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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 99
ANO DE 1947 8 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 99 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
Em 7 de MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 93, 94 e 95 do Diário das Sessões, o primeiro com rectificações.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o parecer da Câmara Corporativa relativo ao projecto de lei n.º 91 e que o mesmo a baixar às Comissões de Legislação e de Economia.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sá Carneiro fez várias considerações a propósito do projecto de lei sobre inquilinato, da sua autoria.
O Sr. Deputado Albano de Magalhães referiu-se largamente aos vencimentos do funcionalismo público, fazendo considerações sobre a aplicação do decreto-lei n.° 35:886.
O Sr. Deputado Henrique Galvão enviou para a Mesa um requerimento pedindo que, pelo Ministério das Colónias, lhe fossem fornecidos vários elementos relacionados com as despesas de colonização.
O Sr. Deputado Mendes de Matos enviou para a Mesa um projecto de lei sobre feriados nacionais e o dia de descanso semanal.
O Sr. Presidente informou que catava na Mesa e ia ser publicado no Diário das Sessões o parecer da Comissão de Contas sobre as contas da Junta do Credito Público; também anunciou que havia recebido uma comunicação do Sr. Deputado Mário Madeira, resultante do facto de ter sido nomeado governador civil de Lisboa, e que o referido documento ia ser apreciado pela Comissão de Legislação.
O Sr. Deputado Camarate de Campos prestou homenagem à memória do humanista, eborense Gabriel Pereira, a propósito da passagem do centenário do seu nascimento.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do problema das lãs, tendo usado da palavra, os Srs. Deputados Mira Galeão. França Vigon, que apresentou uma moção, e Melo Machado.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
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João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Pária.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarata de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanchea.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Gosta Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 93, 94 e 95 do Diário das Sessões.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: nas considerações que fiz no dia 28 de Fevereiro e que se encontrara no Diário das Sessões de 28 de Fevereiro há algumas passagens que estão redigidas de uma maneira que alteram o meu pensamento. Por isso, peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor do mandar inserir as seguintes rectificações:
A p. 671, onde só diz: «não tenham sido tomadas providências contra este estado de coisas, a ponto de o porto de Lisboa não receber a visita de navios estrangeiros», devo ler-se: «não tenham sido tomadas providências contra este estado de coisas, a ponto de o porto de Lisboa estar em riscos de não receber a visita de navios estrangeiros».
Mais adiante, onde se diz: «parece-se com o caso da casa do carvoeiro», deve ler se: «parece-se com o comércio do carvoeiro».
Finalmente, onde se diz: «É certo que os armazéns não se improvisam e noutras partes também se cometem roubos», leia-se: «É corto que os armazéns não se improvisam e noutros portos também se cometem roubos».
O Sr. Presidente: - Considero aprovados os Diários, com as alterações apresentadas.
Encontra-se na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei n.º 91, relativo à remição de censos, quinhões e direitos compáscuos.
Vai baixar à Comissão de Legislação e a Comissão de Economia.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
União Grémios Lojistas Porto representação maioria comércio retalhista esta cidade no momento em que vai discutir-se melindrosíssimo assunto lei inquilinato permite-se recordar especial situação comerciantes esperando do alto critério ilustres Deputados que constituem essa Assembleia Nacional que a mesma situação seja devidamente salvaguardada e defendida fazendo-se justiça sem deixar campo aberto que permita prepotências e abusos. - Domingos Ferreira, vice-presidente.
Representações
«Ex.mo Sr. Presidente da Assembleia Nacional - Lisboa. - A União dos Grémios dos Industriais e Ex-portadores de Produtos Resinosos vem representar junto de V. Ex.ª o seguinte:
Foi publicado no Diário do Governo n.º 50, 1.ª série, de 4 do corrente, o decreto-lei n.º 36:172, que altera as taxas dos artigos 14 e 50 da pauta de exportação, referentes a aguarrás e pez louro (colofónia), respectivamente para 15$ e 6$ (ouro) por tonelada.
Esta alteração corresponde a um agravamento nos direitos a pagar à alfândega de, pelo menos, 245$ por tonelada de aguarrás e 98$ por tonelada de pez louro.
Ora, sucede que estão em execução dois contratos colectivos, assinados em 18 de Setembro de 1946, entre esta União e a Board of Trade (Ministério do Comércio Britânico), que abrangerão 3:000 toneladas de aguarrás e toda a produção de pez louro da campanha de 1946 e que foram devidamente aprovados pela Junta Nacional dos Resinosos, organismo de coordenação económica.
Esses contratos (de que se juntam cópias) foram efectuados aos preços de 7.500)? por 1:000 quilogramas de peso líquido de aguarrás e 3.900$ a 4.950$ (conforme o grau ou cor) por 1:000 quilogramas de peso líquido de pez (colofónia), em ambos os casos por mercadoria entregue F. O. B. (franco a bordo) Lisboa, Porto ou Leixões, incluindo direitos de exportação, taxas e outras despesas alfandegárias e para entrega ou embarque a começar em Outubro de 1946 até Maio de 1947.
Surgindo agora o agravamento de direitos de exportação criado pelo decreto-lei n.º 36:172, de 4 do corrente, não se afigura a esta União que seja justo que se agravem direitos respeitantes a mercadoria ainda a exportar e respeitante aos referidos contratos colectivos, visto que, na ocasião em que foram fixados os preços de venda se tomaram em consideração, não só o preço de custo da mercadoria, como ainda os respectivos encargos até F. O. B. (franco a bordo).
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Foi este, de resto, o espirito que informou a publicação, entre outros, do decreto-lei n.° 29:723, de 27 de Junho de 1939.
Nestas condições, vimos chamar a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia Nacional para os inconvenientes resultantes da ratificação do decreto-lei n.° 36:172 nos termos em que foi publicado, afigurando-se justo que do agravamento de direitos por ele criado sejam exceptuadas as mercadorias vendidas pelos referidos contratos colectivos c ainda a embarcar.
A bem da Nação.
Lisboa, 6 de Março de 1047. - O Presidente da Direcção, José de Sousa Machado Fontes.
Esta representação vem acompanhada das cópias de dois contratos colectivos realizados entre a União dos Grémios dos Industriais e Exportadores de Produtos Resinosos e o British Board of Trade, em data de 18 de Setembro de 1946.
O Sr. Sá Carneiro: - Peço a palavra para solicitar um esclarecimento de V. Ex.ª
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.
O Sr. Sá Carneiro: - Sr. Presidente: desejava interrogar a Mesa sobre a possível marcha dos trabalhos da Assembleia e especialmente acerca das probabilidades que existam de ser apreciado ainda neste período o projecto de lei que apresentei sobre inquilinato.
O Sr. Presidente: - Sabe a Câmara que foi reconhecida a urgência para a proposta de lei sobre imposto sucessório e castas nos inventários orfanológicos e para a proposta de lei em que se converteu o decreto-lei do protecção ao cinema nacional. Estes assuntos têm pois preferencia regimental sobre quaisquer outros projectos ou propostas. Mas, além disso, tem a Câmara de apreciar o relatório da comissão especial de inquérito aos organismos corporativos, constituída na sessão legislativa anterior, e cuja importância e urgência na discussão são evidentes. Há ainda as Contas Gerais do Estado o da Junta do Crédito Público, que constitucionalmente deverão sor apreciadas nesta sessão legislativa.
Em face deste enunciado de trabalhos, que preferem a quaisquer outros, e dada a complexidade do problema que é objecto do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro, do extenso e proficiente parecer da Câmara Corporativa, do tempo e cuidado que o delicado o grave assunto do inquilinato exige das comissões da Assembleia, julgo inteiramente improvável que ele possa ser incluído nos trabalhos da Câmara dentro dos quinze dias que faltam para o termo da sessão legislativa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sinto que seja pouco provável que a discussão se faça até ao encerramento deste período, por me parecer inconveniente que um assunto tão urgente como este aguarde nove longos meses a sua discussão.
Nunca pretendi que a discussão do meu projecto fosse feita sem exame reflectido.
Pelo contrário, quando o apresentei, logo disse que não requeria a urgência precisamente para não recair sobre esse projecto uma decisão precipitada, e não me arrependo de ter procedido assim porque, se a Assembleia tivesse marcado um prazo de dez ou quinze dias para elaboração do parecer da Câmara Corporativa, ele nunca poderia ter sido o notabilíssimo documento já publicado.
Compreendo que, estando nós a quinze dias do encerramento dos trabalhos e havendo esses assuntos urgentes para resolver, a Assembleia, ainda que trabalhasse de manhã e de tarde, não poderia ocupar-se desse assunto com a minúcia que ele requere. Mas, já que não há grande esperança de o projecto ser apreciado em breve, julgo-me obrigado a fazer desde já algumas considerações acerca dele.
Talvez por fatalismo da nossa gente, supôs-se que o projecto constituía já uma decisão definitiva.
Quando apresentei o meu projecto tive logo o cuidado de dizer que não reputava infalíveis as soluções que propunha, considerando-as meras sugestões para a solução de alguns casos prementes.
Entendi, e entendo, apesar de tudo o que se tem dito o escrito a este respeito, que é indispensável rever o problema do inquilinato, porque a questão não se resume só no aumento de rendas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penso que o senhorio deve receber, se isso for possível, e que o inquilino deve pagar quando possa pagar. Não estabeleci a obrigatoriedade absoluta da renda dada pelo rendimento colectável porque há arrendatários - e entre eles servidores do Estado - que estão impossibilitados de satisfazer qualquer aumento de renda.
O que ou propus era absolutamente humano: paga quem está em condições de pagar e o senhorio recebe se o arrendatário ou o fundo estiverem em condições do pagar o aumento.
Sei que este ponto tem um aspecto antipático, porque representa uma devassa à vida de cada um, mas, desde que o arrendatário diz não poder pagar, é necessário fazer a verificação.
Por outro lado, o senhorio recebia o que pudesse e, em caso de insuficiência do fundo, o Estado poderia supri-la, cobrindo o seu déficit. Era uma forma de assistência.
A Câmara Corporativa propôs outra solução, que consiste num aumento de rendas de 20 por cento a partir de l de Julho de 1947, chegando-se, por escalões, até à meta do rendimento colectável.
Tomo a responsabilidade plena e absoluta da minha iniciativa, daquilo que propus. Confesso a V. Ex.ª que as adesões que tenho recebido me compensam de alguns insultos e doestos que também mal intencionados me têm dirigido.
O Sr. Cancela de Abreu: - São ossos do ofício...
O Orador: - Mas com o que não posso arcar ó com as honras daquilo que não propus, pois tem havido uma confusão lamentável: tem-se tomado como meu aquilo que é da Câmara Corporativa. Se eu adoptar esse texto, então será meu também, mas, enquanto o não fizer, o texto referido é apenas da Câmara Corporativa.
Vai-se até ao ponto de, em virtude de o relator do parecer, o ilustre Prof. Dr. Fernando Pires de Lima, ser actualmente membro do Governo, se supor que o novo texto será votado de chapa.
Ora todos os Deputados sabem que nós aprovamos aquilo que entendemos dever aprovar e não é o facto de o autor do parecer ser presentemente membro do Governo que pode exercer qualquer influência nas nossas deliberações.
A questão não é só a de aumento de rendas. É bem mais complexa.
No meu projecto procurei resolver outros casos em que os tribunais, colocados na alternativa de violarem
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a lei ou de praticarem uma injustiça, têm adoptado aquele critério.
O projecto contém muitos outros preceitos favoráveis aos arrendatários, tais como o princípio da validade do contrato meramente consensual, a desnecessidade de os comproprietários de prédios indivisos darem o seu consentimento para o arrendamento no próprio título, o efeito renunciativo do recebimento de rendas pelo proprietário que poderia pedir o despejo com base na caducidade do contrato, a preferência dos ocupantes no novo arrendamento, o direito de preferência concedido aos arrendatários na compra do prédio, o depósito condicional do triplo das rendas em cuja falta de pagamento se baseia a acção e, de um modo genérico, a simplificação do depósito de renda e o entendimento dos preceitos actuais segundo a jurisprudência mais favorável aos inquilinos.
Depois da publicação do parecer da Câmara Corporativa manifestou-se um alarme extraordinário entre os arrendatários, que constituem o maior número dos habitantes de Portugal.
O parecer da Câmara Corporativa fornece elementos valiosíssimos para a discussão do meu projecto; todavia, repito, nem este nem o texto sugerido pela mesma Câmara têm foros de lei, e porventura jamais os terão, pois a Assembleia pode votar coisa muito diferente.
Bem quereria que o assunto se discutisse ainda neste período legislativo, atenta a urgência, já reconhecida nesta Assembleia, da solução de alguns problemas de inquilinato que o meu projecto visa resolver.
Se o Governo não convocar extraordinariamente a Assembleia para a discussão da matéria, ou se, no interregno do funcionamento da Assembleia não publicar diploma que regule os casos que tratei e muitos outros que se têm discutido na jurisprudência, reformando até o contrato de locação, por forma a reunir num só diploma todos os estravagantes que ora nos regem, só para Dezembro ou Janeiro próximos o projecto será discutido.
Entretanto, o mesmo projecto e o texto sugerido pela Câmara Corporativa serão estudados por entidades que muito podem contribuir para o aperfeiçoamento do um e de outro.
Já no instituto da conferência da Ordem dos Advogados foi prometido esse estudo; grandes diários declararam já querer fazê-lo; e é natural que na imprensa da especialidade se analisem também as soluções propostas.
Tal somatório de trabalhos pode facilitar muito a votação que esta Assembleia venha a fazer.
Como responsável por ter provocado a discussão efectiva de alguns problemas de inquilinato -responsabilidade que assumo plenamente e de que não me arrependo - quis repetir aqui que são infundados todos os receios manifestados nos últimos dias. Os interessados podem dormir tranquilos, porque nada fará a Assembleia de momento e, quando tiver de deliberar, há-de proceder por forma a conciliar todos os interesses legítimos e com espírito de perfeita justiça.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: já vai longe o tempo em que o trabalho do homem era posto em preço como qualquer mercadoria. Procurava-se satisfazer as exigências e os caprichos do capital e punha-se de parte, como coisa de somenos importância, aquele mínimo de necessidades que existe em todo o homem para poder viver.
E porque o trabalho assim era considerado, todo o ser humano que, por incapacidade física, não pudesse continuar a prestar o seu concurso nas realizações de que podia até ter sido a alma, era lançado à rua como coisa de sobejo, ficando na trágica necessidade de estender a mão à caridade para poder suportar os últimos dias da sua vida. O tempo foi criando nos homens o reconhecimento de um outro sentido da justiça. Todo o homem tem direito a viver. A vida conquista-se pelo trabalho. E todo aquele que trabalha ganha esse direito à vida para além do tempo em que pode exercer com eficiência a sua actividade.
Não se deve, pois, considerar como simples subsídio de favor as importâncias a que têm direito todos os funcionários, oficiais do exército ou quaisquer trabalhadores que, mercê de incapacidade física comprovada ou reconhecida pela lei, sejam dispensados ou até coagidos a não continuarem a prestar a sua colaboração nos serviços que lhes estavam confiados. Essas importâncias pertencem-lhes por direito próprio, conquistado pelo esforço despendido, não só em, função do tempo em que esse esforço é aproveitado, mas ainda em função do tempo que a pessoa que o despende tem para viver.
Estes princípios servem para justificar as palavras que vou proferir para focar uma disposição legal que me parece injusta.
Entendeu o Governo, em face da carestia do custo da vida, que esta Assembleia por várias vezes pôs em evidência e para a qual chamou instantemente a sua. atenção, que devia e podia aumentar os vencimentos do funcionalismo, que ainda estão bem longe de ser os suficientes para ocorrer às despesas consideradas como o mínimo necessário.
Para isso publicou o decreto-lei n.° 35:886, de l de Outubro passado, pelo qual se estabelece que esse aumento terá a forma de suplemento e de subsídio.
Anteriormente já o Governo tinha concedido um subsídio aos funcionários em exercício efectivo, que foi tornado extensivo aos assentados depois de esta Assembleia se manifestar neste sentido.
O artigo 5.º do referido decreto-lei n.° 35:886 também concede estes suplementas e subsídios aos funcionários aposentados.
Esta disposição está de harmonia com os princípios de justiça social do Estado Novo, está conforme com a sugestão apresentada por esta Assembleia Nacional e ainda está conforme com o artigo 37.° do decreto n.° 16:669, de 27 de Março de 929, que dispõe:
Sempre que tenha lugar qualquer alteração nos vencimentos, compreendidos no artigo 11.°, de subscritores na actividade, as pensões de aposentação acompanhá-la-ão proporcionalmente, de forma a que os aposentados estejam sempre em correspondência de vencimentos com os funcionários do activo do seu respectivo quadro e categoria.
Verifica-se assim que o princípio da uniformidade de pagamento pela categoria dos funcionários, quer estejam na efectividade, quer estejam aposentados, está na doutrina do Estado Novo, no espírito e vontade já manifestados pela Assembleia Nacional, e está ainda expresso na própria lei fundamental que regula as aposentações. Parece-nos, portanto, indiscutível.
Não se compreende, pois, que o referido decreto-lei n.° 35:886 disponha no artigo 8.° que os servidores do Estado na situação de aposentados, reformados e na situação de reserva que sejam colectados em imposto complementar não terão direito ao abono de suplemento nem de subsídio eventual.
Fortes razões deve ter havido para, contrariando os princípios, o espírito desta Assembleia e a própria lei fundamental das aposentações se determinar um cri-
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tério diferente de pagamento do suplemento e subsídio eventual aos servidores do Estado que, com iguais rendimentos, estão ou não em exercício efectivo.
Porventura estes servidores na situação de aposentados, reformados e na situação de reserva não terão direito aos benefícios que a justiça manda atribuir aos que consagraram a sua vida ao serviço do bem comum?
A sua incapacidade, provocada pela idade ou até resultante do sacrifício glorioso de ferimentos em combate ao serviço da Pátria, furta-lhes o direito de receberem, soldo igual àqueles que, tendo a mesma categoria e funções, podem ainda também ter a felicidade de trabalhar?
Parece uma injustiça, clamorosa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O imposto complementar por todos foi aceite como necessário e justo. Incide gradualmente sobre os rendimentos de cada um. Distinguir a origem destes rendimentos, para não conceder a certas pessoas o próprio direito de receber o produto de uma vida pessoal de canseiras, é estabelecer uma desigualdade no reconhecimento do valor do trabalho e do capital e até no direito que cada um tem de receber o que é particularmente seu. Mais ainda, é contribuir para afastar do serviço do Estado as pessoas dotadas de melhores qualidades e que tão mal vêem correspondida a sua actividade, o seu trabalho, a sua dedicação ao bem comum.
As anomalias resultantes da aplicação do disposto no artigo 8.º e que tenho visto referir, com manifesta procedência de razões, filiam-se na incoerência do princípio da desigualdade do tratamento que é dado ao servidor do Estado.
Serve! É preciso traia-lo bem, mesmo que sirva mal. Dar-se-lhe tudo, sem indagar saber o montante do rendimento dos seus bens.
Serviu! A sua actividade já não interessa, por mais útil que tivesse sido para a Nação, desde que o montante dos seus rendimentos próprios, de sua mulher ou de seus filhos menores o tornem contribuinte de imposto complementar.
Se tem a felicidade de poder trabalhar, os rendimentos próprios não contam, mas se tem a infelicidade de sentir diminuídas as suas faculdades de trabalho, por efeito da idade, doença, ou qualquer outro motivo justificado, os mesmos rendimentos já contam.
Podia citar anomalias impressionantes consequentes da aplicação da lei.
Podia referir a injustiça feita a funcionários e oficiais do exército, que, de harmonia com o disposto no artigo 8.º, deixando de receber a importância correspondente ao suplemento e subsídio eventual, ficam desfalcados em montante igual àquele em que são oneradas em imposto complementar as pessoas que possuam bens de valor superior a 10:000 contos.
Podia referir a injustiça criada entre os próprios servidores do Estado, aposentados, reformados e na situação de reserva, que, apesar de receberem rendimentos avultados provenientes de .acções ao portador ou outros passíveis de imposto suplementar, continuam a ter direito ao suplemento e subsídio eventual.
Podia referir a situação de oficiais do exército de patente inferior a, receberem maior soldo que oficiais de patente superior. Mas muito mais que as anomalias sem conta resultantes da aplicação da lei me impressionou a inconformidade do princípio estabelecido no artigo 8.º com a doutrina exposta, que esta Assembleia, Nacional já defendeu quando se manifestou pela extensão do subsídio de 15 por cento aos aposentados, e com a própria lei fundamental que regula as aposentações.
O Sr. Ministro das Finanças, por despacho interpretativo, atenuou os efeitos do disposto no artigo 8.°, limitando a extensão do mal a certos funcionários.
Mas o mal deve ser atacado pela raiz.
Quanto mais depressa se reparam injustiças mais justo se é.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sei que nesta Assembleia a minha voz tem um valor isolado, mas quero crer que não atraiçoo o sentimento de nenhum Sr. Deputado pedindo ao Governo que revogue a disposição do artigo 8.° do decreto-lei n.º 35:886, para que os servidores do Estado na efectividade possam confiar na permanência da justiça que lhes é feita pelo esforço que despendem, pela dedicação que mostram, pelo sacrifício que suportam e os servidores do Estado na posição de aposentados, reformados e na reserva possam verificar que a honra de bem servir tem o justo galardão do reconhecimento do mérito do trabalho, do seu valor, da conquista de um património que não deve ser desfalcado nem expropriado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Camarate de Campos: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: em 7 de Março de 1847, faz, portanto, precisamente hoje uma centena de anos, nasceu na cidade de Évora, que ele amava carinhosa e enternecidamente, Gabriel Pereira, grande bibliógrafo, notável arqueólogo e artista de fino espírito.
Não obstante Gabriel Pereira viver desde sempre no mundo dos livros, nunca se teve como homem de letras ou como artista, pois a sua modéstia era grande.
Herdou-a de seu pai, que ora um excelente professor de latim e que nunca se teve como professor.
O eminente humanista deixou ura notável trabalho, como ontem foi frisado e acentuado, e muito bem, em sessão plenária da Academia das Ciências de Lisboa, pelo ilustre Presidente da mesma Academia, Sr. Dr. Júlio Dantas.
Efectivamente Gabriel Pereira deixou trabalhos notáveis: Estudos Eborenses, 37 fascículos, quase todos esgotados, o um livro, Documentos Históricos da Cidade de Évora, que bem demonstram a sua cultura.
Deixou também um livrinho, O Lindo Sitio de Carnide, onde brilha o seu alto e fino espírito de literato.
No dia em que passa o centenário do seu nascimento, cumpre-me, como Deputado pelo círculo de Évora, onde Gabriel Pereira nasceu, curvar-me perante a sua memória e prestar-lhe homenagem, bem sincera e bem sentida, e agradecer-lhe, o mais e mais grato, a obra que deixou sobre a linda cidade.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: não admitimos que nos mutilem, que nos levem uma só boca das que sabem dizer e sentir o nome de Portugal, um só braço dos que sabem revolver e fecundar a terra da Pátria.
Este é o nosso conceito de solo e de raça, mas o que vale para o todo não é o mesmo que vale pára algumas parcelas na permuta dos seus valores pelo entendimento do fim a que se destinam. Foge-se ao espírito da soma.
Falo dos Açores na unidade imperial e na unidade do si mesmos e não me preocupo agora com o seu caso administrativo. Pego nas suas possibilidades económicas, tiro de cada ilha o seu volume de produção, revejo os
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nove pousos amarrados uns aos outros polo mar - o mar, que é o natural e tradicional caminho dos portugueses -, e não me venham dizer que os do Corvo passam fome quando em 8. Miguel há fartura, que na Terceira se vive bem quando nas Flores ou no Pico «estão os moradores clamando pelas ruas com os sacos vazios sobre as costas, sem haver quem lhes venda hum alqueire de pão», como se diz na carta régia de 1776 dirigida a D. Antão de Almada, governador e capitão-general das ilhas dos Açores.
É verdade que funciona hoje no arquipélago uma Comissão Reguladora, criada pelo decreto-lei n.° 27:286. Aí se diz que a Comissão «adquire, conserva e distribui pelas fábricas de moagem do arquipélago os trigos necessários ao consumo». Mas não é só isto o que está no decreto-lei.
Por vezes quando legislamos desconfiamos: desconfiamos dos institutos a que damos vida; desconfiamos das pessoas a quem entregamos a vida dos institutos. Daí o dividirmos a responsabilidade e fragmentarmos a finalidade.
À Comissão Reguladora compete - determina-se também no decreto-lei - autorizar a exportação de trigos de uns para outros distritos do arquipélago, ouvidos os governadores civis e as delegações da Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas.
Quer dizer: em S. Miguel há milho a mais; no Faial há de menos. A Comissão Reguladora, depois de dar balanço às existências, pretende embarcar milho da ilha farta com destino à ilha necessitada. Mas o governador do distrito autónomo de Ponta Delgada, temendo, segundo os seus vaticínios, que lhe falte, no futuro, o cereal para o consumo do seu distrito, sobrepõe-se e não deixa sair o milho. O Faial continua à míngua e a Comissão Reguladora contenta-se com o desabafo de ter regulado em teoria ...
Nem sequer me sorrio. O assunto, pela sua gravidade, não comporta o ar estudado das superioridades confinadas nos horizontes estreitos; muito menos o abrir de boca irónico de certos retóricos empavesados na galera dos seus mitos.
Quando se tropeça, então, com o impedimento fiscal sentimos na carne as pontas do arame farpado disposto em linhas cerradas pêlos portos e calhaus, pelas praias e encostas, e até onde se começa a tomar pé, até aí chega a barreira que nos sangra e corta o abraço de irmãos para com irmãos.
Já tudo nos chega aos Açores muitíssimo caro. Quase que se não pode reparar o mais modesto edifício, erguer o mais simples muro. Um saco de cimento, que em Lisboa se vende ao público por 30$, nos Açores custa o dobro.
Há que tocar em exemplos:
Oito pequenos caixotes com louça de alumínio, da cidade do Porto para a de Ponta Delgada, pagaram:
Direitos à alfândega............... 32$00
Impressos e selos ................. 14$50
Verbete estatístico................ 15$00
Conferência no porto de embarque... 18$00
Emolumentos à verificação ......... 38$00
Administração dos portos .......... 4$00
Carregação ..................... 9$60
Câmara dos Despachantes (decreto n.° 34:514)........................ 2$50
Agência ........................... 80$00
Barcagem ......................... 80$00
Frete ao vapor até Ponta Delgada... 646$90
Despacho em Ponta Delgada ......... 20$00
Carreto .......................... 20$00
Seguro .......................... 181$90
__________1.348$40
O valor da mercadoria, na origem não excedeu 8.715$. Tudo quanto ela foi pagando pelo caminho monta a 1.348$40.
E o lucro legítimo do revendedor?
Isto do continente para os Açores!
E, dentro do arquipélago, de ilha pura ilha ?
No dia 20 de Setembro do último uno foram despachadas em Santa Cruz da Graciosa e embarcadas no iate Maria Eugenia, com destino a Angra do Heroísmo, 40 toneladas de trigo, para serem laboradas na Moagem Terceirense, Limitada, que tem, no respectivo distrito, o exclusivo da produção de farinhas espoadas.
Essas 40 toneladas de trigo à saída da, Graciosa pagaram:
Direitos e mais imposições cobrados no
bilhete de despacho ........................ 1.861$00
Guias de emolumentos pessoais .............. 130$00
Guarda fiscal............................... 24$00
Câmara dos Despachantes .................. 2$50
Impressos e selos .......................... 4$00
Agência .................................... 127$50
__________
2.149$00
Ao todo 2.149$ à saída da ilha Graciosa.
A entrada na ilha Terceira mais 2.1490- ou seja 4.298$.
Mas nesta via dolorosa o trigo tirou bilhete do ida e volta.
Já a Moagem Terceirense farinou as 40 toneladas: mais 2.149$ à saída de Angra do Heroísmo; mais 2.149$ à entrada na Graciosa.
Se não fosse a impiedade do confronto, dava vontade do perguntar se o mártir S. Sebastião foi alvo de mais setas do que este pobre trigo antes de se tornar o pão nosso de cada dia.
8.596$ só para o despacho de 40 toneladas entre duas ilhas do mesmo arquipélago, entre dois concelhos do mesmo distrito, só porque o mar, o mar que faz parte do nosso Império, cavou, por mera imposição legal, um fosso de ilha para ilha, tão custoso de atravessar, pelas taxas que se pagam, que mais parece ter-se convertido a doce vida insular em penosa convivência de homens que se adivinham por detrás de muralhas.
Mais um exemplo:
Certo organismo corporativo com sede em Ponta Delgada teve necessidade de remeter para as suas delegações algumas máquinas de escrever, todas iguais.
Em Ponta Delgada cada máquina dessas pagou à alfândega, de despacho, 47060; na Horta, 59$60; nas Velas (ilha de S. Jorge), 404$; em Angra do Heroísmo, 560$ (sob a rubrica «Diversos» 80$; de imposto municipal, 320$; para a Junta Autónoma dos Portos, 160$).
Sr. Presidente: quem for daqui para os Açores e não quiser verificar só os devotos de cada freguesia têm sempre mais confiança no sino do seu campanário, o mesmo quem é açoriano e tiver por costume meter a sua ideia bairrista na visão do arquipélago confinada dentro dos limites mais vastos da Pátria, há-de necessariamente pensar como Hipólito Raposo quando descobriu ilhas descobertas:
Consideradas no seu conjunto, as novo ilhas constituem uma bem provida unidade económica, com auto-suficiência agrícola, sendo-lhe ainda favorável a balança da exportação do riquezas da terra e do mar para aquisição de produtos da indústria...
...já não se compreende que numas ilhas, até do mesmo distrito, abundem produtos de que nos outros há míngua, enredando-se a vida económica em complicações e conflitos de interesses que não podem sempre classificar-se de claros e legítimos.
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Tenho por ociosa a afirmativa do que o mandato quo recebemos importa o dever de apontar urros, vícios o lacunas. Isso deseja a Nação; isso fazemos nós.
Como se há-de progredir nos Açores com tantas o tão estranhas lanças apontadas aos peitos do produtor o do consumidor?
Ninguém ali podo contar com a livro troca de produtos, com o lógico intercâmbio entre vizinhos do ao pé da porta.
Há quo proteger o trabalho açoriano, desimpedindo o caminho à natural e recíproca expansão dos seus esforços.
Há quo libertar a economia açoriana dos pesos que a sufocam.
Há que rever ali a política dos impostos municipais e dos direitos ad valorem, graduando-a e uniformizando-a o melhor possível.
Para que uma mercadoria entre nas ilhas e circulo em todas não deve precisar do solo das alfândegas do arquipélago. Basta que entre numa para ter entrado na alfândega dos Açores.
De ilha para ilha, abolição de todos os encargos, unidade para a auto-suficiência.
Temos de acabar com anacronismos e formalidades ilógicas.
Ainda há poucos meses embarquei em Lisboa num navio quo seguia directo pura o Porto. No outro dia fundeávamos no Douro. Admirei-me quando vi içado o conhecido sinal da visita de saúde e cruzámos os braços na amurada, com a terra à vista, à espera do módico. A mesma hora, quem queria entrava no Porto, indo de Lisboa, indo de todo o Portugal, sem reparo da medicina o das leis de saúde.
Certo dia, também, no desempenho de um serviço público, estando na ilha do S. Jorge, tive de atravessar o canal em direcção à ilha do Pico, esse canal onde os baleeiros afoitos tantas vezos se medem com a morto, desafiando-a com altivez, desprezando-a com naturalidade.
Utilizei uma pequena lancha baleeira. Pois quando apareci no cais das Velas para embarcar andava ainda a tripulação atarefada nos trabalhos do despacho. Esperei duas horas. A medida que o tempo ia crescendo também a embarcação ia aumentando de tonelagem. E ao largar, por entre os votos de boa viagem de amigos e conhecidos, quase me senti dentro de um navio de alto bordo, desses que desamarram e amarram com majestade.
Não nego que isto possa ter a curiosa vantagem do tornar teoricamente grandes as coisas realmente pequenas, mas o bom-senso é quo não está para estes orgulhos da fantasia.
No fundo, a hostilidade para com o mar, Sr. Presidente - o mar, a quem devemos metade ou mais de metade da nossa história.
Recordo os versos de Fernando Pessoa:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Mas o poeta refere o ciclo heróico temperado com a fé dos mártires e dos santos.
Onde estão os rumos novos?
Onde está esse mundo pequeno?
O mar é português. Cantámos, rezámos e chorámos ao ganhá-lo. No rugido de cada vaga turnos um grito de vitória; no volume de cada onda temos o anseio de uma prece; no desfazer de cada espuma temos o soluço de uma dor.
O mar traz consigo os sinais da nossa conquista. Agora lidamos com elo familiarmente, habitualmente. Para quê então fazer do mar algoz de populações fechadas nas ilhas, como se fora em estados distintos, com dúvidas nas fronteiras?
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Henrique Galvão: -Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério das Colónias, me seja fornecida nota discriminada das despesas liquidadas nos anos do 1945 e 1946 e meses de Janeiro o Fevereiro de 1947 pelas dotações orçamentais dos anos referidos destinadas a «Despesas de colonização», nos termos do decreto-lei n.° 34:464, artigo 18.°-A do capítulo 2.° do orçamento do Ministério das Colónias para 1940 e artigo 19.° do capítulo 2.° do mesmo orçamento para 1946.
A que uns imediatos se destinaram as importâncias despendidas».
O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa um projecto de lei o solicito a V. Ex.ª que lhe dê o devido destino.
( Vai publicado no final deste Diário).
O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que está na Mesa e vai ser publicado no Diário das Sessões o parecer da Comissão de Contas sobre as contas da Junta do Crédito Público.
Acaba de chegar à Mesa uma comunicação do Sr. Deputado Mário Madeira resultante do facto de ter sido nomeado governador civil do Lisboa.
Vai ser lida à Câmara.
Foi lida. É a seguinte:
«Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Devendo iniciar no próximo dia 10 o exercício das funções de governador civil de Lisboa, durante o qual me verei impedido de participar nos trabalhos dessa Assembleia, peço a V. Ex.ª se digne aceitar e fazer transmitir a todos os Srs. Deputados os meus mais respeitosos e agradecidos cumprimentos pelas atenções que sempre me foram dispensadas.
É com profunda mágoa que me verei privado do tão honroso convívio de V. Ex.ªs, e, tendo dúvidas sobre as exactas consequências da aceitação do cargo, que é de confiança e duração indeterminada, solicito de V. Ex.ª se digne consultar a Assembleia sobre se a minha nova situação implica necessariamente a renúncia do mandato.
Queira V. Ex.ª aceitar os protestos da minha muita admiração e consideração mais respeitosa».
O Sr. Presidente:-Neste momento, e ao dar conhecimento oficial à Assembleia do documento que acaba do ser lido, apenas quero, em nome da mesma Assembleia, exprimir ao Sr. Deputado Mário Madeira as felicitações polo honroso cargo para que foi escolhido o assegurar-lho que o acompanharão os nossos votos polo êxito da sua missão.
Vozes: - Muito bem !
O Sr. Presidente: - A sua situação vai sor apreciada pela Comissão do Legislação o depois resolvida soberanamente pela Assembleia.
O Sr. Mário Madeira: -Sr. Presidente: desejo agradecer a V. Ex.ª as palavras que acaba de pronunciar e mais uma vez, todas as atenções recebidas do V. Ex.ª e de todos os Srs. Deputados.
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O Sr. Presidente: -Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego, sobre o problema das lãs.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mira Galvão.
O Sr. Mira Galvão:-Sr. Presidente: o problema das lãs é da mais alta importância para a agricultura do País, não só para aqueles proprietários ou empresas agrícolas do Sul, que possuem 2:000 ou 3:000 ovelhas, mas até para os pequenos agricultores ido Norte, que apenas têm 3 ou 4 cabeças, como lia pouco me disse o ilustre Deputado Dr. Antunes Guimarães.
Segundo os próprios industriais de lanifícios afirmam na sua exposição enviada à Assembleia Nacional, a Já produzida aio País encontra-se dividida por ,264:000 proprietários de ovinos, mas certamente não figuram neste número os pequenos produtores, que só têm poucas cabeças e não concorrem directamente ao mercado como vendedores de lá ou não manifestam a sua diminuta produção.
É que a espécie ovina é a que melhor se integra ma economia agrícola, quer como diligente aproveitadora das ervas e pastagens, a primeira vista insignificantes, quer pelo alto valor industrial de alguns dos seus produtos, quer pelo valor energético de outros. Com efeito, todos os produtos dos ovinos - a carne, a pele, a lã, o leito, as crias e até os estrumes - têm uma grande importância no complexo agropecuário das lavouras e um alto valor na economia do País.
Se a cria e o leite são os produtos de maior valor da ovelha criadeira, a lã é, incontestavelmente, o melhor rendimento do armentio ovino do País, computada pelo Dr. Mário de Morais em 7.000:000 de quilogramas, os quais, só ao preço de 1940 (10$ o quilograma), perfaz a importância de 70:000 contos, números redondos, ou cerca de 93:000 contos aos preços actuais.
Basta isto para se ver a importância da matéria em discussão, quer como produção nacional, que merece ser amparada e protegida, quer como produto a transformar e valorizar pela indústria de fiação e tecelagem.
Por isso, este problema do comércio das lãs, pelo seu encadeamento com a produção e a indústria, é de uma grande complexidade e de alta importância nacional.
Pouco conheço deste assunto no que se refere propriamente à parte industrial, mus alguma coisa conheço das lãs, quer sob o ponto de vista da sua produção, quer sob o ponto de vista tecnológico.
Sobre o complexo produção, comércio e indústria, já o assunto foi larga e proficientemente tratado pêlos oradores que me precederam, e por isso eu apenas direi algumas palavras sobre este problema tal como ele é encarado pelo produtor, para dar satisfação aos pedidos feitos por telegramas recebidos de alguns grémios da lavoura do Baixo Alentejo e da Casa do Alentejo.
À lavoura que possui gado lanar interessa principalmente :
1.° Que lhe comprem as lãs do período que vai das tosquias (Abril) até às ceifas (Junho), para conseguir numerário que lhe permita fazer face a estas grandes despesas;
2.º Que o preço da lã seja remunerador, estabelecendo-se um mínimo pelo qual os industriais seriam obrigados a receber as lãs que não fossem vendidas no mercado livre por preços consoante a qualidade;
3.º Proibição de importação de lãs enquanto não estiver assegurada a aquisição por parte dos industriais de toda a lã nacional nas condições indicadas.
Quanto à razão de ser da primeira condição, ela é bem clara e justificada.
O trabalho da colheita dos cereais é dos que exige maiores verbas para salários em pouco tempo, e o lavrador conta sempre com o dinheiro da lá para ocorrer a essas despesas, por ser o produto de maior valor que colhe nessa ocasião.
Em tempos normais, e quando os produtores tinham compradores mais ou menos certos para as suas lãs, até alguns mais necessitados recebiam adiantada unia parte da importância da lã, quer dos industriais, quer dos intermediários. Mas o que, pelo menos, é necessário é que o produtor tenha assegurada a venda e entrega da lã na época indicada, não só pela razão apontada, mas também pela dificuldade do armazenamento e conservação em boas condições por muito tempo. O produtor, tanto deste como de qualquer outro produto agrícola em geral, não pode ser também armazenista e comerciante.
Colhido o produto, precisa vendê-lo, para realizar numerário a empregar noutras actividades e porque, em geral, não tem condições para o armazenar e conservar por muito tempo. A sua função é produzir.
Como se sabe, a lã, para se conservar bem e não quebrar muito em peso, tem de ser guardada em local enxuto e fresco, e é nos celeiros que em geral o lavrador a guarda. Mas, como estes são necessários para o armazenamento dos cereais do princípio de Junho em diante, é indispensável que a lã saia antes dessa época, para se poderem limpar e desinfectar os celeiros, a fim de receberem os cereais.
Quanto à segunda condição -preço remunerador - ela é também evidente e quase axiomática. Nenhuma indústria ou actividade pode vender os seus produtos por preço inferior ao custo de produção. E, se é certo que não é fácil determinar o preço de custo da lã ao produtor, o que se sabe é que quando os preços baixam desmedidamente o lavrador perde o interesse em aumentar os seus rebanhos e sobretudo em melhorá-los. Como se sabe, dentro da nossa produção lanar há de tudo, desde as lãs mais finas, de filamento uniforme e elástico, que, apesar de tudo quanto se diz para as depreciar, dão tecidos tão finos como as melhores estrangeiras, até às mais ordinárias, de filamentos desiguais, uns mais rígidos, outros mais macios, irregulares no calibre e, portanto, de fraco valor industrial.
Mas também é certo que de há quinze ou vinte anos para cá muito se tem leito e muito dinheiro se tem gasto com o fim de seleccionar os ovinos e de lhes melhorar a alimentação, condição essencial para que mesmo as boas raças possam produzir boa lã. E não se julgue que isto se fez sem grandes despesas e «em haver uni estímulo certo e persistente, ou seja fácil colocação das lãs, por preços remuneradores e mais altos para as lãs mais finas, industrialmente falando.
No momento presente o preço mínimo um pouco superior a 200$ já satisfaz o produtor. Evidentemente que, como defesa do consumidor, é necessário manter o tabelamento dos tecidos, com preços máximos por categorias correspondentes às classes de lãs neles empregadas, havendo entre o preço mínimo estabelecido ,para as lãs e o preço máximo dos tecidos de melhor qualidade uma margem conveniente que permita aos industriais pagarem as melhores lãs nacionais (e algumas há já tão boas como as estrangeiras) por preço mais alto do que o mínimo estabelecido.
Desde que estas medidas fossem acompanhadas das de não autorização de importação de lãs estrangeiras enquanto não estivessem vendidas as nacionais, os indus-
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triais acorreriam no tempo próprio a procurar as lãs mais finas e a pagá-las por melhor preço aos produtores, que assim, sentiriam um estímulo real para o melhoramento progressivo dos seus rebanhos.
Um ponto a que há também que atender ao determinar-se o preço mínimo das Ias é que ele não pode ser muito mais baixo do que o preço por que as lãs importadas tenham de ser lançadas no mercado e quando a diferença seja importante terá de se estabelecer um diferencial, como parece que já se tem feito, importância que ficaria em poder do organismo corporativo importador, para fins de fomento e protecção ao produtor e consumidor, à semelhança do que se faz com o trigo. Com a lã parece que já se tem usado um regime semelhante, mas tem sido pouco eficiente, de contrário não se daria o que se tem dado na raia seca com o contrabando para Espanha.
Os contrabandistas compram próximo da fronteira lãs portuguesas a cerca de 200$, passam-nas de noite da margem direita para a esquerda do Chança, no termo de Mértola, isto é, para Espanha, e na manhã seguinte entram novamente com elas em Portugal, despacham-nas na alfândega e vendem-nas, a cerca de 300$ a arroba, como lã espanhola. E assim muitas lãs portuguesas sobem de classe só por terem atravessado duas vezes o ribeiro de Chança !
Sr. Presidente: voltando ao melhoramento das lãs, direi que conheço lavradores no Alentejo que gastam por ano muitas dezenas de contos com as suas selecções, apenas de alguns centos de ovelhas e carneiros.
A lã, embora se vá todos os anos colher, com pouco esforço, sobre o corpo dos pacientes ovinos, não é um produto espontâneo que venha de graça para a mão do produtor, como alguns julgam que acontece com as boletas dos montados, pois têm sido estipulados preços mais baixos para os porcos engordados com boleta? do que para os engordados nas malhadas industriais, certamente por julgarem que o fruto das azinheiras e sobreiras nada custa ao lavrador.
Pois se até já houve um escritor agrícola quê escreveu um suculento volume sobre a produção agrícola em que afirmava que as porcas tinham três ninhadas de bácoros por ano e os montados davam três camadas de boletas, como se os bacorinhos largassem as tetas das mães e fossem para debaixo das sobreiras e azinheiras comer a sua correspondente camada de boleta, e de mais nada se alimentassem !
Para haver estímulo no melhoramento do gado ovino e na qualidade das lãs é necessário ainda que o comércio destes produtos seja feito em bases por assim dizer cientificas; é necessário que a lã seja paga ao produtor pelo preço correspondente ao complexo de qualidades que determinam o seu maior valor industrial. Só pagando a lã ao produtor por preços sucessivamente mais elevados, à medida que as qualidades das suas lãs melhorem, ele terá interesse em aperfeiçoar constantemente a qualidade dos seus ovinos e fazer com eles despesas que proporcionem a produção de lã de boa qualidade. O comércio das nossas lãs tem sido sempre feito por forma, empírica e as tentativas realizadas ultimamente para o melhorar deixam muito a desejar. Ainda não há muitos anos os compradores de lãs pagavam os lotes por determinados preços, mais altos ou mais baixos, segundo as regiões por eles previamente classificadas por produtoras de lãs melhores ou mais baixas. Pouco lhes importava que algum produtor tivesse posteriormente melhorado a qualidade do seu gado. O preço seria previamente estipulado para as lãs daquela região. Esta era a regra geral, por muitos compradores ainda seguida, mas também é certo que alguns criadores, já de há muito conhecidos como produtores de boas lãs, recebiam sempre mais 10$ ou 20$ por arroba do que os outros produtores da região.
Ultimamente tentou a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, por intermédio de técnicos competentes, fazer o «condicionamento», isto é, a classificação e lavagem das lãs dos diversos produtores, e estipular o preço de cada lote, mas o método seguido deve deixar muito a desejar ou foi mal aplicado, porque, segundo me afirmou o presidente de uni grémio da lavoura do Sul, técnico muito competente e pessoa insuspeita, houve lotes da mesma lã, do mesmo gado de um produtor, a que, condicionado? em ocasiões diferentes, foram atribuídos preços muito diversos, baseados na mesma tabela oficial. Logo o sistema não satisfaz e é necessário procurar outros elementos de apreciação insofismável que conduzam a uma determinação de preço?, mais uniformes para lotes de lãs que correspondam, à mesma aplicação industrial.
O problema. Sr. Presidente, é muito antigo e tem sido posto várias vezes por diversos técnicos, mas continua sem solução satisfatória.
Já em 1911, num estudo tecnológico que fiz sobre as lãs portuguesas, o problema se me apresentou com as mesmas dificuldades: consegui até inventar e construir um aparei lio de laboratório (porque não havia ainda um aparelho aproveitável para este fim), a que dei o nome de «Erioantistasímetro» (patente n.° 8:836) e que determina com precisão aceitável e contemporaneamente a extensibilidade e a resistência a tracção em gramas até à rotura dos filamentos lanosos, e estes elementos, conjugados com as observações microscópicas dos filamentos sobre a uniformidade e finura dos mesmos, além de outros elementos de apreciação, deram-ma números que traduziam as melhores ou piores qualidades das lãs. Mas era necessário que industriais de boa vontade ou técnicos da indústria, conhecedores pela prática do valor industrial das lãs, correspondentes aos índices tecnológicos, chamemos-lhe assim, determinados no laboratório, indicassem o valor dessas lãs, conforme a aplicação ou aplicações industriai? a que podiam ser destinadas.
No Congresso Pecuário de 1928 apresentei novamente a questão e propus a nomeação de uma comissão de técnicos e industriais para estudarem o assunto e coloquei á disposição dessa comissão o aparelho a que me referi (já então tinha aparecido no mercado um outro aparelho, de origem alemã, mais caro e complicado, que faz o mesmo serviço que o meu, mas não é controlável), mas, como quase todas as deliberações dos congressos, a proposta, apesar de bem aceite, ficou apenas em esperançosa aspiração.
Este estudo não se chegou a fazer então e julgo que até hoje ainda não pôde ser feito, apesar de desenvolvidos estudos tecnológicos que técnicos competentes ultimamente têm realizado.
O assunto é, como se disse, muito complexo e já o Dr. Mário de Morais, técnico dos que mais se têm ultimamente dedicado a este estudo, escreveu num trabalho apresentado I Congresso das Ciências Agrárias, em 1943:
Mas não se esqueça também que para fomentar a produção é indispensável garantir um ambiente económico favorável, que só pode conseguir-se com uma verdadeira política nacional da lã, que coordene a actividade dos sectores que interferem no ciclo económico deste têxtil - a produção, o comércio e a indústria de lanifícios.
Sem um plano previamente estabelecido e que, numa visão de conjunto, abranja estes três sectores, aião temos receio de afirmar que qualquer tentativa de fomento da produção lanar está ameaçada no mais íntimo do seus alicerces.
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Quanto à terceira condição -proibirão de importação de lá estrangeira enquanto não estiver assegurado o consumo da nacional -, foi principalmente a não observância desta velha aspiração da lavoura que motivou o alarme dos produtores e o aviso prévio em discussão. Aspiração tão velha que já há sessenta anos, no Inquérito Agrícola de 1887-1888, assinado pêlos nomes prestigiosos, entre outros, de Emídio Navarro, Paulo de Morais, Gerardo Pery e Elvino ide Brito, se encontra escrito:
É evidente que a depreciação das lãs portuguesas tem a sua explicação natural no facto de haverem as .principais fábricas de tecidos de lã preferido as lãs estrangeiras, principalmente da Austrália, para o fabrico de panos, coincidindo este facto com o da arrematação do fornecimento de panos para o exército, feito por uma das nossas fábricas.
A indústria fabril dos tecidos de lã, implantada em Portugal à sombra do mais radical proteccionismo, não pode ainda hoje prescindir da protecção pautai de que tem continuado u gozar. Ë justo, pois, que se mantenham esses direitos protectores e que se elevem mesmo, como foram ultimamente elevados na pauta de Setembro de 1S87. Mas é igualmente justo que essa protecção não vá ferir e prejudicar outras indústrias, e muito menos a nossa primeira indústria - a agrícola e as suas acessórias.
Que o País não produz lã em quantidade suficiente para o consumo fabril mostra-o a diferença entre a importação e a exportação, que, em média, foi de 1.420:000 quilogramas no decénio de 1874 a 1885. Além disso, as lãs portuguesas não satisfazem às exigências dos artefactos modernos, sendo indispensável aos fabricantes importarem lãs de melhor qualidade para o fabrico de tecidos mais finos. Compreende-se por isso que se facilite a entrada, de lã estrangeira indispensável para o fabrico, protegendo-se assim a indústria fabril. Mas, desde o momento, que as melhores condições dos mercados externos permitem trazer ao porto de Lisboa as lã- estrangeiras por preço tal que convida os fabricantes a porem de parte as lãs nacionais, a protecção dada a essa indústria redunda em grave prejuízo da agricultura portuguesa, prejuízo que começou a manifestar-se em 1885 e que se acentuou em 1887.
O Sr. Figueiroa Rego: - Muito bem citado!
O Orador: - A importação há pouco feita, e a que vários oradores se referiram, de 14 milhões de quilogramas de lã estrangeira, precisam ente pouco antes das próximas tosquias, não pode, por mais que os industriais pretendam justificá-la com a necessidade de constituir uma reserva, deixar de influir desfavoravelmente nos preços das lãs deste ano se não forem tomadas pelo Governo as medidas necessários para garantir a compra obrigatória das lãs por parte dos industriais nas condições que deixamos i indicadas.
A produção muito tem feito já para melhorar as raças ovinas e a qualidade das lãs, como se tem verificado, de há quinze ou vinte anos para cá, nas exposições que a Direcção Geral dos Serviços Pecuários tem promovido, alternadamente. nas capitais dos três distritos alentejanos.
lie ano para ano se tem verificado o progresso desse melhoramento, não só na melhor qualidade e quantidade das lãs e aumento 'do número de cabeças nas selecções, mas também no número de seleccionadores.
As cruzas com carneiros de algumas raças afinadas derivadas mais ou menos dos merinos, e em especial a selecção por grupos de reprodutores idas raças locais, orientadas por médicos veterinários especializados, quando acompanhadas, de uma melhor alimentação e de outros cuidados higiénicos, têm mostrado as possibilidades de um melhoramento progressivo das nossas lãs, desde que para isso haja um estímulo nos preços dos produtos do gado lamar. É necessário, porém, que esse auxílio seja palpável e contínuo.
Assim, a lavoura, neste sector como em tantos outros, tem procurado cumprir o seu dever, Deus sabe às vezes à custa de quantos sacrifícios, e continuará a cumpri-lo, se não se vir de todo desacompanhada do auxílio oficial ou não for prejudicada por medidas que entravem ou desanimem a sua acção.
Os industriais que cumpram também o seu dever, aperfeiçoando as suas fábricas, para valorizarem, pela penteação e um melhor fabrico, as lãs nacionais, que, trabalhadas pelas velhas cardas, só dão produtos industriais de menor valor. E, se a indústria o não fizer, terá a lavoura de se organizar e apetrechar para classificar, lavar e pentear as suas lãs. entregando-as, depois de valorizadas, à indústria de tecelagem.
Temos, é certo, alguns tipos de lãs de baixo valor industrial, como as churras, algumas saragoças e pretas, que a nossa indústria não l em utilizado completamente, mas que poderá utilizar em maior escala se melhorai-as condições de fabrico. De resto, estas lãs também são necessárias para certos artefactos de consumo nacional, e, sendo produzidas por características raças de certas regiões do País, talvez que a sua substituição não seja técnica nem economicamente de aconselhar, sabido como é que as raças finas não se podem cultivar economicamente onde se deseja, mas sim onde as condições do meio o permitam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O seu melhoramento será conveniente e indispensável tentá-lo; a sua substituição não nos parece de aconselhar, tanto anais que, sendo esses tipos de lãs procurados pêlos estrangeiros, talvez convenha manter esse pequeno comércio de exportação.
Com a conjugação de esforços de todos se conseguirá o justo equilíbrio de interesses entre a produção, o comércio e a indústria desta importante matéria têxtil, e assim todos contribuirão para o progresso da economia nacional.
E, para terminar, Sr. Presidente, direi que a lavoura, confiante ma acção e muita competência do Governo para estudar e resolver os assuntos de interesse nacional, espera que ele decretará em breve as medidas que julgar necessárias para terminar com o estado de sobressalto em que vive a lavoura desde qute foram conhecidas as últimas importações de lãs e garantir a pronta colocação das lãs nacionais da próxima colheita por preços remuneradores.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. França Vigon: - Sr. Presidente: a representação enviada à Assembleia Nacional pela Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios invoca, em certa passagem, o meu testemunho acerca de factos nela alegados.
A primeira intervenção do Sr. Deputado Figueiroa Rego apontara-me já, em consciência, o dever de ponderar se devia ou não prestar o meu testemunho acerca desses factos. Admiti portanto, imediatamente, a hipótese
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de ter de dizer nesta Casa, logo que tivesse recolhido, os necessários elementos de informação, tudo quanto soubesse relativamente à parte do discurso daquele Sr. Deputado em que me julgava habilitado, ou seja, no respeitante ao reflexo que teve, no interesse dos consumidores, a regulamentação económica da indústria de lanifícios.
Sucede, porém, que uma segunda intervenção do Sr. Deputado Figueiroa Rego anunciando o aviso prévio sobre a matéria do seu anterior discurso me obrigou de facto à decisão de, afinal, nada dizer sobre o assunto, aguardando o respectivo debate.
Esta minha decisão apenas consistiu, de resto, em fácil obediência à disciplina parlamentar, a que devo sujeitar-me. Foi este o único motivo por que, assim que recolhi os necessários elementos, não prestei o meu testemunho à Câmara.
E portanto hoje a altura de fazer o meu depoimento.
Uso a expressão com o intuito de afirmar que não debato sobre a matéria.
Presto um depoimento, dada a circunstância de facto de ocupar na comissão de fiscalização de tecidos uma posição que me permito prestar alguns esclarecimentos à Assembleia.
Em primeiro lugar quero afirmar, embora até certo ponto isso seja ocioso, que todos os interesses das actividades a que a resolução deste problema diz respeito têm para mim o mesmo grau de admissão, têm para mini o mesmo valor absoluto, o que não me faz esquecer a circunstância de, por força da nossa doutrina, haver uma hierarquia desses interesses. Estou a lembrar-me do artigo 8.° do Estatuto do Trabalho Nacional, quando considera essa hierarquia condição essencial da organização da economia nacional. Estou a lembrar-me de que pelo mesmo Estatuto essa organização deverá realizar o máximo de produção o riqueza socialmente útil. Estou a lembrar-me de quo ó obrigação do Estado conseguir o menor preço e o maior salário compatíveis com a justa remuneração dos outros factores da produção.
Para mim, e à falta de argumento que me convença do contrário, é ponto de convicção que na hierarquia dos interesses da produção, do fabrico, do comércio e do consumo das lãs e dos tecidos e artefactos se sobrelevam os interesses dos consumidores, e entre estes merecem especial atenção os das classes médias, dos operários e trabalhadores do campo. Orienta-me portanto o mesmo desejo do Sr. Deputado Cerveira Pinto, ou seja o da defesa dos consumidores - defesa legítima, razoável, mas tenaz, pois se lhes destinam, em última analiso, a produção e o fabrico.
Posto isto, tenho de solicitar dos Srs. Deputados que me ouçam em pleno espírito de compreensão política. Com esta solicitação pretendo justificar aquilo que antes de mais me parece sobremaneira interessar neste momento.
Pedirei desculpa do à-vontade, da rudeza com que terei de proferir algumas palavras, na certeza, porém, de que todos compreenderão a ideia que as ditou.
Quem acompanhou o debate de anteontem e ontem pode tirar conclusões erradas das palavras proferidas e dos pensamentos lisos quo o nortearam.
Bastará um pouco de maledicência ou o desconhecimento do assunto para se atribuir ao debate uma aparência de conclusões que ele não teve. Por um lado, o que se disse relativamente à venda e preços das lãs nacionais e, por outro, o que se disse quanto à importação das estrangeiras e procedimento dos industriais tiveram lá fora o eco de que, tendo o lavrador especulado desmesuradamente, tendo os industriais especulado desmesuradamente, o Estado, pelo Governo, não interveio em defesa do consumidor.
Possuidor desta convicção, pois é isso que ele conclui, embora mal, do debate, o pávido consumidor pergunta já o que é que esse Governo fez a seu favor, e dá logo por arrumado que cruzou os braços, ficou inactivo, não o defendeu.
Isto, asseguro a V. Ex.ªs. é o que parece a alguns que lá fora seguem o debate, e esses alguns são dos quo constituem o País.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença? Nós também salientámos aqui a necessidade de prestigiar e reforçar a acção do organismo de coordenação económica a quem compete fazer justiça e equilibrar os interesses; o que lamentamos é que não tenha podido agir por forma a desempenhar-se dessa missão.
O Orador:-V. Ex.ª lamenta isso e eu acompanharei V. Ex.ª nos lamentos legítimos, mas não me referi agora a tal assunto. O que até agora disse significa apenas o testemunho de certos factos do meu conhecimento e que estão ocorrendo entro o público. E o mais grave é poder supor-se que o Estado e o seu Governo ficaram inactivos e sabor-se ainda que lá fora alguém vai tirando apontamentos a este respeito para a próxima campanha eleitoral.
O Sr. Cerveira Pinto: - O que ó que V. Ex.ª quer dizer com isso?
O Orador: - Quero dizer com isto que o aspecto que resultou do debate de ontem e de anteontem é o de haver lá fora quem julgue que o consumidor é especulado desmesuradamente e não tem defesa, que o lavrador e o industrial especularam desmesuradamente e o Governo ficou de braços cruzados.
O Sr. Cerveira Pinto: - Isso devo ser comigo, mas ou não disse que o Governo cruzou os braços e ficou inactivo.
Eu disse que houve especulações e que quem as sofreu foi o consumidor, que os sacrifícios da guerra não incidiram sobre todos, o sim sobre o consumidor.
Afirmei que o Governo tomou muitas medidas p ar a salvar o consumidor da rapacidade do especulador, mas que o não conseguiu inteiramente, porque o fenómeno é de natureza inelutável.
Para se tirarem conclusões certas é necessário que as premissas estejam também certas, e por isso faço esta rectificação ao sentido que V. Ex.ª atribuiu às minhas palavras.
O Orador: - Afirmo que não atribuí tal sentido às palavras de V. Ex.ª, porque as entendi exactamente como V. Ex.ª disse agora.
Estimo chegar à conclusão a que ontem cheguei e estimo ainda ter a oportunidade de demonstrar também, com factos concretos, que o Sr. Deputado Cerveira Pinto tem razão.
Antes, porém, direi que o procedimento do Governo, a que me estava a referir, tem de ser apreciado tomando-se em atenção o clima económico e as circunstâncias do momento em que ele actuou.
Actuou, além disso, adaptando o seu procedimento às circunstâncias novas quo iam ocorrendo. As apreciações serão erradas se se fizerem agora tendo apenas em vista factos imprevisíveis que tiveram ocorrência posterior às suas medidas, factos que resultaram da guerra. O Governo actuou, e parece-me conveniente relembrá-lo ao País. Exige a justiça que assim se proceda. E esta Câmara, que exerce funções de fiscalização política, deve, em meu entender, praticar essa justiça, e praticá-la em nome da Nação, porque a representa, a ninguém mais cabendo tal representação.
Para demonstrar, em breves palavras, que o Governo teve acima de tudo a preocupação de defender o consu-
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midor - porque a teve e persistia sempre nessa defesa- soa forçado a fazer ligeira história do que se passou de alguns anos a esta parte, recordando que todas as medidas tomadas pelo Governo foram precedidas de estudos exaustivos e por isso sérios.
Anteriormente a Junho de 1942 havia liberdade de preços de lãs e de lanifícios. Em Junho de 1942 é que foi publicada a primeira disposição relativa ao assunto, a portaria n.° 10:112.
E por virtude dela se estabeleceu, em resumo, o seguinte: fixaram-se os preços das lãs, dos penteados e dos fios, criou-se a obrigação de as tecelagens fabricarem certos tecidos de tipos-padrões, permitindo-se o fabrico de outros com autorização do Ministério da Economia ; fixaram-se preços para os primeiros e determinou-se que os segundos não poderiam exceder o preço máximo que fosse aprovado; os estabelecimentos de venda ao público e as alfaiatarias ficaram obrigados à afixação os preços, que deveriam ser inscritos nos tecidos de fabrico obrigatório.
A prática do sistema mostrou que era insuficiente.
Aperfeiçoou-se com a portaria n.° 10:311, de Janeiro de 1948, que manteve o regulamento fundamentalmente nos mesmos moldes, embora com mais apertadas disposições no sentido da garantia do existência de mais tipos-padrões de tecidos e da afixação de preço nos tecidos que foram equiparados então.
Isto é relato em traços apressados.
Com o decurso dos factos, novamente a prática do sistema veio a revelar insuficiências. Os tecidos faltaram, os preços reais por que eram vendidos excederam por vezes os preços da tabela e o Governo, atendendo a tudo o que se tinha verificado, publica nova portaria - a n.° 10:902-. em 19 de Março de 1945.
() fabrico dos tecidos e dos artefactos de malha de lã continuou sujeito à elaboração de cálculos, com os quais se determina o preço industrial, de armazém e de venda ao público.
Desapareceram os tipos obrigatórios de fazendas e passou a sor livre o fabrico de todos os tipos, mas impôs-se que nenhum tipo pudesse ser fabricado resultando para o público preço superior a 1855 cada. metro. Atribuiu-se ao industrial toda a responsabilidade da elaboração desses cálculos.
A partir desse momento o industrial é responsável pelo preço da fazenda, seja qual for esse preço, desde que venha a verificar-se que unia vez lançada no mercado, o foi por custo superior ao que resultaria de uma elaboração correcta do cálculo em face das tabelas.
Não podiam cifrar-se nisso as medidas do Governo no sentido de defender os interesses do consumidor.
Por despacho de Fevereiro de 1945, creio, foi estabelecido o factor de laboração dos tecidos.
Em primeiro lugar, esse factor ou prémio teve por intuito só autorizar a venda por maior preço dos tecidos mais bem fabricados, pois só a esses seria concedido.
A concessão do factor teve a princípio também o intuito de proteger e beneficiar a produção da lã nacional, pois pretendeu-se precisamente que os industriais lhe dessem um tal aproveitamento que merecessem o factor de laboração, ou prémio de 5 por cento.
A verdade, porém, é que a certa altura, precisamente no intuito de proteger a lã nacional, o factor deixou de ser, em regra, aplicado aos tecidos fabricados com esta e passou a sê-lo mais aos fabricados com a estrangeira. Isto sucedeu no momento em que, tendo subido o preço da lã nacional, o acréscimo do prémio de laboração faria com que o tecido fabricado com esta excedesse em preço o da lã estrangeira, ocasionando a menor venda daquele.
Com a cada vez mais reduzida, mais severa concessão do factor de laboração, conseguiu-se realmente baixa dos preços de bastantes tecidos a que até então tinha sido concedido. Basta dizer que, em relação a 10:921 cálculos entrados na comissão de fiscalização de tecidos, apenas foram concedidos trezentos e noventa e sete prémios de laboração.
O Sr. Nunes Mexia:-A lavoura gostaria que V. Ex.ª pudesse informar sobre
as taxas de laboração.
O Orador: - Mas por que razão hei-de interromper o fio das minhas considerações para passar para outra ordem de pensamentos V
O Sr. Nunes Mexia: -É que V. Ex.ª está falando de preços de tecidos!
O Orador:-De factores de laboração, deveria V. Ex.ª dizer. E não há razão para eu estar a responder a perguntas que me sejam dirigidas continuamente, dando por resultado desviar-se o fio do que desejo expor e estabelecendo um diálogo semelhante ao da sessão de ontem, processo que não desejo seguir.
Relativamente aos artefactos do malha das classificações superiores, foi determinado que tais classificações teriam de ser previamente concedidas pela comissão de fiscalização, e disso resultou que, sendo ao todo 13:088 os cálculos existentes nos arquivos da comissão, apenas foram deferidos 1:753 pedidos de classificações superiores.
E como a concessão dessas categorias foi sendo cada vez mais reduzida, até se achar um termo razoável, obteve-se a partir de certo momento a prática de preços inferiores aos preços por que. anteriormente eram vendidos os artefactos. Um muito maior número de inclusões destes nas classes inferiores deu em resultado a sua venda por preços menores do que os praticados até então.
É altura de pedir a atenção de V. Ex.ªs para a circunstância de o preço máximo dos nossos tecidos ter sido fixado em 185$.
É claro que é legitimo perguntar, como muitas vezes já mo têm perguntado, como é que, sendo o preço máximo do tecido 18õ$, os fatos atingem preços de 1.500$, 2.000$ e 2.500$? A resposta é fácil:
Aqueles que compram o tecido à parte e mandam fazer os fatos em qualquer alfaiate sabem quanto lhes levam pelo tecido e quanto lhes leva o alfaiate.
Para aqueles que não quiserem comprar o tecido à parte e encomendarem o fato numa alfaiataria, sem atentar no preço marcado no tecido, porque dão isso de barato, para esses o preço do tecido é desconhecido e só é conhecido o preço total dos fatos.
E há que verificar que, tendo sempre acontecido que o feitio era de menor custo que o tecido, agora é aquele que, em regra, excede o preço deste.
O Sr. Cerveira Pinto:-Até posso dar a V. Ex.ª um exemplo: numa casa da Baixa está na montra tecido a 129$ o metro e fato feito 1.500$. Portanto, a fazenda não chega a custar 400$.
O Orador: - É por isso que eu compro a fazenda à parte e mando fazer o fato no meu alfaiate da província ... Mas prossigo:
Convém talvez dar novas notas acerca da acção da comissão de fiscalização de tecidos, não porque ela aqui tenha a palavra, mas porque se trata de factos resultantes da acção do Governo.
É preciso acentuar que essa comissão sempre recebeu instruções do Ministro e do Subsecretário, de quem estava unicamente dependente, no sentido da defesa tenaz dos interesses do consumidor.
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É preciso saber-se que, polo menos desde o tempo em que pertenço a essa comissão do fiscalização - e só quanto a esse posso informar -, sempre ela teve a colaboração da Federação e dos grémios dos industriais.
É preciso acentuar-se que, em regra, houve sempre acatamento às suas determinações por parte dos industriais e é preciso acentuar-se que sempre que esse acatamento se não verificou, por erro ou por delito, o industrial foi corrigido ou severamente punido.
O Sr. Figueiroa Rego: - Só de há pouco tempo para cá.
O Orador:-V. Ex.ª poderia talvez concretizar de há quanto tempo para cá.
O Sr. Figueiroa Rego: -Talvez há três ou quatro meses.
O Orador: - lia muito mais tempo. Eu asseguro a V. Ex.ª, repetindo o que disse no princípio das minhas considerações, ao afirmar que traria informações concretas a esta Câmara, que, pelo menos de há ano e meio para cá -tempo sobre que posso informar-, não há erro que não se corrija, desde que se dê por ele, e não há punição que não se promova, desde que para ela haja razão.
Poderia apresentar muitos exemplos de correcções severas promovidas pela comissão de fiscalização de tecidos. Informo V. Ex.ªs de que, mesmo quando um industrial comete um erro no cálculo, um simples erro, a comissão de fiscalização de tecidos não permite que lhe fique no bolso um ceitil de lucro, porque mesmo nessa hipótese o repõe em favor da caixa de previdência dos operários da indústria. Isto resulta das iniciais determinações e orientação do Ministro a este respeito, e, assim, da acção do Governo na matéria que se debate.
Quis em breves palavras, som esmiuçar muito, sem maçar com números, mostrar que o Governo não cruzou os braços. Defendeu o consumidor quanto podia, embora não tivesse conseguido, como não se conseguiu em todo o Mundo, evitar a alta dos preços dos tecidos, que teria sido -estou convencido disso- extraordinariamente maior se não tivessem sido adoptadas as providências que em resumo apresentei.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença que faça uma pergunta dentro dessa ordem de ideias? Se com a importação de lãs estrangeiras há maior rendimento e se elas são mais baratas, como já ouvi afirmar, se houve uma intensificação da laboração, passando-se de dois ou três dias de laboração por semana para o trabalho com três turnos, diga-me V. Ex.ª se os tecidos baixaram e só baixaram de maneira a justificar-se a preferência que se deu às lãs estrangeiras.
O Orador:-Posso informar V. Ex.ª de que os tecidos baixaram de preço, e vou exprimir a minha ideia melhor, para daí não resultarem enganos.
Eu quero dizer o seguinte: se os preços por que as primeiras lãs foram importadas fossem os que figuravam nos cálculos, os tecidos teriam um preço. Mas realmente tiveram outro, inferior, porque, como a comissão de fiscalização de tecidos não permitiu, qualquer que fosse o preço de importação, que nos cálculos o preço da lã figurasse por uma verba superior a 60/5, o tecido não reflectiu a diferença.
Devo informar V. Ex.ªs, com a consciência plena do que afirmo, que a comissão de fiscalização cometeu a violência, chame-se-lhe assim, mas por isso não se penitencia, de não permitir que as lãs estrangeiras figurassem nos cálculos por preço superior a 600.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença?
Na resposta que me foi dada pelas estações oficiais não vejo como generalidade esse preço de 60(5. Vejo muitíssimos casos de preços mais baixos, de onde concluo que ou de facto os preços foram mais baixos ou as declarações das licenças prévias não foram verdadeiras.
O Orador: - As lãs estrangeiras chegaram a ser compradas por preços até 66$. A comissão de fiscalização de tecidos não consentiu que elas figurassem nos cálculos por preços superiores a 60$.
Este foi o preço máximo admitido, mas há outros muito inferiores, e desses é que resultou a baixa do preço de certos tecidos.
Tire V. Ex.ª as conclusões que quiser, porque os números que lhe dou estão certos.
O Sr. Nunes Mexia: - Creio plenamente e agradeço as preciosas informações de V. Ex.ª
O Sr. Cerveira Pinto: -Qual foi o preço médio das lãs estrangeiras importadas o ano passado? Foi de 43$, e isso mantém-se.
O Orador: - Hás os cálculos da comissão de fiscalização de tecidos não são todos do ano passado.
O Sr. Cerveira Pinto: -Essa explicação é que me sorve.
O Sr. Cincinato da Costa: - Fica provado que houve umas a 66$.
O Orador: - De qualquer maneira e para terminar, porque não me sinto com o direito de tomar mais tempo neste debate, creio que todos temos de concordar nos objectivos a prosseguir e que estão no consenso geral:
Obter a baixa dos preços dos tecidos por modo a ficarem ao alcance da bolsa do consumidor e sem que a sua venda no comércio deixe de ser justamente remuneradora.
Obter para a matéria-prima um preço suficientemente remunerador, não esquecendo que com ele, assim como com o lucro dos restantes produtos da terra, se deve conseguir a garantia da satisfação dos fins sociais da propriedade.
Conseguir-se o reapetrechamento da indústria, a sua maior e mais barata produção, a fixação das taxas de fabrico e percentagens de lucros em números que permitam um justo lucro e também o abaixamento dos preços e o prosseguimento dos fins sociais da indústria tendo em conta que o maior fabrico, devido à maior abundância de matérias-primas, deve conduzir à baixa de certas taxas e das percentagens.
Ainda outro objectivo: a conquista, se possível, de mercados externos, conquista que neste momento parece desenhar-se.
A este respeito devo informar V. Ex.ª do seguinte: apesar de Portugal nunca ter sido exportador de tecidos de lã, a não ser de pequenas porções de tecidos baixos, a situação actual é a seguinte:
Leu.
Em 1945 exportaram-se, números redondos, 30:600 contos, sendo 28:700 para o estrangeiro e o restante para as colónias. Em 1946 a exportação foi do 46:000 contos, 32:600 dos quais para o estrangeiro.
Até ontem os pedidos de exportação destes dois meses do ano presente vão já em 12:000 contos, sendo 9:900 para o estrangeiro.
O Sr. Figueiroa Rego: -Oxalá que assim suceda, e eu próprio fiz vislumbrar essa perspectiva quando disse
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que certos acordos poderiam ser favoráveis à indústria dos lanifícios. Esse valor das exportações está muito aquém das importações efectuadas.
O Orador: - Os tecidos estão a ser bem recebidos nos países que os importam e a maior parte das exportações dirige-se principalmente, se a memória não mo falha, para a Suécia, Suíça, França, Irlanda, Brasil, África do Norte, Congo Belga e Dinamarca.
Destas fazendas, umas são de lãs nacionais, outras de lãs estrangeiras. Assim, aparecem finalmente lá fora fazendas com a designação de «Feitas em Portugal».
Parece-me que é ainda objectivo a prosseguir o do nem se fixarem preços de lãs, nem preços de indústria, nem margens de lucros do comércio que impeçam a elevação do nível de vida dos trabalhadores destas actividades pela melhoria das condições em que trabalham.
Em resumo:
O consumidor precisa de vestir mais e mais barato.
A lavoura deve ter uma remuneração do produto que estimule a produção, em quantidade e qualidade, sem que essa remuneração seja economicamente perturbadora. O industrial deve sor posto em condições de produzir mais, melhor e mais barato. A Nação convém exportar lãs e tecidos. Os trabalhadores devem compartilhar da elevação do nível económico das actividades pela melhoria das suas condições de vida.
E para isto tudo, porque as circunstâncias variam de momento a momento, é necessário que o Governo possa dispor, também, de momento a momento, da liberdade de acção indispensável para estabelecer o justo equilíbrio dos interesses.
Parece-me, digo-o em termos muito simples, que o Governo necessita de ter as mãos livres.
Por estas razões, permito-me apresentar a V. Ex.ªs a seguinte moção, que é também assinada pêlos Srs. Deputados Carvalho Viegas, Craveiro Lopes, José Esquivei, Cerveira Pinto, Alçada Guimarães, Melo Machado e Bagorro de Sequeira:
«A Assembleia Nacional, considerando que o Governo tem procurado desde há muito assegurar o necessário equilíbrio entro os interesses dos consumidores, dos comerciantes de tecidos, da indústria de lanifícios, dos produtores de lã e dos trabalhadores de todas estas actividades, confia em que o Governo adoptará em qualquer emergência as soluções que garantam à indústria o seu pleno abastecimento, aos produtores o justo preço da lã, ao comércio uma margem de lucro remuneradora, aos consumidores tecidos ao menor preço possível e que, em qualidade e quantidade, satisfaçam as suas necessidades e aos trabalhadores assegurem o alcance do nível de vida que ó objectivo da nossa doutrina social».
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente, Srs. Deputados : este problema já tem sido aqui debatido com toda a clareza e com toda a minúcia nos seus aspectos técnicos, pelo que eu vou tomar muito pouco tempo a V. Ex.ª para fazer apenas aquilo a que chamaria «a filosofia do caso». O valor da ia, só por si, movimenta cerca de 100:000 contos anuais. Vale portanto a pena considerar este produto agrícola. O seu valor, porém, se o considerarmos no conjunto da exploração agrícola, atinge cifras tão altas que tem de interessar necessariamente todos os economistas e todos os governantes.
Assim, não se podendo distinguir a lã do animal que a produz, podemos considerar através do aumento ou diminuição da produção lanar o aumento ou diminuição da produção de carne, de leite o de matéria orgânica o, com esta, da produção agrícola em geral.
Estamos, portanto, em frente de um problema económico de primeira grandeza.
Os industriais, através do seu órgão na organização corporativa, afirmam a inferioridade da qualidade da lã nacional.
Podemos admitir que têm razão. Resta saber só a têm inteiramente.
Com boas ou más qualidades parece à lavoura que os industriais deviam ter para com ela deveres especiais de gratidão, pois foi com ela quase exclusivamente que puderam atravessar o período da guerra, fazendo grandes fortunas, facto que é do conhecimento de toda a gonte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao fazer esta afirmação não pretendo fazer o reclame da lã nacional. Pretendo apenas constatar um facto.
O Sr. Cerveira Pinto: - E a lavoura quer a Torre o Espada por ter vendido a lã cara durante a guerra V
O Orador: -V. Ex.ª espera um bocadinho e eu responderei.
Outro ponto a considerar é que a lavoura foi durante a guerra, aliás como sempre o foi em circunstâncias idênticas, a grande sacrificada. Sempre para o comércio ou para a indústria se procura, e bem, satisfazer a necessidade vital do lucro, e, porque num e noutro destes grandes sectores da economia houve grandes fortunas feitas durante a guerra, temos de admitir que essa necessidade foi calculada ou permitida com largueza.
Sucedeu outro tanto com a lavoura? Esta produz o que é indispensável à alimentação pública, e, neste período calamitoso do seu trabalho, da sua produção dependia a possibilidade ou impossibilidade de alimentar a população. Estas circunstâncias põem todos de acordo em que se exijam todos os sacrifícios à lavoura. De facto, todos os sacrifícios lhe foram exigidos, até o do lucro vital e legítimo, que tão largamente se reconheceu ao comércio e à indústria. Pode contestar-se esta afirmação ?
Ainda há pouco o nosso colega Sr. Belchior de Figueiredo afirmou aqui que só a fixação dos preços das lenhas abaixo das realidades económicas do momento tinha trazido para a lavoura um prejuízo de cerca de 80:000 contos. Mas que fazer, se era preciso que os comboios continuassem a circular, dizendo-se que som aumento de tarifas, que fazer senão sacrificar-se a lavoura, que era quem podia acudir, isto em vez de se distribuir por todos o sacrifício de que todos deviam compartilhar. Não quero fazer mais contas deste género, o que aliás seria facílimo e permitir-me-ia apresentar diante de V. Ex.ª um número deveras impressionante. Quero, todavia, perguntar: a lavoura, apesar de todos os sacrifícios que lhe foram exigidos, através de todos os prejuízos provenientes da inconstância do clima, através de todas as dificuldades que lhe foram criadas pela falta ou má distribuição de adubos, etc., deixou de cumprir com dedicação inquebrantável, com boa vontade inexcedível e com tenacidade admirável a sua obrigação ?
Se tudo isto que eu digo é verdade, e cuido que não haverá coragem para o contestar, porque é que, logo à primeira conveniência da indústria ao ensombrar-se de graves apreensões um dos vultuosos sectores da economia agrícola, hão-de ser para a indústria todas as simpatias e protecção e se há-de negar toda a justiça e todo o direito que a lavoura reclama?
Apoiados.
O Sr. Alçada Guimarães: - Mas até aqui ninguém defendeu esse critério.
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O Orador: - Lá vamos.
Diz ou não a Federação Nacional dos industriais de Lanifícios, na sua representação enviada a esta Assembleia (Diário das Sessões n.° 74, p. 275), que a indústria não pode ser obrigada, a adquirir a lã nacional em bruto quando a emprega já classificada e lavada?
Diz ou não, nessa mesma representação (no mesmo Diário das Sessões e na mesma página), que a lã nacional é extraordinariamente variável na sua qualidade e rendimento, muito heterogénea, e que, encontrando-se dispersa por milhares de produtores, torna impraticável a compra directa pela indústria e dificulta a sua própria recolha para efeitos de comércio e lavagem?
Diz-se ou não, a p. 272 do já citado Diário, que as lãs nacionais devem cotar-se num nível de preços 60 por cento mais baixo que as lãs estrangeiras?
São ou não estas afirmações uma ameaça séria aos interesses da lavoura?
E que pede a lavoura, afinal, essa lavoura tão sacrificada? Pede que se não esqueçam já todos os sacrifícios que fez e tantos que está fazendo ainda, que se não permita, através de importações maciças, o aviltamento dos preços, repetindo-se a manobra que permitiu apresentar o preço de 1939 como um elemento sério nesta discussão. Pretende-se voltar a essa. velha manobra, do modo a que a indústria, abastecida de lã estrangeira, imponha o preço como entender.
Era assim anteriormente à guerra.
Quando a lavoura ia oferecer as suas lãs diziam que não eram precisas, o ela via-se na necessidade de aceitar os preços vis que servem agora de argumento contra ela.
O Sr. Cerveira Pinto:-Mas não há que considerar também o custo da vida?
O Orador: - Eu não estou a tratar do custo da vida.
O Sr. Deputado Alçada Guimarães citou ontem a opinião abalizada do Sr. Dr. Mário de Morais, uma verdadeira autoridade no assunto, a quem folgo de prestar a minha homenagem, pelo seu saber e pelas suas qualidades intelectuais e morais.
Mas S. Ex.ª não disse só o que aqui se citou. S. Ex.ª diz também neste folheto, que foi distribuído a todos os Srs. Deputados pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, o seguinte:
A actividade comercial tom gozado entre nós de condições do vida excepcionalmente favoráveis, graças à falta de conhecimentos e de meios de defesa dos produtores e à de uma conveniente ordenação o regulamentação de tal comércio, abandonado geralmente à mais desenfreada especulação ...
O Sr. Alçada Guimarães: -V. Ex.ª está a referir-se a quo actividade?
O Orador: - À comercial.
O Sr. Alçada Guimarães: - Pois então estamos absolutamente de acordo.
O Orador:
... Em parto à custa da produção e, às vezes, da própria indústria., alguns comerciantes conseguiram auferir largos proventos, não sendo poucos os que acabaram por comprar fábricas e transformar-se em grandes industriais.
Esta é a resposta à afirmação que V. Ex.ª, Sr. Deputado Cerveira Pinto, ontem fez de que a especulação era da lavoura.
O Sr. Cerveira Pinto:-V. Ex.ª faz-mo o Favor de não me pôr na posição, que não aceito, de defender os comerciantes.
O Orador: - Eu disse quo V. Ex.ª afirmou que a especulação era da, lavoura.
O Sr. Cerveira Pinto: - O que se discutia era a importação de lã estrangeira. Era isso que estava em discussão.
O Orador: - O que estava em discussão era o preço da lã nacional.
O Sr. Cerveira Pinto: - Só há especulação por parto do comerciantes ou de industriais, evidentemente que eles devem ser metidos na ordem; mas que mo coloquem na posição de defender a especulação, isso é que eu não posso acoitar.
O Orador:-Eu disse simplesmente quo V. Ex.ª acusou a lavoura de especulação.
O Sr. Cerveira Pinto: -Isso mantenho.
O Orador: -Pois mau tom mal, porque não ó verdade. Diz ainda o Sr. Dr. Mário de Morais noutra passagem :
Por isso, torna-se absolutamente indispensável levar a metrópole a intensificar a produção de lã, mas daqueles tipos que economicamente possa produzir.
E mais adiante:
Mas não se esqueça também que, paru fomentar a produção, é indispensável garantir um ambiento económico favorável, que só pode conseguir-se com uma verdadeira política nacional de lã que coordeno a actividade dos sectores que interferem no ciclo económico deste têxtil - a produção, o comércio o a indústria de lanifícios.
Finalmente, diz ainda o Sr. Dr. Mário do Morais:
Uma grande parte dos industriais portugueses interessados em trabalhar lãs importadas cheias do qualidade, que lhes são oferecidas com toda a segurança, comodidade e a preços acessíveis (compensados, aliás, pêlos preços por que se vendem os artefactos com elas confeccionados, graças, em parte, à protecção pautai dada a esses artigos), não se interessa grandemente pelo melhoramento das lãs nacionais, que se habituaram a considerar sempre de inferior qualidade em relação às importadas.
Notem V. Ex.ªs: «que se habituaram a considerar sempre do inferior qualidade»!
Simplesmente nos temos esquecido todos - d i/ ainda o Sr. Dr. Mário de Morais - de que os maravilhosos resultados conseguidos nos países de além-mar com o melhoramento das lãs foram alcançados principalmente à custa da comunhão de esforços das grandes casas da Europa transformadoras da têxtil, que mantinham íntimas relações com os organismos representativos dos criadores daquelas regiões, aos quais davam conhecimento dos resultados obtidos com as lãs de cada campanha, orientando o sentido em que à indústria convinha fosse dirigido o melhoramento da produção.
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Já que aqui se citou ontem a grande autoridade que é o Sr. Dr. Mário de Morais, pareceu-me conveniente citá-la mais largamente.
O Sr. Figueiroa Rego: - No estrangeiro há alguns industriais e comerciantes que são simultaneamente produtores, como Segard.
O Orador: -O Sr. Deputado Cerveira Pinto foi ontem aqui um lobo vestido de cordeiro. Apresentou-se a defender o consumidor, mas defendeu exclusivamente a indústria.
Quando V. Ex.ª exigiu que se importassem lãs estrangeiras com o intuito de causar o barateamento da lã nacional esqueceu-se de pedir o abaixamento de pautas que obrigasse esses industriais a baixar os preços dos seus produtos.
O Sr. Cerveira Pinto: - Mas pautas do quê?
O Orador:-As pautas que não permitem que os lanifícios estrangeiros concorram com os nacionais.
O Sr. Cerveira Pinto: - Eu é que fiz o meu discurso, não foram V. Ex.ªs
O Orador: - Eu ouvi-o com toda a atenção.
O Sr. Cerveira Pinto: - O que ou disse foi que a importação da lã estrangeira fazia baixar o preço da lã nacional.
O Orador: - V. Ex.ª achava muito bem.
O Sr. Cerveira Pinto: - Para um fim.
O Orador: - Era-lhe indiferente a lavoura e a economia do País.
Por esse critério, além de importarmos lãs, teríamos de importar trigo e outros produtos que também são mais baratos lá fora, mas que, a não se produzirem no País, ocasionariam uma calamidade, uma espantosa calamidade económica.
Nós, lavradores, não queremos prejudicar ninguém; o que não queremos é ser espoliados.
O Sr. Cerveira Pinto: - E os consumidores também não o querem.
O Orador: - Nós compreendemos que não podem continuar os preços altos que têm vigorado até aqui, mas não queremos ser espoliados por manobras já conhecidas e velhas.
V. Ex.ª, Sr. Dr. Cerveira Pinto, não defendeu o consumidor, mas sim a indústria.
O Sr. Cerveira Pinto: - Dou-lhe a minha palavra de honra de que apenas defendi o consumidor, e nada mais. Entendo que deve importar-se tudo o que se puder para baixar os preços.
O Orador: -V. Ex.ª tem a convicção de que defendeu o consumidor, mas os seus ouvintes não.
O Sr. Figueiroa Rego:-V. Ex.ª, Sr. Dr. Cerveira Pinto, quer que se atirem as divisas ao mar, não?
O Orador: - A lavoura quer ainda que a deixem defender o seu produto, já que ela mais que ninguém procuraria naturalmente por todos os meios apresentá-lo em condições de poder ser utilizado pela indústria.
É uma aspiração inteiramente defensável, perfeitamente lógica e honesta.
Ninguém pode ter mais interesse em apresentar as lãs em condições de obter mercado na indústria de lanifícios do que a própria lavoura.
Num folheto em que se publicam as comunicações apresentadas ao I Congresso das Ciências Agrárias, que amavelmente foi enviado aos membros desta Assembleia, dizem os Srs. Drs. Custódio Pires Carrondo e Francisco da Silva Calejo, na sua comunicação sobre o estado actual do problema da lavagem de lãs em Portugal, a p. 56:
Se reavivarmos agora tudo quanto se disse até aqui em matéria de deficiências de instalação e de vícios de técnica de lavagem, somos levados a concluir que a algumas lãs nacionais são, pela indústria, atribuídos defeitos de que elas nunca enfermaram na origem.
E mais adiante:
Com estas resumidas considerações tivemos em vista demonstrar como se origina o descrédito duma matéria-prima que, sem se atender a categorias ou classes, possuía, muitas vezes, na origem melhores características têxteis do que mostra finalmente ao ser distribuída à indústria.
Donde se conclui que a utilização duma boa técnica de lavagem de lãs em Portugal é uma condição indispensável para a resolução do problema lanar português.
Eis por que consideramos que a defesa das lãs incumbe essencialmente à lavoura, já porque a indústria afirma que a lã nacional não só a não satisfaz, como ainda que não pode ser obrigada a adquiri-la em bruto quando a consome classificada e lavada. Porque se estranha pois que a lavoura queira encarregar-se de apresentar as suas lãs tal como as utiliza a indústria, procurando tirar delas todo o partido que os técnicos dizem ser possível tirar p que a indústria, no dizer dos mesmos técnicos, mio tira?
É isto que não conseguimos compreender.
J lá muito que a lavoura vem diligenciando obter a possibilidade de tratar as suas próprias lãs, mas parece que a indústria, apesar de todo o mal que delas diz, não pode conceber que à lavoura seja concedida tão legítima e justificada vantagem, e quando se dá um embate de interesses entre a lavoura, que espantosamente se sacrificou durante a guerra, e a indústria, que com ela desmedidamente enriqueceu, é quase certo que é a indústria que se atende e a lavoura que se esquece.
Já assim foi com o leite, injustiça por tal forma flagrante que a lavoura ainda se não conformou nem conformará.
O Sr. Luís Cincinato da Costa: - Foi e ainda é.
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão.
O lavrador vive curvado sobre a terra, que ó o seu martírio e o seu amor, mas essa curvatura é apenas física, porque mantém firme e erecta a independência do seu carácter. Por isso não é assíduo nas antecâmaras ministeriais, não adula, não intriga, não pede, não suplica; apresenta-se com as suas razões, com o que julga ser o seu direito, a sua razão, e aguarda que lhe façam justiça.
Suponho que não seria legítimo decepcioná-lo quando, em defesa do seu interesse legítimo, o move também um desejo de perfeição salutar, conveniente, necessária à economia nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente:- A próxima sessão será na terça-feira, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Artur Proença Duarte.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique de Almeida.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Luís da Silva Dias.
José Pereira dos Santos Cabral.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Ricardo Malhou Durão.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Maria Pinheiro Torres.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Querubim do Vale Guimarães.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - M. Ortigão Burnay.
Projecto de lei enviado para a Mesa, no decurso tia sessão de hoje, pelo Sr. Deputado Mendes de Matos:
Projecto de lei
I
Em defesa do fortalecimento da unidade nacional, tem a política do Estado Novo procurado restabelecer os vínculos morais, constituídos pelas mais lídimas tradições da nossa história, e nesta sobressai, como tutelar da própria independência, o culto da Padroeira. Nossa Senhora da Conceição.
À expressão dogmática e litúrgica desse culto andou sempre aliado o júbilo patriótico do povo português, fortalecido pelo consenso unânime dos seus representantes em todas as classes e graus da hierarquia social.
Nesse culto brilham os mais puros sentimentos e os mais fortes ideais que distinguem o temperamento português; e a ele se ligaram indissoluvelmente as datas mais gloriosas e os lances mais decisivos da vida da Nação.
Nesta realidade histórica se apoiou a determinação que durante séculos considerou a festa cristã do dia 8 de Dezembro como de grande gala nacional. E o esplendor cristão e cívico de que ela se revestiu permite asseverar que esta data figurou sempre no calendário patriótico do nosso povo como festa da independência e dia da acção de graças nacional, à semelhança dos que depois vieram a ser instituídos por outras nações que zelam com particular empenho os vínculos da sua unidade e todos os factores da sua grandeza.
E nem perderá dizer-se que esta tradição se encontro amortecida, pois não só permaneceu sempre viva na alma popular, mas recebeu, com os acontecimentos de Fátima, um rejuvenescimento e afluxo de novas forças espirituais, como o provaram as grandiosas manifestações ocorridas recentemente em várias terras do País e nomeadamente, nas ruas da capital; e nem é lícito duvidar do reflexo patriótico desta nova realidade, em face da sua crescente projecção internacional.
Finalmente, se o respeito pela secular tradição não suscita dúvidas, também as não oferece a oportunidade e a conveniência de fazer a sua afirmação política através da providência que se propõe.
Na luta acesa, nesta hora, contra internacionalismos económicos e políticos, sairão vencedoras as nações quo melhor souberem defender e fortalecer a sua personalidade histórica, e esta encontrará nas fronteiras morais, hoje como sempre e agora talvez mais do que nunca, valioso apoio para a resistência às incursões estranhas, que fiam do enfraquecimento do carácter nacional um fácil triunfo.
Tudo o que possa interessar ao fortalecimento dos ideais e sentimentos que forjaram o carácter português terá de haver-se, neste momento histórico, como de alta conveniência e decisiva oportunidade, e por isso uma e outra militam a favor do restabelecimento do feriado nacional do dia 8 de Dezembro, previsto no artigo 1.º do presente projecto.
II
Não menos justificadas e oportunas se afiguram a reafirmação e melhor execução do repouso dominical, já previsto no artigo 26.° do Estatuto do Trabalho Nacional, e a revisão e possível ajustamento dos feriados nacionais aos dias festivos da Igreja, previstos nos artigos 2.º e 3.°
O respeito pela justa liberdade de consciência de todos os portugueses é não só um (preceito da Constituição Política, mas igualmente uma imposição da ética do Estado Novo, ao propor-se restaurar os grandes valores da coesão nacional e corrigir os desvios que se opõem à sua eficiência.
Neste propósito se adiantou o Estado Português às aspirações, saídas da última guerra, de incluir a liberdade de crenças entre os fundamentos da paz e da segurança social.
A liberdade e inviolabilidade de crenças e práticas religiosas, estatuída no artigo 8.° da Constituição Política Portuguesa, não passaria, porém, do domínio teórico se não fosse estabelecido o condicionalismo jurídico e prático que tornasse normalmente possível o seu exercício; por tal motivo estabeleceu o artigo 19.° da Concordata com a Santa Sé que «o Estado providenciará no sentido de tornar possível a todos os católicos que estão ao seu serviço ou são membros das suas orga-
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nizações o cumprimento dos deveres religiosos nos domingos e dias festivos».
As determinações dos artigos 2.° e 3.° do projecto encontram, pois, plena justificação no espírito da Constituição e da Concordata.
Recordaremos ainda o bom propósito já manifestada de criar um condicionalismo jurídico favorável à solução do problema no texto do § 1.° do artigo 26.° do Estatuto do Trabalho Nacional, onde se determinou que «as exigências dos serviços serão quanto possível harmonizadas Com o respeito dos feriados civis e religiosos observados pelas localidades ».
A prática tem, porém, demonstrado claramente como esta solução parcelar é insuficiente, urgindo encarar o problema no plano nacional e na solução definitiva reclamada pela lógica dos princípios, pelo respeito devido à tranquilidade das consciências e pela defesa dos superiores interesses da Nação.
III
Poderia a Assembleia Nacional tomar sobre si mesma o encargo de resolver o problema, decretando feriados nacionais todos os dias santos, a exemplo do que noutras nações se tem feito.
Não se julgou, porém, sei- esta a solução mais consentânea com a política consagrada pela Concordata com a Santa Sé.
Não só o número de dias feriados assim estabelecidos poderia afigurar-se excessivo, mas o próprio meio unilateral de obter a solução não pareceu o mais conveniente, antes se julgou preferível que a solução resulte de um possível entendimento complementar entre os dois poderes.
Por esta razão se propõe que o Governo, nesta parte, possa encarar o problema em toda a sua amplitude, fazendo a revisão dos feriados que consagram as grandes datas nacionais e promovendo o possível ajustamento entre os que devem subsistir e os dias festivos da Igreja Católica.
Pelo exposto, tenho a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º 15 restabelecido o feriado nacional do dia 8 de Dezembro.
Art. 2.º O domingo será considerado o dia de descanso semanal em todo o País. Ë da exclusiva competência do Governo autorizar as excepções que os serviços de interesse público justificarem.
Art. 3.° O Governo promoverá a revisão dos feriados nacionais e o seu possível ajustamento aos dias santos preceituados, pela Igreja Católica e às grandes datas da história nacional.
Documentos que se publicam a requerimento do Sr. Deputado Henrique Galvão e com vista a uma sua intervenção antes da ordem do dia:
Comissariado do Governo junto da Companhia do Caminho de Ferro de Benguela.-N.° 5.-Lisboa, 3 de Fevereiro de 1947.-Ex.mo Sr. chefe do Gabinete de S. Ex.ª o Ministro das Colónias.-Em referência ao ofício de V. Ex.ª n.º 264, proc. 75-47, de 25 de Janeiro findo, recebido em 27, venho', em cumprimento do despacho de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, prestar as informações solicitadas.
O orçamento da Companhia inclui todos os anos verba destinada à conservação e reparação das estradas do Estado (anexo n.° 1).
Não há a tal respeito qualquer reclamação da colónia de Angola, que tenha chegado ao meu conhecimento.
Informa a Companhia que tem feito reparações em estradas, pontões e pontes -até mesmo a construção de algumas pontes-, de acordo com as autoridades da colónia.
Isto quanto ao que se tem passado desde 1939.
Relativamente ao período que decorre de 1926 a 1938, consultado o arquivo do Comissariado, vou expor o que dele consta.
Em 22 de Junho de 1926 a Companhia enviou ao comissário do Governo, com ofício n.° 25, um requerimento dirigido a S. Ex.ª o Ministro das Colónias (anexos n.ºs 2 e 3).
