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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 114
ANO DE 1947 3 DE DEZEMBRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 114 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 2 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.° 113, que inseria um acórdão da Comissão do Verificação de Poderes da Câmara Corporativa.
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Aprovou-se, com emendas, o Diário das Sessões n.° 113. