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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 100
ANO DE 1947 12 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 100 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 11 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes
Nota.- Foi publicado um suplemento ao Diário das sessões n.º 96, que contém o relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Foram publicados também dois suplementos ao diário das Sessões n.º 99 o 1.º contém o parecer da Comissão de Contas da Assembleia Nacional acerca das contas da Junta do Crédito Público referente ao ano económico de 1945 e o 2.º o parecer n.º 20 da Câmara Corporativa, acerca da proposta de lei n.º 153(imposto sobre sucessões e doações).
SUMARIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 96, 97, 98 e 99 do Diário das Sessões. Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera, e já mandará distribuir pelos Srs. Deputados, o relatório geral da comissão de inquéritos aos elementos da organização corporativa e o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1945, documentos esses que estão apreciados na próxima semana.
O Sr. Deputado Antunes Guimarães solicitou a abolição de tudo o que impeça o abastecimento público e a acção normal do comércio.
O Sr. Deputado Teotónio Pires pediu, mais uma vez, a criação de uma escola do magisbério primário na cidade de Angra do Heroísmo.
O Sr. Deputado Henrique Galvão manifestou-se contra o facto de serem nomeados para certos lugares públicos pessoas que não têm para tal a necessária competência.
O Sr. Deputado Pacheco de Amorim reforçou as considerações feitas pelo Sr. Deputado Albano de Magalhães na sessão anterior sobre o decreto-lei n.º 35:886.
Ordem do dia.- Prosseguiu o debate acerca do problema das lãs, suscitado pelo aviso prévio do sr. Deputado Figueiroa Rego.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Soares da Fonseca, Bagorro de Sequeira e Rui de Andrade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Ferreira Finto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Cortês Lobâo.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Diogo Pacheco de Amorim.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
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Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano A morim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Bocha Pariu.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Lufo Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
ntes da ordem do dia
O Sr. Presidente: -Estão em reclamação os n.ºs 96, 97, 98 e 99 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pede a palavra sobre os Diários, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Representações
Da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal, com sede no Porto, pedindo que o projecto de lei sobre o inquilinato seja discutido na actual legislatura, dada a importância do problema.
Da Associação Lisbonense dos Proprietários, em idêntico sentido.
Exposições
Subscritas por Virgílio Costa, Alfredo Tavares da Silva, Manuel Joaquim Gato, Miguel Cana varro e Manuel Cláudio Nunes, em que discordam do projecto de lei sobre o inquilinato.
Subscritas por Maria do Lourdes Campos do Melo e João Tristão Vaz, de apoio ao projecto de lei sobre o inquilinato.
Subscrita por José Augusto Martins Ribeiro, em que, a propósito das considerações do Sr. Deputado Albano de Magalhães sobre a desigualdade nos vencimentos dos aposentados e reformados do Estado, refere que a mesma desigualdade se verifica nos servidores das câmaras municipais, em relação aos quais devem ser tomadas igualmente providências.
Telegramas
Do Grémio da Lavoura do Crato, aplaudindo as intervenções dos Srs. Deputados Figueiroa Rego e Nunes Mexia no debate sobre o problema das lãs.
Subscrito pelo lavrador Joaquim Filipe Rosado Fernandes, em que, a propósito do debate sobre o problema das lãs, manifesta a necessidade de se proteger a lavoura o se evitar a importação dos produtos que o País pode produzir.
Petição
Subscrita por diversos habitantes e proprietários do lugar de Vidual, concelho de Pampilhosa da Serra, em que se protesta contra as expropriações efectuadas naquela localidade pela Companhia Eléctrica das Beiras, solicitando-se a esse propósito o cumprimento do disposto no decreto n.° 28:037.
O Sr. Presidente: - Veio hoje da Imprensa Nacional o suplemento ao Diário das Sessões n.° 90, que contém o relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Chamo para esse relatório a atenção dos Srs. Deputados, visto entrar em discussão na próxima semana.
Veio também da Imprensa Nacional o parecer sobre as Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1945.
Peço também para esse parecer a atenção da Câmara, porque as referidas Contas deverão também ser postas à discussão na próxima semana.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia e solicitados pelo Sr. Deputado Querubim Guimarães.
Estão também na Mesa, fornecidos pelo Ministério da Economia, os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Armando Cândido.
Estes elementos vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Antunes Guimarães.
O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: na recente posse da Comissão Executiva da União Nacional o Sr. Presidente do Conselho, insigne chefe daquele organismo político, em seu notável discurso afirmou «que a nossa legislação de guerra, sobretudo no respeitante ao abastecimento público e ao condicionamento das actividades económicas, pesa duramente sobre o povo e nós não temos outro desejo além de irmos restabelecendo à medida que for possível uma liberdade saudável. Aguardamos apenas a realização de condições convenientes para que o remédio não seja pior do que o mal que se destina a curar».
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Estas palavras caíram como bálsamo confortante sobre a Nação, ansiosa pelo restabelecimento daquela liberdade saudável a que se alude no oportuníssimo excerto que venho de citar.
As restrições que há tanto tempo a vêm enleando, dificultando-lhe a circulação, quebrando iniciativas e entorpecendo-lhe os movimentos quase até à vertigem, acabariam por atrofiar as actividades se a legislação sobre abastecimentos e a que tão apertadamente vem condicionando as actividades económicas não lograsse desde já atenuação para ir sucessivamente evoluindo a caminho da tão desejada liberdade saudável.
Sr. Presidente: os nós constritores que assim vinham afligindo a Nação já começaram a ser aliviados e assim foi-me grato ler as afirmações do dinâmico Ministro da Economia, umas constantes dos seus primeiros discursos quando tomou posse daquela pasta, outras em oportunas comunicações feitas à imprensa, e as ouvidas pêlos grémios da lavoura do Norte, a modo de programa de Governo, às quais se seguiram diplomas assinados por ele ou pêlos seus ilustres Subsecretários de Estado a confirmar as promessas feitas.
A algumas daquelas acertadas providências, que tão bem calaram na opinião pública, já tive ocasião de aludir nesta Assembleia.
Mas os jornais de ontem publicaram mais dois diplomas de teor a que não estávamos habituados e que entendo dever destacar, pela sua grande projecção na economia nacional.
Um, assinado polo distinto Subsecretário do Estado do Comércio e Indústria, torna livre e manda facilitar a importação de géneros, não contingentados internacionalmente, necessários ao abastecimento público, deixando aos comerciantes o risco inerente às respectivas transacções.
Serão abortos concursos para os contingentes de importação que forem julgados oportunos e as formalidades burocráticas devem simplificar-se ao máximo.
Desta forma, e desde que o critério equilibrado e esclarecido dos ilustres titulares da pasta da Economia oriente as importações de forma a que, juntamente com as necessidades inadiáveis do abastecimento público, se atenda também aos legítimos interesses da produção nacional, que cada vez mais se impõe, não só defender, mas estimular, muito se deve melhorar, assim o espero, a importação de subsistências e do mais que nos vem faltando, porque a longa experiência e o interesse legítimo do comércio não serão entravados com formalidades burocráticas incomportáveis, intromissões de entidades sem a prática e especialização precisas e a incerteza sobre o destino e os resultados das respectivas operações.
Sr. Presidente: o outro diploma é sobre o muito discutido problema dos lacticínios.
Poucos dias são volvidos sobre as afirmações a tal respeito feitas pelo ilustre Ministro da Economia e já os interessados tiveram o conforto de ler que fora ordenada a suspensão da portaria n.° 9:733, de 10 de Novembro de 1041, que definira as zonas obrigatórias de abastecimento do leite às indústrias.
Esta suspensão é, como se compreende, a título transitório, porque a orientação definitiva em assunto de tanta importância, e no qual há multiplicidade do interesses a considerar, dependerá do estudo circunstanciado que vai fazer-se imediatamente.
Mas, disse eu, embora a título transitório, aos interessados não deixará de confortar a notícia de que o problema vai ser, finalmente, revisto, para que se chegue a uma forma justa e economicamente oportuna; e, entretanto, a suspensão da referida portaria, que tantos protestos determinara, evitará que a situação continue a agravar-se.
Sr. Presidente: outros sectores de trabalho em que os movimentos vinham sendo e continuam sujeitos a cerceamentos que, se tiveram justificação ou lhes deram explicação em face de razões que, felizmente, já não subsistem, já não se compreendem, aguardam, sobretudo perante estas mostras de redução de restrições, que tão acertada orientação os beneficie também.
No vasto e fundamental domínio da vitivinicultura, que já vinha agradecendo algumas facilidades que têm atenuado, embora tenuemente, a legislação draconiana a que a sujeitaram, com temor de uma sobreprodução que nunca existira, mas que fora lamentavelmente confundida com sintomas de subconsumo, aguarda-se também que as respectivas restrições de plantio se reduzam ao estritamente indispensável, tendo em consideração o nosso aumento demográfico, a alta de poder de compra da parte de algumas classes e as possibilidades de exportação, dia a dia verificadas, mas sem prejuízo da política da qualidade do vinho, que importa manter inflexivelmente.
A Nação aguarda confiadamente que o problema seja devidamente resolvido por nós quando V. Ex.ª o incluir na ordem do dia.
Mas vai registando que no Pais, por excelência indicado para a cultura vitivinícola, o vinho mal chega para o consumo nacional e há urgência em importar 2 milhões de litros de álcool, porque se verifica a sua falta absoluta no mercado.
Sr. Presidente: permita mais algumas palavras para aludir à notícia que a imprensa publica hoje sobre a cessação do rigoroso regime de guias para o trânsito de produtos de salsicharia.
Assim se vai aliviando a pressão que tanto vinha dificultando o trabalho e prejudicando o indispensável abastecimento público.
Bem hajam os estadistas que traçaram e seguem tão acertada orientação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Teotónio Pires: -Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar à consideração da Assembleia Nacional e à decisão do Governo um assunto que reputo de magna importância, não só para o círculo eleitoral que represento, mas também para a causa da educação nacional.
Trata-se da criação de uma escola do magistério primário na cidade de Angra do Heroísmo, capital do distrito do mesmo nome.
Pelo decreto-lei n.° 33:019, de l de Setembro de 1943, foram criadas escolas do magistério primário, que funcionam nas cidades do Funchal e de Ponta Delgada. Mais tarde, em 7 de Dezembro de 1940, pelo decreto-lei n.° 35:227, foi criada e acha-se em funcionamento na cidade da Horta outra escola da mesma natureza, cujas despesas de manutenção estão a cargo do Estado.
A escola da Horta, conforme o enunciado no relatório do decreto-lei que a criou, propunha-se servir os interesses das populações das ilhas dos dois distritos ocidentais, bastante afastadas da ilha de S. Miguel.
Tais objectivos, porém, não foram completamente atingidos e a Escola do Magistério Primário da Horta está de facto apenas a servir especialmente candidatos das ilhas que compõem o distrito autónomo da Horta.
Para resolvermos certos e especiais problemas de ordem material, moral e espiritual dos povos do arquipélago temos que nos ater aos inelutáveis imperativos geográficos, às deficiências de comunicações interinsulares o às condições económicas peculiares de cada ilha ou grupos administrativos de ilhas.
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Nestas circunstâncias, e não esquecendo os factores de ordem geoeconómica e ainda à luz dos apuramentos estatísticos do recenseamento de 1940, somos levados a concluir, sem que nos possam imputar injustificados anseios bairristas ou meras aspirações decorativas, que é necessária a criação de uma escola do magistério primário na cidade de Angra do Heroísmo.
Pelo referido recenseamento, a população dos três distritos açoreanos era a seguinte: Ponta Delgada, 156:045 habitantes; Angra do Heroísmo, 78:109, e Horta, 52:781, sendo na ilha de S. Miguel 148:018, na Terceira 53:402 e na do Faial 23:579.
Desde há muito que os povos do meu distrito aspiram a ver restaurada a sua antiga escola, do magistério primário, onde os seus filhos possam habilitar-se a ingressar nos quadros docentes do ensino primário elementar.
É legítimo o seu desejo e justa a sua aspiração, sendo certo que as despesas emergentes da criação e manutenção da escola em causa, além de módicas, deverão considerar-se de natureza reprodutiva, porquanto virão a traduzir-se na aquisição e preparação de agentes absolutamente indispensáveis ao elementar progresso moral e material das populações.
E nesta época de incontidos egoísmos e desenfreada sede de lucro é preciso, é indeclinável dever nosso, criar, acalentar e orientar as puras vocações de quem, procurando honestamente ganhar o pão de cada dia, se pretende votar à espinhosa mas nobre missão do sacerdócio do ensino primário.
Nesta ordem de ideias, e fazendo-me eco, nesta Câmara, dos desejos c aspirações dos povos do meu circulo eleitoral, particularmente da ilha Terceira, tenho a honra de solicitar do Governo que, pelo Ministério da Educação Nacional, se digne considerar este meu pedido da criação urgente, na cidade de Angra do Heroísmo, de uma escola do magistério primário, nas mesmas condições e moldes da que se acha em funcionamento na cidade da Horta.
Tenho a antecipada certeza de que a satisfação deste justo pedido encherá de júbilo os povos da minha terra e abrirá caminho a inúmeras fecundas vocações docentes, a bem do ensino primário e a bem da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: como o assunto que pretendo tratar constitui simples pormenor de uma paisagem tão vasta que nela se contém toda a sociedade portuguesa, permita-me V. Ex.ª que o desenvolva, aliás sem o dilatar até proporções reais, partindo do panorama geral para o aspecto particular que me interessa como Deputado por Angola.
Se perguntássemos a cada português responsável, um por um, que critério deve presidir à escolha e nomeação dos homens para o exercício das múltiplas funções que sustentam o mundo português, todos diriam, mais ou menos, que, seja qual for o critério político, ou simplesmente selectivo, é de exigir, como condição fundamental, que as pessoas escolhidas para desempenharem cargos - e em especial os chamados cargos de responsabilidade - ofereçam, além de outras, garantias elementares de competência.
Quer dizer: todos concordariam em que a boa função exige, seja ela qual for, especifica e quantitativamente, o reconhecimento da capacidade funcional. Por consequência, todos discordariam, sem reservas, de critérios ou simples caprichos, que conduzissem, por exemplo, à nomeação de um médico ilustre para dirigir o Conservatório ou à escolha de músico célebre para tratar doentes num hospital.
E discordariam também, naturalmente, de qualquer disposição doutrinária ou legal que, por insuficiência de conteúdo, forma ou redacção, permitisse prover em certos cargos de responsabilidade, cujo desempenho exige conhecimentos ou experiência especiais, quem não tivesse esses conhecimentos ou experiência ou quem, tendo-os, não fossem estes os requeridos pela feição especial do cargo.
Se fizermos a mesma pergunta a certas criações dos homens responsáveis criações que se chamam princípios, doutrinas e leis -, a resposta seria a mesma.
Quer dizer: teoricamente, nada nos falta, nem no entendimento das gentes, nem na letra dos preceitos, para se condenar, sem recurso, o familiar e conhecido artista que é, no dizer cristalino do povo, o s sapateiro que toca rabecão».
E, porque assim é, em boa política e em boa moral, qualquer infracção a este pensamento comum dos homens, expresso em regras severas, de espírito e sentido claríssimos, se considera, conforme a intenção, compreendida numa escala de casos indesejáveis, que principia no erro (infracção bem intencionada) e acaba no escândalo (infracção mal intencionada).
É de lamentar, porém, Sr. Presidente, que na passagem da teoria para a prática, ou dos preceitos para as realidades, ideias e pensamentos tão claros como estes se descomponham. Na verdade, tornam-se dia a dia mais frequentes na sociedade portuguesa - e não só na órbita das actividades directamente regidas pelo Estado- os concertos, digamos subversivos, porque na verdade subvertem uma ordem recomendável, dos o sapateiros que tocam rabecão».
E na frequência não há que lamentar apenas as brilhantes e por vezes inofensivas mediocridades espirituais do engenheiro químico que se consome na poesia lírica, do médico especialista que se gasta em concertos de piano ou do militar que se desperdiça como pintor de arte. Há que sofrer também - e com prejuízos para a grei sobre os quais escuso de tecer considerações - os escultores que se empregam em carvões, os jornalistas que acumulam funções em grémios de. mercearia - e, para não deixar passar em claro um exemplo da questão que ora me preocupa, o homem que se coloca em lugar de relevo nas colónias, onde nunca esteve, porque falhou ou se tornou indesejável na metrópole.
Em resumo: cultivam-se com naturalidade impressionante, e cada vez mais instalada nos costumes, constantes desacertos na aplicação dos valores, que vão desde a inversão profissional - ou seja a transferência da competência para a incompetência- até à protecção pura e simples e à incompetência absoluta.
Devo reconhecer nesta altura, Sr. Presidente, e antes de alcançar o ponto objectivo que pretendo focar, que eu próprio, que ouso chamar a atenção do Governo e da Câmara para este problema quanto à parte que diz respeito à nomeação de pessoal para as colónias, não me sinto isento de pecado pecado de colaboração, pelo menos- na inversão profissional que tão activamente se cultiva na sociedade portuguesa. E digo-o antes que alguém mo lembre: de facto, já lá vão alguns anos, depois de me ter preparado, atenta e devotadamente, para uma carreira colonial e de ter prestado provas que me permitiam usar modestamente o título de colonialista, fui nomeado director da Emissora Nacional, tão naturalmente como se fossem realmente a música e a rádio o destino natural de um colonialista!
Pecado, na verdade, do qual não me absolvem os factos de não ter pedido nem desejado esse lugar e de só o ter aceitado na esperança de realizar nele a ligação radiofónica da metrópole com as colónias. Pecado, porque, como era de esperar, não cumpri bem - e decerto teria levado a Emissora ao descalabro, à desorganização e à
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ruína, se a tempo não se encontrasse para me substituir a alta competência musical e radiofónica da pessoa eminente que hoje dirige os destinos da rádio nacional e a conduziu à situação de impecável esplendor em que actualmente se encontra.
Sr. Presidente: as colónias têm sofrido, por vezes, com justificado amargor, das facilidades que se têm dado a certas pessoas menos indicadas pela sua experiência, conhecimentos e aptidões para alcançarem cargos coloniais que exigem experiência, conhecimentos o aptidões especiais. Tom sofrido e têm-se queixado.
Esta falta de cuidado na escolha das pessoas para determinados cargos de responsabilidade decerto erros, na escala de infracções às boas regras teóricas que atrás referi - teve especial relevo quando se constituíram os quadros dos organismos de coordenação económica dependentes do Ministério das Colónias. E os homens do ultramar, que viam descer sobre eles, para decidir dos seus interesses, orientar as suas actividades e zelar pela sua prosperidade, numerosas pessoas que não conheciam o meio nem os problemas, que ignoravam as realidades coloniais e as suas particularidades, alcunharam estes emigrantes de «paraquedistas». Depois a designação generalizou-se e teve aplicação a todos os sapateiros que apareceram a dedilhar no rabecão colonial.
No entanto, nem as suas queixas, nem os seus remoques tiveram o condão de fazer regressar as coisas aos bons princípios. São ainda lamentavelmente frequentes os casos de «paraquedismo» colonial - o que, além de reduzir o rendimento útil dos serviços e desviar o sentido de uma acção que, nas colónias mais do que na metrópole, deve ser segura e equilibrada, consciente e experiente, tem ainda o inconveniente gravíssimo de generalizar o conceito, praticamente já admitido, de que podem exercer-se nas colónias, sem grave dano para estas, certas funções importantes sem experiência nem preparação coloniais.
No clima deste conceito perigoso, foram nomeados recentemente - há poucos meses - professores auxiliares da Escola Superior Colonial, e ao abrigo das disposições de uma reforma que parece consagrar o conceito, indivíduos sem a menor experiência colonial, alguns que das colónias nem sequer viram a sombra que a terra faz no mar. Entretanto a frequência da Escola, que ainda em 1942 excedia, no 1.° ano, duzentos alunos, caiu, depois dá reforma, até sete - como se os alunos tivessem compreendido também que não precisam preparação para alcançar cargos coloniais.
E, na verdade, para quê um curso especial, findo o qual se vislumbra um lugar modesto de chefe de posto, se quase ao mesmo tempo era nomeado para um cargo elevado da carreira administrativa - nada menos do que inspector administrativo -, sacrificando direitos de funcionários de carreira preparados e competentes, um indivíduo que nunca estivera nas colónias, nem por elas se interessara, e que até à nomeação mais não fora do que delegado do Ministério Público numa comarca da província?
Estes exemplos de «paraquedismo» -isto é: exemplos de infracção a uma regra que todos temos como sadia, ou seja a da exigibilidade de competência provada por parte das pessoas que se investem em funções de importância política, técnica ou administrativa- não têm no entanto a gravidade que assume uma outra nomeação recente e para a qual desejo chamar a atenção do actual Sr. Ministro das Colónias.
É o facto dessa nomeação que determinou a minha intervenção de hoje.
Trata-se de uma portaria de 29 de Janeiro passado e publicada, salvo erro, na 2.a sério do Diário do Governo de 15 de Fevereiro, que nomeia Artur da Silva Rebolo vice-presidente da Comissão Reguladora de Importação
da Colónia de Angola, nos termos do artigo 5.° do decreto n.° 29:714, de 24 de Julho de 1939.
Devo declarar que não conheço pessoalmente o nomeado - que nunca o vi- e que, por consequência, não me movem contra ele quaisquer sentimentos pessoais. Admito inclusivamente, sem esforço, que seja excelente pessoa e muito simpático. Mas sei, porque tive o cuidado de me informar ao ouvir alguns reparos de escandalizados, que o novo vice-presidente da Comissão Reguladora de Importação da Colónia de Angola como se tratasse de organismo recreativo ao qual não estivessem afectos interesses respeitáveis dos colonos e o próprio prestigio da governação da colónia- nunca esteve nus colónias, nem em Angola, nem noutra qualquer, e que as actividades e competência anteriores que o recomendam se limitam ao curso dos liceus, às funções exercidas durante alguns anos como empregado do Casino do Estoril e de outras organizações da mesma empresa e por fim membro do conselho de administração de um jornal da tarde de Lisboa.
Quanto à legalidade da nomeação, aliás sancionada pelo Tribunal de Contas, não há que objectar. O artigo 9.° (e não 5.°) do decreto n.° 29:714, de Julho de 1939, nos termos do qual o Sr. Rebelo foi nomeado, diz apenas:
O presidente e vice-presidente da Comissão serão nomeados pelo Ministro das Colónias, que fixará a sua remuneração.
Nem sequer se resguarda pùdicamente, como é costume, por detrás de certas expressões vagas, muito frequentes nas leis, tais como as da «idoneidade», «em regra», «poderá», etc., e que permitem, de facto, nomear toda a gente!
Quer dizer: a lei não condiciona a nomeação senão quanto à entidade que nomeia. E assim, perante a lei, podem, indiferentemente, ser nomeados presidente ou vice-presidente do organismo regulador da importação do Angola um analfabeto ou um professor da Universidade, um colonialista ou um dentista, uma competência em assuntos de jogo e turismo ou uma competência em questões económicas. Pode perante a lei - que evidentemente se mostra deficiente!- mas não pode, também evidentemente, perante o bom senso, as boas regras e o sentimento elementar das conveniências e interesses da colónia.
Perdeu-se no Sr. Rebelo, certamente, um bom elemento nas actividades turísticas do Estoril, para as quais se deve encontrar excelentemente preparado - mas não se reuniu o mínimo de garantias para que o mesmo senhor pudesse ser nomeado vice-presidente da Comissão Reguladora de Importação da Colónia de Angola.
Creio que todos os meus ilustres colegas estarão de acordo comigo e com todos os portugueses responsáveis que teórica e unanimemente condenam estas coisas.
Eu sei, todos sabemos, que nomeações inadequadas se fazem por vezes, por força ou conveniência de razões políticas, as mesmas razões políticas que não consentem também por vezes a nomeação das pessoas mais indicadas e competentes para certas funções. Mas a este respeito há que considerar, equilibradamente, que a conveniência política que por um lado se supõe realizar, forçando o espírito claro da lei ou abusando das suas insuficiências - cria automaticamente entre os representantes dos interesses feridos pela incompetência uma situação de inconveniência política que é necessário considerar, pois o saldo entre a conveniência e inconveniência - e é o que se dá no caso presente- é geralmente negativo.
Politicamente (e moralmente também) é muito menos inconveniente uma nomeação ilegal, recaindo em indi-
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viduo de comprovada competência o capacidade, do que a nomeação legalíssima que confia um cargo de responsabilidade a pessoa sem preparação para o exercer.
Sr. Presidente: a nomeação está feita, como outras a que me referi - e algumas mais, da mesma fornada testamentária, a que não me referi.
Mas parece-me ainda oportuno chamar para as situações delicadas que tais nomeações vão criar, política e funcionalmente, a atenção de S. Ex.ª o Ministro das Colónias, o qual, aliás -o por isso lhe rendo as melhores homenagens-, já manifestou clara e praticamente a sua intenção de se precaver por todas as formas contra deslizes desta natureza.
Para concluir, antecipando-me aos juízos fáceis e suspeitos que as questões assim postas por vezes suscitara, devo esclarecer os especuladores da política -e também os que receiam a especulação- que o assunto não dá margem para especulações. Trata-se de vício muito antigo em Portugal e que envolve tanta gente que não vejo quem, em trincheira política, seja bastante puro para lançar a primeira pedra. E, assim, não há que acusar regimes, nem partidos, nem situações, nem pessoas - nem isso se pretende. Pretende-se apenas que o regime actual, menos responsável do que aqueles de quem herdou a tendência para a inversão profissional, cuide do problema e o resolva com o espírito construtivo e a segurança com que tem resolvido outros, porventura mais complicados.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Mendes Correia: - Peço a palavra!
O Sr. Presidente:-Sobre que assunto deseja V. Ex.ª fazer uso da palavra ?
O Sr. Mendes Correia: - Sobre as considerações formuladas pelo Sr. Deputado Henrique Galvão.
O Sr. Presidente: - Não há hoje oportunidade para V. Ex.ª usar da palavra, porque o período do antes da ordem do dia está preenchido, mas V. Ex.ª poderá fazer uso da palavra na sessão de amanhã.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: pedi a palavra para declarar que faço minhas as considerações aqui produzidas na última sessão pelo ilustre Deputado
Dr. Albano de Magalhães. S. Ex.ª pôs bem em evidência a ingrata situação criada a certos funcionários aposentados pelo decreto-lei n.° 35:886 e nada tenho a acrescentar a esse respeito porque a questão ficou esgotada. Apenas quero pôr em evidência um aspecto que me parece importante debaixo do ponto de vista moral.
Esse decreto estabelece uma discriminação contra certos reformados, em manifesto desacordo com as tradições do mundo ocidental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na Cristandade sempre se fizeram discriminações, e não é esse princípio que eu quero pôr em causa. Mas as discriminações tradicionais no mundo do Ocidente são em favor dos velhos, das mulheres, das crianças, e não contra, segundo as directrizes do Sermão da Montanha.
Na Rússia bolchevista, sim, que há discriminações que obedecem às conveniências políticas e económicas e por isso favorecem os fortes contra os fracos.
Mas isso é na Rússia, que tem uma escala de valores morais que é por vezes a que resulta de virar a norma do avesso. Assim, há fábricas em que são servidas refeições gratuitas, ou quase, aos operários, isto é, à população válida. No entanto os velhos e as crianças podem estar em casa a passar fome ...
A disposição legal posta em causa pelo Sr. Deputado Dr. Albano de Magalhães ó um precedente perigoso, que abre caminho para outras discriminações mais graves, em mais funda oposição com a sensibilidade e com a consciência da Nação.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -É principalmente por osso motivo, Sr. Presidente, que faço minhas as palavras do Sr. Deputado Albano de Magalhães e me associo aos seus votos para que tal disposição legal seja revogada.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego, acerca do problema das lãs.
Tem a palavra o Sr. Deputado Soares da Fonseca.
O Sr. Soares da Fonseca: -Sr. Presidente: trago ao presente debute só um breve e modesto apontamento, e não tanto para elucidar a Assembleia como para que ela possa elucidar-me a mim.
Pertencendo embora a uma região produtora e transformadora de. lãs, a minha ciência destes problemas não vai muito além do simples conhecimento das suas linhas mais gerais, como toda, a gente.
Sei que o ciclo económico do têxtil lanar abrange os sectores da produção, comércio e indústria; sei que se lhe segue o ciclo económico ido tecido - fábrica, armazém, loja da alfaiataria; sei que no fim destes dois ciclos se encontra uma pessoa desconhecida, simplesmente chamada consumidor; sei que os economistas teóricos são capazes de ver, nos vários intervenientes de ambos os ciclos, autênticos servidores, inconscientes, mas zelosos, desse ignorado consumidor; sei que, não obstante, da economia prática de todos os dias se vê o consumidor, quando simultaneamente não figure nalguma categoria dominante de qualquer destes ou de outros ciclos económicos, feito verdadeiro servo dos seus supostos servidores; sei assim, que se o produtor, o comerciante e o industrial de Ias e o fabricante, o armazenista, o lojista de tecidos e o alfaiate (sem falar já nas operações auxiliares ou acessórias de ambos os ciclos) pretenderem, cada um por seu lado, auferir grandes lucros, terá o consumidor de fazer grandes despesas e andara vergado sob o peso enorme dos muitos lucros de todos eles.
Far-me-ia lembrar a anedota coimbrã do velho professor que, para guardar meia dúzia de vinténs, os gostou numa carteira, ficando depois sem dinheiro para meter dentro dela. Por este andar, também o consumidor se consumiria ao ponto de, para cobrir a pele, ter de largar a mesma pele . . .
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quero com isto significar, Sr. Presidente, a enorme complexidade dos (problemas económicos e n extraordinária dificuldade de, perante eles, se guardar a atitude imparcial que convém ao exame de todas as grandes questões. Ora salvo o devido respeito,
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não pode legitimamente afirmar-se, sob pena de parcialidade, que no presente debate quem se apresente como defensor do consumidor é, no fundo, apenas defensor da indústria. Será, acaso, defensor do consumidor quem apoiai- sem reservas as pretensões demonstradas pela produção?! Tanto ainda na o ouvi. . .
Uma coisa parece indiscutível: o consumidor só será defendido na medida em que (sem injusto sacrifício, embora com menores lucros, de alguns ou de todos os sectores dos dois ciclos económicos apontados) se conseguirem tecidos mais baratos. Ora o custo da matéria-prima é dos factores mais influentes nos preços de consumo.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença? Se ela apenas entra em 25 por cento do valor dos tecidos, não compreendo o raciocínio.
O Orador: - E V. Ex.ª adia pouco? Acresce que nesta matéria, como em tantas outras, entram factores psicológicos. A matéria-prima é o primeiro elemento indispensável ao tecido, aquele sem o qual não existirá tecido. Ora, porque é o primeiro, se for adquirido a altos preços, serve à maravilha, a par dos salários, para o industrial encarecer o custo do produto manufacturado.
Mas continuo a prosseguir no meu raciocínio:
Diante das teses aqui postas, Sr. Presidente, qual é, portanto, a mais vantajosa para o consumidor? A da indústria ou a da produção?
Creio desnecessária a resposta.
Mas quem deseja o efeito procura a causa. Quem quer os fins emprega os meios. Eu pretendo os meios pêlos fins; e não acredito que ninguém nesta Assembleia vise o efeito pela causa. Por isso, se afirmo que me preocupa sobretudo o consumidor, não é nem a indústria, nem a produção, nem o comércio que estou a ver em primeiro plano.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - A esta consideração prévia junto outra: naquilo que disser não vai menos apreço pelo que se passou durante a guerra.
Merece os melhores encómios o esforço da lavoura. Correspondendo ao apelo do Governo e às medidas de protecção por ele promulgadas, fomentou a produção e prestou ao País o alto serviço de lhe fornecer o máximo possível de matéria-prima lanar. Ganhou e ganhámos todos com isso.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Melo Machado: -Afinal, sempre o consumidor lucrou alguma coisa com a lavoura.
O Orador: - Já há dias redargui a V. Ex.ª que o facto de a lavoura ter vestido o consumidor durante a guerra não é motivo para o querer despir agora. Demais, é esse um argumento de pouca monta para o meu fim - o de prestar imparcial e objectivamente justiça a todos. Eu poderia responder-lhe idem per idem, comi igual força ou com igual desvalia, segundo V. Ex.ª preferir: se não fosse a indústria nacional também o consumidor se não poderia ter vestido durante a guerra!
E passo adiante, Sr. Presidente.
Deve-se à indústria grande admiração pela tenacidade com que se desdobrou em prodígios para aproveitar, sem desperdício de nenhuma espécie, toda a matéria-prima e até para ela própria, inclusive, nas varreduras das fábricas, «inventar» matéria-prima. Ganhou e ganhámos todos com isso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E de justiça louvar a feliz actuação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, que coordenou a distribuição das lãs pelas fábricas; vigiou a laboração destas; velou pelo regular abastecimento do mercado; cuidou dos preços e atentamente zelou a sua honesta observância - sem que se notasse aquele desmedido zelo lucrativo da indústria de algodões, onde a diferença entre o custo da matéria-prima e do produto manufacturado chegou a proporções inacreditáveis. Nada ganhou com isso a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, a não ser talvez a dureza com que tem sido «mimoseada» por alguns oradores desta tribuna. Ficou-lhe, ao menos, a alegre satisfação do dever cumprido. E ganhámos nós todos, que pudemos vestir-nos com tecidos de lã a preces razoáveis nas duras circunstâncias daquele momento e sem restrições de maior - pelo menos sem necessidade de se limitar o número de fatos a adquirir e sem proibição de usar dobras nas calças, como sucedeu na industrial Inglaterra.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estes aspectos, todavia . . .
O Sr. Melo Machado: -Então não estará o consumidor tão de luto como V. Ex.ª afirma . . .
O Orador: - Eu diria «não esteve» porque mo refiro às «luras circunstâncias do tempo da guerra, isto é, ao passado, a um período anormal. Mas o aviso prévio refere-se ao presente e ao futuro e eu não posso raciocinar, numa economia de paz, com princípios de economia de guerra. O que é normal em tempos anormais pode ser anormal em tempos normais.
Todavia estes aspectos, ia eu a dizer, Sr. Presidente, por mais simpáticos que sejam, não podem obstar à. legítima defesa do consumidor, à necessária procura de uma baixa no custo da vida, e, portanto, à natural discordância com certas afirmações excessivas ou contraditórias que se pronunciaram do alto desta tribuna.
Apontarei algumas, sem quebra, aliás, da muita estima e alta consideração por todos os Srs. Deputados que produziram tais afirmações.
Considero, por exemplo, excessivo isto de se parecer responsabilizar a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios pelo que se está a passar quanto à importação de lãs estrangeiras o falta de tabelamento das nacionais - já porque não é a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que as importa ou tabela, já porque só ao Governo, e não à Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios, se deveriam pedir responsabilidades, se fossem de pedir, pelo desaparecimento de tabelas para lãs nacionais e pela liberdade de importação das lãs estrangeiras.
O Sr. Nunes Mexia: -Isso é uma questão do palavras.
O Orador: - Não é tal uma questão de palavras. As palavras têm sentido próprio, e não sei entendê-las fora dele; Quando digo Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios não quero dizer Governo e vice-versa. Há sua diferença ...
O Sr. Nunes Mexia: -É indiferente pedir a responsabilidade ao Governo ou aos departamentos que foram criados para executar uma política que infelizmente não foi posta em execução.
O Orador: - Isso, salvo o devido respeito, só mostra falta de lógica. Então a responsabilidade política por um
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acto ministerial de política económica como é o da concessão de liberdade de importação das lãs c o desaparecimento da tabela para as lãs nacionais entende um Sr. Deputado que se pode pedir a entidade diversa do Governo? Ainda se fosse pedir ao Governo responsabilidade pela actuação da entidade que, embora estranha, ele devera fiscalizar, teria algum sentido!
Como V. Ex.ª vê, não se trata de mera questão de palavras.
O Sr. Nunes Mexia: - Mas foi a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios que desrespeitou as normas reguladoras, importando até sem licença.
O Orador: - Isso é já outro problema, que não está na minha ordem de considerações, e, se o vier a estar, V. Ex.ª formulará nessa altura a sua objecção. Mas, por agora, peco-lhe que não misture questões. Eu gosto muito de dividir para ordenar e de ordenar para me fazer entender. Talvez por deficiência minha, quando pretendem fazer-me baralhar as ideias, pondo-lhes de permeio muitas outras, estranhas ao elenco tios meus raciocínios, tenho medo do ficar a não ver bem... Por isso defendo-me da poeira!
Prossigamos, pois.
Julgo contraditório, e é outro exemplo, atacarem-se as orientações da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios e, no mesmo discurso, concluir-se pelo seu mais rasgado elogio, que outra coisa não é, afinal, pedir a organização da produção e do comércio lanares nos moldes da indústria dos lanifícios. Não será isto prova de que a organização deu boas provas, ao menos nas boas mãos que a dirigem?
Tenho também como afirmação excessiva a apresentar como sondo encargo demasiado das lãs os lucros acumulados no mesmo industrial, quando é ele próprio a pentear, fiar e tecer. Deixariam de pesar, ou, pelo contrário, não serão maiores, os encargos quando tais operações se distribuem por várias fábricas? Nisto mesmo se encontra um dos argumentos a favor das moderadas concentrações. Porque não ó em se ganhar por cada operação que está o mal; é em se pretender ganhar domais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, reputo afirmação contraditória acusar-se de simples defensor da indústria quem se mostrar defensor do consumidor e vir-se depois a acabar por ser o melhor defensor da mesma indústria!
É o caso, Sr. Presidente, do ilustre Deputado Sr. Melo Machado - espírito habitualmente ponderado e sempre arguto. S. Ex.ª, comentando o brilhante discurso do também ilustre Deputado e meu prezado amigo Sr. Dr. Cerveira Pinto, chegou a ver neste distinto colega um lobo com pele de cordeiro. No fim de contas, S. Ex.ª mostrou-se um cordeiro a caminhar deliberadamente para a boca do lobo!
O Sr. Gerveira Pinto:-Agradeço muito a defesa de V. Ex.ª, mas eu tenciono defender-me.
O Orador: -Isto não é defesa de ninguém e dela não careceria V. Ex.ª É ataque, ataque a um ponto de vista que julgo menos acertado.
Continuo o meu raciocínio:
Se a indústria viesse a comprar por elevado preço as lãs nacionais existentes nas mãos dos produtores e dos comerciantes, teria magnífico ensejo de tirar maior partido da importação de lãs estrangeiras - e tanto maior partido quanto mais larga tiver sido a importação. O prejudicado seria, mais uma vez, o triste consumidor.
O Sr. Nunes Mexia: - É dos princípios da economia que da intensificação de laboração resulta a diminuição o preço da unidade fabricada, visto que as despesas gerais se dividem por um maior número de unidades.
O Orador: - Valha-me Deus! Mas que prova isso contra aquilo que estou a dizer?! Que terá a intensificação da laboração da matéria-prima, cara ou barata, com o preço da mesma matéria-prima?!
Intensifica-se a laboração quando a matéria-prima custa mais e vice-versa, pela simples natureza das coisas ? E a laboração intensiva resultará sempre mais económica? Mas adiante.
Sr. Presidente: decerto não foi propriamente para vender mais barato que a indústria procurou adquirir lãs mais baratas no estrangeiro. Foi, como parece óbvio, para ganhar mais - porque tentará receber directamente, em lucros, uma parte do menor custo da matéria-prima e, podendo baixar os preços, venderá maior quantidade de produtos manufacturados.
O Sr. Melo Machado: - Se foi para ganhar mais, como tinha de ser, não é a indústria a benemérita que V. Ex.ª pretendeu inculcar...
O Orador:- Pois claro que foi para ganhar mais. Claro também que não é, e nem eu pretendo apontá-la como tal, benemérita, no sentido vulgar da palavra. . . Está nos livros e é da vida que a indústria, assim como a produção e o comerei»), enquanto categorias económicas (e é neste, aspecto que estamos a considerá-los), não são instituições de beneficência.
Mas o que importa ao consumidor é isto: com matéria-prima abundante e mais barata fornecer-lhe-ão tecidos em melhor conta, dentro da respectiva qualidade.
Ora, se o industrial for obrigado a adquirir as lãs nacionais por altos preços, como pretende a lavoura, chegaremos a estas consequências:
Se a lá, nacional vier a ser adquirida ao preço médio da lá estrangeira, o consumidor terá diminuídos os benefícios da importarão.
Se a lã nacional tiver de ser comprada a preço superior ao custo médio da lã estrangeira, como parece que se pretende, de duas uma:
Ou é proibida a lotação das duas lãs, e em tal caso teremos tecidos de lãs nacionais mais caros, relativamente, do que os tecidos de lãs estrangeiras, correndo-se : risco de o público recusar os primeiros e de, portanto, morrer a galinha dos ovos de ouro da lavoura; ou se permite a lotação, com dano grave do consumidor, porquanto lã mais cara adicionada a lã mais barata dará sempre tecido mais caro.
A mistura das lãs poderá fazer-se com base na mais barata; o cálculo do preço do tecido tornará, como termo maior da proporção, a lã mais cara.
É isto o que se pretende?! Parece que sim!
Efectivamente, o ilustre autor do aviso prévio não aludiu aos interesses do consumidor e, antes, partindo do pressuposto dos maiores lucros da indústria, de modo claro preconizou, como suprema finalidade, que «do seu acréscimo lucrativo participe a produção».
Pois a, minha tese é exactamente ao contrário.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença? Tenho ouvido, com muito prazer espiritual, a brilhante dissertação de V. Ex.ª Nós, produtores ...
O Orador: - Agradeço a amabilidade e peço licença para observar - simples questão de palavra... - que nesta Assembleia não conheço produtores - só conheço Deputados.
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O Sr. Nunes Mexia: -Nós, que, à margem desta elevada função, somos produtores, o que nos interessa sobretudo são as coisas concretas.
Então, se é um facto absolutamente real a importação de vários milhões de quilogramas de lã estrangeira, se realmente as lãs estrangeiras são melhores e mais baratas, eu pergunto a V. Ex.ª em que medida se estendeu ao consumidor o beneficio dessas melhorias de laboração?
O Orador: - «Se realmente»... Mas, contra o que sempre foi, e ainda ninguém demonstrou o contrário, não são realmente melhores e, contra o que repetidas vezes aqui se acentuou, não foram mais baratas?
Porque não provou V. Ex.ª isso?! Quanto a preços, eu estou a falar e só posso falar na possibilidade e probabilidade de preços mais baixos. Não estou a fixar a medida dessa baixa, nem ninguém aqui a pode determinar.
O Sr. Figueiroa Rego: -V. Ex.ª dá-me licença?
A quantidade de lã nacional que entra na confecção de todos os artefactos anda em relação deste ano para o ano passado na proporção de l para 2, É fácil, mantendo os preços, obter uma larga margem de redução. E desde que aqui foi afirmado que o preço por quilograma ia até 60$ para a lã estrangeira, não é de admitir que se barateiem os preços.
O Orador: - É o que resta provar.
Mas, Sr. Presidente, estava eu a comentar a necessidade de guardar serena imparcialidade no exame de todas as questões.
Com esta chuva de apartes ia perdendo o fio das minhas considerações iniciais. Volto a ele para dizer que, não obstante todo o exposto, hei-de lealmente confessar uma pontinha de parcialidade.
Não sou nem contra a produção, nem contra a indústria, nem contra o comércio. Sobretudo, sou, não direi pela lavoura, mas pela agricultura.
O Sr. Melo Machado:-Como faz V. Ex.ª a distinção?!
Orador:-Era fácil prever a objecção. Ainda aqui afirmarei que se não trata de mera questão de palavras.
A distinção falta base científica. Dou, por isso, a razão do meu dito: no Norte, a que pertenço, dos pequenos e médios proprietários diz-se simplesmente que são «proprietários», considerando-se os maiores de entre os médios «proprietários com casa de lavoura». Só aos abastados, aliás poucos, se dá verdadeiramente, e bem, o nome de lavradores.
Ora, pêlos, mesmos motivos políticos, económicos e sociais com que discordei nesta Assembleia de certos excessos de concentração industrial preconizados numa proposta de lei, defendo e acarinho os pequenos casais agrícolas.
É que, Sr. Presidente, eles são o mais sólido elemento de estabilidade social; neles vive maior número de famílias e de famílias mais numerosas; a gente que os cultiva trabalha como nenhuma outra e aufere menos lucros do que qualquer outra; ama o c torrão», como ela própria diz; tem um verdadeiro «vício» da terra, como dela disse um dia o Sr. Presidente do Conselho: laboriosa e sofredora, paciente e desprotegida, toda essa população rural precisa que a defendam mais com os baixos preços das mercadorias a comprar do que com os altos preços dos produtos a vender, visto ela ter sempre muito para comprar e pouco para vender.
No fundo, esta pontinha de parcialidade é ainda, e só, defesa do consumidor.
Já vai longo o meu preâmbulo, que teria querido breve. Mas, ainda antes de entrar no centro do problema que propus expor à Assembleia, direi duas breves palavras.
Sr. Presidente: a lavoura queixa-se da indústria, esta queixa-se daquela e ambas se queixam do comércio. Todos, têm alguma razão.
Sem se negarem os progressivos esforços de muitos dos seus melhores elementos, deve a produção manter o número de ovinos mais vantajosamente adequado» aos recursos de que dispõe, isto é, dotados do máximo de produtividade que for permitido pelas condições do meio, melhorando ao mesmo tempo a tecnologia das suas operações de tosquia, enrolamento, armazenagem e escolha ou apartação.
Deve o comércio ser feito por processos menos empíricos e mais práticos, como já aqui foi dito, e disciplinar-se honestamente, de modo a evitarem-se possibilidades de especulação.
Deve a indústria apetrechar-se convenientemente de material e de técnica, aproveitando ao máximo o têxtil lanar e baixando ao mínimo os seus custos de produção.
Do mesmo modo, deve velar-se pelo preço do tecido à saída da fábrica, pêlos lucros dos intermediários e, sobretudo, pela fúria (gananciosa do alfaiate, que, sob pretexto de tudo estar caro, nos fica ainda muito mais caro do que tudo...
Como, porém, não foram estes os verdadeiros fins do aviso prévio, passemos ao que neste é essencial.
O seu ilustre autor, Sr. Deputado Figueiroa Rego, visou fundamentalmente os dois pontos seguintes:
1.° Acusar de inoportuna a liberdade de importação de lãs;
i2.° Responsabilizar esta importação pelo aviltamento dos preços das lãs nacionais ou até pela impossibilidade da sua transacção.
O primeiro ponto - a causa - foi já abordado, e sempre com brilho, por vários oradores, embora nem todos se tenham pronunciado no mesmo sentido. Do segundo ponto - o efeito - ocuparam-se sobretudo os ilustres Deputados Srs. Melo Machado, engenheiro Mira Galvão e Dr. Nunes Mexia. Dele, principalmente, me ocuparei também, encarando sobretudo o que poderia chamar ó aspecto agropecuário.
Que pensar, no aspecto agropecuário, do presente aviso prévio?
Será legítima a queixa da lavoura contra a importação de lãs estrangeiras? Será justa a sua reivindicação de que se mantenha para as lãs nacionais um tabelamento, e designadamente o tabelamento de 1945? Será de deferir o pedido de que se proíba à indústria a manufactura das lãs de fora enquanto não consumir as lãs de dentro? Numa palavra: o têxtil lanar português carecerá, não só de protecção, mas de forte protecção oficial e legal?
Duas afirmações me impressionaram fortemente desde o primeiro dia em que se levantou esta questão das lãs : a da profunda diferença entre os preços das lãs nacionais e as cotações das lãs estrangeiras; a da estreita semelhança entre o problema da nossa lã e o do nosso trigo.
Partindo do pressuposto de serem exactas ambas as afirmações, as conclusões tiradas da segunda arredariam, naturalmente, as conclusões derivadas da primeira.
Ora, Sr. Presidente, não podia duvidar da primeira afirmação. Era facto de há muito apurado. E, sem necessidade de recorrer a outras considerações, compreende-se tal facto mediante esta simples explicação: durante séculos., mesmo depois de extinta como forma típica de organização económico-social, a pastorícia
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continuou a influenciar decisivamente a exploração do solo.
Com novo dobar dos tempos, porém, foi-se alargando o desbravamento das terras, até então só aproveitadas para apascentar os rebanhos. Diminuídas as pastagens, diminuíram também os rebanhos.
Em compensação, noutros continentes, onde a terra valia menos e onde ainda hoje vale menos, foram-se instalando rebanhos novos, que, para efeitos das lãs, depressa começaram a competir com os ainda existentes na Europa - e a competir vantajosamente, atentos os diminutos gastos da sua exploração. Além há terra a mais e gente o menos; aqui continua a haver gente a mais e terra a menos.
Assim, na Itália, o número de ovinos de 1930 era praticamente igual ao de 1881. Recuou meio século. E, em relação a 1908 (portanto num curto período de vinte e dois anos), baixou 20,61 por cento.
Na França a baixa é constante. De 32 milhões de cabeças em 1840, desceu para 9.570:000 em 1934. Diminuição de 70,09 por cento.
Na Alemanha, de 25 milhões em 1870, passou a 3.500:000 em 1934. Em pouco mais de meio século (sessenta e quatro anos) houve uma redução de 86 por cento.
Na Inglaterra, em três quartos de século, os efectivos diminuíram 25 por cento. De 40 milhões em 1861, desceram para 30 milhões em 1934.
Ao invés: na África do Sul houve um aumento de 52,66 por cento em duas dúzias de anos (21 milhões em 1910 e 32 milhões em 1934).
Do mesmo modo, e ainda mais acentuadamente, na Austrália, cujos efectivos era: em 1800, 6:100; em 1860, 20.200:000; em 1900, 70.000:000; em 1929, 105.900:000.
País em que a terra quase não tem valor, de 1800 a 1900 (um século) a subida foi de 1.063:934,42 por cento. E nove anos depois verificou-se novo aumento de 51,28 por cento, o que significa, em relação aos cento e dez anos, um aumento de 1.719:736,06 por cento.
Todavia, esta emigração da Europa não foi tão acentuada em Portugal, que, como já anotou o ilustre Deputado Sr. Dr. Figueiroa Rego, em 1930 ocupava o 2.° e o 4.° lugares da estatística europeia dos ovinos, «consoante se considerem os índices geográfico e demográfico».
O Sr. Nunes Mexia:-A vaca consome 3,5 por cento do seu peso vivo em matéria seca e a ovelha cerca de 5 por cento. Consequentemente, a vaca é um animal de tipo industrial e a ovelha não.
Nos países como o nosso, em que o clima não favorece a industrialização da agricultura, a ovelha é um animal de que a lavoura se socorre para povoar os campos existentes em zonas que, pela sua excessiva secura, não proporcionam pastos e produtos susceptíveis da referida industrialização.
O Orador: - Mas a que propósito vêm essas considerações, alheias à minha demonstração? Quer V. Ex.ª dizer que é por simples questões de chuva que diminuíram os rebanhos de ovelhas na Europa? Acaso chove menos durante o largo período de um século do que not século anterior?! Porque a secura ou humidade é, nos países que citei, hoje a mesma que era há dezenas de anos atrás. E, sem embargo, os rebanhos aqui diminuíram consideravelmente e além subiram ainda mais consideravelmente.
O Sr. Nunes Mexia: - A resposta é simples. Em certos países foi possível ir promovendo a industrialização da exploração, enquanto que noutros há que manter ainda as anteriores características.
O Orador: - Mas porque foi precisa a industrialização do gado ? Porque há gente a mais e terra a menos.
O Sr. Nunes Mexia:-Eu esclareço V. Ex.ª De outra forma a criação da ovelha deveria baixar dentro da tese de V. Ex.ª, quando o que se verifica é que ela tende cada vez mais a distribuir-se segundo os índices pluviométricos e na razão inversa destes.
O Orador: - Volto à minha tese. Que sucederia na Austrália se, contra o verificado na Europa, não tivesse terra a mais e gente a menos?
Creio, Sr. Presidente, como ia dizendo, que a excepção verificada em Portugal, ao menos no sentido de inferior percentagem de diminuição dos efectivos ovinícolas, é menos um índice de atraso ou sinal de pobreza do que feliz resultado das lições da nossa própria experiência económica. De um modo geral, sobretudo no Centro e no Norte, a dureza das necessidades levou a procurar outros métodos de exploração dos ovinos, adaptados às novas condições agropecuárias. A ovelha não chegou a retirar-se completamente da agricultura; associou-se-lhe, numa associação necessária.
Sendo, porém, assim, teremos de concluir pela semelhança perfeita entre o problema das lãs e o problema do trigo, como se tem pretendido inculcar?
O Sr. Figueiroa Rego: -O ilustre orador põe a igualdade em absurdo !
O Orador: - Não ponho tal! Digo que é absurdo pôr-se a igualdade, desmentida pêlos factos. Questão de palavras, dirá V. Ex.ª Mas eu só entendo os problemas se entender as p alavas com que mós expõem.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª, Sr. Deputado Soares da Fonseca, quanto ao trigo, considera também o valor das palhas dos restolhos e das moinhas?
O Orador: - Não sei que valor deverá atribuir-se às palhas. E também não sei se ele é considerado quando se põe a igualdade que venho comentando, porque são V. Ex.ªs e não eu quem põem a tese do problema da lã igual ao do trigo. Entendam o segundo termo da igualdade como quiserem; em nada com isso ficará afectada a minha tese.
A ideia da semelhança entre o problema da lã e o problema do trigo parece colher seduções. E, todavia, creio que não passa de uma falsa ideia clara.
Basta, para o demonstrar, esta simples consideração: a lã não é o único rendimento da ovelha, que fornece também o leite, a carne, o estrume e a (pele; não é o único, nem sequer o principal.
A lã, felizmente, é separável da ovelha. Mas o problema da lá não pode separar-se; é também, felizmente, do problema da ovelha. E o rendimento todo do animal que importa considerar para o efeito.
Portanto, a equiparar-se com o problema do trigo, só equiparação houvesse, seria o problema da ovelha no seu conjunto e nunca, isoladamente, o problema da lã.
A não ser que também aqui se trate de mera questão de palavras e que onde eu tenho ouvido falar em lã, a este propósito, posso entender ovelha! Mas, em tal caso, talvez também, possa entender ovelha quando me falam simplesmente de lã! Por este andar, variando o sentido das palavras com o sabor das conveniências pessoais, nunca mais nos entenderíamos . . .
Lã não é sinónimo de ovelha. O rendimento da lã, volto a repetir, não é nem o único nem sequer o principal rendimento da ovelha.
Isto me basta para rejeitar a tese simplista da semelhança entre o problema da lã e o do trigo.
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Esta consideração me leva a outra-à do rendimento doe ovinos.
Qual, no total, esse rendimento? E em que proporção nele entram os diferentes produtos o vinícolas? Terão inteira razão os que proclamam a necessidade de proteccionismo forte, até ao ponto de se proibir a entrada de lãs estrangeiras enquanto não for consumida a lã nacional?
O Sr. Melo Machado: - Ninguém pediu isso.
O Orador: - Pediu o Sr. Deputado Figueiroa Rego.
O Sr. Figueiroa Rego:-V. Ex.ª, Sr. Deputado Soares da Fonseca, dá-me licença que eu explique?
Pus o paralelo simplesmente com o espirito de garantir um determinado nível à lã nacional em proporção à lã estrangeira.
O Orador: - Não sei ou não sabia, e nem podia adivinhar, qual a intenção que estava no espírito de V. Ex.ª Sei apenas que V. Ex.ª tinha feito a afirmação referida; e é a afirmação em si mesma, objectivamente, que visei. De intenções não curo. Sou demasiado destituído para descobrir intenções diferentes das que resultam do próprio sentido das palavras. É por isso que costumo fazer questão das palavras... A fala não foi dada ao homem para encobrir o pensamento, mas para o exprimir.
Ia eu a dizer, Sr. Presidente, que procurei reflectir sobre o rendimento da espécie pecuária ovinícola.
A princípio quedei-me a pensar nestes aspectos vagos, talvez sobretudo sentimentais, mas por isso mesmo impressionantes:
Dizia-se antigamente que as ovelhas davam um rendimento de 100 por 100 (com fornecerem carne, leite e estrume) e que, por cima disto (portanto como acréscimo, secundariamente), enquanto não davam a própria pele, se despiam todos os anos para vestirem o dono.
Mas isto era talvez só antigamente, quando ainda havia indústrias caseiras para trabalharem o têxtil lanar. Hoje, a avaliar pelo ilustre autor do aviso prévio, as ovelhas continuam a despir-se - mas para vestirem toda a gente, menos o produtor, que fica tão tosquiado como o próprio rebanho.
Esta simples consideração, portanto, não me podia bastar. E continuei assim o meu raciocínio: contra a orientação da Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios e da indústria reclamou e tem reclamado sobretudo o Sul. O Norte mantém-se silencioso, quase se diria indiferente.
Todavia, se considerarmos o Sul constituído pêlos distritos de Faro, Beja, Évora, Portalegre, Setúbal, Lisboa, Santarém e Castelo Branco e o Norte pêlos distritos restantes, verifica-se o seguinte, conforme o arrolamento de 1940:
O número de ovinos é sensivelmente igual no Norte e no Sul - 1.806:523 cabeças no Norte e 2.083:352 no Sul, ou seja, respectivamente, 46,44 por cento e 53,56 por cento.
A percentagem de manifestantes é mais elucidativa ainda - 193:505 no Norte e 54:657 no Sul - ou, em percentagens, 77,98 .por cento e 22,02 por cento.
O Sr. Figueiroa Rego: -Evidentemente. Um menor número de cabeças por proprietário não pode dar outros números. Eu citei o distrito de Bragança.
O Orador:-Pois evidentemente, Sr. Deputado Figueiroa Rego. Mas uma coisa é a razão da percentagem maior no Norte e outra coisa é a conclusão a tirar da existência dessa maior percentagem, que é a seguinte:
Se da orientação aqui atacada tivessem resultado os graves danos que se disseram, deveriam ser sensivelmente iguais no Norte e no Sul, com a diferença de no Norte ser muito maior o número de lesados.
Porquê, então o silêncio da produção nortenha?
Talvez o Norte, mais sofredor e mais modesto, não saiba e não tenha sequer tempo para fazer contas.
Efectivamente, em regra, não sabe e; se soubesse, não podia, até porque, em muitos casos, a sua magra exploração agrícola mal daria para o papel e lápis.
Acresce que no Norte há mais lã churra.
Ora, quanto a lã churra ...
O Sr. Nunes Mexia: -Não está em causa a lã churra.
O Orador:-Deixe-me V. Ex.ª expor o meu pensamento. Verá, depois, por que motivo a lã churra é trazida à colação.
Ia eu a dizer, Sr. Presidente, que encontrei nesta Câmara um ilustrado colega que, sendo lavrador abastado no Norte, é também uma reconhecida competência em problemas financeiros e económicos.
Ora S. Ex.ª disse-me que só tinha ovelhas de lã churra; que esta se vende por muito menos de metade, quase por um terço, da lã merina ou cruzada; mas que, não obstante, considerava o seu rebanho um dos melhores rendimentos da sua considerável casa agrícola.
E não percebi então como, havendo no Norte produtores que consideram lucrativa a exploração de ovinos fornecedores de lãs mais baratas, os produtores do Sul se batem tão afanosamente por comparar o problema das lãs ao do trigo.
O Sr. Nunes Mexia:-V. Ex.ª dá-me licença? É que a ovelha de lã churra dá em peso o dobro da ovelha de lã fina. Consequentemente, compensa a diferença de preço. Também em muitos casos verificados no Norte do País na apascentação do gado se não fazem contas ao custo do pastor e até, em certos casos, ao valor da pastagem.
O Orador:-Quanto a contas, aceito que no Norte poucos as farão ou saberão fazer. Já me referi a isso, sem que de tal possa tirar-se a ilacção de prejuízos, como também amplamente referi. Quanto a contas no Sul, talvez às vezes sejam bem feitas demais... Possivelmente terei ainda oportunidade de focar esse ponto.
Sobre lã churra, aceitemos que dá o dobro do peso. Mas, como o preço desta lã é inferior a metade do preço da lã fina, não chega a haver compensação. Aliás, espero apontar que é um mal de grande parte da lavoura alentejana explorar normalmente rebanhos com vista à produção de lã.
O Sr. Nunes Mexia:-Abastecido o País durante a guerra, é essa a sua recompensa!
O Orador:-Verifico estar V. Ex.ª de acordo comigo em que parte da lavoura alentejana pensa sobretudo na produção de lã.
Se isto é bem ou mal adiante se verá, no decorrer das minhas considerações.
Por agora, direi que não nego nem o esforço feito pela lavoura durante a guerra, nem os serviços que prestou ao País. Prestei-lhe até as minhas homenagens 110 começo do meu discurso. Mas, como também já acentuei, não são os princípios de uma economia de guerra que eu defendo para uma economia de paz. E estou a raciocinar para a normalidade dos tempos de paz.
Posto isto continuo na minha ordem de considerações.
Voltei-me para as estatísticas, Sr. Presidente, e delas não tirei conclusão diversa da que venho apontando.
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Assim, tomando por base os números do arrolamento de 1940, verifica-se que, considerado o valor das diferentes espécies pecuárias e o capital nelas investido, só para os suínos se encontra um rendimento superior ao dos ovinos.
Nestas condições, (para mais observando-se que em 1940 ainda não havia a considerar efeitos de medidas fomentadoras da produção de lã nacional (com motivo nas circunstâncias da guerra), havia de entender que ou o rendimento dos ovinos era bastante compensador, como resultava já das minhas anteriores considerações, ou a pecuária nacional estava toda, sem excepção, a dar avultados (prejuízos (mas não consta a existência de queixumes).
O Sr. Figueiroa Rego:-Se os proprietários de ovinos se não queixaram, lá virá a sua altura; está aqui a ouvir-me quem o poderá dizer.
O Orador: - Anoto a observação de V. Ex.ª, que não deixa de ser curiosa.
Surgiu entretanto, Sr. Presidente, uma dificuldade aparentemente grave: um dos ilustres oradores precedentes, que não pude chegar a ter o prazer de ouvir, dignou-se chamar a minha atenção para um mapa com os números, que iria ler a esta Assembleia, referentes ao rendimento normal da exploração de um grupo de 100 ovelhas, números constantes do Diário das Sessões. Neles figuram apenas 476$50 como rendimento líquido total, ou seja a insignificância de 4$76(5) por cada ovelha!
Fiquei naturalmente impressionado. Cheguei a afirmar que não teria nada a dizer nesta tribuna se um exame atento do mapa me convencesse de que estava em erro.
Mas pus desde logo duas objecções, aquelas precisamente que me levavam ao exame atento do mapa: a primeira é que os resultados apontados estavam inteiramente contra tudo quanto acabei de expor e fora maduramente reflectido; a segunda é que, a ser verdadeira a conclusão do mapa, mão compreendia que a lavoura alentejana, como tenho ouvido a alguns dos mais ilustres ornamentos, sacrifique a cultura do trigo ao alargamento das pastagens.
Examinado atentamente, o mapa não me convenceu. Adiante voltarei a este caso. Por agora limito-me às observações seguintes:
Sem discutir a área adstrita ao rebanho e o valor da respectiva pastagem, há alguns- comentários a fazer.
O preço da lã é de 19$ por quilograma, ou seja 285$ por arroba, quantia muito inferior à tabela de 1945, que a lavoura parece desejar ver restabelecida.
O valor atribuído ao estrume creio-o bastante baixo: 7$90 por ovelha, quando deveriam ser 25$ a 30$. Como um rebanho normal é de 300 cabeças e a hipótese se refere apenas a 100, há que multiplicar por 3 os encargos do pastor, equivalendo isto a dizer que um pastor alente j ano ganha 11.321 $50 anuais. Não discuto o número, apenas registo que os salários, pagos numa exploração dita pobre, são altos em relação à média normal dos salários agrícolas.
Os carneiros aparecem como dando apenas despesa (36$ cada um, a título de juro do capital de 1.800$ nele investido), quando só o valor da lã é superior a esta quantia dentro do próprio preço convencionado no mapa.
Aparece como sendo despesa o juro do capital investido aio rebanho. Compreendo que se calcule um juro a este capitai, para se avaliar das vantagens de ser colocado na aquisição de um rebanho ou em qualquer outra coisa. Mas Só para isto. Uma vez investido na compra de ovelhas, estas é que são o capital. Se não vem do capital-ovelhas o lucro líquido apurado no mapa, de onde vem? De facto, o Norte não deve saber fazer contas tão bem feitas, porque é capaz de considerar rendimento a «limpo» do rebanho tudo isto: o juro que o Sr. Deputado atribuiu ao capital investido, somado com o lucro líquido apurado no mapa, ou seja 1.601$50, em vez de 476$50.
Por estas e outras razões a exemplificação não logrou convencer-me.
Mantive, portanto, as minhas anteriores conclusões e prosseguiu no estudo do problema, agora com vista a averiguar da percentagem da lã no rendimento total da ovelha.
Qual é, Sr. Presidente, essa percentagem? Absorverá a maior parte do rendimento do animal, considerado no seu conjunto, de tal modo que tenhamos de regressar ao princípio, isto é, de concluir pela necessidade de uma forte protecção às lãs nacionais?
Eis alguns elementos de apreciação para se dar uma resposta a esta pergunta:
1.° Numa revista de carácter técnico encontro um caso exemplificativo. Trata-se de um rebanho de 323 cabeças, explorado para a produção de lã e carne, não se aproveitando o leite. Excluído o valor do estrume e sem considerar também o valor de 42 cabeças apartadas para renovação, as percentagens com que os produtos entraram no rendimento total foram: carne, 66,6 por cento; lã, 31,9 por cento; peles, 1,5 por cento;
2.° Colho outro exemplo na mesma revista. Trata-se agora de um rebanho pequeno (apenas 37 cabeças), mas explorado sobretudo, não em ordem à lã e à carne, mas em ordem ao leite e à carne. Exclui-se também o valor do estrume e de 39 cabeças para renovação e ampliação. As percentagens com que os produtos entraram no rendimento total foram outras, a saber: leite, 80,5 por cento; carne, 14,7 por cento; lã, 4,3 por cento; peles, 0,5 por cento;
3.° Mais uma experiência registada na aludida revista. Desta vez o rebanho é de 50 cabeças. Também se destina essencialmente à produção de leite e de carne, sendo a lã considerada coisa de segundo plano. Como nos casos anteriores, não se toma em conta nem o valor do estrume nem o das cabeças apartadas para renovação. As percentagens aparecem-nos assim: leite, 75,28 por cento; carne, 17,39 por cento; lã, 8,13 por cento.
Devo esclarecer que estes exemplos são da vizinha Espanha. Não são portugueses, embora não sejam dos antípodas. . . Trata-se de casos de ao pé da porta e de regiões semelhantes a regiões portuguesas (ignoro se também com. . . o mesmo índice pluviométrico, porque não desci a essa particularidade);
4.° Quis, em todo o caso, conhecer alguma coisa directamente do País. À falta de melhor, observei na minha região, onde se cuida em primeiro lugar do leite, alguns casos. Em média, cheguei a estes resultados relativamente às percentagens com que os diferentes produtos ovinícolas, excluído o estrume e as peles, 'entram no rendimento dos rebanhos: leite, 75,28 por cento; carne, 17,39 por cento; lã, 8,13 por cento;
5.° No rebanho idealizado pelo Sr. Deputado Nunes Mexia, porque se faz uma exploração em ordem fundamental à carne e à lã, as percentagens são estas, se bem fiz as contas: carne, 54,12 por cento; leite, 26,12 por cento; lã, 18,24 por cento; estrume, 1,52 por cento.
De todos os exemplos acabados de citar ressalta esta conclusão: o rendimento dos rebanhos aumentou quando se exploram menos em vista da lã e da carne do que em ordem à obtenção do leite e da carne.
Direi aqui, entre parênteses, que esta conclusão explica por que motivo afirmei há pouco, não sem escândalo do ilustre Deputado Sr. Nunes Mexia, que consi-
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derava um mal notar-se em muitos lavradores do Sul a preocupação de explorarem os seus rebanhos principalmente com vista à produção de lã. Embora mais trabalhosa, necessariamente a exploração em ordem u produção do leite e, portanto, do queijo é mais remuneradora.
E não só mais remuneradora, como talvez mais importante para a economia nacional.
Ilustro esta afirmação indicando qual a capitação de queijo, em gramas diários, nalguns países europeus: Holanda, 17,7; Itália, 14,9; Alemanha, 13/27; França, 113,4; Inglaterra, 10,25; Portugal, 0.5.
Ainda se entre nós fosse elevada a capitação da manteiga! Mas também não! Anda por 1,3 gramas diários - o que dá para o total de queijo e manteiga, 1,8.
Fechado o parênteses, à conclusão antes exposta acrescentarei que ela, se de tal carecesse ainda, está abonada em cálculos feitos pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Estes cálculos e outros que eu próprio fiz, com base no arrolamento de 1Ü40, levam-me até a afirmar que, no conjunto do País. O rendimento da lã é diminuto em relação ao do leite e da carne.
Digo mais: ainda que no Sul muitos rebanhos se explorem sobretudo para extracção da lã, a percentagem desta, no valor dos produtos pecuários, não deve ir além de 4,5 a 5 por cento.
O Sr. Nunes Mexia: - 4,5 a 5 por cento!
O Orador: - Sim senhor! Tal qual o afirmei. E no valor dos produtos extraídos da ovelha a lã não deve ultrapassar 10 a 12 por cento.
O Sr. Nunes Mexia: -10 a 12 por cento! Desejo que isso fique consignado no Diário das Sessões.
O Orador: - Claro que fica no Diário exactamente aquilo que eu disse. Pois se eu efectivamente o disse, o desejo de V. Ex.ª estava antecipadamente satisfeito.
E ficará mais: é que tenho por excessiva a média por mini indicada. Talvez a ajustasse melhor à realidade se a baixasse para 8 ou 10 por cento.
Em resumo, e antes de concluir: na ordem das minhas considerações pretendi demonstrar que o problema da lã não é igual ao do trigo, pois há a considerar o rendimento da ovelha no seu conjunto; que a lã não é o único e nem sequer o principal rendimento da ovelha; que deve ser o leite o elemento a considerar mais rico em qualquer exploração ovinícola, e não a lã...
O Sr. Melo Machado: - Então o Estado tem feito tantos esforços para que a lavoura produza lã e V. Ex.ª vem dizer o contrário?
O Orador:-V. Ex.ª continua a pensar, em tempo de paz, com os princípios económicos do tempo de guerra e é por isso que se queixa agora de o Estado não continuar a dispensar à lã nacional toda a protecção que justificadamente lhe concedeu durante os últimos anos. Ora eu não posso colocar-me nesse plano. Por isso mesmo não é fácil ajustarmos os nossos modos de ver.
Sigo, por isso, o plano das considerações que vinha fazendo.
Poderia documentar-me com a experiência que está a fazer, desde há alguns anos, um abastado, inteligente e activo lavrador do Alentejo. Convencido, sem hesitações, de que efectivamente a lã tem de ser sempre; considerada elemento secundário na exploração dos ovinos, para mais sendo impossível fazê-la concorrer, em qualidade, com a lã estrangeira, e reconhecendo que é o leite
o produto mais rendoso desta exploração, está a substituir os seus rebanhos por outros de raça, aclimada no País e mais adequada ao fim visado.
Tem neste momento já 200 ovelhas seleccionadas para tal fim, algumas delas premiadas em concursos pecuários. Como pretende obter um conjunto de bons exemplares, ainda deixa que- o leite fique reservado às crias durante quatro ou cinco meses. Assim mesmo, segundo o confessou, obtém, nos restantes meses de lactação, a média de 50 litros por cada ovelha, esperando de futuro obter 150...
O Sr. Nunes Mexia: -150 litros por dia! Eu desejaria que essa frase ficasse no Diário.
O Orador:-Repito o que disse há pouco exactamente a V. Ex.ª Se eu pronunciei a frase, claro que tem mesmo de ficar no Diário, sem requerimento de V. Ex.ª
O Sr. Figueiroa Rego: - Os casos vulgares não excedem 50 litros.
O Orador:- Mas creio ter vincado bem que se não trata de um caso vulgar. O caso a que me refiro é excepcional. Poderia chamar-lhe um caso típico de ideal para anais, do mesmo modo que poderia chamar ao rebanho considerado no mapa do Sr. Deputado Nunes Mexia um caso típico de ideal para menos. Suponha V. Ex.ª que o rendimento não virá a ser de 150 litros. Eu próprio, apontando honestamente à Assembleia a quantidade calculada pelo lavrador alentejano a que aludi, tencionava, para vincar ainda melhor as conclusões da minha tese, reduzi-la de um terço ou mesmo mais. Ver-se-ia, não obstante, que o rendimento do rebanho duplicaria, pelo menos, em relação aos cálculos apresentados no mapa do Sr. Deputado Nunes Mexia.
Mas deixo este exemplo e socorro-me da própria raça vulgar, não seleccionada especialmente para a produção do leite. Ela me basta para demonstrar que, podendo embora tirar-se maior rendimento dos rebanhos, se houvesse a selecção conveniente, se tirará sempre mais rendimento desde que seja preferida u exploração do leite.
Aceitemos para isso o próprio caso figurado no mapa do ilustre Deputado .Sr. engenheiro Nunes Mexia. Aceito-o, inclusivamente, sem qualquer correcção, naturalmente exigível para mini, atenta a orientação dos comentários que lhe fiz quando pela primeira vez a ele aludi.
Ao lado acuremos outro mapa em que, por hipótese, o mesmo rebanho é fundamentalmente aproveitado para a produção de leite. Convenhamos em que esta, tratando-se de um caso vulgar, não excede 50 litros, média tão baixa que o próprio Deputado Sr. Figueiroa Rego a aceita. Consideremos que os borregos são vendidos cedo (como é corrente na Beira em casos destes) a 30$ os temporães e a 15$ os serôdios.
Eis os resultados:
Receita da exploração de um rebanho de 100 cabeças de gado ovino
Â) Rebanho explorado para carne:
Valor de 78 borregos temporãos, a 140$...................... 10.920$00
Valor de 7 borregos serôdios, a 505......................... 350$00
Valor de 200 quilogramas de lã, a 19$....................... 3.800$00
Valor de 1:360 litros de leite (85 ovelhas X 16 litros 4$).. 5.440$00
Valor do estrume............................................ 790$00
_____________
21.300$00
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B) Rebanho explorado para leite:
Valor do 78 borregos temporãos, a 30$ .......................... 2.340$00
Valor de 7 borregos serôdios, a 15$ ............................ 105$00
Valor de 200 quilogramas de lã, a 19$........................... 3.800$00
Valor de 4:250 litros de leite (85 o velhas X 16 litros X 40)... 17.000$00
Valor do estrume ............................................. 790$00
_______________
24.035$00
É elucidativo o confronto! Já só disse, durante o presente debate, que «através da produção lanar podemos considerar o aumento ou diminuição da carne e da matéria orgânica o, com esta, da produção agrícola». Felizmente houve o cuidado do omitir o leite neste elenco. Mas eu desejaria que a lavoura proferisse encarar, através da produção do leite, o aumento ou diminuição da carne, da lã e da matéria orgânica. Salvo melhor critério, só deste modo se dá ao principal um lugar que não ó secundário.
Duvido, aliás, que no Sul a um aumento ou diminuição do rebanhos corresponda sempre um aumento ou diminuição da produção agrícola.
O Sr. Melo Machado: - Ora essa! Pois só o grande mal da actual situação da lavoura é a diminuição de matérias orgânicas! Claro está que, aumentando estas com os rebanhos, aumenta também a produção agrícola.
O Orador: - No Norte ó invariavelmente assim. Duvido, torno a dizer, que também no Sul seja sempre assim.
Ao que, até nesta sala, tenho ouvido dizer, se o lavrador julga melhor produção a dos rebanhos do que a do trigo, alarga a área das pastagens (para aumentar os rebanhos), em detrimento da área do cereal, o vice-versa. Claro parece que, diminuindo a área do cereal em proveito do rebanho, não é natural supor que, com o aumento da lã no armazém, aumentará igualmente o trigo no celeiro.
Seja como for, à linha geral do meu pensamento o que importa é isto: ó mais rendosa e mais necessária a exploração dos ovinos em ordem à produção do leite do que da lã.
Entretanto, porém, como efectivamente o hábito de considerar o leite produto de importância fundamental, em vez da lã, ainda não criou raízes em grande parte do Sul; como, por outro lado, convém fazer-se só gradualmente a selecção das raças mais adaptadas em cada região à produção dos elementos verdadeiramente ricos dos ovinos; como até lá o preço da lã exercerá influência na produção da carne de carneiro, que ó a mais acessível a grande parte da população ...
O Sr. Melo Machado: - Agora que não há carne de vaca é que se come carneiro. Depois ninguém lhe pega.
O Orador: -Tire V. Ex.ª a consequência lógica dessa afirmação e, abandonando a tese que tem defendido, será obrigado a aderir à minha. Nos rebanhos explorados com vista à produção do leite, como sucede no Norte, evidentemente que é muito menor a produção da carne.
Pelo contrário, nos rebanhos explorados com vista à produção de lã e carne, como sucede no Sul e figurou o Sr. Deputado Nunes Mexia no seu mapa, o leite quase se não aproveita e a carne, lançada no tal mercado em que não terá grande procura, é muito maior.
Mas, ia ou a concluir, Sr. Presidente, quando o ilustre Deputado Sr. Melo Machado me interrompeu, que, pêlos fundamentos expostos, a lã nacional não devia ser deixada inteiramente entregue ao livre jogo da concorrência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Há que protegê-la, menos pela própria lã do que pelo incremento a dar à produção do leite, da carne o do estrume.
Mas protecção vigilante, e não paralisante, isto é: que não obste à selecção das raças melhor produtoras, em cada região, dos elementos mais ricos da exploração ovinícola; que não afrouxo o estímulo da lavoura pelo progressivo melhoramento da sua técnica lanar; que não leve a demasiada redução na área cerealífera (visto só no Norte, torno a repetir, o aumento do ovelhas significar rigorosamente aumento de sementeiras); que não impeça a regular importação de lãs estrangeiras (não apenas por falta de quantidade, mas também por falta de qualidade das lãs nacionais); que, finalmente, tenha em rigorosa conta os benefícios do consumidor.
Ao Governo e demais entidades competentes cabe estudar esta justa medida de protecção - porventura através de compensações saídas das taxas e sobretaxas em uso (sem embargo de se desagravarem), pois me consta existirem já bastantes milhares de contos provenientes delas.
Volto a repetir: protecção, mas protecção moderada. Porque nem só a lã nacional é nossa. Nacional é também o seu principal consumidor, que o será cada um de nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bagorro de Sequeira: -Sr. Presidente: depois da longa, e pormenorizada discussão feita u volta do importante problema das lãs, que o aviso prévio do ilustre Deputado Dr. Figueiroa Rego veio pôr em destaque, e a que outros Srs. Deputados deram grande desenvolvimento, tratando-o com o maior detalhe nos seus mais diversos aspectos, pouco tenho u dizer sobre o assunto, porque na verdade tudo ou quase tudo foi já dito para u sua compreensão e julgamento público, e porque me não sinto preparado para o discutir muito lia especialidade, em virtude de viver lia longos anos afastado do meio agrário e industrial da metrópole, não conhecendo por consequência suficientemente o valor dos factores que influem e determinam o condicionamento económico das respectivas explorações, por forma a poder avaliar da sua justa e verdadeira posição na luta de interesses que está, implicitamente, no fundo da questão que se debate.
Limitarei por isso as minhas considerações a um rápido e superficial exame das realidades mais objectivas, relativamente ao problema lanar metropolitano, sob os pontos de vista agrário e industrial, para nele enquadrar a possível e desejável contribuição que as colónias, mais especificadamente a colónia de Angola, lhe podem trazer mais cedo ou mais tarde paru uma solução económica do conjunto a favor da verdadeira política nacional da lã, que é indispensável fazer, pondo em actividade produtiva todas as possibilidades e recursos de todo o território, de todos os sectores - técnico, agrário, comercial e industrial- ainda não utilizados.
Guiarei estas minhas considerações mais pelas opiniões dos técnicos, que mais e melhor têm estudado o assunto na ordem geral e com vista às soluções globais, do que pelas opiniões dos lavradores e industriais, para me libertar de interpretações parcelares e limitadas ao campo dos respectivos interesses, e principalmente por me parecer que qualquer solução frontal e definitiva do problema das lãs só pode ser encontrada quando
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forem tomadas em consideração e executadas as providências técnicas já previstas e enunciadas e até já aprovadas no congresso agrário recentemente realizado, providências que evidentemente têm de ser dirigidas e aplicadas conforme as características meso-elimáticas e meso-agrológicas do País -metrópole e colónias-, pelo que respeita à produção, e forem postos em jogo todos os factores complementares favoráveis ao melhor condicionamento económico do respectivo sector industrial.
Assim exposto este pequeno preâmbulo, vejamos como se apresenta, o problema da lã na sua fisionomia mais simples e nos seus efeitos mais imediatos:
a)Produção metropolitana insuficiente em quantidade e qualidade para satisfazer as necessidades de laboração corrente da indústria dos lanifícios, que, por sua vez, tem de satisfazer as necessidades e exigências do abastecimento do País em tecidos;
b) Deficit médio anual, verificado nos últimos dez anos, equivalente a cerca de 40 por cento da produção metropolitana e representado na totalidade por lãs de melhor qualidade, no valor de algumas dezenas de milhares de contos, lãs que a indústria de lanifícios tem de importar;
c) Produção e exportação a miai de alguma lã, que genericamente se classifica como lã churra, que a indústria de lanifícios não consome e que vale alguns milhares de contos;
d) Finalmente, grande desequilíbrio de valores neste comércio especial do lãs e artefactos, de que resulta um avultado escoamento anual de ouro para o estrangeiro em pagamento das Ias de qualidade que a indústria, precisa e a produção mão pode fornecer.
Esta é a verdade e a realidade que na economia geral do País tem a lã e a indústria dos lanifícios, vistas as coisas, serena e imparcialmente, no seu conjunto, como problema nacional, que se nos apresenta diante dos olhos como um diploma - o de escolhermos entre fomentar cada vez mais e melhor a nossa ovinocultura produtora de lã, que é fonte de muita riqueza e de muita utilidade e bem social, ou ir fomentar idêntica exploração e riqueza em terra estranha, à custa de fabulosas quantidades de ouro que temos de exportar.
É, pois, diante deste dilema e com as suas consequências sempre presentes que temos de resolver as nossas dificuldades desapaixonadamente, com menos palavras e menos barulho, que não contribuem nada para haver melhor lã- nem tecidos mais baratos, realizando alguma coisa economicamente construtivo em obediência a uma ordem que não comporte atropelos nem exclusivismos de interesses e, pelo contrário, permita conciliar no mesmo plano do trabalho nacional os interesses da produção e da indústria, sem esquecer, antes os considerando de primeira, importância, os interesses dos consumidores dos tecidos.
Como proceder então?
Em meu entender, e apoiado ainda, na opinião dos técnicos, é ao listado que compete intervir, resolutamente, pela forma seguinte:
a) Criando e garantindo o ambiente económico mais favorável ao aumento da quantidade e melhoria da qualidade das lãs nacionais - na metrópole e nas colónias - que permita projectar e desenvolver uma acção técnica ordenada e dirigida em comum, em regime de perfeito acordo entre os Ministérios da Economia e das Colónias;
b) Considerando como condição fundamental para a existência desse ambiente económico favorável a realização de três circunstâncias, directa e imediatamente estimulantes da produção: 1) a certeza e a preferência do mercado; 2) a garantia de preços justos, baseados no custo da produção e qualidade; 3) a obrigatória comparticipação da lavoura na organização complementar de tratamento e valorização das lãs que não constitua actividade própria, da indústria dos lanifícios.;
c) Estabelecendo) o plano conducente a uma verdadeira, e equilibrada política nacional da lã que permita fazer o máximo aproveitamento de todas as possibilidade produtivas em todo o território nacional e coordene a actividade da produção, do comércio u da indústria;
d) Não consentindo, em caso algum, mesmo em situações transitórias, que qualquer dentes sectores domine os outros à custa de proteccionismos unilaterais, que podemos assim concretizar:
1. Garantindo à lavoura- o mercado e o justo preço das lãs e não lhe exigindo, paralelamente, progressos nas suas explorações ovinas tendentes, consoante as circunstâncias o permitam, ao aumento o melhoria das lãs;
2. Consentindo ao comercio que especule com o armazenamento e retenção das lãs nacionais, com o fim ,de ficar detentor da oportunidade da entrega e dos preços a pagar pela indústria;
3. Consentindo à indústria dos lanifícios que faça importações maciças e desmedidas de lã estrangeira, d p. volume muito superior ao consumo e a «manutenção dos stocks normais, aviltando assim os preços das lãs nacionais e, consequentemente, inutilizando toda a acção fomentaria do Estado e da lavoura, empunhada numa mais racional exploração dos arictinos produtores de lã.
Resumindo:
Dando o balanço de todas os possibilidades nacional e organizado o plano de, acção, o que é preciso fazer é disciplinar as vontades, os objectivos e os inteirasses, coordenando voluntária ou coercivamente as respectivas actividades ..., mas coordenar de verdade, com inteligência, com serenidade, com justiça.
A manterem-se as coisas como até agora, os factos a negarem constantemente as palavras e as intenções, tudo apoiado numa organização que se diz coordenadora, mas que não coordena ,nada, antes, pelo contrário, estabelece a confusão e cria a desordem, assim nunca teremos lã, nem bastante nem capaz às nossas necessidades, e continuaremos, por outro lado e pelo tempo fora, a repetir em cada ano a mesma questão, a mesma disputa, posta ao Governo pela forma do guerra estabelecido, entre as duas forças produtivas, económicas e sociais mais importantes do País, a lavou m e a indústria.
Enquanto a discussão deste importante problema estiver localizado de preferência no campo particular e secundário de se saber quem tom razão - a indústria ou a lavoura-, nunca se chegará a acordo, porque é assim geralmente que sucede quando se discutem questões de interesses e nem sequer se lhe confere a importância de problema nacional, que efectivamente tem e em cujo plano deve ser tratado exclusivamente.
Sr. Presidente: vou agora reportar-me mais especificadamente ao problema da lã, localizando-o na economia, de Angola, dizendo em poucas palavras como ele se apresenta e como tem sido considerado nos domínios das suas possibilidades, como recurso económico das actividades agro-pecuárias privadas e como riqueza pública.
Pêlos serviços técnicos de Angola está assente, de uma maneira geral, que .nas extensas regiões planálticas do sul e centro da colónia, nas altitudes acima de 1:000 metros, é possível criar, manter e explorar ovinos produtores de lã, de qualidade, pelo menos, equivalente aos tipos médios da que se produz na metrópole, admitindo ainda a possibilidade de se poderem obter lãs de qualidade mais fina.
Por outro lado, os mesmos serviços, em perfeita concordância com a Administração e tendo em conta que a verdadeira e indiscutível soberania, a par dos direitos
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históricos, é a que resulta da ocuparão económica do território, julgam fundamental equipar e «preparar a colonização europeia que já lá existe em franca progressão e a que para lá há-de derivar no futuro em consequência ido excesso demográfico do continente, com o exercício do maior número possível de actividades com base na exploração da terra, entre as quais figura a ovinocultura, considerada no conjunto das suas características utilitárias ou produtivas, e entre elas a lã.
Evidentemente que não seria possível encarar esta hipótese baseando-a apenas nas possibilidades que o meio natural nos oferece. Empreendimentos desta natureza, sobretudo quando se enquadram na economia pública de um território e se destinam a resolver casos especiais como o da colonização que apontei, precisam de mais factores de confiança a informá-los, precisam sobretudo de condicionamento económico favorável para que possam nascer e progredir as iniciativas e possa assegurar-se êxito ao trabalho e capitais investidos.
Ora, Sr. Presidente, foi esse condicionamento económico favorável que nos pareceu existir no caso de Angola, em face da posição que o problema lanar tem na metrópole, e a que atrás, já me referi, e que se resume no seguinte: déficit de lãs e correspondente necessidade de as importar do estrangeiro.
Tem sido, pois, em face desta realidade que a administração de Angola, através dos seus departamentos técnicos próprios, tem orientado e trabalhado, no campo experimental, o problema da produção da lã, visando resolver um aspecto da economia da colónia e visando ao mesmo tempo contribuir para atenuar, na medida que lhe for possível, o deficit de lãs da metrópole, praticando assim uma obra de solidariedade nacional no campo económico.
Pode a colónia de Angola, podem as demais regiões da nossa África que porventura tenham condições para produzir lã contar com igual solidariedade por parte da metrópole?
E isso que convém saber para orientação dos trabalhos no futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rui de Andrade: - Sr. Presidente e meus senhores : depois desta discussão, tão animada, é difícil que uma pessoa como eu possa trazer qualquer elemento novo.
Parece que o assunto está a ser discutido com excesso de animação, parecendo ter-se perdido o sentido da equidade. É claro que é um problema de grande importância para toda a lavoura do País e, sobretudo, para aquelas regiões em que pelo seu clima a ovelha é o regulador da situação do agricultor.
Discutiu-se se o rendimento da lã é o principal ou é o menos importante e qual a importância que tem.
Em meu entender, tem uma importância grande, porque há regiões em que os outros produtos das ovelhas, como o leite, por exemplo, não são tão rendosos.
Eu vejo esta questão debaixo do ponto de vista da equidade e da justiça e acho que no caso em discussão devemos estudar o problema de maneira a resolvê-lo no sentido de que todos os graus da produção, da indústria o do comércio se possam harmonizar sem nenhum deles ser sacrificado.
As contas da lavoura, em relação às contas da produção, não apresentam lucros muito menores, e, se tivermos de deduzir por certos índices qual a situação económica da lavoura em comparação com a da indústria, trarei como exemplo os salários que vejo atribuídos aos trabalhadores dos dois grandes ramos económicos, visto que estes salários servem como índice evidente das possibilidades de cada uma.
Vejo na lavoura que esses salários são reduzidos muitas vezes ao terço e até ao quarto dos que a indústria paga. Por exemplo: nas contas dos industriais de lavagem, penteação, fiação e tecelagem que o Dr. Figueiroa Rego apresentou na sua exposição vejo que, normalmente, a remuneração de um operário vai de um mínimo de 25$ a 30$ e 60$, ao passo que um trabalhador agrícola recebe, em média, 10$ a 18$. A comparação destes números dá a indicação do estado económico da lavoura em relação ao da indústria de tecidos.
Acusou-se a lavoura de pedir preços exagerados pelas suas lãs. Só parte dos agricultores vendeu as soas lãs de 1946, o que quer dizer que só essa parte encontrou compradores. E resta saber se foram eles que pediram preços exorbitantes ou se foram os industriais que ofereceram preços diminutos. Sabidas as dificuldades da lavoura, é provável que a razão esteja com os primeiros.
Não sei se os lavradores exigiram dos industriais preços excessivos. O certo é que as lãs, excluindo as churras, que não entram para o caso, não se venderam todas o ano passado e naturalmente não se venderão este ano. Conheço os preços da lavoura de várias regiões e posso citá-los. Sei que casos pessoais não se devem trazer aqui, mas em todo o caso posso dizer o seguinte:
Lãs pretas da mais alta qualidade tiveram os preços seguintes:
[ver tabela na imagem]
Lãs brancas de l. ª qualidade:
[Ver tabela na imagem]
Nota-se uma subida que não foi grande em relação com o aumento da circulação fiduciária, do custo da vida e dos preços das lãs estrangeiras de boa qualidade, com as quais estas se podem comparar.
Houve, de facto, algumas lãs mais caras do que estas.
Trata-se, evidentemente, de lãs de l.a categoria, lãs produzidas por carneiros da Austrália, de Rambouillet, de Châtillon, etc., mas trata-se de lãs que na classificação francesa estão na mais alta escala, isto é, acima de 110, chegando mesmo a 120:000 jardas por libra.
Cito os preços mais altos que conheço:
[Ver tabela na imagem]
Conheço outros preços de lãs brancas, que vão de 235$ a 300$, sempre tratando-se de lãs de l.a qualidade.
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Vi noutro dia uma lista oficial de preços de lãs estrangeiras importadas, na qual há de facto preços inferiores aos das nossas lãs melhores, mas onde as lãs boas têm às vezes preços que chegam a 600$ a arroba, ou seja a 40:5 o quilograma, preços que não me consta tenham sido atingidos por qualquer lã portuguesa.
É um facto que em geral as boas lãs estrangeiras são melhores que as lãs de tipo médio, ou mesmo bom, nacional, mas estas saíram mais caras do que as nossas, na maior parte; temos, porém, de admitir que temos já em Portugal lãs que podem competir com as melhores da importação, se bem que ainda não em grande quantidade.
Poderia alongar-me em considerações técnicas comparativas, mas não é agora a questão que se discute e o tempo urge, e por isso me não alongo sobre as razões técnicas que levam a indústria a preferir as lãs estrangeiras, mas direi que a razão principal desta preferência está em que elas permitem fazer tecidos de preços mais elevados, tecidos de luxo, tecidos para vestidos de senhoras, tecidos leves e quentes, de alto valor comercial. Por consequência, o comércio prefere essas lãs porque lhe dão um maior lucro.
Para poder fazer uma ideia da diferença entre os preços das lãs na origem e o preço por que o produto acabado se vende ao público, lembrei-me de mandar comprar algumas amostras de lãs no mercado de Lisboa hoje mesmo. São uns novelos de lã nacional para croché e também um de lã estrangeira.
Cada novelo de 50 gramas custou, respectivamente, 6$60, 8$95, 11$35, 13$10 e a estrangeira 17$.
Os cálculos que se vão seguir não são exactos, porque desconheço os pormenores contabilistas das operações, e por isso os dou só como aproximativos. Partindo do principio que duas arrobas de lã suja dão aproximadamente uma arroba de lã lavada, temos que os preços que podemos aplicar a este exemplo são os seguintes:
[Ver tabela na imagem]
(a) Estrangeira.
Se aplicássemos estos preços às lãs nacionais de preços entre 250$ e 400$ a arroba e calculássemos que a industrialização destas lãs custava tanto quanto o preço de uma lã média, teríamos que, com lãs dos preços que seguem, por arroba, obteríamos:
[Ver tabela na imagem]
Não sei quanto custa a industrialização até à venda ao público de uma lã para croché, que é o caso que apresento, mas sei de um amigo meu que comprou um lote grande de lãs, que não vendeu por terem baixado os preços. Procurando fugir a um prejuízo certo, mandou com essa lã fabricar, em Teixoso, uma fazenda, que lhe ficou por 12$ cada metro. Encarregou um comerciante amigo da sua venda, tendo obtido a sua colocação a 24$ cada metro.
Esta foi a base que me levou a calcular em 100 por cento do preço de uma lã média a sua preparação em lã de croché - indústria muito mais simples.
Mas, como disse, este exemplo é baseado sobre cálculos e não sobre contas exactas, porque a indústria e o comércio não no-los fornecem de confiança. Trouxe o exemplo para salientar duas coisas:
1.° Que temos lãs que equivalem às lãs estrangeiras de l.a qualidade, conforme se poderá verificar comparando dois dos novelos que aqui tenho. Quer dizer que temos algumas lãs que podem fazer concorrência às lãs estrangeiras;
2.° Que a indústria recorre a lãs estrangeiras porque estas lhe permitem fazer tecidos que lhe deixam mais lucro.
E este emprego de lãs estrangeiras caras nas fazendas mais finas é tão elevado que não deve ser exagerado afirmar-se que as nossas lãs entram nestas fazendas em não mais de 5 a 10 por cento, porque não temos mais do que essa percentagem de lãs de alta qualidade.
Quando uma fazenda é cara não quer dizer que as nossas lãs tenham sido vendidas a preços altos, mas sim que essa fazenda é feita quase que exclusivamente com lã estrangeira cara.
E então a acusação de que nós somos os culpados da carestia das fazendas não está certa.
Mas voltemos ao princípio: a importância que a lã tem para a agricultura nacional e a defesa desta produção, dentro da justiça.
Sabe-se que o armentio ovino, tão importante, é o mealheiro da lavoura.
A venda dos borregos e da lã, que tem lugar na Primavera, dá os recursos para acudir nessa época às despesas das mondas e das ceifas. Quando se atrasa a liquidação destas verbas ou desaparecem com a protelação das vendas ou com a suspensão das compras, como aconteceu em 1946 e se teme, com fundamento, aconteça na próxima campanha, este mecanismo complica-se e o lavrador tem de recorrer ao crédito.
Com redobrado receio se, como agora, se vislumbra a impossibilidade das vendas.
E não se julgue que esta questão impressiona o grande lavrador; quem é o mais atingido ó o pequeno. O grande tem maneira de se defender, porque tem um mais largo crédito.
E como de 264:000 produtores só são considerados grandes cerca de 300, os outros 263:700, que são pequenos, é que sofrem. Por isso, este não é assunto de ricos, mas assunto de agricultores pequenos e pobres. A média de cabeças lanares, por lavrador, é de 14,7.
Para estes o não vender a Ia é um grande prejuízo.
E, afinal, o que pede a lavoura ? Que lhe seja garantido vender a sua Ia. E por que preço? Pelo que for justo.
Não julgo esta uma pretensão excessiva.
Eu faço parte, como representante do distrito de Portalegre, da secção do lãs da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Em Março do ano passado, em sessões da Junta, previu-se que, sendo de supor que os preços externos baixariam, porque as reservas de lãs do Império Inglês eram enormes e nos disseram que seria autorizada a importação de lãs estrangeiras em grandes quantidades, tivemos de considerar a eventualidade da baixa dos preços das lãs nacionais.
Falou-se de uma baixa de 10 por cento, mas, se fosse necessário, poder-se-ia ir até 20 por cento mesmo, tanto mais que, previdentemente, já se tinha criado um fundo de compensação bastante importante, conseguido à custa de taxas de importação sobre as lãs estrangeiras, fundo esse que está hoje em 12:000.000$.
Propusemos então que as importações se não fizessem sem controle, mas fossem antes condicionadas às neces-
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sidades, a fim de que a economia nacional não sofresse um prejuízo grande como aquele que adviria com uma baixa maciça no valor do armentio ovino nacional, pois que se calcularmos a diminuição do valor de uma ovelha proveniente da baixa do valor do seu velo, multiplicando esse resultado pelo número de ovinos, a sua repercussão no valor da pastagem e a desta no valor da terra, chegamos a uma desvalorização enorme do próprio valor da propriedade rústica da Nação.
É um problema de tal monta que merece a atenção de nós todos, e não só dos agricultores.
Mas nessa altura grande foi a nossa surpresa quando vimos que as lãs subiam no mercado americano, único livro naquele momento.
Como se explica este facto?
A Inglaterra, que tem no seu commonuelth a maior produção de lã do Mundo, comprara e reservara todas as suas lãs, e para evitar uma baixa desastrosa ia-as vendendo a preços altos, a fim de se ressarcir dos encargos assumidos com essas compras a preços altos; assim, também nós vimos os preços das nossas lãs subir, acompanhando os preços das lãs estrangeiras, e não baixar, como temíamos.
Não dependeu de nós a subida de preços das lãs nacionais; elas seguiram os preços externos e alcançaram os seus diversos preços conforme as suas categorias. Não foi a lavoura que impôs a subida de preços; foram os acontecimentos e foi a oferta do comércio.
Se as pagaram, é porque os compradores lhes encontraram vantagens e valor equiparados às estrangeiras e, como disse no início, houve lãs estrangeiras muito mais caras do que as nossas.
As nossas, geralmente, atingiram um preço médio. Poderíamos trazer elementos comparativos e elucidativos do que afirmo.
O preço das lãs nacionais em 1946 subiu a 250$ e mesmo a 280$ nos tipos bons, com aumento médio de cerca de 50$ sobre os preços dos anos anteriores, representando uma subida de 20 a 25 por cento.
Como já disse, afirmou alguém que o alto preço das lãs nacionais é a razão da subida do preço dos fatos nas alfaiatarias.
Se considerarmos que a nossa lã do l.a categoria ó pouquíssima e pode entrar, quando muito, em 5 a 10 por cento nos tecidos de 1.a qualidade, temos de convir que a subida das fazendas e dos fatos depende do preço das lãs estrangeiras o dos lucros da indústria de alfaiataria na confecção dos fatos.
A importação de lãs estrangeiras monta a 16 milhões de quilogramas em 1946-1947 e desce a cerca de 10 milhões; devo ser de lãs caras.
Uma comissão de técnicos da Junta Nacional dos Produtos Pecuários fez há bastante tempo uma cuidadosa classificação das lãs nacionais, dividindo-as em lãs churras, merinas e cruzadas, e, dentro de cada classe, dividindo-as por caracteres industriais de finura e de valor relativo.
Partindo dessa classificação, fácil é hoje dar a cada uma um valor relativo e, finalmente, aplicar-lho o preço definitivo.
O Sr. Nunes Mexia:-Essa comissão existiu, mas açaí taram com ela, pode V. Ex.ª informar a Câmara.
O Orador: - Fizeram-se até sobre essa base leilões oficiais de lãs, mas, por razões longas de expor, este mecanismo, no começo da guerra, deixou de funcionar.
Desde o inicio de 1946 as importações de ias aumentaram num ritmo mais acelerado e temos de fazer notar que estas importações, em vez de ser feitas pêlos industriais e pêlos importadores usuais, o foram por importadores, muitos deles desconhecidos, vindos doutros sectores do comércio, importadores que nem sabiam o que eram lãs e que mercadoria importavam, tendo em mira só diferenças grandes de preços.
Muitas destas importações foram de lãs de baixa qualidade.
O Sr. Figueiroa Rego: - Pessoas das mais variadas profissões.
O Orador: - Exactamente.
Cheio o mercado de lãs, como os comerciantes e importadores necessitam de vender, essa oferta maciça veio não só prejudicar o preço das nossas lãs, mas, o que ó mais grave, a venda das mesmas, causando, como já disse, grave transtorno à lavoura.
Se a indústria pode dar saída a todas estas lãs importadas e às nossas, nós não vemos inconveniente em que a indústria trabalhe de dia e de noite, exporte tecidos e ganhe dinheiro. Esta actividade intensa é só benéfica para todos. O que ó mais grave, porém, é que tudo isso se faça sem atender à grave situação que se criou à produção nacional do lãs.
Quando no início de 1946 púnhamos os Poderes Públicos de prevenção contra o perigo das importações maciças e mostrávamos os perigos que daí vinham, julgávamos que, estando condicionadas as importações, estas seriam reguladas conforme as necessidades, mas a verdade á que esto sistema não funcionou devidamente.
Fizeram-se importações sem licenças prévias, desalfandegaram-se lãs sem licença o no mercado entraram lãs em enorme quantidade, que bastará para mais do dois anos de consumo.
Todo o sistema de controle deixou de funcionar, como se verificou nas últimas sessões da secção de lãs da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
Quando nós propúnhamos controle estávamos dentro da justiça o, dentro da cautelosa previsão, os nossos representantes acudiram em devido tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Agora entrou uma quantidade enorme de lãs no nosso País e não compram a nossa.
Quais serão os preços da colheita futura ? Não sabemos.
Esta situação do comércio interno de lãs não é nova; deu-se durante muitos anos da forma que passo a expor:
Desde o tempo insaudoso dos democráticos, em Janeiro, Fevereiro e Março, grandes comerciantes estrangeiros vinham a Portugal o ofereciam lãs estambradas a toda a indústria. Esta, porque já estava abastecida, tendo comprado estas lãs, oferecidas a preços convidativos, um pouco antes das tosquias, não comprava a lã nacional.
Assim, a lavoura ficava sem vender as lãs até Julho, Agosto e Setembro.
Então apareciam compradores a baixo preço.
Realizado um stock no fim do Verão, em Outubro e Novembro pediam ao Governo licença para exportar. Era assim então que se dava a sua saída, fazendo um rico negócio à custa da lavoura, em dificuldades.
Esse mecanismo durou quatro a cinco anos, pelo menos.
Não é verdade que toda a lã portuguesa seja vendida por altos preços; ao contrário, grande parte das lãs portuguesas é vendida por preços baixos; e também temos de reconhecer que os fatos fabricados com ela são de qualidade interior aos fabricados com lã estrangeira.
O Sr. Figueiroa Rego: - Mas de maior duração.
O Orador:-Todavia temos de reconhecer que tem menor valor no mercado; quando a fazenda de um fato
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é cara ó porque nela entra lã estrangeira, mais cara do que a nossa, e, repito, não é a esta que se pode atribuir o preço alto dos latos, porque a nacional cara só entra no tecido na porcentagem de 5 a 10 por cento, e não é isso que o encarece.
É um facto que há tecidos tabelados c tecidos com preços tecidos na orla, mas é também um facto que no mercado há muita fazenda de luxo não tabelada e é esta que muitos preferem fabricar o vendem-na por estrangeira.
E nesta acusação de a carestia da fazenda depender do custo das lãs nacionais há uma coisa curiosa: é que o emprego das nossas lãs é tão reduzido que o maior comprador de lãs portuguesas tem em casa quasi todas essas is, que não foram ainda industrializadas, e não é pela carestia de preços nem pela qualidade.
Não ouso entre tê-lo s mais com os meus discursos. O essencial está dito. Quero apenas responder a alguém que afirmou que os agricultores são retrógrados. Muitos lavradores portugueses estão sempre a par daquilo que se passa lá fora.
Há questão de cinquenta a sessenta anos trouxeram-se merinos da raça Rambouillet, há mais de trinta anos de Châtillon, outras pessoas trouxeram de Larzac, etc.; eu próprio trouxe, com grande dispêndio, um carneiro da África do Sul, a fim de introduzir em Portugal lãs superfinas; outros foram comprá-los a França e outros ainda aos Estados Unidos.
O problema lanar tanto tem interessado o Estado como o particular. Há quem diga que se não progride. Eu lembro-me de quando, no distrito de Portalegre, as ovelhas oram todas churras brancas, depois de ver os primeiros rebanhos pretos vindos do Moura o. Esse e outros distritos estão hoje quase todos cheios de ovelhas brancas e a sua qualidade melhora dia a dia.
Eu sei que hoje há lavradores que se ocupam do problema do leite porque neste momento isso lhe interessa mais que o problema da lã, mas é uma orientação que prejudica a economia nacional lanar. Se o problema da lã for abandonado ou descuidado, será um valor de muitos milhares de contos perdido, sem beneficio no preço dos fatos, pelo menos enquanto o preço das lãs estrangeiras for igual ou superior ao preço das lãs nacionais, como é hoje.
Ainda há muito poucos dias estive em Reguengos e tive ocasião de observar mais uma vez que há lavradores que se ocupam com o maior cuidado e com bons técnicos de todos os aperfeiçoamentos modernos no que respeita à indústria do leite ovino. E incidentalmente direi que temos também ovinos leiteiros tão bons como os estrangeiros.
O Sr. Nunes Mexia: Nas regiões próprias, evidentemente.
O Orador: - Sim, nos arredores de Lisboa e serra da Estrela. É claro que há certas regiões onde o problema do leite se sobrepõe ao da lã, mas nas regiões desta a lã de qualidade tem uma alta importância.
A razão desta diferença de orientação depende das condições mesológicas, nas quais as várias criações ovinas se desenvolvem ligadas ao clima e à pluviosidade de cada região.
Poderia continuar a entreter V. Ex.ªs com números o estatísticas, mas acho que não vale a pena, porque me parece que expus o problema quanto às suas bases principais e .que todos os pontos já foram debatidos.
Vamos ao que importa e ó essencial.
O que se pede afinal? Apenas isto: que sejam adquiridas as lãs nacionais no tempo próprio, pois que isto ó conveniente para a economia nacional e interessa a todos.
Se os preços dos produtos agrícolas forem baixos na origem, sofrerá o produtor; se forem caros no consumo, sofrerá o consumidor e o produtor, enquanto também consumidor. E como em todo p sector agrícola, trigo, vinho, gados, etc., o produtor pequeno está na proporção de 1:000 para 1; ó com o pequeno produtor que nos devemos preocupar e ainda mais do operário que não é produtor directo, que é ainda aquele de entre todos que mais sofre do baixo preço na produção. Portanto, se a compra da lã nacional usufruir de um direito de preferência, o problema resumir-se-á a uma questão de preços.
Lembro, por isso, que se crie uma comissão arbitrai que avalie as lãs e estabeleça um preço equitativo.
Depois destas considerações, nada mais tenho a acrescentar e não desejo terminar sem agradecer a todos V. Ex.ªs a paciência com que me ouviram.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Estão ainda inscritos quatro oradores para este debate.
Em virtude do adiantado da hora vou encerrar a sessão, marcando a próxima para amanhã, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Jorge Botelho Moniz.
José Nunes de Figueiredo.
Manuel França Vigon.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
António Carlos Borges.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualbarto de Sá Carneiro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
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Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Paulo Cancela de Abreu.
Rafael da Silva Neves Duque.
Salvador Nunes Teixeira.
D. Virgínia Faria Gersão.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA