente presidida por ele nos processos de querela e correccionais.
Liberta-se o espírito do julgador de predisposições porventura ganhas na fase de recolha das provas.
Isola-se o juiz na pureza da sua função jurisdicional.
A calma de julgar deixa de ser perturbada pela luta de conseguir a verdade, pela veemência de investigar.
É enorme e inegável este avanço.
Mas há que pôr algumas objecções ao decreto-lei. E aqui o aviso prévio leva-nos, talvez, a precipitar a crítica sobre falhas da reforma, que o legislador, decerto, conhece e se propõe, com tempo, remediar.
Atribui-se, e bem, ao Ministério Público a larga competência de dirigir a instrução preparatória que forma o corpo de delito e «reúne os elementos de indiciação necessários para fundamentar a acusação».
Mas a instrução preparatória é, exactamente, o alicerce de todo o edifício processual, e a capacidade de dispor dos elementos de prova, difícil contra as evasivas e as dificuldades criadas pêlos imputados, excede a reduzida experiência dos delegados do Procurador da República novos e acabados de sair da folha oficial, com 1.200$ de vencimento ilíquido, fora os actuais suplementos.
Outro prejuízo:
Durante os anos em que fui delegado tive tempo de sobra para ver que não há função mais sacrificada e mais aproveitada para tudo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ponho o quadro:
A comarca do Funchal, por exemplo, com duas varas, ambas com cível e crime. Um delegado único. Além dos processos dos dois tribunais, os processos de liquidação do imposto sobre sucessões e doações; as reclamações ordinárias e os recursos extraordinários respeitantes ao imposto de sisa; os recursos extraordinários interpostos pelo director de finanças, com presidência aos actos de avaliação e deslocações frequentes pela área das outras comarcas; membro nato da comissão distrital de contas da Junta Geral do Distrito Autónomo, implicando a obrigação de dar pareceres e vistos; juiz adjunto do Tribunal do Trabalho; membro nato da Junta Autónoma dos Portos, com voto consultivo e, pelo menos, uma reunião semanal; direcção da cadeia; fiscalização da tesouraria judicial, uma escrita imensa, com muitos livros e muitos documentos...
Que sei eu... Sei que estou cansado e não posso dizer agora se é de recordar ou de enumerar tantos serviços, tantos lugares de representação e de exercício grátis. Nesse tempo apeteceu-me escrever as «24 horas do Ministério Público». A dificuldade estava em possuir ou poder dispor da hora para escrever o livro.
Nesta altura assume a presidência o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Orador: - Mas repare-se: agora é pior, muitíssimo pior. O agente do Ministério Público ouve as testemunhas, recolhe as provas, dirige a instrução preparatória, recebe ainda as denúncias e tem de suprir, na maioria das comarcas, a falta de polícia judiciária.
É humanamente impossível; humanamente irrealizável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quero abrir aqui um parêntese para o encher com toda a minha admiração pêlos que servem na magistratura do Ministério Público. Trabalho excessivo, agruras materiais, preocupações, responsabilidades: o sempre o mesmo zelo, sempre a mesma nobreza.
Não é difícil ser-se digno quando nos sentamos em cima da boa arca herdada ou do farto monte reluzente. Difícil é não ter a riqueza do Mundo e ter a riqueza do carácter; não possuir dinheiro e esmagar o dinheiro; ganhar menos do que o suficiente e levantar a cabeça acima dos que têm mais do que o bastante; difícil é ser pobre e ter o heroísmo de ser honrado.
Mas há um perigo a denunciar:
Despreza-se a cultura e o respeito pela inteligência. Junqueiro dizia que a Nação não é uma tenda, nem um orçamento uma Bíblia. Há agora quem discorde e se disponha a afirmar que a Pátria não é de Herculano ou de Antero, mas do comerciante Araújo e do capitalista Seixos.
O perigo é este: foge-se da magistratura. Não há delegados do Ministério Público em dezasseis comarcas do País e dez estão preenchidas com interinos. Os novos não abraçam esta carreira.
Nunca foram abundantes os mártires voluntários. Hoje pior.
Quem há aí que se sujeite a trabalhar demais e a ganhar de menos?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Discorrendo sobre a melhor maneira de se atingir uma posição eminente, certo magistrado, depois de referir a inteligência, os empenhos ou os milagres como meios eficazes, observa «que a grande maioria é bem sucedida porque começa a vida sem dinheiro nenhum».

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Não ter dinheiro ó habitual na magistratura. Podo esta classe adoptar, à vontade, a resposta do Poeta: «Confesso, realmente, que eu e tu somos diferentes: eu sou pobre, tu és rico. Atenta, porém, nisto que te digo: o que tu és qualquer pode ser».
Mas há um limite abaixo do qual se não pode principiar. Esse limite é o das necessidades essenciais.
Os magistrados do Ministério Público, designadamente os que começam, não ganham o mínimo decente.
E por isto que ninguém quer a magistratura do Ministério Público.
S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça já dominou, estou certo, a gravidade do facto.
O milicianismo invade os tribunais.
Não desconheço que a solução há-de pesar no orçamento. Mas o Governo, o Governo tem de chamar a si o problema, tem de o perfilhar carinhosamente, tom de o resolver urgentemente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mais uma observação:
Um dos principais fins da reforma é, como já ficou dito, o da separação das magistraturas e o da independência da actividade jurisdicional.
Pois o decreto-lei n.º 35:007, na hipótese de o Ministério Público não formular a acusação e de não haver reclamação subsequente por parte do denunciante, manda remeter, no artigo 28.º, os autos ao juiz, para que este, «se entender que estão verificadas as condições suficientes para a acusação, fazer constar de despacho as suas razões, subindo os autos oficiosamente ao Procurador da República, que decidirá».
A letra do artigo, diz-se, leva, sem esforço, à subordinação do juiz ao Procurador da República, mas eu não creio que tenha sido esta a ideia do legislador, aliás exposta com o maior brilho e a maior propriedade de termos em outras passagens do decreto-lei. O espírito que ditou a disposição deve ter sido este: o juiz, controlando, nesta parte, a actividade do Ministério Público, funciona, por assim dizer, como órgão mais próximo de fiscalização, e com o seu despacho não subtrai o processo à actividade daquele magistrado, prolonga-lhe a actividade, sujeitando-a à apreciação do Procurador da República. Assim, toda a decisão que vier deste desce na linha hierárquica, e não se destina ao juiz.

O Sr. Cancela de Abreu: - A mini parece-me que interrompe a actividade...

O Orador: - E uma forma do interpretar que não só me afigura justa. Em todo o caso, uma nova redacção do artigo 28.º teria a vantagem de pôr V. Ex.ª de acordo comigo.
Ainda, tocando no aspecto da função jurisdicional limpa de excrescências, não é erro desejar que se liberte o juiz de certos encargos administrativos que o prendem à tesouraria do tribunal.
Terminarei tratando de uma das maiores e mais nítidas preocupações das reformas da justiça, que é a concessão de garantias efectivas à liberdade individual.
Se não me engano, o aviso prévio do Sr. Deputado Cancela de Abreu visou, em especial, a realização jurídica contida no decreto-lei n.º 35:043, de 20 de Outubro de 1940, que instituiu o regime do habeas corpus, designadamente no que respeita à «condenação dos advogados solidariamente com os constituintes nos casos de ser manifesta a destituição de fundamentos no pedido».
Salvo todo o respeito devido ao parlamentar experimentado e brilhante, discordo das censuras que fez ao modo por que aquela condenação está regulada.
Com os meus dezasseis anos de magistrado, posso dirigir-me aos advogados e dizer-lhes como aquele juiz de Piero Calamandrei: «Hão-de encontrar-se os nossos destinos e por força da comunidade da nossa sorte podemos abraçar-nos, como irmãos».
Já tive ocasião de afirmar um dia: quando me lembro do primeiro homem que empenhou a razão na defesa da primeira causa justa sinto quanto é magnífica e nobilíssima a profissão do advogado. Penso assim, e até no labor das ideias, quando tenho de divergir, quando tenho de defender outro campo, nunca deixo de sentir o meu destino agasalhado no destino maior que junta advogados e magistrados na mesma prece de justiça.
Discordo do distintíssimo advogado Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu.
Porquê a minha discordância?
Quem garante a ordem processual ó o juiz e este não faz afronta a ninguém quando repele a afronta feita à ordem que garante.
Pode, fora da evolução legal do processo, existir a autoridade mais alta, que nem é atingida por não ser escutada, nem diminuída por não se exceder a si própria.
Ninguém está livre de obedecer aos tribunais e não será quem neles exerce a função jurisdicional, sem embargo de a ver exercida sobre si mesmo, que chame à condução dos processos uma autoridade estranha ao seu mecanismo e ao seu prestígio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por ter de garantir a dignidade do tribunal, que faz parte da ordem do processo, é que o juiz tem os poderes do artigo 412.º do Código de Processo Penal, reforçados com os do artigo 93.º do mesmo Código. E não se trata de um limite ou de uma ofensa à jurisdição da Ordem dos Advogados, nem de qualquer menosprezo pela profissão do advogado, que então também encontraria limites e ofensas no § 1.º do artigo 603.º e no artigo 605.º do Estatuto Judiciário.

O Sr. Carlos Borges: - Quando o advogado pratique um acto pessoal directo que envolva o aspecto criminal, compreende-se a intervenção do juiz. Mas o que não faz sentido é que a lei envolva o advogado com a pessoa que requer o habeas corpus, pois assim o advogado fica na situação de cúmplice.

O Orador: - Se o advogado não tiver o natural cuidado de verificar os fundamentos do pedido, utilizando a claridade da lei e a facilidade de se meter dentro dela, então é porque preferiu fundir-se com o requerente de tal forma no desprezo pelas cautelas normais que a responsabilidade solidária não o pode surpreender.

O Sr. Carlos Borges: - Tudo é de admitir.

O Orador: - Vejamos: sempre que se lançam as bases e a estrutura de um instituto jurídico não se agride ninguém ao assegurar-se a sua função normal e plena pelo robustecimento do órgão encarregado de lhe dar execução. De resto e julgo que o argumento é importante - o processo permitido pelo decreto-lei n.º 35:043, por ser urgentíssimo e incompatível com despachos inter-locutórios, começa a desenvolver-se sobre a base da confiança na boa fé do interessado e nos conhecimentos profissionais do advogado. Assim, mais se justifica a responsabilidade ligada à liberdade e esta à autoridade.
E foi para impedir o reparo de que os advogados, na melhor das intenções, podem ser iludidos pêlos seus clientes que o Prof. Dr. Alberto dos Reis, que durante anos deu a esta Câmara o poder do seu grande valor, numa entrevista concedida ao Diário de Noticias em 18

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de Novembro de 1945, fez notar que o decreto do habeas corpus só estabelece a condenação solidária do requerente e do seu defensor ano caso de reclamação ou petição manifestamente destituída de fundamento», sublinhando que os fundamentos se encontram especificados nos artigos 2.° e 7.°, § único, tão precisos, tão concretos e tão delimitados, que estão ao alcance de qualquer advogado medianamente avisado, e que não pode deixar de constituir injúria aos juizes o supor-se que façam dos casos duvidosos motivo de condenação.
Ainda seria conveniente reconhecer-se a suavidade da lei portuguesa, que não puno com prisão o advogado por ter movimentado até ao fim a jurisdição do tribunal sem qualquer das razões expressamente exigidas. É que quando isto sucede na Inglaterra - o pais do habeas corpus - o advogado é preso e julgado, por injúria ao tribunal.
E quase que ficamos sem saber onde é mais estimado o advogado, onde há mais garantias da liberdade individual e onde melhor se cuida dessa liberdade, a despeito de certos e reiterados sonhos com uma opressão fantasista e imaginária.

O Sr. Cancela de Abreu: - Permita-me V. Ex.ª uma pequena interrupção.
O caso da Inglaterra não se passa bem assim. Antes da responsabilidade do advogado, antepõe-se um documento fundamental, um afidavit, em que determinadas pessoas tomam a responsabilidade pela veracidade do fundamento do pedido do habeas corpus, de maneira que o advogado fica coberto por esta garantia.

O Orador: - Em Portugal não há necessidade desse documento, nem os advogados carecem de semelhante garantia, uma vez que por si próprios se podem colocar facilmente, como já disse, a coberto de todos os riscos, muito mais atenuados, insisto, na nossa lei do que na lei inglesa.
Ia dizendo, ou queria dizer, que temos feito mais a favor da liberdade individual do que esses que nos chamam opressores.
E porque não agarrar neste ponto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e tirar dele o partido que nos pertence?
Os que deram a Portugal a Constituição de 1911 prometeram, sob a lua cheia da liberdade, uma lei que garantisse ao cidadão o direito de não ser preso indevidamente.
Dar-se-á o habeas corpus - escreveu-se - sempre que o indivíduo sofrer ou se encontrar em iminente perigo de sofrer violência ou coacção, por ilegalidade ou abuso de poder.
Uma lei especial - afirmou-se em letra redonda - regulará a extensão desta garantia e seu processo.
Porque não promulgaram a lei ?
Porque não deram à liberdade esta expressão indiscutível?
Levanto a resposta e prego com ela nus inteligências adormecidas:
A cada instante a discórdia política requeria que os detentores da autoridade coibissem os descontentes; a cada passo os descontentes eram impelidos para as atitudes de força.
No desequilíbrio, nada do diplomas protectores da liberdade individual.
Foi por isto que a lei não foi publicada.
Mas o Governo de Salazar, limitando o poder da autoridade, confiando nas instituições judiciárias, medindo o grau de cultura e o senso social ganhos pêlos portugueses sobre os sofrimentos passados e as lições do presente, decompondo em liberdades a impalpável figura da liberdade, satisfaz religiosamente um dos princípios proclamados pela Constituição de 1933 e regulamenta o uso da providência excepcional do habeas corpus.
E é este o golpe de luz que cumpre receber do contraste esmagador.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado - Sr. Presidente e Srs. Deputados : estarão certamente V. Ex.ªs admirados da minha presença nesta tribuna, mas as leis pelas quais se regem os tribunais deste Pais não interessam, evidentemente, só aos magistrados, e sim a todo o público em geral. E é por essa razão que eu aqui estou.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Cancela de Abreu, há-de permitir que eu o felicite pelo seu brilhante discurso, que foi ouvido com a maior atenção por toda a Câmara, como aliás era de toda a justiça, atendendo às altas faculdades do inteligência que V. Ex.ª possui.
V. Ex.ª afirmou aqui que o Sr. Ministro da Justiça tinha transferido p julgamento dos crimes políticos dos tribunais especiais para os tribunais comuns, e felicitava-se V. Ex.ª por esse facto.
Ora devo dizer que divirjo em parte da opinião de V. Ex.ª sobre o assunto.
Contou-me um ilustre oficial de marinha, que foi o capitão de bandeira do navio que levou a Angola os deportados políticos depois do 7 de Fevereiro, navio este no qual cada um foi conduzido conforme a sua categoria social, que à noite os ouvira, passeando no convés da 1.a classe, conversando, fazer a seguinte afirmação: «Quando nós os mandarmos para cá, não virão na 1.a classe, mas sim no porão».
Ora isto demonstra um estado de espírito que, temos podido verificar, se não alterou e estes homens em vinte anos nada aprenderam e, o que é pior, nada modificaram da sua maneira de ser. E assim pode ser que nós sejamos, por nossa vontade, generosos e magnânimos, mas é bom que não sejamos ingénuos. Compreendo e admiro a generosidade, mas não desejo nada ser ingénuo.
Mas não foi este o assunto que me trouxe a esta tribuna; o que me trouxe aqui foi a polícia judiciária.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas foi em liberdade para aí...

Risos.

O Orador: - Certamente!

O Sr. Mário de Figueiredo: - Bem, então não foi a polícia judiciária.
Risos.

O Orador: - Têm aumentado extraordinariamente os crimes de furto, por motivo das circunstâncias especiais do momento; sempre que há estas grandes perturbações devidas à guerra, surge naturalmente o aumento da criminalidade. Estou informado de que os nossos agentes da polícia judiciária não têm tempo materialmente para fazer nada que não seja tratar de processos de presos, até mesmo porque lhes incumbe agora tratar também das fianças, coisa que não sucedia antigamente.

O Sr. José Cabral: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu talvez lhe possa fornecer um elemento de informação sobre essa matéria. Ouvi dizer não há muito tempo a um funcionário da polícia que cada agente dessa polícia tem presentemente a seu cargo à roda de quinhentos processos.

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O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua informação.

Mas eu quero afirmar a V. Ex.ª o seguinte: estou informado de que cada agente tem uma média de quinze processos de presos, processos que o ocupam durante todo o dia e que dão em resultado que, ao aparecerem outros processos - daqueles que não puderam ser presos com a mão nas algibeiras do próximo -, são metidos na gaveta.
Por esta razão, há pelo menos uma secção que tom mais de quatro mil processos parados, muitos desde Fevereiro do ano passado e de que ainda não foram ouvidos os respectivos queixosos.
Quer dizer: praticamente a acção judiciária é inexistente. É evidente que aqueles que vivem à custa do alheio e têm a esperteza suficiente para resolver o difícil problema de viver sem trabalhar conhecem que lhes foi facilitado o sen reprovável modo de vida e sabem de antemão que não correm grande perigo, respondendo, quando os ameaçam com a policia, com o à-vontade de quem muito bem sabe e conhece o nenhum valor dessa ameaça.
Eu não tenho dúvida de que as leis estão perfeitamente escritas e os seus conceitos são profundos, assim como de que as intenções do Sr. Ministro da Justiça tenham sido as melhores na reorganização da policia judiciária.
Não tenho sequer competência para discutir o assunto, mas o que digo é que ela na prática não corresponde ao espírito que a ditou. Se a lei defende os gatunos, e não quem é roubado, não me parece justa! Não se podem deixar os bens de cada um à mercê de quem os cubica sem ter sequer maneira de os resguardar.
Diminui-se consideravelmente o número dos agentes. Em 1918 havia 160 agentes, em 1931 reduziram-se para 120...

O Sr. Abranches Martins: - V. Ex.ª dá-me licença?
É preciso distinguir nas reformas o que se diz quanto a agentes. Antes da actual, até mesmo o pessoal da secretaria, que nunca entrava na investigação, tinha tal designação. Agora não é assim.

O Orador: - Esta redução fez-se com a promessa de que seria aumentado o vencimento a esses agentes, que era então de 673$. Afinal essa esperança foi absolutamente iludida, continuando com o mesmo e miserabilíssimo vencimento.
A actual reforma diminuiu ainda o quadro de agentes de 120 para 100, mas estabeleceu novos ordenados, tendo todavia dispensado ou pretendido dispensar um grande número de agentes antigos.
Nós podemos calcular, até mesmo pelos ordenados que venciam, que esses agentes não podiam dispor de grandes faculdades, mas o facto é que eles tinham um certo conhecimento pela grande prática dos meios em que trabalhavam.
A ausência repentina desses agentes trouxe, evidentemente, uma maior dificuldade de actuação, pois os agentes novos não estão industriados, não conhecem suficientemente o meio, e portanto encontram muito mais dificuldades em agir do que os outros, que realmente conheciam esse meio.
Criou-se uma situação para esses agentes que não me parece ser a mais justa. Sucede que o n.º 4.º do artigo 96.º do decreto n.º 30:042 concede como regalia aos agentes aumentar 20 por cento ao tempo de serviço para a reforma.
Simplesmente, para um certo número de agentes essa regalia foi imposta e transformou-se praticamente num castigo. Esses agentes ficaram numa rubrica ca aposentar», ficando todavia algum tempo ao serviço em condições que se me afiguram estranhas.
Isto é, esses agentes a aposentar tinham sob as suas ordens agentes de 2.a classe, que venciam mais ordenado do que eles.
Finalmente, foram reformados pelos vencimentos antigos, tendo sucedido que agentes que não ficaram nessa rubrica puderam ser reformados já depois, pela nova lei, com ordenados superiores.
Afigura-se-me que esta solução não é justa, até porque, tendo-se em 1944 realizado uma sindicância, grande parte destes agentes que agora foram reformados tinha conseguido sair dessa sindicância com a sua folha de serviços inteiramente limpa, enquanto que outros, que foram castigados por essa sindicância, obtiveram a reforma nas novas condições da lei, isto é, com maior vencimento.
Bem bastava a esses funcionários terem tido trinta e trinta e seis anos de serviço com o ordenado de 673$ por mês; não valia a pena cometer a injustiça de os reformar por essa verba, quando outros, com menos razão, foram reformados pela nova lei.
Estou convencido de que não estava no espírito do Sr. Ministro da Justiça ser menos justo para com estes funcionários, e certamente S. Ex.ª encontrará maneira de remediar o facto, dando a esses homens aquilo que seja verdadeiramente justo e merecido.
E não se diga sequer que é o grande número de agentes nessas condições que obsta, por isso, à solução justa. Trata-se afinal, e apenas, de trinta e oito funcionários: cinco chefes, vinte e três agentes de 1.a e dez de 2.a Não vale a pena por tão pouco deixar a esses homens, que serviram o melhor que souberam e puderam, no fim da sua vida, o travo amargo duma injustiça imerecida.
De qualquer maneira, Sr. Presidente, o que me chamou a esta tribuna foi o desejo de que a polícia judiciária seja posta em condições de poder actuar.
Sucede frequentes vezes a quem está na província e se vê na necessidade de requisitar um agente não encontrar meios de ver atendida a sua requisição. Suponho que não há vantagem em que estes serviços continuem por esta forma, ou porque a criminalidade tenha aumentado, ou porque os serviços sobrecarreguem os agentes com trabalho, mas, de qualquer maneira, é preciso encontrar solução que realmente defenda a sociedade de todos os criminosos.
Nesta altura reassume a Presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.

O Orador: - Todos nós sabemos que há uma gatunagem desenfreada, cuja impunidade provém da falta de número suficiente de agentes da polícia judiciária e da sua conveniente actuação.
Sr. Presidente: termino as minhas considerações absolutamente esperançado em que este estado de coisas se irá modificar, porque não tenho dúvida nenhuma de que as intenções do Sr. Ministro da Justiça são as melhores e de que o seu desejo é o de os serviços que estão a cargo do seu Ministério se desempenharem cabalmente da sua missão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - A próxima sessão será amanhã, com a mesma ordem do dia que estava dada para a sessão de hoje.

Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Herculano Amorim Ferreira.
João de Espregueira da Bocha Paris.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Nunes de Figueiredo.
Manuel Franca Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Mário de Figueiredo.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Maria Pinheiro Torres.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
João Carlos de Sá Alves.
João- Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadora Botte.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Borges.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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