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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.° 102

ANO DE 1947 14 DE MARÇO

CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

PARECER N.° 21

Proposta de lei n.° 146 Carta dos solos de Portugal

A Câmara Corporativa, pela sua secção de Finanças e economia geral, a que foram agregados os dignos Procuradores António Jacinto Ferreira, Eduardo de Araújo Parreira Dezone Fernandes de Oliveira, Pedro de Castro Pinto Bravo e José Luís Maria de Oliveira de Almeida Calheiros e Meneses, emite sobre a proposta de lei n.º 146 o parecer seguinte:

SUMÁRIO

I. A proposta o a revolução mental de que é um feliz «seguimento. Uma providência do largo alcance.
II. Cartas dos solos e pedologia.
Cartas dos solos e cartas agrológicas.
Cartas agrológicas e cartas de aptidão.
Interpretação de uma carta dos solos.
III. Cartas dos solos e cartas agrícolas.
III. Noção pedológica de «solo», base da cartografia respectiva.
Factores predominantes que concorrem para a diferenciação das unidades ou «séries» das cartas dos solos.
V. Operações ligadas à factura de uma carta dos solos; sua índole e diversidade.
1) Os chamados «trabalhos do campo».
2) Os campos de experimentação.
3) Os trabalhos de laboratório.
VI. A escolha das escalas das cartas dos solos. O problema em
relação às colónias portuguesas. VII. Utilidade das cartas dos solos.
1) Função de guia da lavoura.
2) Apuramento das séries.
3) Economia dos campos de experimentação.
4) Colaboração internacional.
5)Organização do cadastro.
6) Produtividade fiscal.
7) Seguro contra o recurso falível da mera experiência pessoal.
8) Maleabilidade do acção.
9) Luta contra a erosão; a organização americana.
VIII. A generalização no Mundo do emprego das cartas dos solos.
A precedência russa, vinda do meado do século XIX.
A expansão americana; os seus relatórios.
Singular conceito dos ingleses e singular aplicação alemã para uso externo.
IX. Lugar honroso de Portugal na história das cartas dos solos.
Os trabalhos feitos no distrito de Beja desde 1882, vinte anos antes dos americanos.
Os estudos agrológicos na luta contra a filoxera.
Os trabalhos da Estação Agrária Central.
Iniciativas de dois dos nossos mais progressivos serviços: as Cartas de aptidão para o regadio, da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, e as Cartas ãe aptidão cultiural, da Junta de Colonização Interna.
Primeiros trabalhos da Estação Agronómica Nacional, em colaboração com a Repartição das Culturas Arvenses, a Direcção Geral dos Serviços Florestais e a Junta Nacional dos Azeites.
Constituição na Estação Agronómica Nacional de uma secção destinada à elaboração das cartas dos solos (19.30).
Trabalhos feitos desde 1941.
Recrutamento de uma elite de técnicos.
127:000 hectares cartografados.

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X. A nossa resianio cartografia.
A carta agrícola e florestal (1910).
A carta geológica (1899).
A carta orográfica (fins do século passado).
A carta hipsomélrica (1906).
A carta xilográfica (1876).
As cartas do optado maior do exército, com base nas nossas cartas dos solos.
XI. O prazo da elaboração da Carta dos solos, (previsto na proposta.
Utilização gradual dos trabalhos.
XII. O custo provável da nossa Carta dos solos.
Base dos cálculos.
Receitas compensadoras.
Economia da proposta.
Venda das folhas publicadas.
XIII. A reorganização dos serviços propostos.
As quatro divisões do Instituto dos Solos.
Estudos cartográficos.
Estudos físico-químicos.
Microbiologia do solo.
Erosão e conservação do solo.Secções a organizar em. cada uma das divisões para o adequado rendimento do serviço.
Exame do problema da erosão e dos meios apresentados para o combater.
XIV. Recrutamento do pessoal permanente e eventual do Instituto dos Solos. Garantias de selecção e economias antevistas.
XV. Os problemas técnicos enunciados na proposta: bases da lei e disposições regulamentares.
XVI. Emendas propostas
Conclusão.

I

As cento e cinquenta palavras que, agrupadas em quatro simples artigos, formam o projectado texto de lei sobre que nos cumpre dar parecer são o sinal precioso de que alguma coisa se transformou já na rotina administrativa do País.
Tempo de mais o c amadorismo», o apouco mais ou menos», a «invenção do que já estava inventado» e o «provisório» constituíram, numa singular cadeia de desleixos e improvisações, por entre remendos da ultima hora e expedientes de vista curta, a maneira clássica que fomos tendo de joindre les deux bouts, como expressivamente dizem os franceses, ou seja, na espécie, a fórmula que de algum modo se encarregou de nos ir assegurando a vida... ou a sobrevivência. Virtude apreciável talvez, mas consideràvelmente apoucada quando se pensar nos males engendrados por essa marcha aos sacões que tantas vezes, provincianamente, tomou o jeito de nos arrumar a um canto, sem fito seguro, sem motor de confiança e sem ritmo certo ...
Não pode consequentemente (passar sem alvoroço o aparecimento de quaisquer signos (e alguns felizmente vêm surgindo) de que o País enjeitou esses arraigados vícios do mando. . . ou desmando, com direito de cidade.
Há aqui, sobretudo, uma verdadeira transformação mental que interessa porventura ainda mais pelo que só vai fazer do que pelo que está feito.
E nesse plano de vasto alcance para o futuro do País que, sem favor, se encontra situada a pro-posta que estamos a examinar.
E por várias ordens de razões.
Trata-se do objectivo seguro de o País se revelar a si mesmo.
Trata-se de uma providência de vistas largas, escalonada por dois decénios e afirmando conseguintemente o seu espírito de sequência.
Finalmente, a proposta ainda se distingue pelo que está por detrás dela, quer dizer, de um largo período de preparação, em que, sem barulho, mas com firmeza, se foram sucessivamente preparando os elementos que a tornam realizável.
Serviços que deste modo procedem, com tão acentuada consciência da sua missão, nivelaram-se, de resto, por sua vez, com os altos propósitos do legislador.
Mais do que uma aprovação formal, parece-nos que à proposta se deve uma adesão incontroversa - com a convicção de que não há tempo a perder, para que inteiramente se realize.
E preciso, na verdade, que comecem a correr quanto antes os vinte anos previstos para a sua execução integral.

II

Para se compreender a transcendência da proposta parece-nos indispensável definir o que seja uma carta de solos.
Comecemos por dizer que uma carta de solos é o instrumento por excelência representativo de uma ciência recente, a pedologia, que tem precisamente por objecto o estudo do solo, abstraindo das aplicações práticas que possa vir a ter. Mas entendamo-nos desde logo. O estudo científico do solo não pode deixar de ter consequências práticas imediatas, e, nomeadamente, a agronomia terá nesse estudo um dos seus mais valiosos pontos de apoio.
O estudo dos solos leva à determinação de zonas, unidades ou séries (terminologia usual), quer dizer, de trechos homogéneos de terreno obedecendo a uma estrutura ou um tipo comum. Esses trechos ou zonas encontram-se disseminados, sem obediência a qualquer razão de contiguidade. Pode dizer-se que se apuram duas dúzias de espécies diferenciadas, que indefinidamente se reproduzem em qualquer região do globo. Essas zonas podem ter, aliás, dimensões as mais diversas. De maneira que uma carta de solos, representativa da referida composição, terá a aparência de um mosaico formado de manchas justapostas, de tons os mais variados, mas em que a igualdade de tom reproduzida, embora em zonas distantes umas das outras, é a afirmação da identidade do solo.
Ou, por outras palavras. Se uma carta de solos regista, na descontinuidade das suas manchas, por um lado, as diversas naturezas do terreno, com as suas características especiais, e, por outro, a sua redução a alguns tipos, comuns, daqui deriva implicitamente que cada uma dessas unidades apresentará as suas aptidões particulares. De onde, por sua vez, resultam duas consequências de transcendente alcance: a determinação dos limites exactos, para além dos quais se não pode usar do mesmo tratamento, e o apuramento dos trechos de terreno, embora espalhados aqui e além, que deverão sujeitar-se a um aproveitamento idêntico.
Uma carta de solos - desde que as razões de estrutura contêm em si as condições de utilização - converte-se destarte, automaticamente, numa verdadeira carta agrológica.
Pode, de resto, desenhar-se uma carta agrológica referida unicamente às aptidões específicas do terreno. Mas nunca uma carta agrológica se poderá traçar sem ser como que a cobertura de uma carta de solos. Aquela terá de ser sempre, pelo menos, a consequência desta.

Há que distinguir também entre as cartas agrológicas e as cartas de aptidão.
Com efeito, a escolha de culturas depende não só das características do solo e do clima, como também de factos sociais e económicos (tais como a distância dos mercados, as facilidades de comunicação, etc.), alguns dos quais se podem modificar com relativa facilidade.
Além disso, pode suceder que, como resultado dos trabalhos de melhoramento de plantas, se torne possível introduzir novas culturas ou se obtenham produções mais elevadas do que até então se conseguia. Devido ao aumento de exportação de determinados produtos, pode ainda tornar-se economicamente viável a exploração em alguns solos de uma cultura que antes disso não valia a pena fazer-se. Modificações legislativas tornam igual-

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mente possível valorizar certos solos com culturas que anteriormente não eram permitidas (vicie Prof. Botelho da Costa, Apontamentos de Agroloyia, p. 206). no entanto, se a carta de aptidão pode desvanecer o rigor, não deve, por sua vez, desconhecer o traçado da carta agrológica, a que se sobrepôs.

III

Prossigamos, no entanto, no nosso propósito de definir o que seja uma carta de solos, distinguindo-a de uma carta agrícola.
Se uma carta de solos conduz em linha recta e coincide com a respectiva carta agrológica, nenhuma espécie de similitude pode existir no traçado de qualquer dessas cartas quando referido a uma carta agrícola.
É que se trata de espécies essencialmente heterogéneas. Uma carta, de solos apura unidades de terreno delimitadas pela identidade de características próprias e de onde resulta a sua diferenciada aptidão cultural. É a expressão cartográfica, caso por caso, das condições e possibilidades de cada uma dessas unidades. Quer dizer, a determinação da sua utilização ou do que se deve fazer.
Uma carta agrícola é a mera representação cartográfica das culturas tais como existem, sem qualquer relação com o que se deva ou não deva realizar.
Tires razões - de estrutura, de utilidade e de permanência - distinguem nitidamente as duas espécies de cartas.
A carta de solos desvenda os segredos da terra. A carta agrícola limita-se a reproduzir a cobertura cultural existente.
A carta de solos passa desde logo a ser a orientadora do aproveitamento e defesa da terra. Se assim nos podemos exprimir, é... a sua carta constitucional. A carta agrícola é, quando muito, um índice quantitativo de trabalho nacional. Ou, se quiserem, antes: enquanto uma funciona como barómetro das culturas adequadas, a outra é indiferente a qualquer noção de acerto ou desacerto cultural.
Finalmente, a carta do solos leni um carácter duradouro, porque se refere às qualidades persistentes do solo, ao passo que a carta agrícola não tem qualquer permanência garantida, dada a extrema variabilidade das culturas. A carta agrícola regista os cultivos existentes no momento da sua elaboração. Pode dizer-se mesmo que, ao ser publicada, dada a demora na sua edição, cada carta agrícola se arrisca mesmo muito a ser, como diria Pirandelo, a reprodução de uma outra verdade.

IV

Sem perder o sentido das proporções - este parecer nunca poderia tomar a aparência de uni compêndio de pedologia - e sem de algum modo pretender dar ideia do complexo de trabalhos que pressupõe a elaboração de uma carta de solos, julgamos de interesse, para se ter uma noção pelo menos aproximada do que seja a magnitude do problema, chamar a atenção para três dos seus principais aspectos técnicos:
a) A noção pedológica de solo, base da cartografia respectiva;
b) A índole e diversidade de operações ligadas à factura de uma carta de solos;
c) A adopção da escala.
d) Sem nos determos nas usuais explanações de um tratado de pedologia, determinaremos deste modo a diferença existente entre o que se entende por solo agrícola e o que vem a ser o solo, no seu sentido pedológico.
A expressão solo agrícola é vulgarmente usada para designar a camada mais superficial de terreno, ordinàriamente atingida pêlos trabalhos de lavoura e em que principalmente se desenvolvem as raízes das plantas cultivadas, dando-se o nome de subsolo à camada em que assenta.
Solo, no sentido pedológico, poderá definir-se, seguindo Marbut, como «a camada externa da crosta terrestre ao alcance das forças que influenciam, regulam ou desenvolvem a vida orgânica».
De um modo sumário pode dizer-se que para a diferenciação das unidades ou séries da carta de solos foram contribuindo ao longo do tempo os seguintes factores predominantes:
a) A heterogeneidade da própria litosfera;
b) A acção climática, que desde a era geológica provocou as dilatações e contracções que fendilharam o material;
c) A acção das chuvas, carregadas de anidrido carbónico, que foram dissolvendo de maneira desigual as diversas substâncias;
d) Numerosos factores (como exposição, relevo, calor, frescura, condições de drenagem, etc.), que, pouco a pouco, engendraram uma cobertura ou crosta de meteorização, de composição heterogénea e espessura irregular, mais própria já ao desenvolvimento da vegetação que nesta altura a tem invadido, distribuindo-se de acordo com as suas preferências;
e) A formação do solo, que desde então passou a ritmo mais acelerado, devida sobretudo à acção dos seres vivos, com o desenvolvimento da macro e microflora, com a acumulação de detritos orgânicos, a sua subsequente transformação, e a interacção de todos estes factos e do meio mineral originário;
f) Finalmente, a própria acção do homem, como agente modificador, que interveio por sua vez, produzindo alterações profundas no estado natural, pela degradação agropédica dos solos, a formação da erosão em maior ou menor escala, etc.
Uma carta de solos é a representação do solo no sentido pedológico ida palavra, quer dizer: o solo considerado como um corpo natural, formado pelas forças naturais em jogo num determinado ponto da crosta terrestre (conceito de Dokutchaiev). E fácil compreender, nestas condições, como o estudo a bem dizer integral do solo - e só esse estudo - pode dar bases definitivas à arte do seu melhor aproveitamento. A delimitação de cada uma das suas unidades ou séries tem assim um carácter de satisfatória segurança.

V

B) A elaboração de uma carta de solos supõe três ordens predominantes de trabalhos:
1) Os chamados trabalhos de campo. - A sua principal função é a determinação dos perfis, ou seja uma secção vertical praticada no terreno desde a superfície até ao material a partir do qual o solo se forma. E a maneira de conhecer os «horizontes», ou seja as camadas sucessivas que se foram irregularmente formando, diferenciando e sobrepondo à medida que, sob a acção dos vários factores (climáticos, biológicos, morfológicos), o solo, no sentido pedológico da palavra, se foi, como dissemos, constituindo através dos tempos. Do desenvolvimento do perfil resultará em cada caso o respectivo conhecimento do solo. Está aqui o ponto de partida e a chave de toda a investigação, ou seja a base para a determinação de cada unidade ou séries.
1 «O solo agrícola - escreve o Prof. Botelho da Costa (Apontamentos de Agrologia, p. 12) - pode coincidir aproximadamente com o horizonte superficial, mais ou menos modificado pela cultura, ser apenas parte dele ou ainda ser formado pela mistura, provocada pelo homem, de vários horizontes. Pode também su-

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2) Os campos de experimentação. - Para apurar as características definitivas da adaptabilidade de cada zona não basta o mero estudo do terreno. Será preciso ensaiar as melhores culturas e rotações, bem como as adubações adequadas. Dai a necessidade de constituir outros tantos campos de experimentação, cujos trabalhos correrão paralelos com os mais e cujos resultados servirão como complemento ou contraprova para fixar os caracteres e possibilidades de cada zona e orientar a sua defesa e aproveitamento.
3) Os trabalhos de laboratório. - Nos laboratórios, que desde logo têm de ser postos a funcionar, se farão, por sua vez, as necessárias análises das terras, estruturalmente ligadas aos restantes estudos pedológicos e de cujas conclusões fica dependendo a elaboração da carta de solos. Adiante voltaremos ao assunto, para verificarmos o cuidado que está merecendo entre nós.

VI

C) A escolha das escalas da carta de solos é o terceiro e último dos problemas técnicos que nos propusemos focar.
Depende a escala que se escolher, evidentemente, do grau de pormenor que se pretende conseguir.
Em regiões de intensa fertilidade será necessária uma pormenorização muito maior do que em zonas montanhosas ou vastas extensões sem tão grande interesse cultural.
A escala, já por nós adoptada, de 1:25000 e correspondente à de uso corrente nas cartas de solo estrangeiras afigura-se como respondendo às necessidades fundamentais do problema. Tem um grau de pormenor suficiente para ter em conta as diferentes variações de terreno.
Para as nossas colónias, por exemplo, tendo em atenção a grandeza do seu território e a extensão de algumas das suas zonas predominantes, já terá de se empregar um escala bastante menos discriminadora. Em. certos trechos de paisagem ribatejana, pelo contrário, poderão complementarmente ainda ser levantadas com proveito cartas mais detalhadas.

Duas palavras sobre o estudo e a cartografia dos solos tropicais, de tão grande alcance para o problema colonial português. Escreve o Prof. Botelho da Costa (Lições de Mesologia Colonial, a Apontamentos», p. 13; para mostrar como haverá que conciliar o necessário rigor científico com a adopção de escalas muito menos pormenorizadas:

«O estudo e cartografia dos solos tropicais têm de basear-se, como em quaisquer outras regiões, no estudo cuidadoso de perfis. A enorme extensão das zonas a estudar e outras circunstâncias tornam, porém, impossível, a não ser para casos especiais e em áreas limitadas, a cartografia por séries. Tem de se recorrer a agrupamentos mais gerais, que poderão muitas vezes ser os «grandes grupos de solos.». A distribuição destes é, porém, muitas vezes tão perturbada pelos factores locais que a mera indicação do tipo zonal considerado como característico da região está muitas vezes longe de satisfazer. A «cartografia por complexos» é então a fórmula preferível, podendo os complexos abranger maior ou menor variedade agrológica, conforme os casos, mas não se dispensando, em qualquer hipótese, o estudo pormenorizado de perfis representativos dos principais tipos de solos encontrados, embora a distribuição exacta destes mão seja indicada».

Estes mapas, ainda que provisórios, constituem elemento de grande valor em relação à escolha de locais para desenvolvimento agrícola. Simplesmente essa escolha nas regiões tropicais será condicionada por circunstâncias mais importantes do que a própria natureza do solo, como as possibilidades de transportes para escoamento económico dos produtos, e, em relação à colonização europeia, pelas condições climáticas. Mas isso não tira o enorme valor das cartas de solo nas regiões tropicais, porque, independentes da ordem de preferência na cronologia das culturas, asseguram em cada caso, e, sem outra, paridade, o seu proveitoso ensinamento.

VII

O transcendente alcance da elaboração de uma carta de solos resulta, facilmente das considerações seguintes:
1) Função de guia da lavoura. - Desde o momento em que uma carta de solas estabelece, em condições de satisfatória segurança, a determinação devidamente delimitada de cada uma das séries, ou sejam as zonas homogéneas de diferenciada aptidão cultural, é evidente que o lavrador ficará sabendo, e nos seus precisos limites, o tratamento adequado a fornecer a cada uma dessas parcelas de terrenos. Sabe, em cada um dos casos, até onde deve ir e onde deve parar e mudar de rumo. Estão assim praticamente suprimidas as causas de erro derivadas do desconhecimento do terreno. Basta, por demais, olhar para uma carta de solos para nos apercebermos do melindre da questão. Uma carta de solos, como já dissemos, tem o aspecto de um mosaico. As pequenas manchas de tons variadíssimos, quer dizer, representativos da variedade dos terrenos, justapõem-se no mais caprichoso dos puzzles. A cada passo, a mesma propriedade reclamará os tratamentos mais diferentes. A leitura da carta de solos elucida o lavrador sobre qual será o tratamento a dar ia caída uma dessas fracções e até onde aplicá-lo. Assim se conseguirá, no seu máximo, a defesa e a produtividade máxima do solo.
Nada justifica, aliás, em presença de um instrumento de tão notória precisão, que a rotina possa invocar quaisquer direitos para obstar a que seja estabelecido um plano racional de cultura, que na carta de solos terá o seu suporte natural. Só assim, com efeito (diz-se num bem elaborado relatório da Estação Agronómica Nacional da autoria do Sr. D. Luís Bramão), será possível resolver os problemas de fomento agrícola, com D fim de abastecer o País e aumentar a sua expansão nos mercados externos. E conclui o mesmo abalizado técnico: «A carta de solos está, pois, para a agricultura como a carta geológica para o fomento mineiro e a carta náutica para a navegação marítima».
2) Vantagem no apuramento das séries. - O apuramento de zonas de características comuns é do maior alcance. Desde que a sua reprodução, mais ou menos, se verifica entre os pontos mais distanciados, automaticamente se fica sabendo, seja aqui ou além, que esse trecho requer um mesmo e determinado tratamento agrícola.
3) Economia de campos de experimentação. - É uma consequência da vantagem precedente. Dada a existência das séries ou zonas de idêntica adaptação cultural, bastará, em regra, estabelecer um só campo de experimentação por cada tipo de zonas do solo. As suas experiências são válidas para qualquer das zonas idênticas.
4) Colaboração internacional. - Se as cartas de solo obedecerem na sua elaboração, como é aconselhável, a uma mesma fórmula internacional, e dado que as mês-

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ceder que o horizonte superficial tenha sido removido por erosão e o solo agrícola seja constituído por um ou vários horizontes, cuja posição natural era subsuperficial. For último, a cultura pode fazer-se em materiais que pedològicamente não se podem considerar, em rigor, como constituindo um solo, como sucede com aluviões -recentemente depositadas».

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mas séries se reproduzem de país para país, cada nação poderá contar assim, não só com a experiência própria, mas com o ensinamento alheio para o tratamento adequado de cada um desses tipos comuns de terreno.
5) Organização do cadastro. - A carta de solos constitui um valioso elemento na elaboração do cadastro da propriedade rural. O valor venal das propriedades rurais é, sem dúvida, também função da sua localização e do trabalho nelas acumulado. Mas, em igualdade de circunstâncias, vale mais aquela que possuir superfície de terra mais rica. Portanto, se o cadastro rural procura definir o valor da propriedade, tem de assentar logicamente no valor da terra, e este só pode ser determinado em termos rigorosos por intermédio da carta de solos.
6) Produtividade fiscal. - E uma consequência necessária também do que vimos dizendo. O fisco fica na posse de critérios de segura objectividade que lhe permitirão a um tempo aumentar o rendimento da contribuição predial, da sisa e do imposto sucessório e diminuir à chicana do contribuinte as suas probabilidades de êxito.
7) Seguro contra o recurso falível da mera experiência pessoal. - É sabido que, no melhor dos casos, o saber «de experiência feito» constitui na vida agrícola o suporte por excelência do mister. Longe de nós menoscabar o esforço meritório dos que, ao longo de toda uma vida, procuraram conhecer bem a terra ao seu cuidado. Mas, além de operarem por meros critérios subjectivos, todo esse acumulado saber está à mercê das contingências da vida humana. E, se acaso o não houverem transmitido aos seus sucessores, estes terão de refazer, por sua conta, o caminho andado ... e perdido. Com as cartas de solo qualquer lavrador tem à sua disposição os melhores conselhos, fundados em estudo seguro.
8) Maleabilidade de acção. - Dado que é sempre possível fazer quaisquer aproximações entre tipos de terreno já não rigorosamente afins (e com um grau de proximidade a estabelecer conforme os casos), a carta de solos não é só preventivo eficaz contra os insucessos derivados de culturas inadequadas: permitindo a formação de agrupamentos estratégicos, segue-se que algumas linhas de maior generalidade se podem igualmente estabelecer, com vantagem, na política agrária, como, por exemplo, a delimitação das zonas de aptidão agrícola e florestal, de intensiva e extensiva exploração da terra, etc.
9) Luta contra a erosão. - Trata-se de um dos anais graves perigos que ameaçam a terra. Em resultado da erosão, a espessura do solo vai sendo reduzida, o que pode conduzir, nos casos mais graves, à inutilização completa do terreno. Por outro lado, parte dos materiais carrejados deposita-se no deito dos rios, facilitando as cheias. É facto que outros materiais arrastados, acumulando-se sob a forma de nateiros, podem ir beneficiar certas zonas. Mas este benefício não compensa, de forma alguma, a destruição do solo em zonas muito mais vastas e os prejuízos causados pelas cheias. Falta dizer que a erosão natural, em que a acção humana não intervém, não é a mais temerosa. Trata-se, na espécie, de um processo lento e em regra compensado. A intervenção do homem, na sua ânsia de explorar a terra, e que vem perturbar o jogo harmónico dos processos naturais. A destruição da vegetação natural, a intensa mobilização do isolo, o depauperamento deste em matéria orgânica, etc., provocam uma enorme intensificação dos processos erosivos, podendo dizer-se que a erosão acelerada começou com a agricultura.
Acontece que um revestimento vegetal denso e permanente constitui a defesa mais segura contra a erosão; nos solos das florestas e prados não se verificam os fenómenos da erosão acelerada.
De resto, a influência da natureza do solo sobre a intensidade da erosão depende em grande parte da rapidez com que permite a infiltração da água e da sua capacidade de retenção: se a infiltração for muito lenta o escoamento erosivo pode atingir grande volume. E, quanto à estrutura do solo, é evidente que a sua resistência ao arrastamento pela água será maior no caso em que as partículas se achem reunidas em agregados estáveis e resistentes do que se a terra for excessivamente esmiuçada ou pulverulenta.
Do exposto se conclui que tudo quanto concorra para o aumento do teor do solo em matéria orgânica e para a manutenção de uma estrutura conveniente contribui para reduzir as perdas por erosão. E está igualmente apurado também que uma, rotação de cultua-as, inteligentemente estudada, pode, em certos casos, constituir, por si só, defesa suficiente, tanto mais que, mantendo o solo num maior nível de fertilidade, assegura um maior desenvolvimento vegetal e, por consequência, uma acção protectora mais eficaz.
O problema é de um interesse de tal ordem transcendente que nos Estados Unidos existe um organismo especial - o Soil Conservation Service - para o estudo de métodos de defesa contra a erosão, dispondo de numerosas estações experimentais.
Torna-se evidente que a luta contra a erosão terá na carta do solo o seu mais valioso orientador, quer pela determinação exacta da natureza dos terrenos, quer pela escolha das culturas e rotações culturais a estabelecer a fim de combater o flagelo.

VIII

Não admira que em todas as nações o problema da elaboração das cartas de solo tenha tomado uma feição de relevo.
Basta designar alguns países onde os estudos do solo têm atingido - grande importância: Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, África do Sul, Austrália, Tanganica, Índias Ocidentais, França, Hungria, Alemanha, U. R. S. S., Suécia, Noruega, Finlândia, Polónia, Espanha, Itália, Brasil, Argentina, China, Japão, Egipto, Palestina e México. Ou seja o Mundo todo . . .
Já vamos ver a posição de Portugal.
Teve a Rússia a prioridade destes estudos; Dokutchaiev é considerado como o fundador da pedologia.
Os Estados Unidos ganharam rapidamente, a partir do começo do século, o seu atraso de vários decénios, gastando uma fortuna para o estabelecimento das suas modelares cartas de solo. Para se fazer ideia do que são os relatórios anexos às cartas publicadas pela Division of Soil Survey do Bureau of Chemestry and Soils dos Estados Unidos basta dizer que abrangem as seguintes matérias:
1) Descrição da área reconhecida (localização e extensão, fisiografia, relevo, altitude, vegetação, principais centros urbanos, transportes, mercados, indústrias, etc.).
2) Clima (tipo geral, variações em cada estação, distribuição das chuvas, etc.).
3) História e estatística agrícolas (desenvolvimento agrícola inicial, modificações durante o aproveitamento, condições presentes da agricultura).
4) Métodos usados no reconhecimento.
5) Solos e culturas {descrição das unidades taxonómicas e suas relações com o aproveitamento agrícola).
6) Aproveitamento do terreno e métodos agrícolas (incluindo dados, experimentais sobre o aperfeiçoamento da técnica cultural).

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7) Drenagem e rega (ou correcção dos solos halomórficos que existam).
8) índices de produtividade (percentagens da produção-padrão, segundo a técnica regional miais vulgar e segundo a melhor técnica corrente).
9) Morfologia e génese dos solos.
10) Sumário (breve descrição da área e sua agricultura, utilização dos solos e (razões que a determinam, indicação geral do carácter dos solos, descrição breve dos perfis dos solos e suas relações com. a agricultura, nomes dos principais solos, suas características e suas influências na agricultura).
Há trinta anos que a Inglaterra realiza sólidos progressos no capítulo, interrompidos pela guerra e já retomados depois.
Lê-se, por sinal, num (recente relatório inglês estas palavras, onde o humour britânico veio dar realce a uma afirmação corajosa: «O facto de estarmos mais pobres só é razão para que gastemos mais dinheiro nas nossas cartas de solo; mais precisamos delas».
A França, por sua vez, adquiriu uma experiência notória nó assunto. Antes de se inclinar para o método americano, as sua próprias hesitações sobre o método a seguir ilustraram, com a proverbial clareza do país, os particulares de cada um dos processos tentados.
A Alemanha, depois de uma diligente prática interior, deu à matéria uma prova singular do seu interesse externo: mal invadiu a Polónia, a elaboração imediata de uma carta de solos figurou entre as suas primeiras realizações. Nada se podia perder. . .

IX

Portugal tem um lugar que o não deslustra na história das primeiras tentativas para a elaboração de uma carta de solos.
Basta cotejar as datas.
O primeiro trabalho de cartografia que vemos citado é o de Veselovski, publicado em 1851. Serviu de base à colonização de largas zonas e teve tal êxito que foi editado quatro vezes, a última das quais já por Dokutchaiev, em 1870, ou seja pelo fundador da ciência da pedologia. Quer dizer: esta quarta edição coincide com o verdadeiro início dos estudos cartográfico-pedológicos.
Só em 1899, isto é, trinta anos depois, Milton Whitney começou os seus trabalhos na América; a bem dizer, ainda foram precisos mais alguns anos - já debutara o século presente quando os Estados Unidos atingiram o nível das realizações europeias.
E interessante referir neste momento que em Portugal se começou a fazer cartografia dos solos dezassete anos antes da América. Em 1882, com efeito, Pedro Vítor da Costa Sequeira, presidente do conselho de agricultura do distrito de Beja, conseguiu iniciar estudos cartográficos de solos no nosso País, encarregando para esse efeito o capitão de infantaria Gerardo Augusto Pery da sua realização.
Três particularidades são de notar com relação a esta iniciativa portuguesa de grande tomo:
1.ª O distrito de Beja precedeu, como dissemos, de dezassete anos os estudos cartográficos dos Estados Unidos. De resto, só depois a América atingiu o nível dos nossos trabalhos;
2.ª A inovação encontrou o melhor apoio nos lavradores cultos do distrito de Beja, sinal evidente de uma louvável compreensão, dado que as cartas de solos não tinham ainda a aboná-las - longe disso - a irradiação que depois tiveram;
3.ª Os estudos feitos há mais de sessenta anos ainda vão constituir elemento informativo de valor, quando a nova Carta de solos atingir as regiões onde eles se efectuaram.
Esses velhos trabalhos realizaram-se essencialmente cem o objectivo da estatística agrícola, mas vê-se bem que o seu ilustre iniciador teve consciência plena da magnitude do empreendimento. Assim se infere da seguinte passagem de um dos seus relatórios:

Tenho ainda fundada esperança que, mais tarde ou mais cedo, o Governo de S. Majestade organizará este serviço em condições mais gerais, estendendo-o a todo o País, dotando-o com os meios necessários para ele se executar com rapidez e destinando-lhe o pessoal habilitado que exige: engenheiros de minas, agrónomos e corógrafos, que distribuam entre si as diversas partes de que ele se compõe.

Em 1891 publicou-se um diploma pelo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, onde outrora estava a Direcção Geral de Agricultura, que tem o seu lugar nesta resenha. Criaram-se então, já com carácter nacional, os estudos agrológicos. Verdade seja que o objectivo era limitado: acudir aos terríveis estragos da filoxera. Foi, aliás, um momento aflitivo. Uma das nossas maiores riquezas de exportação - o vinho - diminuía a passos agigantados. Era necessário encarar a solução do emprego dos porta-enxertos americanos, resistentes, visto que os outros remédios se tinham mostrado ou excessivamente dispendiosos ou inoperantes. Os estudos agrológicos teriam por fim servir de base aos trabalhos de adaptação dos cavalos americanos, de forma que a sua introdução se realizasse, com a maior segurança, no mais curto espaço de tempo; a agricultura, em boa verdade, não podia sujeitar-se a improvisações sem critério definido.
Para os serviços organizados de novo outrou um grande número de agrónomos e químicos sabedores, sob a chefia de Hamiro Larcher Marçal.
Resolvido, porém, o problema da filoxera, os estudos agrológicos perderam, a bem. dizer, entre nós o fio desta sua primeira e honrosa tradição.

Durou o eclipse, pode dizer-se, todo o primeiro quartel deste século. Mediou, com efeito, largo tempo antes que a Repartição de Estudos Fisiográficos da extinta Estação Agrária Central iniciasse os estudos agrológicos do Ribatejo e de Colares, da autoria do Prof. Eduardo Mendes Frazão e do engenheiro agrónomo Diogo Folque Possolo.
Teve manifesto alcance esta meritória renovação. Além do valor dos estudos produzidos, acordou outras iniciativas, e desde então pode dizer-se que a ideia da carta de solos está em marcha.

Dois dos nossos serviços mais progressivos estão recorrendo, com efeito, em escala já apreciável aos estudos de cartografia do solo.
O primeiro desses serviços é a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola. Os reconhecimentos agrológicos efectuados pela Junta têm por objectivo definir a aptidão para o regadio dos solos das zonas estudadas. Sobre a carta agrológica distinguem-se por meio de orlas de diferentes cores as áreas correspondentes às diversas classes de aptidão para o regadio, constituindo-se assim a carta de aptidão para o regadio.
A definição de aptidão para o regadio é feita, seguindo nas suas linhas gerais o sistema americano (Bureau of Reclamation of the U. S., Department of the Interior), isto é, considerando-se quatro classe», correspondentes aos seguintes graus de adaptação: 1.° bom; 2.° regular, 8.° duvidoso, 4.° mau, e fazendo-se a classificação pela conjugação dos valores atribuídos a cada uma das seguintes determinantes: carácter do solo, condições topográficas (declive) e condições de drenagem; para este

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efeito cada determinante é classificada igualmente em quatro classes, correspondentes a outros tantos graus de adaptação.
Por sua vez, a Junta de Colonização Interna vem elaborando as suas cartas de aptidão cultural, baseadas em grande parte nas cartas agrológicas, que indicam a divisão dos terrenos em quatro (e mais raramente em cinco) classes de aptidão, estabelecidas consoante o valor relativo que se lhes podo atribuir, o qual depende da forma, de aproveitamento de que são susceptíveis. Já sabemos, de resto, que as cartas de aptidão têm carácter muito menos permanente do que o das cartas agrológicas. A escolha das culturas depende não só das características do solo e do clima, como também de factores sociais e económicos, eminentemente variáveis, tais como a distância dos mercados, facilidade de comunicações, etc. Acrescente-se ainda que para simplificar os projectos de exploração é prática corrente reunir na mesma classe duas ou mais séries que, não sendo idênticas quanto ao valor ou aptidão, se aproximam, no entanto, suficientemente a tal respeito para evitar que se estabeleçam métodos de aproveitamento especiais para cada uma delas. Podem até reunir-se séries bastante diversas para determinados aproveitamentos comuns. Do que tudo resulta que a função dos campos experimentais é aqui ainda mais necessária para o aproveitamento da técnica cultural.
A Junta de Colonização Interna adoptou o seu critério de classificação em vários trabalhos, nomeadamente no projecto de colonização da Herdade de Pegões.

Se pode considerar-se como meritória a iniciativa das duas progressivas Juntas (Hidráulica e de Colonização Interna), trata-se de trabalhos, a que se viram compelidas a recorrer, por falta de elaboração de uma carta de solos por quem de direito.
A Estação Agronómica Nacional era naturalmente chamada a centralizar os estudos agrológicos.
Foi assim que, primeiro de colaboração com a Repartição de Culturas Arvenses e mais tarde também com a Direcção Geral dos Serviços. Florestais, fez os seus primeiros reconhecimentos, mas sempre em condições financeiras desfavoráveis.
Há ainda que referir as diligências da Estação Agronómica Nacional, em conjunção com a Junta Nacional dos Azeites, interessada em saber se existia correlação entre a distribuição da nossa azeitona e a natureza dos terrenos. A Junta subsidiou assim alguns importantes trabalhos da Estação Agronómica Nacional.
Deste modo se foram esboçando os seus intentos, até que, em fins de 1939, a Estação Agronómica Nacional constituiu uma secção dedicada à Carta dos solos de Portugal. Passo decisivo. Fê-lo, é certo, com sacrifício de outras actividades, mas desde então tem vindo a criar um escol de especialistas a quem se possa confiadamente entregar a elaboração da nossa Carta de solos. E, com uma dotação levemente melhorada, a partir de 1941, começou os seus trabalhos, havendo efectuado já no Ribatejo e distrito de Beja o levantamento cartográfico de 127:000 hectares, conforme se menciona no relatório da proposta, expressos na edição das oito primeiras folhas da nossa Carta dos solos, cinco das quais ainda no prelo.
Quer dizer: a Estação Agronómica Nacional tem vindo a preparar-se há anos para o cometimento que, em boa razão, não pode deixar de lhe ser confiado.
Outro sinal de bom tempo no alto nível atingido por alguns dos nossos serviços públicos.

X

Têm as cartas agrológicas um lugar inteiramente à parte da restante cartografia. Já tivemos ensejo, a este
propósito, de estabelecer a diferença existente entre as cartas agrológicas e as cartas agrícolas.
Não queremos, no entanto, deixar de nos referir às diversas realizações portuguesas em matéria cartográfica.
Datam algumas, como se verá, do fim do século passado.
Segue a lista respectiva:
a) Carta agrícola e florestal de Portugal. - Publicada em 1910, na escala de 1:500000, pela Direcção dos .Serviços da Carta Agrícola, sob a orientação de Pedro Romano Folque. Teve por base as pranchetas corográfico-agrícolas levantadas de 1882 a 1900.
b) Carta geológica de Portugal. - Publicada em 1899, na escala de 1:500000, pela Direcção dos Trabalhos Geológicos, sendo os seus autores J. F. N. Delgado e Paul Choffat. Levantada em parte sobre as folhas da carta corográfica do País e em parte coordenada sobre a carta geológica publicada em 1876 por C. Ribeiro e J. F. N. Delgado.
c) Carta corográfica de Portugal. - Publicada nos fins do século passado e princípios deste, na escala de l:100000.
d) Carta hipsométrica de Portugal. - Publicada em 1906, na escala de 1:500000, pela comissão dos serviços geológicos. Foi baseada na carta corográfica na escala de 1:100000.
e) Carta xilográfica de, Portugal. - Publicada em 187G, na escala de 1:2250000, por B. Barros Gomes em Cartas elementares de Portugal para uso das escolas, 1878.
Embora já antigas, todas estas cartas têm interesse geral, mas sem pormenor, pois as escalas em que foram feitas são demasiadamente grandes. Assim, nas cartas agrícola e florestal, geológica e hipsométrica 1 centímetro corresponde a 5 quilómetros e na xilográfica a 22 km,5.
A carta corográfica, que tem sido a carta topográfica-base, está sendo substituída com vantagem pela magnífica carta de 1:25000 do estado maior do exército.
Esta última é que tem servido de base para a nossa Carta dos solos. Dado que a carta do estado maior do exército já cobre cerca de metade do território nacional (mais de 4.000:000 de hectares cartografados) a Estação Agronómica Nacional tem larga margem diante de si, tanto mais que o estado maior está trabalhando depressa . . .

XI

Estabelecida a importância primacial do assunto e conhecidos os antecedentes, quer de doutrina quer de realizações, estrangeiras e nacionais, em que a proposta se filia, segue-se o exame mais circunstanciado das suas disposições. .
Nesta conformidade, examinaremos sucessivamente, em ordem à elaboração da nossa Carta dos solos:
1) O seu prazo;
2) O seu custo;
3) A reorganização dos serviços;
4) A sua técnica.

O prazo de vinte anos estabelecido pela proposta (base II) para a elaboração da Carta dos solos foi determinado em razão do seguinte:
a) A. fragmentação do esforço financeiro;
b) A formação necessariamente longa do escol de técnicos aptos a tomar conta do trabalho;
c) A adopção de uma escala que permita o conhecimento com suficiente pormenor dos 9.000:000 de hectares do nosso solo.
Nos primeiros cinco anos os trabalhos devem seguir uma linha ascendente, que não ultrapassará contudo

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uma média de 300:000 hectares cartografados por ano. No sexto ano devem atingir-se os 000:000 hectares. Presume-se, pois, que ao fim de cinco anos esteja feito o levantamento cartográfico de 1.500:000 hectares - contando-se com que durante esse período a admissão e treino de pessoal eventualmente contratado venham a garantir um rendimento anual de 500:000 hectares, de modo que a execução dos restantes 7.500:000 hectares não ultrapasse quinze anos.
É evidente que um trabalho desta natureza, mormente num país de elite deficitária, não pode deixar de ser longo. E pena é, porque o levantamento da Carta vai exceder em muito, no seu prazo, o que vem sendo instantemente reclamado pelas prementes necessidades nacionais.
Se considerarmos, todavia, que cerca de 50 por cento do País é formado de regiões montanhosas de mais limitado interesse agrícola, já deve reduzir-se para dez ou doze anos o prazo em que esteja concluída a parte principal da Carta dos solos.
Atente-se ainda em que não é preciso aguardar a sua conclusão final para se colher proveito imediato do trabalho realizado. À medida que forem sendo elaboradas e publicadas as folhas que hão-de constituir a Carta dos solos ficam automaticamente à disposição dos técnicos e lavradores os ensinamentos que as mesmas contêm no plano regional, não demorando consequentemente mais a colheita dos seus benefícios.

XII

Embora nos pareça arbitrado com prudência, dada a mobilidade dos preços, a complexidade das operações a realizar e até a sua novidade entre nós, não é fácil decidir sobre a intangibilidade do limite máximo de 67:000 contos, constante da base III, como custo do empreendimento.
Uma opinião julgamos, no entanto, válida . . . para os vinte anos da execução da proposta. O empreendimento é de tal sorte valioso que ao fim de vinte anos só pode haver um juízo seguro: deve estar concluído. Relembremos o bem humorado dito dos ingleses: quanto menos dinheiro tivermos mais depressa este trabalho se deverá fazer.
Segundo a proposta, a despesa média do levantamento cartográfico será inferior a 7$50 por hectare. O preço unitário de 10$ por hectare, julgado por alguns não excessivo, daria uma despesa de 90:000 contos. Seriam, em média, 4:500 contos a gastar por ano. Não haveria que regatear, por sua vez, semelhante gasto. Vinte anos, de resto, é um prazo suficientemente longo para o não presumir incompatível com quaisquer eventuais mudanças no custo da obra e para se resolver em. conformidade. Talvez seja preferível, nestes termos, em vez de inscrever qualquer outra verba com maior elasticidade, deixar o algarismo proposto. Os serviços serão assim levados a realizar um esforço maior de poupança. E a Câmara Corporativa confia, dada a grandeza do cometimento, que a iniciativa não sofrerá no caminho qualquer desfalecimento.
No custo do empreendimento duas verbas, que lhe estão estruturalmente ligadas, vão decerto avultar. Mas ambas contem em si, até financeiramente, uma compensação adequada.
Uma é a verba destinada à aquisição de viaturas para a realização com rapidez e independência dos trabalhos de campo das diferentes missões ou brigadas, a quem se devem dar todas as condições de uma produção satisfatória. Mas, além de que qualquer economia de tempo se traduz, no capítulo, em economia de dinheiro, o Estado encontra-se em condições de mobilizar ou adquirir os referidos apetrechos em condições mais vantajosas.
A outra verba é referente à publicação da Carta dos solos, para a qual se prevêem 600 folhas. À razão de 20 contos por uma tiragem de l :000 exemplares de cada folha (custo actual), seriam 12:000 contos. Mas aí não é exagero presumir que uma larga parte desse dinheiro se recuperará com facilidade. Bastará supor, o que não parece excessivo, que uma terça parte das folhas sejam compradas pêlos interessados. Vendidas a 50$ (preço actual) dariam 10:000 contos. Aqui temos uma margem apreciável, que dará alguma mobilidade ao plafond estabelecido como custo máximo da obra.

XIII

Uma vez aprovada a proposta, e entrada em vida, inteiramente nova, a actual organização do serviço dos solos na Estação Agronómica Nacional, que pôde fazer frente a soluções de emergência, estará nitidamente aquém do que se lhe vai exigir.
Daí a nova organização da Divisão do Estudo dos Solos {base III) e as providências previstas no sentido de dotar a Divisão dos Solos com o pessoal permanente e eventual indispensável (base IV).
Consideraremos em separado as duas questões.
Quanto à nova organização proposta, um ligeiro reparo se nos afigura conveniente fazer. É a vez de se chamar «divisão» ao novo serviço de estudo dos solos, antes se lhe deveria chamar «instituto». É mais conforme com a magnitude, natureza e relativa independência da função que lhe incumbe. Tem o seu paralelo em organismos similares estrangeiros. E até pode encontrar precedentes em organismos oficiais portugueses destinados à investigação, embora relativa a outros rumos do saber.
Dentro do Instituto organizaríamos as respectivas divisões especializadas (em vez de secções, segundo a nomenclatura da proposta).
Finalmente, dentro de cada divisão seriam então discriminadas as secções respectivas.
A proposta prevê (base III) a criação de quatro divisões (ou secções, segundo a sua nomenclatura):
1.ª divisão - Estudos, cartográficos.
2.ª divisão - Estudos físico-químicos.
3.ª divisão - Microbiologia do solo.
4.ª divisão - Erosão e conservação do solo.
Todas estas divisões têm o seu lugar próprio na cartografia dos solos e constituem os quatro sectores em que, segundo uma boa técnica, se fraccionam as investigações respectivas.
Para conferir a devida eficiência e maleabilidade a cada divisão será natural função regulamentar a de realizar a sua repartição em secções ou serviços, onde a especialização de cada um dos seus ramos deverá ser considerada em ordem a assegurar o melhor rendimento dos trabalhos na fase de intensa labuta que vai seguir-se.
Vejamos sucintamente, na sua índole e no seu desdobramento natural, o que vem a ser cada uma das divisões propostas: a parte que lhes incumbe na tarefa e as directrizes de trabalho que se podem prever para seu cabal desempenho.
Só este curto relato nos parece susceptível de esclarecer os fins da proposta e habilitar-nos, neste ponto, a formar sobre ela um juízo seguro.
Segue essa exposição fragmentada.
1) A divisão de estudos cartográficos tem um lugar inamovível, justificado pela sua própria designação, na cartografia dos solos. Incumbe-lhe, de harmonia com os seus similares estrangeiros, realizar todos os trabalhos de cartografia, estudos de morfologia e classifi-

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cação directa ou indirectamente ligados à elaboração da Carta dos solos de Portugal, nas escalas adoptadas pelo Instituto.
Incumbida especialmente do levantamento cartográfico do País, será sob a chefia desta divisão, por assim dizer central, que fie realizarão os chamados trabalhos de campo.
Para esse efeito, não é de prever que seja alterada de momento, para o estabelecimento das respectivas unidades de comando, a prevista divisão tripartida do País: região Norte, compreendendo todos os terrenos ao norte do rio Douro; região Centro, que compreende os terrenos abrangidos entre, o Douro e o Tejo; região Sul, englobando o resto do País.
É natural, porém, que, uma vez multiplicadas as missões, a necessidade apareça de se efectuar uma divisão regional mais próxima da homogeneidade sob o ponto de vista pedológico e geográfico.
Cada região terá um número variável de missões conforme as disponibilidades em pessoal técnico, facilidade de transportes e outros recursos. O desenvolvimento da actividade cartográfica numa determinada região será também condicionado pela urgência que superiormente houver na realização do estudo.
As missões foram criadas e organizadas pela Ordem de Serviço n.° 113, de 10 de Abril de 1941. Cada missão será encarregada de proceder ao levantamento dos solos ide uma área indicada pelo chefe da região respectiva.
Já estão em funções as missões de Santarém, Bombarral, Sacavém e Beja.
Duas secções terão, por sua vez, um lugar assegurado na divisão de cartografia:
a) A secção de estudos morfológicos, incumbida de investigar todas as (propriedades do solo relacionadas com a morfologia e contribuir para esclarecer o seu processo de formação;
b) A secção de estudos económicos, com o encargo de interpretar as cartas agrológicas, fornecendo o necessário texto explicativo.
2) A divisão de estudos físico-químicos compete examinar as propriedades físicas e químicas ido solo, tanto pelo emprego de métodos {rotineiros como pela investigação de novos métodos.
Já estão sumariamente organizadas as suas cinco secções: a secção de análises físico-químicas; a secção de argila; a secção de matéria orgânica; a secção de química do solo; e a secção de física do solo.
Vejamos ao que se destinam as várias secções designadas.
A secção de análises físico-químicas tem como função realizar todas as análises usualmente requeridas pêlos estudos cartográficos, de forma a não haver atraso nos trabalhos de laboratório em relação aos estudos de campo, particularmente no que se refere à elaboração da Carta dos solos.
A secção de argila, como o nome o indica, terá como objectivo o estudo das propriedades físico-químicas da argila, bem como da sua composição e estrutura. A argila, assim como o humo, são as fracções activas do solo, sede de todas as complexas reacções que aí têm lugar. São também as únicas substâncias até agoira consideradas capazes de reter e ceder os alimentos fundamentais para o desenvolvimento das plantas e, portanto, dos animais. As águas, de resto, são essencialmente variáveis, consoante os solos a que pertencem. Por este motivo, o seu conhecimento é fundamental para a classificação do solo, como para o melhor aproveitamento dos seus recursos. Pouco se sabe das arguas portuguesas.
Na secção de matérias orgânicas será feito o estudo não só daquela fracção designada pelo nome genérico de humo, mas de todos os outros detritos orgânicos. Trata-se também, como dissemos, de substâncias activas do solo, cujo conhecimento é de particular importância, mas de que igualmente pouco se sabe no País.
A secção de química do solo trabalhará de colaboração com outros departamentos da Estação Agronómica Nacional, nomeadamente os de fisiologia vegetal e de química. Ocupar-se-á da revisão dos métodos usados nas análises químicas do solo e outras análises não incluídas nas restantes secções. Realizará também investigações tendentes ao estabelecimento de ensaios expeditos, ou quick-text, que permitem a determinação in loco do fósforo e potássio assimiláveis. Não deixa de ser curioso anotar que actualmente se operou já nalguns países um grau de suficiente industrialização, que permite a certas firmas venderem ao público caixas contendo todos os preparados e acessórios para a determinação no local dessas substâncias, com o que prestam um inestimável serviço aos técnicos encarregados da assistência à lavoura.
Para a secção de física do solo será preciso ainda treinar pessoal para se poder estudar as propriedades físicas do solo relacionadas com a morfologia e a génese, além de todos as outras que, sob o ponto de vista da engenharia civil, costumam estar englobadas num capítulo vulgarmente designado c mecânica dos solos.
3) A divisão de microbiologia do solo interessa particularmente investigar a distribuição da microflora e da microfauna dos nossos grandes grupos de solos. Pode interessar também de futuro determinar a presença de certos micro-organismos nalgumas unidades cartográficas elementares.
Estes estudos, de que pouco se sabe entre nós, são elemento considerável no progresso da pedologia, prevendo-se para a sua realização a colaboração do departamento de fitopatologia, entidade incumbida de especializar o (pessoal nas técnicas de separação e identificação dos microorganismos que constituem a microflora e a microfauna do solo.
4) falta falar da divisão de erosão e conservação }do solo. Já dissemos a este respeito o essencial para se averiguar do que, em benefício público, pode provir de uma adequada organização destes serviços. Na América as suas altas funções defensivas incumbem, como vimos também, a uni instituto de grande relevo. Trata-se, na verdade, ou de evitar perdas substanciais do solo ou de combater as cheias - e no nosso País o» dois males têm sido consideráveis e continuam a fazer-se sentir em escala indevida.
Escreve textualmente num relatório, de que nos temos servido com alto proveito, o engenheiro agrónomo Sr. D. Luís Bramão, que na Estação Agronómica Nacional proficientemente está orientando os estudos do solo: c A Divisão de Erosão e Conservação do Solo, ainda muito na infância, tem iniciado estudos preliminares de erosão em colaboração com a Direcção Geral dos Serviços Florestais. Ainda não foi possível obter os meios mínimos indispensáveis para iniciar estudos que permitam avaliar, dentro de uma certa aproximação, a extensão dos prejuízos totais anualmente provocados pela erosão.
Nas palavras seguintes do relatório do Sr. D. Luís Bramão sente-se a responsabilidade de quem não quer formular programas acima das possibilidades existentes. Mas não há dúvida também de que, além do grau lastimável do nosso atraso, essas palavras se limitam a antever progressos de uma lentidão desesperadora, dado que o serviço se destinará, numa 1.ª fase, cuja duração se desconhece, antes de o combater, a conhecer apenas o mal.

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Diz, com efeito, o citado relatório: «Nesta 1.ª fase do trabalho a actividade desta Divisão é orientada principalmente no sentido de obter números que sirvam para chamar a atenção das instâncias superiores da necessidade de iniciar desde já na campanha de «defesa da terra». Pretende-se apresentar a necessidade de realizar práticas de conservação do solo pelas conclusões obtidas em reconhecimentos sumários que permitam ajuizar o estado de adiantamento da erosão e do seu progresso nas diferentes bacias hidrográficas de que é constituído o País. O» números obtidos, embora grosseiramente aproximados, darão ideia da grandeza dos estragos anualmente suportados pelo País e daqueles a prever no futuro. Por exemplo: a colheita sistemática da água das cheias e sua consequente análise fornecem ideia da quantidade de terra perdida anualmente para o mar, assim como de outras substâncias, das quais se destaca a matéria orgânica. Talvez se consiga provar desta fornia que a quantidade de matéria orgânica anualmente perdida devido à erosão é maior do que a perdida por qualquer outro processo».
O mais curioso é cotejar a até agora deficitária acção do Estado neste capítulo, com o engenho e a perseverança desenvolvidos em certas regiões pela lavoura. Escreve o Prof. Botelho da Costa (Apontamentos de Agrologia, pp. 21.3-214): «No nosso País os estados relativos às perdas por erosão e à defesa da terra encontram-se na fase inicial. Deve, no entanto, dizer-se que em certas regiões muita coisa se fez já neste último sentido. Assim, por exemplo, a cultura da vinha em socalcos é antiquíssima na região do Douro. Além deste caso mais típico e conhecido, pode dizer se que em toda a zona norte do Tejo, numas regiões mais do que noutras, a cultura em socalcos é vulgar. E, quando não propriamente socalcos, não é raro verem-se muros de pedra solta aguentando a terra na base das encostas, segurando matérias arrastadas dos níveis superiores. Nas regiões do sul do País também se encontram, por vezes, pequenos muros de pedra espalhados, pelas encostas, retardando o escoamento das águas e formando barreira aos materiais que estas arrastam. Os prados, permanentes ou temporários, tipo de aproveitamento eminentemente recomendável para a defesa contra a erosão, encontram-se em algumas regiões, especialmente no Minho, Beira Central e parte de Trás-os-Montes, em que os lameiros velhos seguram permanentemente a terra das .encostas, de declives às vezes superiores a 06 por cento; noutras encostas, menos declivosas, cultiva-se o milho, mas na ocasião da colheita já a erva atinge alguma altura, constituindo depois o prado de lima, que impedirá a erosão durante o período mais chuvoso. Estes e outros exemplos mostram que, pelo menos, em algumas regiões do País, com maior ou menor consciência e com variável habilidade e sucesso, o agricultor cuida de facto da defesa do solo conífera a erosão. Constituem assim meio propício à introdução de aperfeiçoamentos e inovações, à medida que estudos locais cuidadosos e um porfiado trabalho de experimentação os permitam recomendar. Noutras regiões, nomeadamente no sul do País, o problema da erosão é simplesmente ignorado pelo agricultor, com consequências cada vez mais graves para a economia nacional».
O estudo dos solos vai finalmente fornecer os dados seguros para uma acção que se não pode fazer esperar. Neste particular, como em tantos outros derivados da vizinhança; um entendimento se impõe mesmo com a Espanha. Será na adequada defesa do solo, por exemplo, que encontraremos a arma por excelência eficaz para combater as periódicas e calamitosas cheias do Tejo, mas tornar-se-á indispensável que a acção comum nessa empresa se desenvolva simultaneamente em Espanha e Portugal.

XIV

Vejamos agora, de harmonia com o (plano traçado, o problema do recrutamento do pessoal permanente e eventual indispensável ao nosso Instituto dos Solos.
Depois da organização dos serviços é a segunda questão que nos propusemos examinar em relação à remodelação do Instituto.
Por uma oportuna e entre nós rara previsão a longo prazo estão as coisas felizmente dispostas para que o pessoal técnico venha surgindo devidamente habilitado à medida que se intensifiquem os serviços respectivos.
Essa progressão refere-se sobretudo ao quadro eventual (de muito o mais numeroso), composto de engenheiros agrónomos e regentes agrícolas até que estejam constituídas as trinta ou trinta e cinco missões ou brigadas de estudo e reconhecimento aptas, a partir do sexto ano de execução do plano, ao levantamento cartográfico anual dos 600:000 hectares de terreno previstos. Supõe-se que quarenta engenheiros agrónomos e trinta regentes agrícolas serão necessários para enfrentar o problema. Acresce que não haverá perigo de, à medida que terminar os seus trabalhos, o pessoal da Carta dos solos passar a constituir peso morto, pois que realizações da mesma natureza nas nossas províncias, ultramarinas trarão largas possibilidades para a absorção destes e outros técnicos.
Duas observações nos permitimos juntar.
A própria constituição do quadro do pessoal permanente do Instituto dos Solos poderá fazer-se ao longo de vários anos. Permitirá este método o recrutamento de pessoal técnico seleccionado, mas é evidente que se traduz também em nítida economia para os serviços
Por sua vez o preenchimento do quadro das missões de campo poderá realizar-se a partir de engenheiros agrónomos e regentes agrícolas tirocinantes. Procura-se eliminar com este critério a deformação profissional ou as tendências susceptíveis de provocar desvios nos objectivos a alcançar, mas não é menos certo que se conseguirá também uma apreciável economia nas despesas gerais.

XV

Falta unia leve referência aos problemas técnicos, tal como resulta do enunciado da proposta.
Nas bases I e II indica-se (num são critério de limitar às suas linhas gerais, as disposições basilares da lei) que os problemas técnicos, quer da determinação das escalas (base I), quer do plano de elaboração das cartas do solo (base II), pertencerão à esfera da acção governamental.
Nada se nos afigura necessário acrescentar. O que disséssemos a mais ultrapassaria a objectividade, do texto que nos foi presente. E o que dissemos parece-nos bastante para se entender o significado e o alcance da proposta.
A escala já adoptada pela Estação Agronómica Nacional nas fracções publicadas da sua Carta dos solos é, como vimos, de 1:25000.

XVI

Reduzidas são as emendas que se nos afigura devermos apresentar.
Por um lado, a proposta encontra-se redigida com a indispensável clareza; qualquer a entende.
Por outro lado, a proposta traduz um razoável equilíbrio entre a esfera do que deve estar contido na lei c do que pertence à acção regulamentar; qualquer ai-

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teração ou acrescento parece-nos que seria em detrimento desse equilíbrio.
Pela razão apresentada no capítulo XII deste parecer não sugerimos qualquer alteração ao plafond constante da base III como custo máximo do empreendimento.
Pelos motivos expostos no começo do capítulo XIII deste parecer, e com a única alteração da nomenclatura respectiva, limitamo-nos a apresentar a seguinte nova redacção para a base III:

BASE III (substituição)

«Para o fim do disposto na base I será criado na Estação Agronómica Nacional o Instituto dos Solos, com divisões especializadas, abrangendo os estudos cartográficos, os estudos físico-químicos, a microbiologia do solo e a erosão e conservação do solo.
Vão em itálico as modificações sugeridas.
Em vez de divisão - instituto.
E em vez de secções - divisões.
De harmonia, aliás, com a nomenclatura de instituições similares estrangeiras, parece-nos mais elegante e suficientemente expressiva a designação de «Instituto dos Solos», em vez de «Instituto dos Estudos dos Solos»
(em decalque da nomenclatura original da proposta: «Divisão dos Estudos dos Solos»).

Foi longo o caminho percorrido.
Mas a transcendência da proposta merece largamente que o País a conheça na sua pormenorizada estrutura, no seu rasgado espírito inovador, na sua flagrante oportunidade e no seu alcance verdadeiramente nacional.
Em conclusão: a Câmara Corporativa é de parecer que seja aprovada a .proposta de lei n.° 146 com a modificação acima sugerida.

Palácio de S. Bento, 13 de Março de 1947.

Rui Enes Ulrich, assessor com voto.
Albino Vieira da Rocha.
Ezequiel de Campos.
Eduardo de Araújo Parreira Dezone Fernandes de Oliveira.
Pedro de Castro Pinto Bravo.
José Luís Maria de Oliveira de Almeida Calheiros e Meneses.
Fernando Emídio da Silva, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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