Neste requerimento, que foi remetido ao Ministério das Colónias, Direcção Geral das Colónias do Ocidente, pelo comissário do Governo, com ofício n.° 32, de 25 do mesmo mês (anexo n.° 4), a Companhia propõe a substituição da condição 4.a do diploma legislativo n.° 88 por uma das duas imposições que a seguir transcrevo :
«a) A Companhia entregaria ao governo, pela forma que este julgasse mais conveniente, mensal ou anualmente, uma quantia a determinar, como remição da obrigação que lhe foi imposta, e que o governo empregaria na reparação e conservação das estradas pela forma que julgasse mais conveniente;
b) Dada a urgente necessidade que existe de acudir àb corrosões que se estão dando na restinga do Lobito e que só podem ser combatidas com obras de relativa importância e dispendiosas, seguidas de uma conservação constante e bem orientada -trabalhos estes que de há muito vêm sendo reclamados e que, pertencendo ao governo, este não tem podido efectuar por falta de recursos-, a obrigação de conservação e reparação de estradas seria substituída pela conservação e reparação da restinga do Lobito ».
Alegava a Companhia, como justificação da proposta, que a redacção da condição 4.a poderia vir a ser, pela sua imprecisão, uma causa de permanentes discordâncias. A definição exacta das obrigações dela derivadas não parecia também coisa fácil de fazer, dado o processo seguido na reparação, conservação e construção de estradas, que não permitiria uma exacta pormenorização de todos os encargos. Tinha chegado a Companhia a esta convicção em consequência do estudo que fizera com o objectivo de «preparar os seus meios de trabalho» e de «fazer uma ideia aproximada da quantia indispensável a reservar para esse fim».
Pelo ofício n.° 661, de 9 de Setembro de 1926 (anexo n.° 5), a Direcção Geral das Colónias do Ocidente comunicou ao comissário do Governo que o requerimento merecera o despacho: «Concordo em princípio com a doutrina expendida na última parte do (parecer de S. Ex.ª o Alto Comissário, que vem a lápis encarnado, devendo proceder-se pela forma por ele indicada para interior resolução».
Foi este despacho comunicado à Companhia pelo comissário do Governo pelo ofício n.° 6, de 19 de Outubro de 1926 (anexo n.° 6).
Depreende-se da leitura do novo requerimento que a Companhia faz em 19 de Janeiro de 19.28, enviado ú Direcção Geral das Colónias do Ocidente com o ofício n.° 4, de 24 do mesmo mês (anexos n.ºs 7 e 8), que o parecer mencionado no despacho atrás transcrito preconizava que em Angola se procedesse ao estudo do problema, de forma a estabelecer uma base para a fixação da importância a pagar em substituição das obrigações impostas pela já referida condição 4.a No requerimento a que me refiro no período anterior, pede que fique em suspenso o cumprimento das obrigações impostas pela cláusula 4.a do contrato para a prorrogação do prazo da construção enquanto pelo Governo da metrópole não for definitivamente, despachado o pedido da Companhia,
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apresentado pelo s«u requerimento de 23 cie Junho de 1926.»
Até 10 de Abril de 1920 nada anais encontro que se refira a este caso.
Nesta data foi remetida u Direcção das Colónias do Ocidente, com o ofício n.° 25, cópia a do ofício n.° 30, do mesmo dia, do administrador-delegado da Companhia e conjunta m ente cópia do ofício n.º 18, de 19 de Janeiro de 1929, que pelo mesmo senhor fora endereçado a S. Ex.ª o Alto Comissário de Angola (anexos n.ºs 9 a 11).
Trata o ofício n.° 30 da Companhia da [proposta para um empréstimo de £500:000 a fazer pela Companhia à colónia de Angola, destinado às obras do porto do Lobito. Este empréstimo venceria o juro de 6 1/2 por cento ao ano e seria amortizado no prazo de vinte anos. Nele se propõe, em troca da revogação da condição 4 a do diploma legislativo n.º 88, «a isenção dos juros e da amortização respectivos durante os primeiros cinco anos». O prazo da amortização continuaria a ser de vinte anos, contados a partir do termo dos cinco anos da isenção. Do ofício dirigido a S. Ex.ª o Alto Comissário de Angola constam as «bases de um entendimento para a exploração em comum - pelo Estado e pela Companhia - do porto do Lobito».
Desejava a Companhia que a questão fosse posta ao Sr. Ministro das Colónias, para conhecer das possibilidades da aceitação da (proposta por parte do Governo.
Fazem supor estes ofícios que previamente tinha havido entendimento verbal com S. Ex.ª o Alto Comissário e que este entendimento se estabelecera com o acordo de S. Ex.ª o Ministro das Colónias.
O Ministério das Colónias respondeu a esta consulta com o ofício n.° 390/560, de 27 de Abril de 1929 (anexo n.º 12), comunicando que em princípio era aceite aquela operação financeira, «podendo o conselho de administração da Companhia apresentar a S. Ex.ª o Alto Comissário da República em Angola uma proposta concreta sobre o assunto». Diz mais que, se a proposta for submetida «à aprovação do Poder Central, será naturalmente aprovado, desde que fiquem convenientemente salvaguardados os interesses do Estado».
Nesse mesmo ofício e por ordem de S. Ex.ª o Ministro é sugerida a conveniência, para se chegar a uma unis rápida solução, de ser apresentada directamente no Ministério das Colónias a proposta citada.
O ofício n.° 390/565 do Ministério das Colónias foi transmitido à Companhia pelo comissário do Governo com o ofício n.º 9, de l de Maio de 1929 (anexo n.° 13).
Pelo ofício n.º 38, de 2 do mesmo mês, a Companhia informou o comissário do Governo de que contava apresentar a proposta relativa no empréstimo de £500:000 dentro de poucos dias, propósito este de que foi dado conhecimento ao Ministério das Colónias em ofício n.º 34, de 4 do referido mês, do comissário do Governo (anexos n.ºs 14 e 15).
Efectivamente, em 6 de Maio a Companhia apresenta a proposta definitiva (ofício n.º 39, de 6 de Maio de 1029, anexo n.° 16).
Imagino que esta proposta tenha sido entregue pessoalmente no Ministério das Colónias pelo comissário do Governo, pois não encontrei ofício de remessa, e uma referência que em correspondência ulterior lhe é feita parece indicar que deve ser posta de parte a hipótese do outra coisa ter sucedido.
Em 12 de Outubro de 1929 u Direcção Geral das Colónias do Ocidente, em ofício n.° 862/574, dizia ao comissário do Governo, em virtude de despacho de S. Ex.ª o Ministro, que informasse acerca da importância que o Caminho de Ferro de Benguela estaria disposto a pagar, por uma só vez ou em anuidades, pelo resgate da condição 4.a do contrato de prorrogação, conforme o requerimento apresentado em 1926. Disto foi fiado conhecimento à Companhia pelo ofício n.° 18, de 15 de Outubro de 1929, do comissário do Governo (anexos n.ºs 17 e 18).
Ao ofício do Ministério das Colónias n.° 862/574 respondeu o comissário do Governo, em 23 do mesmo mês no ofício n.º 71} remetendo o ofício n.º 73 da Companhia, datado de 18 (anexos n.ºs 19 e 20).
Neste ofício declara a Companhia que entregaria anualmente à colónia de Angola a quantia de £ 10:000, em troca da anulação da cláusula em questão.
Com o ofício n.° 71 foram igualmente enviadas ao Ministério cópias dos documentos mencionados no ofício n.° 73 da Companhia.
Estes documentos eram constituídos pelas cópias dos requerimentos apresentados pela Companhia em 23 do Junho de 1920 e 18 de Janeiro de 1928 e dos ofícios n.ºs 30 e 39, respectivamente de 30 de Abril e G de Maio de 1929, da Companhia para o comissário do Governo (anexos n.ºs 10 e 16), e ainda pelas cópias do ofício n.° 1:165/1-F/26, de 25 de Outubro de 1928, do director do porto do Lobito para o director da exploração em África, e pêlos ofícios n.º 317-P 3/9 e 326-P 3/9, respectivamente de 29 de Novembro e 13 de Dezembro de 1928, dirigidos por este funcionário da Companhia àquela autoridade (anexos n.° 21, 22 e 23).
Para melhor compreensão dos ofícios n.ºs 317-P 3/9 e 320-P 3/9, indicados no período anterior, entendi dever juntar cópias dos ofícios n.08 1:243 e 1:240, respectivamente de 11 e 14 de Novembro de 1928, da Direcção do Porto do Lobito para a Direcção da Explorarão em África (anexos n.ºs 24, 25, 26 e.27).
Verifica-se desta documentação que foi determinado à Companhia que desse começo à execução dos trabalhos de reparação impostos na condição 4.a do diploma legislativo n.º 88. a partir de l de Dezembro de 1928, e ainda que pagasse ao Estado as despesas correspondentes aos imos de 1920-1927 e 1927-1928.
O director da exploração contestou o direito de exigia tal pagamento, adoptando igual procedimento quando a Repartição de Fazenda do Lobito lhe, fez a correspondente notificação em virtude do despacho de S. Ex.ª o Alto Comissário, constante dos documentes juntos por cópia.
Nada mais aparece até 15 de Maio de 1933, data em que o Gabinete de S. Ex.ª o Ministro das Colónias dirige ao comissário do Governo o ofício n.° 304 (anexo n.º 28), no qual se diz que o Sr. Ministro é de parecer que se deveria resolver a questão pendente das estradas em termos justos, substituindo-se a actual obrigação que a Companhia tem pelo pagamento de unia anuidade fixa não inferior a 2:000 contos, a pagar nos anos de 1932-1933 e seguintes».
Feita a comunicação à Companhia (ofício n.º 8, de 16 de Maio de 1933, do comissário do Governo, anexo n.º 29), a ela retorquiu a Companhia no ofício n.º 20, de 17 do mesmo mês (anexo n.° 30).
Neste ofício historia a Companhia as suas o feitas e, ao mesmo tempo, as dificuldades financeiras em que se encontra.
Cita os encargos da conservação da linha e material circulante que constantemente se estão acentuando; acaba, por declarar que não encontra vantagens, nem para o Estado nem para ela Companhia em alterar o estabelecido, acrescentando: «assim, com maiores ou menores dificuldades, irá a Companhia dando cumprimento à condição 4.a».
Deste ofício da Companhia foi enviada cópia ao Gabinete, em 17 do Maio de 1933, pelo comissário do Governo, com ofício n.º 28 (anexo n.° 31).
Nada mais encontrei respeitante a este caso.
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Juntamente devolvo a V. Ex.ª, conforme me é solicitado, o ofício n.° 10:004, de 16 de Janeiro próximo passado, da Presidência do Conselho.
A bem da Nação.
O Comissário do Governo.
Sobre e requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Henrique Galvão, pedindo esclarecimentos referentes à obrigação que, pela cláusula 4.a do diploma legislativo n.° 88 (decreto), de 9 de Dezembro ,de 1925 (Boletim Oficial n.º 6, de 20 de Fevereiro de 1926), compete à Companhia dos Caminho de Ferro de Benguela, relativamente aos «trabalhos de reparação e conservação das estradas de acesso às estacões da linha, dentro da zona, da sua antiga concessão mineira», cumpre-me informar que nesta Repartição não existem elementos pêlos quais se possa satisfazer o pedido.
Apenas se encontram no processo respeitante à ligação por estrada da nossa colónia com a Rodésia do Norte algumas referências ao assunto, as quais constam dos seguintes documentos:
Ofício n.º 97 (confidencial), de 5 de Maio de 1937, do governo geral de Angola, tratando da referida ligação:
Quanto aos recursos financeiros para a reparação e conservação da estrada e para construção das pontes, julgo que ao Caminho de Ferro de Benguela compete toma-los a seu cargo, não ,só por ser àquela entidade que directamente interessa nina tal via de comunicação, mas também em satisfação da cláusula 4.a do decreto n.º 88, de 9 de Dezembro de 1925.
Por falta do cumprimento exacto da referida cláusula, o Caminho de Ferro de Benguela tem para com o Estado elevados compromissos materiais por saldar. Seria talvez agora boa ocasião para os ter em conta, liquidando parte, em seu próprio e quase exclusivo benefício.
Informação n.° 31, de 2 de Julho de 1937, que sobre o mesmo assunto prestou a Direcção Geral ,de Fomento Colonial:
A doutrina da condição 4.a do diploma legislativo colonial n.° 88 (decreto) nunca teve até agora integral aplicação. Foi realizada a carta da rede de estradas cuja conservação impende sobre a Companhia do Caminho de Ferro de Benguela e foi aprovado o caderno de encargos a que devem obedecer os trabalhos (despacho do Alto Comissário Sr. coronel Vicente Ferreira). Mas, porque se julgou conveniente substituir a obrigação imposta pelo pagamento de uma anuidade, o assunto tem estado desde 1929 a ser considerado pêlos organismos do Ministério das Colónias, sem que até hoje se lograsse uma solução.
Neste lapso de tempo as condições modificaram-se inteiramente e pontos de vista que há oito anos eram de admitir representam hoje situações inaceitáveis. Entretanto a Companhia tem tratado de reparar e conservar alguns troços de estradas de acesso ao caminho de ferro sem que isso represente, no entanto, o integral cumprimento da condição 4, do diploma n.º 88 e sem que também se lhe possa atribuir a responsabilidade completa pela falta de ampliação dos trabalhos a todos os traçados que se dirigem ao Caminho de Ferro de Benguela.
A mesma informação que trata da referida ligação acrescenta «que só há inconvenientes em ligar esse problema com o da execução da condição 4.a do diploma legislativo n.° 88: Efectivamente a junção dos dois assuntos vem, com certeza, protelar por muito tempo a realização do objectivo que agora se tem em vista, dada a complexidade das questões suscitadas à volta da condição referida».
E, finalmente, a mesma informação formula cinco conclusões relativas à referida ligação e acrescenta a sexta e última, relativa à referida obrigação fia Companhia, do seguinte teor:
Que deve ser considerado o processo respeitante à execução do disposto na cláusula 4.a do diploma legislativo n.° 88 (decreto), de 1925.
O assunto foi em seguida submetido ao parecer do Conselho do Império, o qual se pronunciou apenas sobro o assunto da consulta, que era o da ligação da colónia de Angola com a Rodésia do Norte.
Desconhece-se por isso nesta Repartição a forma como foi dado cumprimento à referida obrigação.
21 de Janeiro de 1947. - O Chefe da Repartição, Afonso Brandão de Vasconcelos.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA