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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 102

ANO DE 1947 14 DE MARÇO

IV LEGISLATURA

SESSÃO N.º 102 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 13 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho uma proposta de lei relativa à organização suprema da defesa nacional e vários decretos-leis para a hipótese de ser requerida a sua ratificação.
Os Srs. Deputados Querubim Guimarães e Cincinato da Costa ocuparam-se dia questão dos lacticínios.
O Sr. Deputado Botelho Moniz tratou da situação das emissoras particulares de radiodifisão criada pela Direcção dos Serviços Radioeléctricos, da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones.

Ordem do dia. - Foi discutido e aprovado, com emendas, o projecto de lei do Sr. engenheiro Mira Galvão, relativo à reorganização do parcelamento da serra de Mértola, tendo usado da palavra aquele Sr. Deputado.
Começou a discussão da proposta de lei em que se transformou o decreto-lei relativo à restrição do plantio da vinha.
Usou da palavra o Sr. Dr. Franco Frazão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 35 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Manuel José Ribeiro Ferreira Manuel Marques Teixeira
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António de Sousa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.

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João de Espregueira da Rocha Páris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivei.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Subscritos pelos Grémios de Comércio de Braga e Sintra apoiando o projecto de lei do Sr. Deputado Mendes do Matos, que estabelece o descanso dominical em todo o País.
Subscrito por Amélia Matos Viegas, de Santa Comba Dão, pedindo que seja melhorada a situação dos senhorios com rendas antigas.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, relativa à organização suprema da defesa nacional. Esta proposta é considerada polo Governo urgente e fixa à Câmara Corporativa o prazo de cinco dias para emitir o seu parecer.
Vai baixar imediatamente à Câmara Corporativa e vai desde já também baixar à Comissão de Defesa Nacional, para que, logo que venha da Câmara Corporativa, possa entrar em debate antes do termo dos nossos trabalhos.
Comunico à Assembleia que se encontram também na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.° do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.°s 43, 46, 50, 52 e 04, respectivamente de 24 e 27 de Fevereiro e 4, 6 e 8 de Março corrente, contendo os decretos-leis n.°s 36:164, 36:167, 36:172, 36:173 e 36:176.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Querubim Guimarães.

O Sr. Querubim Guimarães: - Sr. Presidente: antes, propriamente, de me ocupar do assunto que me propus tratar neste momento, quero associar-me, como Deputado pelo distrito de Aveiro, às palavras aqui proferidas na sessão de ontem, a respeito da situação em que se encontra Espinho, pelo nosso ilustre colega Belchior da Costa.
Espinho, como V. Ex.ª muito bem sabe, representa no distrito de Aveiro uma parcela importantíssima, não só da sua vida económica, mas também da sua vida turística. Ao norte Espinho, ao sul Curia e Buçaco, são realmente estâncias da maior atracção para nacionais e estrangeiros, que enriquecem o património do meu distrito.
Sr. Presidente: precisa Espinho das maiores atenções do Governo para que se evite o destroço que o mar ali faz quase anualmente, esse mar que parece comprazer-se em ferir e mutilar a linda praia, quando deviam viver abraçados um ao outro, visto que, se Espinho muito deve ao mar, o mar também bastante deve a Espinho.
Sr. Presidente: associo-me portanto de bom grado às palavras aqui proferidas pelo nosso ilustre colega Sr. Dr. Belchior Cardoso da Costa, na certeza do que o Governo e o Sr. Ministro das Obras Públicas, com cuja capacidade de acção, competência e zelo pela causa pública podemos contar, não deixarão de olhar para o problema, dando seguimento ao bem elaborado projecto do engenheiro Von Haffe, que era, no consenso unânime dos técnicos, uma autoridade na matéria.
Ao mesmo tempo aproveito a ocasião para ler à Assembleia um telegrama que recebi de Cacia, uma das freguesias do distrito de Aveiro marginais do Vouga e que também sofreu muito com as inundações provocadas pêlos últimos temporais.
O telegrama diz o seguinte:
Leu.
Dirigem-se-me os lavradores de Cacia solicitando a minha intervenção, como seu representante nesta Assembleia, a seu favor, chamando a atenção do Governo para a situação em que ficaram os seus campos, destruídos pela recente cheia do rio Vouga, cobertos de areia e com enormes covas, acontecimento este que não é excepcional, embora este ano de mais funestas consequências, pois todos os anos se registam factos desta natureza devido ao traçado da barreira que defende os campos, que estão a 100 metros do nível inferior, por onde as águas se despenham com violência, devastando os terrenos. Queixam-se da situação a que ficaram reduzidos e que não podem remediar por não terem recursos para custear as despesas que o restauro de tudo isso ocasiona.
Desejam então que se chame a atenção do Governo para esse quadro triste, pedindo que intervenha a seu favor.
Conheço a região, Sr. Presidente, e sei realmente que estes campos, que são fertilíssimos, sofreram danos enormes com as ultimas inundações.

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Uma obra que se fez justamente para as evitar foi suplantada pela impetuosidade da corrente.
Peço, pois, ao Governo, e em especial ao Sr. Ministro das Obras Públicas, tome em atenção as aplica daqueles lavradores, que tão prejudicados foram com os últimos temporais.
É de meu dever satisfazer este pedido, não só como representante do distrito de Aveiro nesta Assembleia, mas ainda como português, visto que se trata de um assunto que muito interessa à economia nacional, pois toda essa região ribeirinha do Vouga é rica em produção de milho e outros géneros tão necessários à alimentação pública, e, se o Governo lhes não acode com as providências precisas, ficarão estéreis.
E agora vou entrar no assunto para que, propriamente, pedi a palavra.
Sr. Presidente: creio que chegaria agora a ocasião de V. Ex.ª fazer entrar na ordem do dia a discussão do meu aviso prévio sobre lacticínios. Problema de solução difícil mas capaz de, com boa vontade, se resolver, ele com certeza prenderia a atenção desta Assembleia, e, numa generalização do debate, daria lugar a uma discussão prolongada e útil, sem dúvida, mas que se me afigura neste momento pouco oportuna.
Não devemos com a discussão estorvar a acção do Sr. Ministro da Economia, a cujas altas qualidades presto aqui a minha homenagem, à sua acção pronta, à sua decisão e competência e ainda ao sentido objectivo com que encara as realidades, pouco preso a doutrinas e mais dentro das circunstâncias do momento a que ó preciso atender rapidamente.
Prometeu S. Ex.ª na reunião dos grémios da lavoura realizada no Porto, com a assistência dos seus dois Subsecretários de Estado - do Comércio e Indústria e da Agricultura, ir ocupar-se do assunto, para o qual S. Ex.ª pareceu inclinar-se no sentido de dar ao problema uma solução diferente da que tem sido dada até hoje. Não devemos embaraçar, a meu ver, com a discussão aqui travada, a actuação do Sr. Ministro da Economia, já iniciada com medidas ultimamente tomadas, o que, creio, também não prejudicará o interesse da Assembleia e o desejo que deve ter de conhecer a questão nos seus pormenores e de tomar sobre ela um decisão, no futuro, se tal se tornar conveniente.
Creio que até o Sr. Ministro da Economia não deixará de compreender esta nossa atitude e agradecer, como é legítimo, a confiança que temos na sua acção, que será, sem dúvida, no sentido de melhorar uma situação que tem piorado e que poderia remediar-se com um pouco de prudência e energia.

O Sr. Teotónio Pires: -De que em parte ó culpado o Ministério da Economia.

O Orador: - Não deixarei no entanto de expor à Assembleia algumas considerações sobre o assunto, não só porque sou da região que por excelência tem uma posição de destaque em Portugal em matéria de lacticínios, mas também porque, tendo anunciado o aviso prévio sobre o problema e querendo ocupar-me dele com o seu mais completo possível conhecimento, procurei colher em vários departamentos do Estado, como seja a Junta Nacional dos Produtos Pecuários e a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, todos os esclarecimentos e informações de que carecia.
Além disso, visitei todas as fábricas do distrito de Aveiro é algumas de fora do distrito, no norte do País, locais agora abandonados e onde dantes se fabricava manteiga, e a todos solicitei informes, a interessados da lavoura e da indústria e outros.
Ouvi industriais e grémios da lavoura e observei como as fábricas trabalhavam - os seus processos técnicos,
a natureza e qualidade dos seus produtos, sobretudo a manteiga e o queijo, em algumas delas a caseína e galalite, produtos com esta matéria fabricados, produtos lácteos, etc.-, apetrechamento industrial, instalações respectivas, estabulação de vacas leiteiras e touros reprodutores, a engorda de suínos o tudo o mais que poderia interessar ao exame o estudo da questão, e concluí não ser impossível encontrar solução, embora difícil, reconhece-se, para o problema, no sentido de uma rigorosa coordenação de interesses entre a lavoura, a indústria e o consumidor, pois da conciliação desses interesses, no que é legítimo reconhecer-se-lhes, está o interesse nacional.
Vemos, nesta questão dos lacticínios, o que se verifica noutros sectores da nossa economia - uma luta de interesses, em vez dessa desejada conciliação.
Disso ó um exemplo vivo o que se passou nesta assembleia com a discussão do aviso prévio sobre as lãs.
Como se compreende que duas forças de actividades económicas do País - a lavoura e a indústria - se digladiem em pontos de vista tão opostos, quando deveriam ser convergentes, e não haja uma conjugação de esforços no sentido de tudo harmonizar para bem da economia do País?
No problema dos leites e dos lacticínios acontece o mesmo. A lavoura quer tomar à sua conta a industrialização do leite, mas a indústria opõe-se a esse desejo e acha que essa actividade lhe pertence, e não h lavoura.
Actuam estas duas entidades num ambiente de hostilidade manifesta, quase irredutíveis, quando parecia que antes deveriam viver em harmonia, tendo a lavoura, numa maior produção de leite, uma compensação pecuniária que a indústria, aproveitando os seus produtos, lhe poderia e deveria dar. Um rápido esboço histórico da questão nos põe a claro o problema actual.
O que havia antes de 1939? Qual a posição então da indústria e da lavoura? Antes de 1939 havia, como V. Ex.ª sabe, Sr. Presidente, inteira liberdade de acção. Todo o lavrador criador de gado leiteiro produzia a manteiga que queria. Queijo só em algumas casas agrícolas e numa ou noutra zona onde se fabricavam alguns afamados tipos de queijo fino, como os da Quinta do Paço, por exemplo, em Paços de Ferreira.
Havia também tipos de manteiga de nomeada, produzidos num ou noutro ponto do País em quintas e granjas modelares.
Pouco, porém.
Além dessas especialidades conhecidas e apreciadas no mercado consumidor, tipos de manteiga bem apresentada e fabricada, a regra geral era haver manteiga mal fabricada e de inferior qualidade.
Não tinha condições higiénicas o sen fabrico e a técnica era a mais rudimentar. Tudo, porém, se consumia no País. O consumidor não era exigente, embora se não compreenda como se podia produzir assim com tão imperfeitos processos uma manteiga capaz do satisfazer o paladar de todos os consumidores e sem prejuízo da saúde pública.
A produção era, portanto, inferior e achava-se pulverizada por inúmeras fabriquetas, que, pela sua insalubridade e carência de higiene, como algumas conheci, se tornavam condenáveis.
Em 1939, porém, o Ministro da Economia de então, Sr. Dr. Rafael Duque, que tenho muito pesar, pelas razões que disso o impossibilitam, de não ver aqui a nosso lado, e cuja intervenção nó debate muito nos honraria e muito poderia esclarecer-nos, resolveu que uma comissão de técnicos fosse ao estrangeiro estudar o problema, para se inaugurar um novo período no fabrico de lacticínios, de harmonia com os mais modernos processos da técnica que os comissionados observassem nos vários países leiteiros visitados. Assim, como conclusão desses trabalhos, se iniciou o regime novo da

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concentração industrial dos lacticínios. Data a organização de 13 de Julho do 1939, pelo decreto n.° 29:749.
Dois anos depois, por uma portaria, criaram-se as zonas de abastecimento, dentro das quais não podia ir abastecer-se de leite senão a respectiva fábrica a que ficava adstrita. Cada uma dessas zonas ficava privativa da respectiva fábrica. Era o processo que se entendeu ser melhor para garantir à indústria a matéria-prima de que carecia.
Ninguém mais senão a fábrica respectiva podia utilizar o leite produzido nessa zona. Nem o lavrador, portanto.
Começaram então a digladiar-se os interesses da lavoura e os da indústria: a indústria querendo esmagar a lavoura, que procurava sair da prisão a que a condenavam, reclamando a liberdade de vender o leite que produzia a quem entendesse, e a lavoura, querendo organizar-se em cooperativas, ou por iniciativa dos próprios associados ou por iniciativa dos grémios da lavoura, como lhes era permitido pelo decreto n.° 29:494, de 29 de Março de 1939. Mas as cooperativas não podiam ser vistas com bons olhos pela indústria, que nelas via concorrentes perigosos, o por isso se opunha à criação de novas; o às únicas duas existentes - a de Aldreu, em Barcelos, e a de Sever do Vouga - procurava esmagá-las, invadindo a área que lhes pertencia na compra do leite.

O Sr. Teotónio Pires: - E o Estado tem negado às cooperativas agrícolas os meios legais de conseguirem os seus fins.

O Orador: - E compreende-se isso, dada a orientação económica seguida pelo Governo - a da concentração industrial - da sua única responsabilidade. O erro, se erro havia, de orientação era do Governo, e teria de ser, portanto, coerente na sua actuação até ao fim, pois que, se a indústria se organizou da maneira que se sabe e em tal actividade investiu grandes capitais, foi a convite ou a imposição do Governo, confiada na garantia de protecção que lhe era dada.
As zonas seriam garantia de aquisição do leite de que necessitava a indústria, e, por conseguinte, da sua continuidade; nem de outro modo se compreenderia que se abalançasse a empreendimento tão arrojado e dispendioso como o que revelam as suas instalações, na sua quase totalidade feitas na região leiteira do meu distrito - Avança, Vale de Cambra e Vila da Feira. É grande o número de fábricas que, pela sua aparelhagem e apetrechamento, dirigidas por bons técnicos, puderam, fabricando produtos de boa qualidade, competir, até certo ponto, com o estrangeiro.

O Sr. Teotónio Pires: - As cooperativas também o poderiam fazer.

O Orador: - Naturalmente o Estado, repito, não podia permitir senão o que fosse em conformidade com a orientação que resolveu seguir.
Com a concentração quis-se tornar melhores e mais perfeitos os produtos, disciplinando e condicionando a produção, que, como já disse, até ali proliferava num sem número de fábricas de inferior categoria e fabrique-tas anti-higiénicas, postos de recepção e de desnatação impróprios e insalubres até.
Por números que tenho, relativos a 1930, vê-se que esses postos e fábricas chegaram nesse ano a atingir um total de 450.
Para melhor elucidação apresento mais os seguintes números, extraídos do mapa estatístico, que me forneceu a Intendência de Pecuária de Aveiro, respeitante a estabelecimentos de lacticínios existentes na sua área no decénio de 1935 a 1945.
O total dos postos de recepção, de desnatação e fábricas era, como já disse, de 450 em 1935, descendo depois da concentração a 173 em 1942 e a 165 em 1945.
Os postos de desnatação desceram de 325 em 1935 a 69 em 1945, e as fábricas, de 125 que eram naquele primeiro ano, a 14 em 1942, número mantido até 1945.
Isto que estou citando é relativo a Aveiro e tem importância especial para o problema, visto tratar-se de uma região de lacticínios por excelência, onde a indústria, portanto, tem atingido o maior desenvolvimento.

O Sr. Teotónio Pires: - E nos Açores?

O Orador: - A questão está circunscrita ao continente. Naturalmente a indústria defende-se, procurando chegar a maior compensação no preço dos produtos, adquirindo o leite ao mais baixo preço e vendendo os seus produtos pelo mais alto.
O Governo, então, interveio com o tabelamento-tabelamento do leite e tabelamento dos produtos. Assim tinha em vista acabar com excessos de lucros, que é o objectivo persistente dos produtores, em prejuízo sempre da principal vítima - o consumidor -, sobretudo o da classe média e da classe pobre.
Mas o lavrador também sabe defender-se e procurou então um outro processo, para pôr cobro ao que considerava um abuso, vendo a matéria-prima que criava cedida obrigatoriamente à indústria, que via prosperar enquanto ele definhava, e sem possibilidade de encontrar apoio às suas legitimas reclamações. O que fez? Resolveu desfazer-se, em grande quantidade, das vacas leiteiras.
V. Ex.ª Sr. Presidente, que é da região, bem sabe porque ela assim procedeu. Era porque o leite produzido pelas suas vacas não era vendido por preço compensador. E também porque havia dificuldades, carência mesmo, de transportes. Os automóveis não tinham gasolina, as camionetas não tinham pneus, a carretagem garantia-lhe lucros apreciáveis. Transformou, portanto, a sua actividade, trocando a vaca de leite pelo bovino de trabalho, que o ajudava na lavoura e lhe dava, além das crias que vendia, bons lucros na carretagem.
Na região de Aveiro alturas houve em que as estações de caminho de ferro estavam cheias de novilhos que vinham para Lisboa para sor abatidos para consumo.
Tudo isso provocou a baixa na produção do leite, num decréscimo progressivo, o que se evitaria se o preço de venda fosse compensador. A seca e a falta de pastagens, embora para tal concorressem, foram de menor importância.
Tenho aqui presente um outro mapa estatístico que se refere à produção de leite. Verifica-se por ele que o leite completo saído das fábricas para alimentação humana na região a que me tenho referido passou de 2.107:801 quilogramas em 1939, primeiro ano da concentração, para 150:052,5 em 1943. Depois, em 1944, subiu para 349:327, e em 1945 chegou já a 1.124:908,4.
Isto diz respeito ao leite completo saído para alimentação pública, repito.
Vamos agora ver o que aconteceu com o leite industrializado. Em 1939 foi a produção de 40.796:258 kg,4; depois foi descendo, descendo progressivamente para a casa dos 35, 32 e 29 milhões, até que em 1943 chegou aos 25.843:008 kg,5, dando-se em 1944 uma pequena subida para 28.819:261 kg,5, mas descendo já no ano seguinte, 1945, para 28.293:223 quilogramas.
Este mapa, que me foi fornecido, como outros, a solicitação minha, pela Intendência Pecuária de Aveiro, é bem elucidativo. Denuncia nova orientação da indústria esse aumento de saída de leite das fábricas para alimentação humana verificado em 1944 e 1940. Quer dizer: as fábricas, por isso lhes dever ser mais compensador, dado o preço do leite nos dois grandes centros popula-

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cionais do Pais, sobretudo Lisboa, passaram a vender o leite para consumo, fazendo, portanto, comércio e desviando-se assim dos fins para que se constituíram na industrialização desse produto. Deve dizer-se, em abono da verdade, que nem todo esse desvio de leite era da sua própria iniciativa, mas imposto algum pela Intendência Geral dos Abastecimentos, para suprir a falta que na capital se sentia.
Mas isso mais irritou a lavoura, que via as fábricas utilizarem o leite que lhes entregava para industrializarem, num simples negócio que a ela, produtora, lhe era vedado.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: peço a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para interrogar a Mesa.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Desejava saber se o Sr. Deputado Querubim Guimarães está a efectivar o aviso prévio sobre lacticínios.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Querubim Guimarães não está a efectivar o aviso prévio sobre lacticínios, mas está a fazer uma intervenção sobre o mesmo problema. Pode V. Ex.ª, Sr. Deputado Querubim Guimarães, continuar as suas considerações.

O Orador:- V. Ex.ª, Sr. Presidente, é quem manda.
Nestas circunstâncias verifica-se que realmente a indústria sentia dificuldade em poder exercer a sua actividade industrial, agravando-se a sua posição em relação à lavoura, que de longe se vinha irritando com a sumptuosidade, a seus olhos, pelo menos, censurável, de certas instalações fabris, que pitorescamente chegou a designar por «catedrais do leite», catedrais que eram da indústria, mas construídas e montadas à custa do leite que dela era.
Ai a hostilidade da lavoura para com a indústria já tinha um aspecto psicológico, contra o qual a nova indústria, parecendo assim desconhecer a psicologia do nosso rural, não soube cautelosamente prevenir-se.
Indubitavelmente que é manifesto o exagero critico da lavoura, habituada como estava a ver fabricar a manteiga em qualquer canto e de qualquer maneira.
Obrigada a indústria, pela concorrência de algumas fábricas de produtos não tabelados e pelas exigências da lavoura, a pagar mais caro o leite, desviou-se do fabrico da manteiga, que lhe dava prejuízo, para o do queijo e outros produtos.
Um outro mapa que tenho presente revela o facto, daí se vendo que, enquanto a produção da manteiga descia de 1.454:557 kg,71 em 1939 para 705:884,6 em 1945, com uma subida acidental de 1943 para 1944, o queijo subia sucessivamente desde 380:856 quilogramas em 1939 para 1.006:310,2 em 1945, isto, é claro, quanto à região de Aveiro, a que me tenho referido.
Ao mesmo tempo subia a produção das farinhas e da caseína.
Eu não sou contra a indústria nem contra a lavoura; o que sou é pelo interesse nacional, e assim como condeno a lavoura, que nada fez até 1939 no sentido da industrialização capaz do leite, também condeno a indústria por não ter querido atender às justas pretensões da lavoura.
Esta quis constituir mais cooperativas de produção de lacticínios, mas tal não lhe foi permitido, apesar de a lei a isso se não opor.
Mas porque se não multiplicaram as cooperativas antes de a política económica dos lacticínios se ter iniciado, em 1939? Não é isso motivo de censura para a lavoura? Se as cooperativas podem produzir bem e em condições,
porque se não entregou a lavoura a essa exploração industrial antes de as fábricas se instalarem no Pais? Essa acusação lhe faz a indústria, pois só duas cooperativas funcionavam no País - a de Ribeira de Noiva, com sócio em Santiago de Aldreu (Barcelos), e a de Santins (Sever do Vouga) -, hoje duas neste concelho - uma em Rocas e outra em Couto de Esteres.
No confronto entre a inércia da lavoura dos anos anteriores à concentração c o seu interesse de agora pelas cooperativas vê a indústria o propósito de a atingir, e então contraria esse desejo da lavoura. E esta oposição da indústria, compreensível, aliás, no aspecto particular da defesa do seu interesse próprio, do capital importante que mobilizou para a concentração - muitos milhares de contos, como por milhares também se conta o volume das contribuições pagas ao Estado nestes seis anos de existência-, encontrou nas esferas oficiais apoio, a ponto de algumas repartições, já aprovados os estatutos de novas cooperativas e até concedidos os respectivos alvarás, a elas só oporem, não lhes sendo permitido pôr-se em actividade, sob o pretexto de deficiências sanitárias de instalação.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É à da Murtosa que V. Ex.ª quer referir-se?

O Orador: - Sim, senhor. Fica-se assim apenas com a laboração de duas cooperativas em Portugal.
E não se diga que as cooperativas fracassariam, não dando resultado apreciável para os associados ou não produzindo manteiga em condições, pois as informações que me foram fornecidas, por intermédio desta Assembleia, a meu requerimento, pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, esclarecidas por mapas que as acompanhavam, mostram que assim não é.
Quanto à qualidade da manteiga, as análises do produto feitas sobre amostras correspondentes às quatro estações do ano, colhidas por funcionários da Inspecção Geral das Indústrias e Comércio Agrícolas em todas as fábricas de lacticínios e cooperativas do continente, deram-na como análoga a das duas proveniências.
E quanto à actividade das duas cooperativas, vê-se que elas foram alargando o seu campo de acção, absorvendo uma quantidade de leite que vai desde 367:409 litros, para ambas, em 1939, a 866:196 litros em 1945, ou seja quase o triplo, e que a manteiga produzida por ambas também, passou de 17:464 quilogramas em 1939 para 42:919 em 1945. Os associados aumentam de ano para ano, atingindo em 1945 alguns centenares em cada uma delas.
E, além dos bónus, também sempre crescentes, que em 1945 subiram a 22.380)5, a distribuir pêlos associados da Cooperativa de Aldreu, e a 73.202$ os da Cooperativa de Sever do Vouga, ainda têm a sou favor, como compensação lucrativa, o leite desnatado, que utilizam na engorda de suínos.
Compreende-se assim bem o interesse que está despertando na lavoura o problema das cooperativas e correspondentemente o receio que daí advém à indústria na concorrência dos produtos no mercado.
Não pode, porém, esquecer-se o que se deve à indústria, sobretudo durante a guerra, produzindo manteiga e queijo, que, embora insuficiente em quantidade, abasteceu o País e com produtos de qualidade aceitável, mesmo alguns tão bons como os estrangeiros.
Não pode esquecer também a lavoura o que os produtores do leite devem à indústria em assistência à sua pecuária, tanto numa melhor selecção das suas vacas, trocando as velhas por novas e de boa raça, criadas nos seus estábulos, e ainda a assistência clínica, preventiva e curativa prestada gratuitamente aos animais.

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É para pôr aqui em relevo, como digno de louvor, o que a esse respeito devem os produtores da região à fábrica Lacto-Lusa, de Vale de Cambra.
Apoiados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Querubim Guimarães: advirto V. Ex.ª que já excedeu o tempo regimental que lhe era dado para as suas considerações.
O Orador: - Eu vou terminar, embora tivesse ainda muito a dizer. E termino, mesmo, para satisfazer os desejos do nosso ilustre colega Dr. Mário de Figueiredo.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Perdão, perdão; V. Ex.ª vai acabar para obedecer, como eu obedeci, às determinações da Presidência.

O Orador: - Sem dúvida. É preciso, realmente, que se atente no que só deve à indústria, dizia ou, ainda que não se esqueça também a lavoura, na justiça que é devida às suas reivindicações e numa conveniente coordenação dos dois interesses se dê solução ao problema.
Devo agora, para concluir, dizer que o Sr. Ministro da Economia, que é uma pessoa de cuja capacidade intelectual e grande dinamismo não podemos duvidar, o primeiro acto que fez, para atacar o problema, foi acabar com a portaria de 1941, embora com um carácter transitório. Isso quer dizer que estão suspensas as zonas de abastecimento, caminhando-se, possivelmente, para acabar com elas de vez.
Ora isto, aparentemente, parece uma solução satisfatória, visto que a lavoura pode vender livremente o seu leite e, portanto, por melhor preço, mas prejudica os industriais, que não têm assim a segurança dos seus abastecimentos.

O Sr. Bustorfs da Silva: - A medida do Sr. Ministro da Economia não conduz a pôr termo, de uma vez para sempre, às especulações feitas por certos pretensos industriais que não utilizavam o leite a que tinham direito e, antes, se limitavam a vender esse mesmo leite às empresas que estavam em laboração, cobrando uma remuneração que chegava até a ser de $50 por litro de leite?
Do despacho do Sr. Ministro da Economia não teria resultado o acabar-se com essas especulações sobre direitos que se não usavam, cobrando-se milhares de escudos como compensação... de não trabalhar?

O Orador: - Não é bem assim, o no meu aviso prévio eu teria ocasião de explicar as coisas tais como elas se passavam. Não houve esse desvio de actividade só por livre alvedrio dos industriais.
Nalguns casos foi-lhes isso imposto oficialmente por motivos excepcionais que o aconselhavam.

O Sr. Bustorff da Silva: - A mim o que me interessa é registar que havia cavalheiros que, para não exercerem as actividades para que obtiveram autorizações legais, recebiam é 50 por cada litro de leite e que estes $50 podem reverter agora para o lavrador.

O Orador: - Essa medida, tomada pelo Sr. Ministro da Economia, não sendo seguida de outras medidas complementares, não resolve a questão e pode até complicá-la, beneficiando as indústrias melhor organizadas, mais poderosas, ou com produtos não tabelados, em prejuízo das restantes, e é para isto que eu desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Economia. E termino, Sr. Presidente, solicitando de V. Ex.ª que sobresteja na discussão do meu aviso prévio, aguardando-se as medidas que o Sr. Ministro da Economia vai tomar. Para melhor esclarecimento do assunto que versei mando para a mesa, a fim de serem publicados no Diário doa Sessões, alguns mapas a que aludi nas minhas considerações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir também à nota oficiosa do último domingo, emanada do Ministério da Economia, na qual se comunica que vai ser suspensa a determinação da portaria n.° 9:733, de 10 do Fevereiro de 1941, na parto que respeita a definição de zonas de abastecimento as fábricas de laticínios, e para me associar aos cumprimentos do felicitações que nesta Câmara tom sido dirigidos, por tal motivo, a S. Ex.ª o Ministro da Economia por dois dos nossos ilustres colegas.
Na verdade, apesar do se encontrar no Governo apenas há quarenta dias, o Sr. Ministro da Economia vai afirmando passo a passo a sua personalidade o demonstrando ao País que alia às suas altas qualidades do cultura e inteligência um bom senso político, o mesmo é dizer que é verdadeiro psicólogo, virtude esta que, no dizer de um dos melhores servidores do Estado Novo autor de um interessantíssimo livro sobro problemas de administração pública em Portugal, deve ter todo o Ministro da Economia.
No conveniente mas cuidadoso arrumo deste nosso edifício económico S. Exa., não resta dúvida, vai-se revelando um homem de acção.
Na parte que se refere propriamente à nota oficiosa vemos que S. Ex.ª focou dois problemas da maior importância: o fornecimento de leite ao público e à indústria. Embora esta nota seja encimada pelo titulo do «Problema dos lacticínios», quero crer que com mais propriedade se deveria ter escrito «Problema do leite», pois há que estudar este no seu conjunto, o não no aspecto restrito dos lacticínios.
O erro grave que se cometeu neste País em relação ao assunto que tanto apaixonou esta Assembleia de há quatro ou cinco anos para cá foi justamente, como acaba de referir o Sr. Dr. Querubim Guimarães, o de não se ter garantido à lavoura o justo preço do leite vendido.
S. Exa. reportou-se a determinados números, mas eu penso que convém acentuar em primeiro lugar que o maior erro resultou de se não ter dado cumprimento expresso ao disposto no n.° 3.° da portaria citada nesta nota oficiosa, porque ali se diz claramente - e na tribuna já tive ocasião de mo referir a isso - que os preços deveriam ser acordados entre os grémios da lavoura e os industriais de lacticínios.
A Junta Nacional dos Produtos Pecuários nunca procurou que houvesse esse acordo, e daí resulta o mal a que assistimos e a que é realmente preciso pôr cobro.
Referiu-se o Sr. Dr. Querubim Guimarães aos reflexos que isso teve em relação à lavoura e à própria indústria. Penaliza-me - devo dizê-lo - que não seja discutido nesta sessão legislativa o aviso prévio pendente, visto o mesmo Deputado ter sugerido há pouco o seu adiamento.
Mas, no entanto, peço licença, sem que tal seja tomado à conta de um aviso prévio pelo Dr. Mário de Figueiredo, para tirar umas conclusões que me parecem indispensáveis para chegar ao ponto essencial da minha intervenção neste momento na matéria.
No Diário das Sessões de 21 de Fevereiro de 1946 o nosso colega Deputado Gaspar Ferreira trouxe uns números a esta Câmara que julgo útil serem reproduzidos novamente no Diário e se referem aos produtos fabricados pelas diferentes fábricas no distrito de Aveiro. Verificámos - S. Ex.ª já o disse, mas julgo interessante tornar a evidenciá-lo - que de 1939 para 1945 se passou

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o que vou enunciar, e depois se ler», para não cansar agora V. Ex.ªs com a leitura de todos os números.

[Ver Tabela na Imagem]

(a) 1031-1946.

Os números referem-se a quilogramas e mostram que, tendo havido no período citado uma diminuição de 54 por cento no fabrico de manteiga, aumentaram em contrapartida as quantidades dos outros produtos nas percentagens de 272 para o queijo, 170 para o leite em pó, 237 quanto a farinhas lácteas, 379 no que respeita a caseína e, em período mais curto, de 1941 a 1945, o leite condensado, que teve um aumento de 381 por cento.
Ao mesmo tempo -já o disse também aquele ilustre Deputado -, a quantidade de leite trabalhado anualmente, em litros, desceu de 1939 para 1945 de mais de 14 milhões de litros, exactamente 14.363:730 litros.
O número de vacas, por sua vez, devido exactamente à má remuneração do preço do leite, por muito que isso custe a quem vem para a imprensa dizer que o facto é devido à falta de forragens, baixou também de 2:631 de 1941 para 1945, número este ultimamente confirmado pelo engenheiro agrónomo Pires de Lima nas entrevistas concedidas a um jornal de Lisboa, pois nos seus interessantes estudos aponta o número de 3:000 vacas a menos até ao presente.
Simultaneamente acontece que o lavrador procura defender-se, e, apesar de muitos dizerem que é inútil ou fora dos nossos hábitos a organização sobre a forma de cooperativas, eu trago a V. Ex.ª números que podem demonstrar justamente o contrário, embora muito se tenha feito para impedir ou dificultar o trabalho dessas cooperativas.
Bem presente, aliás, está em todos nós o caso tão chocante da Cooperativa da Murtosa.
Como vou demonstrar, nessas cooperativas aumentou o volume de leite trabalhado, ao contrário do que sucedeu e sucede nas organizações industriais.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
É para pedir a V. Ex.ª que esclareça a Assembleia, som que eu de maneira nenhuma queira pronunciar-me pró ou contra as cooperativas, sobre isto: estão a funcionar, visto que está vedada a hipótese da Cooperativa da Murtosa, em Portugal três cooperativas. Era conveniente que a Assembleia ficasse esclarecida sobre o que representa o valor industrial dessas cooperativas que estão a funcionar.
Se V. Ex.ª não conhece suficientemente a questão neste aspecto, e, sem ofensa, suponho poder admitir essa possibilidade, não tenho dúvidas em me substituir no esclarecimento a V. Ex.ª
Não sou por nem contra as cooperativas.
Acho, porém, que é preferível muitas vezes tirar a lógica, numa organização económica, de um princípio, mesmo que seja errado, do que regressar ao início e deitar abaixo tudo o que se construiu.

O Orador: - Agradeço ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo o seu apontamento e é natural que S. Ex.ª seja mais completo do que eu no pormenor.
Direi, no entanto, a S. Ex.ª que, deixando acabar as minhas considerações, talvez o problema se lhe apresente de uma forma inteiramente diversa.
Se depois se verificar que estou equivocado, agradecerei quaisquer novos elementos que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo ou qualquer outro Sr. Deputado queiram aqui trazer.
A meu ver, o que se deve é pôr o problema com toda a clareza, sem nenhuma espécie de rodeios, até mesmo para que o Governo fique completamente elucidado.
Estava eu a referir-me aos números que aqui tenho, relativos ao funcionamento de três cooperativas, números que igualmente penso deverem figurar no Diário das Sessões.

Produção de manteiga nas seguintes cooperativas
(Em quilogramas)

[Ver Tabela na Imagem]

Divido esses números em três períodos: o primeiro, até 1940, data em que se começaram a desenhar os efeitos da organização industrial; o segundo, em que se nota já uma apreciável reacção, seguida a um natural esmorecimento, e o último, do 1943 a 1946, em que aumentaram bastante as quantidades de manteiga produzida.
Tomando as médias produzidas no segundo e no terceiro períodos, verifica-se facilmente que a Cooperativa de Aldren fabricou mais 5:745 quilogramas de manteiga, ou mais 148 por cento, a de Couto do Esteves mais 12:844 kg, 878, ou mais 273 por cento, e a de Sanfins mais 8:278 quilogramas, ou mais 244 por cento.
Julgo que são valores que se podem registar e traduzem bem o aumento de trabalho nestas cooperativas. De resto, esse trabalho maior seria ainda se não fossem as dificuldades postas ao seu funcionamento.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso tem a sua explicação, que pode ser a diferença de organização industrial.

O Orador: - Disse há pouco que inicialmente tinha havido como que um esmorecimento. Mas a ele se seguiu, de pronto, como que em legítima defesa, dado o forçado aviltamento do preço do leite, uma forte reacção, bem traduzida pelos números que apontei.
E é para notar que os sócios de tais cooperativas puderam valorizar o leite em 1$29 cada litro em 1943, em 1652(7) em 1944 e em 1570 em 1945.
Entretanto, a indústria só o pagava a preço bastante mais baixo.
Hoje paga-o apenas a 1$20 e ainda a 1$40, mas neste caso a maior parte do leite destina-se à produção de caseína.

O Sr. Querubim Guimarães: - Pelo mapa que aqui tenho vê-se que o preço é de 1$40 para o leite das vacas holandesas pago pela Cooperativa Agrícola do Vale

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do Vouga. O outro, em regra, não chega a 1620. Pelo mesmo mapa foi no mesmo ano de 1945, último a que o mapa se refere, de 1019(1).

O Orador: - É claro que daqui resultou grande descontentamento para aquelas regiões e até grandes prejuízos para o País. Fundamentalmente a questão está pois no justo pagamento do leite ao produtor.
Sr. Presidente: desejo ainda referir-me a outro aspecto deste importantíssimo problema. Não há números rigorosos, nem os pode haver, sobre a totalidade da produção de leite de vaca no nosso País. Há apenas estimativas. Pessoas que se têm debruçado sobre estes números, estudiosos e economistas, chegam, porém, à conclusão de que pouco excede 100 milhões de litros a produção desse leite no nosso País.
Sendo assim, e tendo em conta que o seu principal destino deve ser o consumo directo, torna-se indispensável verificar se no futuro ele chegará para essas necessidades alimentares. Aponto números referentes a capitações anuais nos principais países: Suécia, 275 litros; Dinamarca, 260; Suíça, 250; Alemanha, 235; França, 200; Bélgica, 199; Estados Unidos da América, 195; Holanda, 150; Canadá, 118; Inglaterra, 90; Espanha, 72; Itália, 30; e Portugal, apenas 12. Reparem V. Exas: apenas 12 litros de leite que cada pessoa bebe, em média, por ano.
Pergunto: qual será o futuro da indústria de lacticínios em Portugal, à custa de leite de vaca, quando se olhar a sério para o problema do abastecimento de leite à população, abastecimento que é imperioso fazer-se?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este é que é o problema. Trata-se, como disse, do problema do leite.
V. Ex.ªs, todavia, podem objectar que esta capitação de 12 litros, que liça no fim desta escala, encontra uma compensação em leite de outras espécies leiteiras, ovelha e cabra, noutras partes do País.
Eu sei que isso é assim, mas verificando o que se passa em Lisboa e Porto em relação a outras cidades cujas capitações diárias são de 6 e 7 decilitros, Estocolmo e Copenhague, por exemplo, ou mesmo em Zurique, Viena, Hamburgo, Mónaco e Berlim, onde aqueles consumos oscilam entre 5 e 3 decilitros, é triste constatar que nas nossas duas maiores cidades as capitações diárias não ultrapassam 7 centilitros no Porto e 4 centilitros em Lisboa.
Repito: quando se estudar a sério o problema do leite, que, segundo os ingleses, é o alimento n.° 1, o que acontecerá à indústria, cuja organização se fomentou, e até às próprias cooperativas de lacticínios? Dadas as condições que apontei, e com o devido respeito pêlos economistas, que os há distintos nesta Casa, julgo que não vale muito a pena estar em Portugal a industrializá-lo directamente.
Essa industrialização apenas poderá interessar às sobras diárias do consumo público, como sucede, aliás, em todos os países, onde o leite alimentar encontra sempre a maior valorização, devendo as cooperativas de produtores em primeiro lugar e as unidades industriais existentes pensar, antes de mais, no fornecimento de bom leite.
A indústria propriamente dita do leite de vaca talvez constitua com maiores vantagens um problema das ilhas. Ai sim, será ou continuará a ser proveitosa a indústria dos lacticínios, vindo depois os produtos fabricados para o continente.
Agora estar a forçar o problema em Portugal parece-me ser um erro grave a que importa pôr cobro quanto antes.
Ainda há pouco visitei duas das maiores empresas de lacticínios do Norte - a Sul o a de Martins & Rebelo, em Valo de Cambra. Uma e outra têm instalações modelares e muito bem apetrechadas, mas lutam já com enorme falta de leite.
A Sul esperava reunir 12:000 litros do leite por dia, mas só recebe pouco mais de 4:000, que, como natural defesa, emprega para fabricar produtos caros. O leite foge assim do consumo público.

O Sr. Mário de Figueiredo: - É preciso também não esquecer que o facto de em Portugal não ser aproveitado em consumo directo em grande escala muito leite pode significar falta de tendência para isso da generalidade da população, porque V. Ex.ª não ignora, ó evidente, que em 1939 o leite não tinha procura suficiente para o seu preço ultrapassar $40, e em muitos casos $30, preço aviltante a que foi vendido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu digo que a razão deve ser outra. Trata-se da qualidade do leite e do péssimo estado em que ele por vezes chega aos centros de consumo.
E peço licença para lhes roubar mais uns minutos apenas com esta citação.
Em cerca de trezentas amostras de leite colhidas, ao acaso, em Lisboa e analisadas pelo engenheiro agrónomo Alfredo Freire, em 1944, apurou-se o seguinte:

Quanto ao exame sob o ponto de vista higiénico, agrupadas as amostras por classes, encontrou-se uma percentagem de 99,35 por cento de leites maus, pela prova da reductase, estando 79,20 por cento conspurcadas e fora da designação de leite limpo. Por outro lado, relativamente a cento e noventa e uma amostras, 25,65 por cento respeitaram a leites a que haviam adicionado neutralizantes, com o fim fraudulento de evitar um aumento de acidez, e em duzentas e noventa e três amostras constatou o autor que 37,20 por cento dos leites tinham sido aquecidos para sua melhor conservação.
Sob o ponto de vista químico, foram considerados defeituosos 83,77 por cento dos leites estudados, tendo ora sido aguados, ora desnatados e, por vezes, adicionados de sais.
São leites desta natureza que se consomem em Lisboa!

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Ex.ª que já esgotou o período regimental.

O Orador: - Muito agradeço a V. Ex.ª a concessão de mais dois minutos, a fim de concluir as minhas considerações.
Num interessantíssimo estudo que aqui tenho, uma publicação oficial inglesa, verifico que a Inglaterra, que chama ao leite o alimento n.° 1, o tem fornecido às populações escolares, às crianças com menos de 5 anos e mesmo às mães, a preços baratos, em quantidades que atingem meio litro de leite por dia.
Isto acontece num país progressivo que cuida em alto grau da saúde da sua população e principalmente da primeira infância.
Quanto a este aspecto, estamos na verdade atrasadíssimos!
E o que não se consegue compreender é a razão por que ainda se não executaram as salutares disposições do decreto n.° 28:974, de 29 de Agosto de 1938, que define o leite alimentar e fixa regras para a sua obtenção, transporte e entrega ao consumo público!
É doloroso ver o que se diz no Diário de Noticias de 31 de Maio de 1946 sobre a evolução que esta momentosa questão tem tido desde esse ano para cá, onde claramente se revela que o problema precisa de ser atacado

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de frente, uma vez que a qualidade do leite consumido pela população da cidade e o sistema em uso para a sua distribuição atingiam limites de gravidade extrema.
Talvez os responsáveis tenham sentido já que, uma vez resolvido tal problema - o do fornecimento de leite -, aproveitando-se unicamente as sobras para a industrialização, muitas das organizações existentes tenham de fechar as suas portas, a menos que, com novo apetrechamento técnico, tomem a seu cargo, como tudo aconselha a que façam, a higienização do leite para consumo.
É essa a questão de fundo que importa resolver, e creio que o Sr. Ministro da Economia está com a ideia de a resolver totalmente. Se houve erros, temos que ponderar se vale a pena persistir neles, criando-se condições artificiais e bem precárias a esses potentados industriais, ou se devemos antes arrepiar caminho, pois é sempre tempo, e dizer então a umas e outras entidades: preparem leite sadio, higiénico e capaz e levem-no aos centros de consumo em boas condições para alimentar a nossa população.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: o assunto que vou versar é verdadeiramente de interesse nacional e, até certo ponto, também de interesse político.
Ainda há poucos dias tive ocasião de criticar o abandono a que, por parte do Secretariado Nacional da Informação, se encontra votada a radiodifusão oficial e particular, que não possuem meios financeiros suficientes para desempenho da sua missão, de interesse público.
Quanto à radiodifusão particular, afirmei que o Estado, por excesso de intervencionismo e tirania burocrático, a perseguira sistematicamente.
Na luta porfiada que as emissões particulares travaram contra a incompreensão, o ódio e o espírito rotineiro das repartições oficiais valeu-lhes, finalmente, esse homem íntegro e justo a quem não me canso de prestar homenagem: Salazar. Antes de resolver o assunto, quis informar-se. Apareceu inesperadamente em Rádio Clube Português, demorou-se lá algumas horas, examinou todas as instalações, viu documentos, interrogou, pediu explicações e, ao final, escreveu no livro dos visitantes estas palavras, que constituem o melhor título de glória de alguns homens, de todas as cores políticas, que se haviam devotado à divulgação científica:

O Estado deve aproveitar os ensinamentos da concorrência particular. - Oliveira Salazar.

Passou-se isto em 17 de Março de 1935.

As repartições que, talvez por ironia, usualmente classificamos de competentes nunca perdoaram à radiodifusão particular este aplauso do grande Chefe político.
Logo em seguida, o engenheiro Amaro Vieira, director dos serviços de radioelectricidade da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones subscreveu uma informação tendenciosa e falsa que pode encontrar-se num processo oficial. Os homens da radiodifusão particular não se insurgiram então contra ela, porque, arrumado o incidente principal, não quiseram responder à perseguição com a perseguição. Demonstraram espirito de generosidade, que não foi retribuído.
Rodaram os tempos. A pretexto da guerra mundial, a radiodifusão particular foi objecto de limitações, a meu ver inúteis ou contraproducentes. Para que pudesse viver com decência e prestígio tornou-se necessária nova luta, que, nem por ser silenciosa e desconhecida do público, foi menos angustiosa e desanimadora.
Rodam ainda os tempos. Em 15 de Janeiro último os serviços de radioelectricidade, talvez por nos suporem desacompanhados, iniciaram nova ofensiva.
Por ofícios dirigidos a todas as emissoras particulares de onda curta determinavam a cessação da radiodifusão se, dentro de trinta dias, os proprietários das estações não se comprometessem a, até 1 de Fevereiro de 1948, elevar a 10 kg a potência-antena daquelas emissoras.
Como tal elevação é impossível nestas condições, torna-se evidente que se pretende encerrar as emissoras.
Sr. Presidente: estou farto, completamente farto, de protestar contra a tirania burocrática de incompetentes técnicos e de inimigos da situação que, à sombra dela, cevam os seus ódios.
Acuso de incompetência técnica o engenheiro Amaro Vieira, director dos serviços de radioelectricidade, que determinou tal absurdo - e está aqui alguém que pode dizer por que motivos ele saiu da Emissora Nacional...

O Sr. Henrique Galvão:- Eu posso esclarecer que as razões por que o Sr. engenheiro Amaro Vieira saiu da Emissora Nacional estão absolutamente de acordo com as considerações de V. Ex.ª

O Orador: - Muito obrigado. E acuso de inadmissível abdicação e conformismo quem, com desconhecimento de causa e sem ouvir os interessados, sancionou este erro técnico e jurídico. Para não admitir a ignorância, seria forçado a concluir tratar-se de acto de má fé.
Sob o ponto de vista técnico, é preciso atingir o cúmulo da falta de conhecimentos para se admitir a possibilidade de, no momento actual, contratar o fornecimento de uma rádio emissora de ondas curtas de 10 kw - antena no prazo de trinta dias e de a instalar em menos de um ano. Pergunto aos serviços oficiais quanto tempo levaram para adquirir e instalar a emissora do Ribatejo e se acaso, anos já decorridos, conseguiram tirar dela o rendimento devido.

O Sr. Henrique Galvão: - Posso talvez esclarecer V. Ex.ª: em 1940, quando a Emissora principiou a gozar as vantagens da minha ausência, estava comprada a emissora do Ribatejo e realizadas as condições para principiar a instalação. Levou, por consequência, cinco anos a instalar, ou seja o mesmo tempo que foi necessário para organizar toda a Emissora e estabelecer a ligação radiofónica entre a metrópole e as colónias.

O Orador: - Como se exige a pobres estações particulares aquilo que o Estado não consegue?
Sob o ponto de vista jurídico, o decreto n.° 22:784, que regula os serviços de radiodifusão, é bem claro: embora no seu artigo 20.° diga que a Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones pode mandar modificar a potência das emissoras, no artigo 21.° determina, categoricamente, que as potências das emissoras de amadores nunca podem exceder 300 watts-antena. Portanto, salvo acordo com os interessados, as modificações de potência só podem dar-se dentro deste limite. Nunca fora dele.
Aos proprietários das emissoras de amador, cuja categoria se encontra definida na alínea e) do artigo 15.°, não podem rotirar-se contra sua vontade, e por arbítrio dos serviços oficiais, direitos claramente consignados na lei.
Concordo nu utilidade de elevar a potência das estações de ondas curtas. Nenhum radiófilo progressivo necessita, a esse respeito, de conselhos dos serviços oficiais. Mas tudo tem a sua oportunidade financeira e técnica. Em vez de ukases imperiais, ditados pelo ódio e espírito de perseguição, deveria existir, por parte daqueles serviços, a noção verdadeira de que os burocratas são ser-

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vidores é não patrões dos contribuintes - como magntâ-camente o definiu anteontem o nosso colega Deputado Mário Madeira no acto da posse do cargo de governador civil de Lisboa.
Agradeceríamos a esses serviços incitamentos paternais e amigáveis no sentido de se melhorar a radiodifusão. Colaboraríamos de boa vontade com funcionários que se mostrassem à altura do seu cargo.
Apelo para o novo Ministro das Comunicações, que não foi visto nem achado neste problema, anterior à sua posse, para que mande inquirir o que se tem passado e está passando na Direcção dos Serviços Radioeléctricos, da Administração Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones, quer sob o aspecto de veracidade de informações oficialmente produzidas e subscritas, quer quanto a espírito de colaboração com o público, quer no que toca a proficiência técnica no desempenho das funções, quer ainda acerca do cumprimento do disposto sobre radio-publicidade.
Desde medições de comprimentos de onda realizadas a martelo até negociações internacionais, para fixação de frequências, conduzidas com desconhecimento completo dos problemas... e dos interessados-tudo ali anda fora dos eixos.
Dentro de tais serviços mantém-se próspero e impera o micróbio da animosidade mesquinha contra os precursores da rádio, que não ganham dinheiro ao Estado, e do ódio político contra emissoras que, nas horas graves, têm sabido desempenhar a sua missão patriótica e social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: estou farto, completamente farto, de protestar contra a tirania burocrática de incompetentes técnicos e de inimigos da situação que, à sombra dela, cevam os seus ódios contra os verdadeiros e desinteressados servidores.
Se os meus brados constantes não produzirem efeito, restar-me-á a solução já adoptada por muitos desiludidos: retirar-me do bom combate (Não apoiados) e deixar caminho livre à onda socializante que parece andar em moda.
Tenho reagido quanto as forças humanas permitem. Olho em redor, vejo-me quasi só. (Não apoiados). Dos companheiros do começo da jornada poucos restam a amparar-me. Estou velho, cansado, esgotado. (Não apoiados). Ainda ontem me animava a esperança, hoje começo a perder a fé, ao verificar que, na intenção de ferir, filha da inveja, nem sequer se respeita aquilo a que tenho mais amor.
Nesta corrida para o desconhecido quase sinto desejos de ceder o facho a mãos mais fortes que possam toma-lo.
Mas o lutador, embora velho, cansado e esgotado, sabe que neste mundo nem tudo são amarguras.
Encontra na devoção à obra realizada ânimo e força para a defender. Perante os que parecem constantemente apostados a empurrar-me para decisões extremas ergo-me de novo, recupero energia e brado confiado no destino:
Afinal, a situação nacionalista é vossa ou é nossa?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Havemos de expulsar os vendilhões do templo - porque, como disse Salazar, a Revolução continua!
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem I O Gradar foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Começaremos pela discussão do projecto de lei do Sr. Deputado Mira Galvão, relativo ao parcelamento da serra de Mértola.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mira Galvão, sobre a, generalidade do referido projecto de lei.

O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: por dever de autor direi apenas algumas palavras, mas poucas, como apresentação nesta Câmara do parecer da douta Câmara Corporativa ao meu projecto de lei sobre a reorganização do parcelamento da serra de Mértola.
Não tomarei tempo à Câmara com largas considerações para justificar a importância, utilidade e oportunidade do projecto, porque isso já foi por mim feito quando tive a honra de o apresentar à Assembleia Nacional.
Além disso, o projecto foi publicado no Diário das Sessões, acompanhado de um minucioso relatório justificativo, que os Srs. Deputados a quem o assunto interesse podem ter lido.
Assim, desejo apenas agradecer ao ilustre relator da douta Câmara Corporativa, Sr. engenheiro Ezequiel de Campos, que, por feliz coincidência, é o autor do decreto n.° 10:552, que mandou dividir em glebas a serra de Mértola, o carinho e o interesse com que acolheu o meu projecto e algumas pequenas alterações que lhe introduziu com o único fim de o melhorar.
Entendeu S. Ex.ª e a douta Câmara Corporativa que deviam dar uma nova arrumação ao articulado do projecto, mas a sua doutrina ficou a mesma, e até a maior parte da redacção dos artigos e parágrafos foi respeitada. Por isso, e pela muita consideração que me merecem o relator do parecer e os homens de valor que o assinam, não tenho qualquer dúvida em aceitar como base de discussão o texto proposto pela Câmara Corporativa.
O projecto, como de uma rápida leitura se verifica, tem, na sua simplicidade, três objectivos principais:
1.º Facilitar o reagrupamento das glebas em que o baldio foi dividido, até se constituírem, propriedades ou unidades agrícolas com a superfície necessária para lerem condições económicas de explorabilidade, ou seja, considerando as condições agroclimáticas locais, de 100 a 150 hectares.
Para isso se permite a venda e a troca de glebas como condição indispensável para se fazer idea grupamento.
O decreto n.° 10:552, que mandou dividir este baldio, previu a necessidade de se constituírem estas unidades económicas, mas como, na melhor das intenções e até por dever, mandou respeitar o direito tradicional, entregando uma parcela de terra a cada um dos habitantes natos e residentes na freguesia de Cambas, daí resultou a pulverização em glebas de l hectare e algumas de menos. Não previu o legislador que do cumprimento daquela disposição resultariam propriedades tão pequenas, e, para evitar a alienação e o reagrupamento imediato em grandes herdades, como se havia dado três décadas antes na vizinha serra de Serpa, o artigo 18.° proibia a venda durante quinze anos, a contar do registo das propriedades. Como, porém, o registo só foi feito alguns anos depois da divisão de entrega das glebas, faltam ainda alguns anos para expirar aquele prazo. Ora, apesar da proibição, como as glebas não podiam ser exploradas economicamente a não ser em propriedades

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de áreas maiores, a alienação começou logo a dar-se, quer por vendas, quer por trocas, que ainda não puderam ser legalizadas, com todos os inconvenientes que resultam da demora na legalização destes contratos. Por isso se propõe agora a autorização da venda e das trocas para facilitar essa operação de futuro e legalizar as que estão feitas.
Certamente na melhor das intenções, a Câmara Corporativa propõe no § 1.° do artigo 1.° que «A compra ou troca de glebas não contíguas a outra já pertencente ao adquirente e por ele explorada depende de prévio parecer favorável da Junta de Colonização Interna».
Ora, a verdade é que esta disposição, em lugar de facilitar o reagrupamento, como se pretende, vai dificultá-lo, já pela dificuldade e demora que a Junta de Colonização terá em dar essa informação, já porque não se nos afigura que ela tenha qualquer vantagem prática e útil para o hm em vista. Uma gleba pode não pegar com a do adquirente, mas ficar próxima, e portanto oferecer algumas condições de exploração económica, e, mesmo ficando longe, pode servir de base a uma troca com outra contígua ò, do adquirente, uma permuta de usufrutos, etc. Como o fim do projecto é facilitar e esta disposição pode dificultar, afigura-se-me de boa prudência eliminá-la, e por isso vem ter a honra de enviar para a Mesa uma proposta de eliminação do § 1.° do artigo 1.°
E, como se dispensa o parecer da Junta sobre a conveniência da compra das glebas não contíguas, também não se torna necessária a prova da contiguidade das glebas, e, consequentemente, proponho também a eliminação da primeira parte do § 3.º, que trata deste assunto, até onde - diz: «Junta de Colonização Interna; e Esta eliminação é tanto mais necessária quanto é certo que a Câmara Municipal de Mértola não dispõe de elementos para poder certificar a contiguidade das glebas, e por isso não poderia cumprir esta disposição, o que iria entravar a efectivo cão da venda.
A segunda finalidade do projecto é ampliar o campo experimental de Vale Formoso, cuja área actual - 50 hectares - está muito abaixo da considerada unidade económica, e mesmo porque, dados os relevantes serviços de assistência técnica até agora prestados aos colonos das serras de Mértola e de Serpa, apesar da exiguidade da sua área, é indispensável aumentar os campos de experimentação c demonstração, bem como os viveiros de árvores de fruto e outras, a fornecer a baixo preço aos colonos da serra para facilitar a arborização daquelas terras escalvadas. Pretende-se fazer a ampliação, sem nada custar ao Estado, com as glebas que não foram entregues aos colonos a quem haviam sido destinadas por se reconhecer que não tinham direito a elas por não quererem pagar os títulos, os quais ficaram detidos na Câmara Municipal de Mértola, ou por qualquer outra circunstância. Estas glebas, segundo nota fornecida pela Câmara Municipal de Mértola em Dezembro de 1945, ainda somavam cerca de 88 hectares, mas a sua área hoje deve ser menor, visto que, pelo menos, duas delas já foram vendidas em praça por dívidas à Caixa Geral de Depósitos dos indivíduos que abusivamente haviam tomado conta delas e as cultivavam como coisa sua.
Por fim é necessário trocar estas glebas com outras que pegam com o campo experimental, e para estudar e propor ao Governo a melhor forma de efectivar esta operação.se propõe a nomeação de uma comissão composta por dois agrónomos, um da Direcção Geral doa Serviços Agrícolas, outro da Junta de Colonização Interna, e pelo presidente da Câmara Municipal de Mértola, que num curto prazo têm de realizar este trabalho.
Propõe a Câmara Corporativa, e nós concordamos plenamente, um novo parágrafo, o 6.°, do artigo 3.°, que diz:

A troca é isenta de sisa e de quaisquer outros encargos para os proprietários das glebas trocadas, incluindo as despesas de registo predial.
Isto é tudo quanto há de mais justo; em primeiro lugar, porque não se trata de uma venda, mas sim de uma nova arrumação de propriedade por troca de glebas; em segundo lugar, porque essa operação se fazer conveniência do Estado e porque, no caso de ser devido o pagamento da uma seria o Estado que teria de a pagar ao próprio Estado. Quanto ao registo da propriedade, está nos mesmos casos, por ser ao Estado que mais interessa esse registo.
Por último, encarrega-se a Junta de Colonização Interna de fazer o estudo económico-social das péssimas condições em que se encontra a propriedade e os sereiros da serra de Mértola, resultantes principalmente do defeituoso parcelamento, das transacções de propriedade feitas e não legalizadas, da venda em hasta pública de muitas glebas e apenas de pequenas fracções delas, por dívidas à Caixa Geral de Depósitos, e à Fazenda Nacional e ainda às más condições económicas dos seareiros, resultantes dos maus anos agrícolas, com o fim de a Junta propor ao Governo as medidas que julgar indispensáveis para uma melhor arrumação o aproveitamento da propriedade e melhoria das condições económico-sociais dos colonos da serra.
É isto, Sr. Presidente, que se me oferece dizer, em resumo, sobre o parecer do projecto de reorganização do parcelamento da serra de Mértola, que, espero, merecerá a atenção e aprovação da Assembleia Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vão ler-se as propostas enviadas para a Mesa pelo Sr. Deputado Mira Galvão.

Foram lidas. São as seguintes:

«Proponho que seja eliminado o § 1.° do artigo 1.° do texto da Câmara Corporativa.

Consequentmente:

Proponho que seja também eliminada a primeira parte do § 3.° do mesmo artigo até onde diz «Junta de Colonização Interna».
«Proponho que seja dada ao artigo 2.° a redacção do § 4.° do artigo 2.° do projecto primitivo, que foi transformado neste artigo, por ser essa redacção mais clara e completa, e portanto corresponder melhor ao que se pretende.
Essa redacção ó a seguinte:

«Fica a Junta de Colonização Interna encarregada de proceder ao estudo das condições económico-sociais resultantes do defeituoso parcelamento da serra de Cambas e de propor ao Governo as medidas que julgar necessárias para melhor arrumação e aproveitamento da propriedade, sob o ponto de vista da colonização e melhoria da situação dos colonos».

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra na generalidade, vai passar-se à discussão na especialidade.

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A discussão na especialidade poderá fazer-se ou sobre o texto da Câmara Corporativa ou sobre o texto do projecto do Sr. Deputado Mira Galvão.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Mira Galvão, deseja que a discussão se faça sobre o texto da Câmara Corporativa?

O Sr. Mira Galvão: - Proponho, Sr. Presidente, que a discussão na especialidade decorra sobre o texto da Câmara Corporativa.

Submetida à votação foi aprovada a proposta do Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Presidente: - A discussão vai fazer-se sobre o texto da Câmara Corporativa.
Está em discussão o artigo 1.°
Sobre este artigo 1.° o Sr. Deputado Mira Galvão mandou para a Mesa doas propostas: uma para eliminação do § 1.° e outra para que seja eliminada também a primeira parte do § 3.° do mesmo artigo.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão o artigo 1.° e as referidas propostas.

Pauta.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre este artigo, vai votar-se em primeiro lugar o corpo do artigo 1.° tal como consta do texto sugerido pela Câmara Corporativa.

Submetido â votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Mira Galvão para que seja eliminado o § 1.° deste artigo.

Submetida à votação, foi aprovada a eliminação.

O Sr. Presidente:-Vai votar-se o § 2.° do artigo 1.° tal como consta do texto da Câmara Corporativa.

Submetido â votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente - Vai votar-se o § 3.°, com a alteração sugerida pelo Sr. Deputado Mira Galvão.

Submetido à votação, foi aprovado o § 3.°, com a emenda proposta pelo Sr. Deputado Mira Galvão.

O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.° Sobre este artigo há na Mesa uma proposta do Sr. Deputado Mira Galvão para que seja substituído este artigo pelo § 4.° do mesmo artigo do projecto primitivo.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.

Submetida à votação, foi aprovada a proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Mira Galvão relativamente ao artigo 2.°

O Sr. Presidente: - Estão em discussão o artigo 3.° e seus parágrafos.

Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vão votar-se, visto não haver qualquer proposta de alteração ao mesmo artigo e seus parágrafos.

Submetidos à votação, foram aprovados.

O Sr. Presidente: - Está concluída a votação do projecto de lei em discussão.

O Sr. Mira Galvão: -É apenas para agradecer à Câmara a atenção dispensada e a amabilidade que teve de aprovar o meu projecto sem qualquer alteração.

O Sr. Presidente: - O projecto vai baixar à Comissão de Redacção.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: discussão da proposta de lei em que se converteu o decreto-lei n.° 36:018, sobre as restrições do plantio da vinha.
Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Frazão.

O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: quando no ano 92 da nossa era o imperador romano Domiciano promulgou o seu célebre édito mandando proibir novas plantações em Itália e arrancar metade das vinhas da província romana, foi enorme a indignação em todo o império.
Segundo Filóstrato, as províncias da Ásia enviaram então ao imperador um orador célebre, Scopelianus de Clazomene, que, pela sua palavra inspirada, o convenceu a revogar o édito em relação à Ásia. A eloquência triunfara sobre as razões económicas.
Em boa verdade, a medida de emergência tomada pelo imperador romano nunca se chegou a aplicar por completo. Poucas vinhas foram destruídas, e quando, duzentos anos mais tarde, o imperador Probus decretou a liberdade do plantio a crise estava esquecida e só os germanos, sempre exagerados nas suas reacções, é que lhe deram o título de Pai da Viticultura.
As mesmas reacções, os mesmos clamores, acompanham os decretos de um Carlos IX, em 1570, e de um Luis XV, em 1740.
Entre nós destaca-se, envolto em clamoroso protesto contra a medida pombalina, o alvará, de 16 de Dezembro de 1760, que mandou arrancar todas as vinhas plantadas nas margens do Tejo, Mondego, Vouga e nas ribeiras da Estremadura e Bairrada.
E o mesmo coro de imprecações acompanha, através dos tempos, todas estas medidas violentas, destinadas a remediar crises que de longe vêm. A história parece repetir-se com ironia.
No período de euforia e altos preços difícil é impor medidas de prudência, conseguir disciplina de produção, melhoria de qualidade.
«Iniciada, porém, a crise, tudo é consternação, lamentações e desgraça. Todos assentam em que é indispensável remediar tão grandes calamidades.
Sobre o modo, porém, como devem formar as suas súplicas ao Governo Supremo sobre o essencial destas súplicas há uma tal confusão de pareceres que poucas vezes aparecem dois que se conformem». (Primeiros ensaios, 1817, citado por A. Guerra Tenreiro em Anais do Instituto do Vinho do Porto).
As leis restritivas de plantio aparecem, portanto, como medidas violentas de emergência, fatalmente dolorosas.
A legislação referente ao plantio da vinha surge como natural consequência da crise vinícola. As crises agrícolas são em geral produzidas por colheitas anormais - deficitárias ou sobreabundantes.
No século XVII o economista Gregory King chegou a afirmar que uma lei inexorável ligava a produção e os preços - o preço aumentava em progressão geométrica quando a colheita diminuía em progressão aritmética. Embora a intensidade das trocas internacionais atenue o efeito desta relação, é curioso constatar que se aplica com certo rigor nalguns casos, como, por exemplo, nas variações do preço do trigo em França na primeira metade do século XIX. No caso de culturas pouco sujeitas a concorrência do estrangeiro, a fórmula de King aplica-se com algum rigor.
A produção do vinho em França foi de 40,7 milhões de hectolitros em 1926, quando em 1925 tinha sido de 65 milhões. O preço médio do vinho triplicou nesse pé-

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ríodo, passando de 7 francos por grau-hectolitro em Dezembro de 1925 a 20 francos em Dezembro de 1926.
No entanto, na crise da sobreprodução a queda dos preços é ainda maior do que poderia levar a supor o simples exame das disponibilidades. A massa da oferta deprime os preços.
Sr. Presidente: a vinha é uma cultura colonizadora e susceptível de grandes rendimentos. O seu desenvolvimento acompanha, portanto, as eras de prosperidade, como aquelas que o Mundo conheceu antes da primeira guerra mundial. Preços muito remuneradores estimulam a produção.
Mergulha já nas brumas do passado a grande crise da filoxera (1875). E a época da plena produção das grandes vinhas europeias, algumas colossais, com milhões de cepas.
No período que vai de 1900 a 1929 o aumento do plantio da vinha no Mundo pode ser avaliado em 489:000 hectares, o que correspondeu a um aumento de produção de 34 milhões de hectolitros de vinho, com incremento na produção por hectare.
De 1923 a 1932, só na Europa temos um aumento de 300:000 hectares. Neste mesmo período os aumentos registados foram de 13:000 hectares na Ásia, 145:000 em África, 100:000 na América e 12:000 hectares na Oceânia.
O Mundo parecia de facto desejar afogar-se em vinho. Não admira, portanto, que a Conferência Económica de Londres advogasse a restrição e mesmo a proibição do plantio.
Aconselhava, ao mesmo tempo, a melhoria da qualidade por meio de castas seleccionadas e por aperfeiçoamentos nos processos de fabrico. Indicava também a necessidade imperiosa de proibir os híbridos produtores directos, especialmente nas regiões produtoras de vinhos de qualidade.
A Grécia, pela lei de 14 de Junho de 1928, proibia o plantio da «vinha. A Roménia, em 22 de Abril de 1932, tomava as mesmas medidas.
No nosso País o decreto n.° 21:086, de 13 de Abril de 1932, determinava a proibição (do plantio e anunciava o condicionamento, mas sem sanções.
O processo do condicionamento foi adoptado por diversos países (Espanha, lei de 13 de Setembro de 1932; França, 4 de Julho de 1931, e Tunísia, 15 de Julho de 1932 - estabelece o limite de 10 hectares -; Hungria, 4 de Março de 1929, que só autoriza o plantio em terrenos apropriados, nitidamente insusceptíveis de outro aproveitamento).
Alguns países determinaram ainda as castas de videiras autorizadas - lei argentina de 1 de Dezembro de 1916, lei búlgara de 5 de Janeiro de 1922, lei romaica de 17 de Outubro de 1932, leis jugoslavas e turcas.
O grau alcoólico mínimo foi também estabelecido em vária legislação. Por toda a parte vemos política da qualidade, demarcações de regiões, busca de novos derivados - condicionamento.
O panorama mundial, ao promulgar-se o primeiro decreto referente a plantio, estava, portanto, claramente definido.
A conferência de Londres aprovava uma moção que, depois de se referir à loucura do plantio da vinha, que desde o início do século aumentara de 600:000 hectares, elevando a produção a mais de 32 milhões de hectolitros em relação a 1900, solicitava medidas enérgicas de todos os Governos.
Tinham surgido, como consequências fatais, o triste cortejo das fraudes, os países sem tradições vitícolas a acorrer ao plantio, o assalto insidioso de uma legião de produtores directos, geradores de perturbação no meio vinícola.
Ao mesmo tempo desencadearam-se no Mundo as forças contrárias à expansão do vinho: proibição total, regimes secos, proibições aos domingos - note-se que só em 1933 foi abolida a lei seca nos Estados Tinidos -, greves e repentinas modificações no mercado francês, detentor de 50 por cento da produção mundial nesse período. Pela crise mundial, que se segue à primeira guerra mundial, queda, de 1914 a 1932, de 46 por cento no movimento internacional de vinhos, quedas vertiginosas de cotações (em francos franceses: de 2,49 par litro em 1927 para 1,21 em 1930). A política de autarquia económica é dominante. Não vale a pena insistir na descrição de um panorama já bem conhecido.
Em todas as conferências internacionais, durante anos seguidos, não se deixou de apelar para uma política de condicionamento em todos os países.
É certo que alguns países não acataram estas recomendações. Assim, a Rússia não deixou de intensificar o seu plantio; em dez anos, desde o fim da primeira guerra mundial, aumentara a superfície cultivada em 160:000 hectares e o primeiro plano quinquenal prevê 1 milhão de hectares. A Argélia, de 1917 a 1933, legista 170:000 hectares de aumento.
A Alemanha não acatou a política de restrição, alegando que era um país deficitário, a Bulgária derivou em parte a sua produção para as uvas de mesa, o Chile intensificou a sua política de produção.
Estando em constante regressão a área cultivada na Suíça, o problema não se punha para esse país.
Não se pode duvidar, contudo, de que Portugal estava perfeitamente de acordo com a política seguida pêlos principais países produtores e aconselhada nas reuniões internacionais ao iniciar o condicionamento do plantio.
Parecia, aliás, difícil não se tomarem, medidas no nosso País. As médias quinquenais da produção dão o seguinte:

1919-1923 ............. 5.016:831
1924-1928 ............. 6.776:544
1929-1933 ............. 7.023:050

A evolução da produção no período de 1929-1933 foi verdadeiramente notável, registando-se nos últimos anos colheitas colossais em relação à média - 9.200:000 hectolitros em 1929. Num vasto período, de 1901 a 1926, é possível acreditar que a média não ultrapassa 5.500:000 hectolitros. Admitia-se mesmo que as nossas vinhas estivessem em franca regressão, velhas e cansadas, com mais de 25 anos de serviço, prontas para a reforma. Raros eram os que podiam supor que das plantações novas e da melhoria do tratamento pudesse resultar tão quantiosa produção.
Dizia Sertório do Monte Pereira: «O excesso das colheitas em certos anos, acusado no máximo de 000:000 hectolitros, resulta da acumulação do excesso de três ou quatro anos e é ainda inferior à oscilação das colheitas». A crise só seria comercial.
Os factos vieram demonstrar que se tinha dado um aumento da área plantada e um aumento de produção por unidade de superfície, devido ao emprego dos adubos e de castas mais produtivas.
Este fenómeno coincidia, desgraçadamente, com a crise internacional e com variadas dificuldades no mercado externo, originando um regresso na nossa exportação. Perdidos praticamente os grandes mercados da França e do Brasil, a crise comercial tinha fatalmente de se produzir. Tornou-se mais grave com o aumento da produção, que se pode verificar no quadro estatístico respectivo.
Analisando bem as coisas, não é errado supor que de 1929 em diante pesam sobre o mercado volumes consi-

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deráveis de vinho sem escoamento fácil. As nossas dificuldades complicam-se com a falta de apetrechamento da viticultura, com a infinidade de pequenos produtores sem resistência financeira (50 por cento com menos de 10 pipas; mais grave ainda, sem vasilhame e sem adega), com uma fraude por vezes intensa, com a ausência de assistência técnica.
Solicita-se activamente a intervenção do Estado, embora domine por toda a parte o mal terrível da descrença.
Eram precisos remédios violentos, foram aplicados com rara coragem e energia e com o auxílio quase unânime da produção.
A legislação promulgada desde 1935 em diante teve, portanto, como objectivos:
1.° Não permitir novos aumentos da área cultivada, salvo em casos especiais bem definidos;
2.° Promover a melhoria da qualidade pela transferência da vinha para terrenos mais pobres, ou seja, em parte, quase a aplicação do velho adágio latino Bacchus arnat colles.
A primeira ofensiva a favor da qualidade foi dirigida contra os produtores directos. A sua produção em 1933 era orçada em 154:000 pipas na região dos vinhos verdes e, com mais de 20:000 pipas noutras regiões, dava um total de 174:000.
Embora se pudessem encontrar variadas razões de carácter sentimental em defesa desta planta, sob o ponto de vista económico, não podia deixar de ser condenada a sua generalização, como estava, de facto, quase mundialmente.
Produzindo um vinho baixo, sem condições de conservação, mas com grande produtividade por cepa, era, sem dúvida, factor de enorme perturbação no mercado vinícola, mormente numa região que pretendia ser demarcada como produtora de vinhos de qualidade. Seria fatalmente causadora de descrédito dos nossos vinhos no estrangeiro.
Com a lei n.° 1:891, longamente discutida nesta Assembleia, o condicionamento tomou forma:
1.° Pela autorização de retancha e substituição de videiras mortas ou doentes, visando contudo a eliminação progressiva da cultura da vinha nos terrenos de
várzea ou aluvião e a conservação dos enforcados ou ramadas sem aumento da área plantada;
2.° Pela obrigação de enxertia dos produtores directos até 10 de Março de 1937;
3.º Pelo arrancamento de 10 por cento de vinhas» em plena produção situadas em terrenos de várzea ou aluvião de cota igual ou; inferior, a 50 metros referida ao nível do mar;
4.° Pela criação de serviços especiais de condicionamento.
Pelo decreto-lei n.° 26:481, de 30 de Março de 1936, foram estabelecidas as normas relativas aos pomares vitícolas, pretendendo-se fomentar a produção de uvas de mesa.
Este decreto, contudo, não altera os princípios já anteriormente estabelecidos.
Em 1936, pelo decreto n.° 26:916, o condicionamento alarga-se em relação ao Douro, mas não sem deixar de fixar regras para manter a qualidade da produção pela criação de castas adequadas. Aliás, o decreto n.° 24:340, de 10 de Agosto de 1934, previra o repovoamento das encostas durienses.
O decreto n.° 27:285, de 24 de Novembro de 1936, suspendeu algumas disposições legais, como a respeitante ao vinho americano e ao arrancamento das vinhas. Mediante autorização, pareceu possível permitir a reconstituição dos vinhedos plantados em terras apropriadas, a sua substituição no sentido de melhorar a qualidade e, mesmo, algumas pequenas plantações novas para consumo das casas agrícolas.
Em 1944 (decreto-lei n.° 33:544, de 21 de Fevereiro de 1944) alarga-se novamente o condicionamento:
1.° Autorizando novas plantações em ramadas, bardos ou enforcados;
2.° Permitindo a cultura da vinha nas regiões cujo ambiente agro-climático se considere apropriado para vinhos de qualidade em terrenos aptos para essa cultura sujeitos a erosão ou inundações frequentes e onde outras formas de exploração foram antieconómicas. Atendia-se, assim, a certos aspectos da região ribatejana.
Não deve, contudo, exceder a estas últimas o limite de 20 milheiros de cepas por casa agrícola, isto por razões equitativas de ordem social. Por outro lado, quanto aos produtores directos que ainda subsistiam - já tinham sido destruídos cerca de metade -, foi estabelecida uma multa por cada pé de bacelo ou videira ainda existente.
Não desejando ainda o Governo tomar medidas violentas em relação às plantações ilegais, foram promulgadas disposições permitindo a sua manutenção, ainda em determinadas condições, mediante pagamento dê multa (decreto-lei n.° 34:065).
Finalmente, o decreto-lei n.° 36:018, de 6 de Dezembro de 1946, e que foi ratificado por esta Assembleia com emendas, tem por fim essencialmente:
1.° Determinar a forma de legalizar as plantações efectuadas contra as disposições em vigor, estabelecendo doutrina permanente, salvo os casos especiais previstos na lei.
2.° Não permitir novas plantações de vinhas contínuas nas regiões demarcadas dos vinhos verdes ou que com elas tenham afinidade, isto em o fim de manter a forma tradicional de cultura em bardos enforcados ou ramadas.
Era, afinal, a tradução em diploma de despachos já dados relativos ao condicionamento.
Tais são, Sr. Presidente, os principais aspectos da legislação relativa ao condicionamento do plantio.
A Comissão de Economia teve ensejo de ouvir, neste particular, uma lúcida e completa exposição feita por V. Ex.ª o Subsecretário da Agricultura, que muito amavelmente desejou esclarecer a nossa Comissão. Julgo traduzir aqui o pensamento dos meus colegas exprimindo a S. Ex.ª os nossos agradecimentos.
Examinando o parecer apresentado pela Câmara Corporativa, somos levados a registar as seguintes afirmações:
1.º A legislação vigente deve ser codificada, deixando de ter um carácter de emergência;
2.º A revisão da legislação deve ser feita no sentido de permitir a intensificação da política de qualidade pela escolha de castas adequadas e por todos os outros meios, incluindo a «acolha dos terrenos apropriados;
3.º Deve ser intensificada a assistência técnica.

O Sr. Paula Cancela de Abreu: - A Câmara Corporativa esqueceu-se de dizer que a necessidade de revisão e codificação foi posta em evidência aqui por alguns Deputados. Pelo que diz no seu parecer, tem-se a impressão de que tratou do assunto em primeira mão.

O Orador: - As modificações da Câmara Corporativa são ainda mais restritivas do que as contidas na proposta do Governo. Conduzem, praticamente, a evitar que a legalização das plantações ilegais deixe de ser permanente, fixando-lhe um prazo. Impede, salvo nos casos restritos que cita, o plantio dos 20 milheiros até aqui autorizado em todo o País mediante licença.
A Comissão de Economia, examinando o problema no seu aspecto genérico, concorda com a Câmara Corpora-

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tiva da revisão e codificação da legislação relativa a plantio. Aliás, fomos informados ser esta a própria orientação do Governo.
Pareceu difícil trazer à Assembleia princípios informativos seguros que. pudessem servir de base a esse trabalho, que tem necessariamente de contar com muitos elementos técnicos. A comissão que for nomeada para fazer esse estudo deverá, contudo, contar com alguns elementos directamente representativos da lavoura.
Manifestou-se, contudo, no seio da Comissão de Economia desejo de maiores facilidades a conceder ao plantio nas regiões de eleição da vinha, em particular nas regiões demarcadas, embora sem perder de vista a obtenção de produtos de qualidade. Entendeu também que se deveria facilitar os pomares vitícolas.
Não repugna à Comissão aconselhar a legalização das todas as plantações ilegais, mediante pagamento de multa, desde que estejam localizadas em terrenos apropriados e que tenham sido feitas com castas tecnicamente aceitáveis.
No que se refere às vinhas contínuas na região dos vinhos verdes; ficou esclarecido que importa manter na região demarcada os processos tradicionais de cultura de vinha em bardos ou enforcados, latadas ou ramadas na orla dos campos e sobre os caminhos.
Uma larga expansão das vinhas contínuas teria consequências na cultura do milho e prejudicaria a manutenção das castas tradicionais.
Reconhece-se no entanto, o valor das vinhas continuas, com particular para a preparação de vinhos para exportação, mediante adequadas lotações. A legislação permite a reconstituição e transferência de todas as vinhas existentes. Nos casos especiais de justificada necessidade de exportação e procura doa mercados externos também podem ser autorizadas, ao abrigo do artigo 2.° do decreto-lei n.° 27:285, de 24 de Novembro de 1936.
Se compararmos a nossa legislação com a estrangeira, temos de reconhecei que foi de rara benevolência em relação aos seus infractores.
Destruiu, é certo, um número considerável de produtores directos, mas nem sequer os eliminou por completo, deixando ao bom-senso dos rurais tirar conclusões acerca dos resultados das enxertias.
Arrancou pouquíssimas vinhas. Num longo período de dez anos. arrastou apenas dez proprietários aos tribunais.
Autorizou largamente a transferência e reconstituição das vinhas (99.140:377 pés nas encostas, 6.667:021 nas várzeas).
Permitiu 78.994:005 pés de vinhas novas. Vai legalizar as vinhas ilegalmente plantadas.
Ao mesmo tempo o Governo punha à disposição da viticultura quantias consideradas há poucos anos verdadeiramente fabulosas - 708:000 contos na última campanha da intervenção.
Na política de qualidade e na fiscalização, por muito que pese aos nossos detractores, muito se progrediu, como provam a larga aceitação dos nossos vinhos nos mercados externos e o constante aperfeiçoamento dos vinhos de marca engarrafados.
Será suficiente a coincidência de um ano de colheita escassa com um ano de regular exportação, que eleva os vinhos a preços exagerados, para se alterar toda esta política, que restituiu a confiança à viticultura e a salvou da crise em que se debatia periodicamente?
Alega-se a necessidade de suprir as destruições causadas pela guerra. Com efeito, constatamos na Argélia, de 1939 a 1945, uma redução de 53:547 hectares. Em França passamos de 1.450:592 hectares em 19-39 para 1.247:779 hectares em 1945.
Na Grécia temos 30:000 hectares de redução, em Marrocos 3:000 hectares, na Roménia diminuição, mas por cadência a outros Estados (Bulgária e Rússia V, 15:000 hectares na Tunísia.
Devemos, contudo, não ter a ilusão de que se trata do reduções definitivas. Assim, em França, a redução é apenas aparente por falta de manifesto. A produção de 1945 foi muito prejudicada pela geada e os lavra duros não fizeram a entrega das suas declarações anuais.
Em todos estes países existe já intenso trabalho de reconstituição.
Por outro lado, a vizinha Espanha mantém as suas vinhas em franco progresso.

O Sr. Cincinato da Costa: - V. Ex.ª dá-me licença? Em Espanha, por virtude da guerra civil, a redução na vinha foi cerca de 27:000 hectares.

O Orador: - A Itália parece pouco prejudicada.
Nos Estados Unidos, a Califórnia já tem 210:000 hectares plantados e continua a plantar. Na Argentina a superfície plantada passa de 129:795 hectares em 1940 para 142:333 em 1945.
No Chile estamos com 100:000 hectares plantados.
A Rússia já produz 5 milhões de hectolitros por ano e já exporta vinho; herdou 110:483 hectares de vinhas excelentes na Bessarábia.
Devemos ainda notar que estão em vigor severas restrições em muitos países, onde o vinho foi considerado produto de luxo.
Ressuscitam as campanhas proibicionistas.
Estamos na expectativa de uma conferência mundial, que muito poderá alterar a fisionomia económica do Muudo.
Não serão suficientes desde já as 455:000 pipas que a breve trecho poderão produzir as plantações já autorizadas para as primeiras necessidades de um comércio mundial mais florescente?
Para normalizar o mercado teve a organização de retirar, na última campanha em que houve intervenção, 420:000 pipas. E possível objectar que essa intervenção foi feita a preço alto, mas era preciso sem dúvida dar alguma compensação a uma lavoura que trabalhava com enormes dificuldades e preços tabelados. Acresce que num largo período, apesar das intervenções feitas, o preço para o consumidor se mantinha um dos mais estáveis de todos os preços de produtos agrícolas.
A organização deveria, na opinião de alguns, estar apetrechada para as crises de penúria e guardar maior quantidade de vinhos em armazém.
Para esse efeito teria de possuir maiores instalações de armazenagem, impossíveis de construir em tempo de guerra, intervir mais profundamente na. vida comercial, encontrar normas adequadas de classificação para produto que não se pode caracterizar por simples análise química no que se refere a qualidade, correr os riscos da sua conservação durante longo período e ter ao seu dispor os avultados capitais para tal operação.

O Sr. Cincinato da Costa: - Esse é que é o problema.

O Orador: - Talvez no futuro o possa fazer; de momento lutava contra dificuldades que não pode vencer.
Mas a presença de um ano mau não significa que se quebrou a sequência de anos favoráveis.
Um largo aumento de plantio em época de alta excessiva de preços seria funesto e perigoso.
Todas as restrições à liberdade são sempre penosas de aceitar e ingratas de defender.
A vinha é uma planta social, cuja cultura está largamente distribuída. Quando a viticultura está em crise sofre toda a Nação.

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850 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

A plena liberdade gera anarquia, na produção as castas de inferior qualidade, a extensão de cultura tia várzea, os vinhos de menor valor, a perda segura dos mercados externos.
Tal política conduz directamente aos processos adoptados na era romana pelo imperador Domiciano.
Portugal tem um extraordinário privilégio de possuir no seu solo regiões únicas no Globo para a produção de vinhos de qualidade.
A Natureza, habilmente aproveitada pelo homem, criou esse produto de eleição que é o vinho do Porto, que no Mundo inteiro é hoje símbolo de nobreza e alta qualidade.
Pode ainda produzir, pela conjugação única de altos rendimentos com altas graduações, as aguardentes necessárias ao tratamento do maior dos vinhos.
Finalmente, produz ainda vinhos de mesa excelentes, cujas possibilidades apenas se começam a antever.
Num longo trabalho de gerações, num esforço imenso do rural, numa tenacidade sem limites do lavrador, numa dedicação absoluta dos técnicos, num trabalho sem desfalecimento do comércio e da exportação, formou-se uma riqueza, pilar da nossa economia, e que o Estado Novo, pela sua política cautelosa e prudente, consolidou como em nenhuma outra era.
Seria, em nossa modesta opinião de obscuro obreiro desse engrandecimento, falta imperdoável nos juízos das gerações vindouras destruir as sólidas fundações erguidas, não sem sofrimento, mas na convicção absoluta de se ter lutado por futuro melhor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: além da proposta de alteração que vou ter a honra de enviar para a Mesa em nome da Comissão de Economia, junto também alguns mapas relacionados com as considerações que acabo de produzir e que desejo sejam publicados no Diário das Sessões.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta enviada para a Mesa pelo Sr. Deputado Franco Frazão.

Foi lida. É a seguinte:

«Artigo 1.° As plantações de vinhas efectuadas sem autorização até à publicação do presente decreto poderão ser legalizadas a requerimento dos interessados, desde que, depois da necessária vistoria, se prove que estão situadas em terrenos adequados e foram apenas utilizadas castas tradicionais no número permitido pela legislação em vigor.
§ 1.° São também abrangidas pelo disposto neste artigo as plantações de bacelos ou barbados.
§ 2.° As plantações que vierem a ser legalizadas ao abrigo das disposições anteriores ficam sujeitas ao pagamento da taxa de 1$ por cada pé de bacelo ou videira plantado.
Art. 2.° Pelas plantações efectuadas em contravenção das disposições legais vigentes e que não possam ser legalizadas nos termos do artigo 1.° ficam os responsáveis sujeitos ao pagamento da multa de 2$ a 7$50 por cada pé de bacelo ou videira, ou o arranque, a efectuar imediatamente, segundo as normas que forem superiormente fixadas.
Art. 3.° O quantitativo da multa a que se refere o artigo 1.° do decreto-lei n.° 33:544, de 21 de Fevereiro de 1944, não deve exceder em cada ano e em relação
de cada propriedade ao montante da respectiva contribuição predial rústicas
§ único. A multa será elevada até à importância equivalente a 25 por cento do valor da penalidade a que corresponderiam os autos levantados, sempre que o limite calculado nos termos do corpo deste artigo seja inferior àquele valor.
Art. 4.° O Governo nomeará uma comissão, na qual estarão representados a Direcção Geral dos Serviços Agrícolas e os interesses vitivinícolas regionais, para rever toda a legislação que respeita ao plantio de vinha c propor novo condicionamento, tendo especialmente em atenção a produção de vinhos de qualidade.
§ único. Essa comissão deverá dar o seu parecer no prazo de noventa dias depois da sua nomeação».

O Sr. Presidente: - Comunico à Câmara que está na Mesa o parecer n.° 153 da Câmara Corporativa, relativo à proposta de lei sobre o imposto de sucessões e doações. A Assembleia reconheceu a urgência desta proposta e, portanto, faremos todo o possível para que ela seja discutida ainda neste período legislativo. Provavelmente, será incluída na ordem do dia de uma das sessões da próxima semana.
Este parecer vai baixar às Comissões de Legislação, Finanças e Economia.
Peço a atenção das referidas Comissões para este parecer.
A ordem do dia para a sessão de amanhã será a continuação do debate da proposta de lei em que se converteu o decreto-lei relativo à restrição do plantio da vinha.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que compareçam com pontualidade à sessão de amanhã, visto que é minha intenção concluir nela o debate sobre esta proposta de lei.
Não desejo forçar a Câmara a precipitar os seus trabalhos, mas V. Ex.ªs sabem que o programa a executar ainda é vasto e o tempo é pouco. Os assuntos são bastante complexos; teremos, naturalmente, na próxima semana de efectuar sessões de manhã e à tarde. Todavia, é preciso ainda deixar, como V. Ex.ª sabem, tempo para o trabalho das comissões.
A ordem do dia da sessão de amanhã é a que já anunciei.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
Artur Proença Duarte.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Luís da Silva Dias.
José Maria de Sacadora Botte.
Manuel França Vigon.
Pedro de Chaves Cymbron.
Borges de Sonsa.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Grui.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Diogo Pacheco de Amorim.

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Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Chupar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicado de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gnalberto de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Salvador Nunes Teixeira.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Mapas a que se referiu o Sr. Deputado Querubim Guimarães no seu discurso:

Produção de lacticínios na área da Intendência de Pecuária de Aveiro, por anos, desde 1935 a 1945

Lacticínios produzidos, em quilogramas

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Foi iniciado o fabrico neste ano.

Estabelecimentos de lacticínios existentes de 1935 a 1945 na área da Intendência de Pecuária de Aveiro

[Ver Tabela na Imagem]

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852 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

Utilização do leite completo e desnatado no fabrico de diferentes produtos da área da Intendência de Pecuária de Aveiro, por anos, desde 1935 a 1945

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Para entrou fins.
(b) Foi iniciado o fabrico neste ano.
(c) O leite utilizado está Incluído no leite em pó.

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14 DE MARÇO DE 1947 853

COOPERATIVAS DO CONTINENTE

QUADRO N.º 1

Leite entregue pelos associados, em litros

[Ver Tabela na Imagem]

QUADRO N.º 2

Manteiga produzida, em quilogramas

[Ver Tabela na Imagem]

QUADRO N.º 3

Preço pago por cada litro de leite

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Leite de vacas turinas
(b) Leite de raças arouquesas.

QUADRO N.º 4

Bónus distribuídos pelos associados

[Ver Tabela na Imagem]

QUADRO N.º 5

População associativa

[Ver Tabela na Imagem]

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854 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 102

Mapas a que se referiu o Sr. Deputado franco Frazão no seu discurso:

Estatística mundial da vinha

Superfície (milhares de hectares plantados de vinha)

[Ver Tabela na Imagem]

Produção do vinho no Mundo

(Em milhares de hectolitros)

[Ver Tabela na Imagem]

Plantações com aumento de área, nos termos dos decretos n.ºs 26:916, 33:544 e 34:055

[Ver Tabela na Imagem]

(a) A quase totalidade são plantações em bordadura de campo. Uns escassos 60 a 100:000 pés são plantações de vinhas continuas no concelho de Baião e algumas ao abrigo dos 1:000 pés para consumo das casas agrícolas.
(b) Até 1944 representa autorizações na região demarcada e ao abrigo dos 1:000 pés para os casais agrícolas. De 1944 para cá, a grande parte - cerca de 15 milhões - ao abrigo dos decretos n.ºs 33:544 e 34:055.
(e) Até 1944 apenas umas escassas centenas de milhares para consumo dos casais agrícolas (1:000 pés por cada). 70 a 80 por cento dizem respeito a plantações de 1944 para cá, ao abrigo dos decretos n:0133:544 e 34:055.
(d) Na área da 9.ª brigada (Santarém), dos 13 milhões apontados, 11 dizem respeito a plantações autorizadas em 1944, 1945 e 1948, sendo cerca de 4 milhões em terrenos de várzea, ao abrigo das alíneas a) ou b) do artigo 6.° do decreto n.º 33:544.

Plantações sem aumento de área

(transferência, reconstituição, etc., desde 1938 a 1946,
Inclusive)

[Ver Tabela na Imagem]

(a) A quase totalidade plantada na orla dos campos.
(b) Cerca de 4 milhões autorizados de 1944 para cá. ao abrigo do decreto n.° 33:544.

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Estimativa do valor recebido pela vinicultura nas campanhas de 1934-1935 a 1945-1946 nas quatro grandes regiões do continente português

(Em pipas de 500 litros)

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Estimativa.

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856 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 102

Produção vinícola portuguesa desde 1918 a 1946

[Ver Tabela na Imagem]

(a) Estimativa da produção.
(b) Média quadrienal, por não estar concluído um quinquénio.

Proposta de lei relativa à organização suprema da defesa nacional, a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:

Pela lei n.° 1:905, d«'2:2 de Maio de 1935, foram instituídos os organismos superiores da defesa nacional, especialmente destinados a definir as grandes linhas dos problemas da defesa e o estudo de altas questões com esta relacionadas ou dela derivadas.
Não obstante a regulamentação da lei que quase imediatamente se lhe seguiu, e que consta do decreto n.° 25:857, de 19 de Setembro do mesmo ano, pode afirmar-se que o conjunto de disposições então promulgadas não foi mais do que uma tentativa, sem resultado prático, para dar corpo e sentido, através de uma organização estável, aos problemas da defesa nacional desde remotos tempos sem solução.
Não haveria então interesse em organizar convenientemente, e tanto quanto as possibilidades do País o permitissem, a estrutura defensiva da comunidade portuguesa? Os factos parecem ter demonstrado suficientemente o contrário: de então para cá os nossos meios defensivos atingiram nível não verificado em épocas ou administrações anteriores e a Nação, para evitar ou afastar das suas fronteiras o flagelo da guerra, teve de sacrificar comodidades e recursos e foi sujeita a esforços que, por largo tempo, pesarão na sua economia e no desafogo do seu viver.
Mas na corrente de doutrinas que então corriam mundo tomou-se partido por uma organização excessivamente complicada que procurava chamar para o conhecimento dos problemas da defesa a generalidade das pessoas que na política, na Administração ou na sociedade tinham posição predominante.
Na base do sistema, mola real e centro impulsionador de todas as energias, estava o Presidente do Conselho de Ministros, transformado em presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional. Mas logo a paralisar a acção, a arrefecer entusiasmos e possibilidades de determinação, instituiu-se um conjunto de organismos vários, consultivos e de estudo, mais interessados em discutir do que em resolver, mais próprios à meditação prudente do que à acção eficaz. O sistema conduziu ao desastre na generalidade dos países que observaram os seus métodos ou seguiram a sua orientação.
Em regime de administração pública, em que propositadamente se põem de parte métodos de trabalho que não conduzem a um fim útil, tudo aconselha a que se remodele tal organização, reduzindo-lhe as proporções e interessando na solução dos problemas apenas as entidades que têm qualidade para prestar colaboração eficaz.
Este é o verdadeiro sentido e razão de ser da proposta de lei que o Governo tem agora a honra de submeter à apreciação da Assembleia sobre a organização suprema da defesa nacional.
Pouco havendo de verdadeiramente novo na proposta, omitem-se neste relatório prolixas explanações que cansariam inutilmente a atenção da Assembleia. Mas na base v referem-se problemas e descortinam-se ensaios de orientação que se supõe exigirem explicação conveniente para bem se poderem aquilatar as intenções do Governo ao inserir nela tal matéria.
E prática tradicional no nosso País entregar ao Ministério da Guerra, em casos de emergência ou na eventualidade da guerra, a responsabilidade da resolução dos problemas que, interessando sem dúvida alguma à defesa nacional, respeitam na generalidade dos casos à segurança, ao bem-estar e às possibilidades normais de vida das populações.
De princípio confinavam-se normalmente tais problemas no âmbito da ordem pública, cuja responsabilidade, nos casos particularmente graves, era transferida para a competência das autoridades militares. Mas, à medida que o campo de acção das guerras se foi alargando, abandonando o seu aspecto estritamente militar para abranger toda a vida nacional e procurando reduzir ou eliminar todas as possibilidades de resistência e de vida dos povos, a prática seguida coloca o Ministério da Guerra em campo de actuação tão vasto que difícil, senão impossível, se torna à autoridade de um único Ministro dominar e abranger, com suficiente exactidão e verdadeiro sentido, toda a vastidão dos problemas suscitados. A defesa das populações contra ataques aéreos, as medidas de protecção contra a guerra química ou bacteriológica, os problemas respeitantes à mobilização industrial e à mobilização económica, os aspectos particulares da mobilização da mão-de-obra e muitos outros assuntos de ordem geral, que respeitam u direcção política, económica e militar da guerra o estão fora da acção normal ou da competência dos Ministérios estritamente militares, são razão mais que suficiente - quando outras de ordem puramente técnica não existissem - para aconselhar ou justificar a criação, em tempo de guerra, de outro departamento de administração pública, o Ministério da Mobilização Civil. Este pode tomar à sua conta a consideração dos problemas acima esboçados e colaborar intimamente com os Ministérios das forças armadas, mais directamente ligados à mobilização militar e ao desenrolar das operações. Trata-se assim da criação de um Ministério novo, que tome directamente a seu cargo as altas questões de mobilização civil, que interferem directa e imediatamente na defesa nacional, e que auxilie e prolongue a acção da Presidência do Conselho na coordenação da actividade dos Ministérios interessados nessa mobilização e no regular seguimento da política geral da guerra.

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E propósito do Governo apresentar à Assembleia Nacional, na próxima legislatura, uma proposta de lei sobre a organização geral da Nação para o tempo de guerra, e aí será o lugar próprio para entrar mais profundamente nesta matéria.
Nestes termos, tenho a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei respeitante à:

Organização suprema da defesa nacional

BASE I

O Governo define a política militar da Nação e orienta superiormente a preparação da defesa nacional. Em caso de guerra, fixa os objectivos gerais desta e aprova os respectivos planos, pondo à disposição dos comandantes rias forças armadas os meios de acção necessários ou disponíveis para a sua execução e desenvolvimento.

BASE II

O Conselho Superior de Defesa Nacional, constituído pelo Presidente do Conselho de Ministros, que assumirá a presidência, pelos Ministros da Guerra, da Marinha, das Colónias, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, e pêlos majores generais do exército e da armada, tem por missão examinar os altos problemas relativos à defesa nacional e, em especial, os que particularmente respeitam:
a) À política militar da Nação e organização da defesa nacional, aos programas gerais de armamento e meios de acção indispensáveis;
b) À organização geral da Nação para o tempo de guerra;
c) Às questões interministeriais que interfiram na defesa nacional ou influam no regular desenvolvimento da capacidade defensiva da Nação, especialmente as respeitantes a transportes e comunicações de toda a natureza e ao apetrechamento defensivo do País;
d) Às convenções militares.
Nas deliberações do Conselho Superior de Defesa Nacional poderá intervir, quando necessário ou conveniente, qualquer Ministro ou Subsecretário de Estado especialmente qualificados pela natureza das suas funções ou pela sua competência especializada em relação aos assuntos a versar.
O Presidente da República preside ao Conselho Superior de Defesa Nacional sempre que julgue conveniente convocar o referido Conselho ou assista às sessões deste por deliberação própria ou por ter sido solicitada a sua comparência pelo Presidente do Conselho de Ministros.

BASE III

Em tempo de guerra as atribuições essencialmente militares do Conselho Superior de Defesa Nacional concentram-se no Conselho Superior de Direcção de Guerra (Gabinete de Guerra), presidido pelo Presidente do Conselho e constituído poios Ministros da Guerra, da Marinha e dos Negócios Estrangeiros, pêlos majores generais do exército e da armada, pelo comandante geral da aeronáutica e ainda pelo Ministro das Colónias, quando os assuntos a tratar respeitem ao Império Colonial.

BASE IV

A condução das operações militares, segundo os planos ou projectos previamente aprovados, é da exclusiva responsabilidade dos comandantes das forças em operações, a quem, dentro do campo de acção estritamente militar, será garantida a necessária independência.

BASE V

Para os assuntos que dizem respeito u mobilização civil, e nos restantes aspectos não propriamente militares da defesa nacional, constituir-se-á, em tempo de guerra, sob a alta orientação do Presidente do Conselho e directamente presidido pelo Ministro da Mobilização Civil, o Conselho Superior de Mobilização Civil, constituído pelos Ministros do Interior, das Finanças, das Obras Públicas, da Economia e das Comunicações, pelo Subsecretário de Estado das Corporações e pêlos chefes do estado maior do exército e da armada e comandante da defesa terrestre contra aeronaves, que estudará e dará parecer sobre todas as questões de defesa nacional, do domínio da sua competência, a submeter à decisão do Governo. Em tempo de paz os assuntos interministeriais relativos à mobilização civil serão, quando necessário, submetidos à apreciação do Conselho Superior de Defesa Nacional.
Salvo nos casos de extrema urgência, todos os assuntos presentes à deliberação do Conselho Superior de Mobilização Civil serão, em regra, objecto de parecer prévio das secções interessadas da Câmara Corporativa. Quando se trate de assuntos referentes às colónias ou às forças coloniais, tomarão parte na reunião da comissão o Ministro das Colónias e o presidente da 7.a secção do Conselho do Império Colonial.

BASE VI

O secretariado do Conselho Superior de Defesa Nacional será exercido pelo Gabinete da Presidência do Conselho. Os processos respectivos serão remetidos à Majoria General do Exército ou Majoria General da Armada, conforme os assuntos versados disserem mais directamente respeito ou interessarem ao exército ou à marinha de guerra. O Presidente do Conselho poderá, quando o julgar conveniente ou necessário, mandar ouvir as diferentes secções da Câmara Corporativa acerca dos processos respeitantes a problemas a submeter à decisão do Conselho.
Pode igualmente o Presidente do Conselho de Ministros e presidente do Conselho Superior de Defesa Nacional mandar reunir, em sessão conjunta, os Conselhos Superiores do Exército e da Armada ou os chefes e oficiais dos estados maiores das forças militares julgados necessários, sempre que o esclarecimento dos assuntos de defesa nacional a submeter à decisão do Governo ou do Conselho Superior de Defesa Nacional, ou o estudo dos problemas que exijam a cooperação das forças terrestres, navais e aéreas, aconselhem tais reuniões.

BASE VII

Compete em especial aos majores generais do exército ou da armada, conforme o caso, organizar ou assumir a responsabilidade da organização de todos os processos que devam ser submetidos à apreciação do Conselho, registar as decisões tomadas e comunicar aos órgãos ministeriais interessados as resoluções daquele organismo, mantendo o respectivo presidente ao corrente da maneira como tais resoluções são observadas.

BASE VIII

Para o estudo dos assuntos que interessam à defesa própria de cada colónia ou à sua cooperação na defesa geral da Nação, e sobre os quais os governadores deverão tomar decisões ou que exijam deliberação do Governo Central, é criado nas colónias de Angola, Moçambique, Índia e Macau um conselho de defesa militar, presidido pelo seu governador e com a seguinte constituição:
O comandante militar da colónia;

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858 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 102

O chefe do estado maior;
O chefe dos serviços de marinha;
Quaisquer outras entidades que, pelas suas funções, o governador julgue conveniente nomear ou ouvir eventualmente.
Os trabalhos de secretaria do conselho de defesa militar ficam a cargo do quartel general da colónia.
Nas colónias de Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Guiné e Timor todos os assuntos que se relacionem com a defesa nacional serão estudados pelas repartições militares respectivas, sob a direcção superior dos governadores, que, para esse efeito, poderão consultar quaisquer entidades dessas colónias que julguem conveniente ouvir.

BASE IX

Os assuntos relativos à defesa das colónias contra inimigo externo ou ao emprego dos recursos militares de qualquer colónia, em teatro de operações exterior, serão sempre submetidos, conforme o caso, à apreciação dos Ministérios da Guerra ou da Marinha. Quando estes Ministérios discordem das sugestões feitas ou providências tomadas, serão as divergências submetidas a deliberação do Conselho Superior de Defesa Nacional.

O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. - O Ministro da Guerra, Fernando dos Santos Costa. - O Ministro da Marinha, Américo Deus Rodrigues Thomaz.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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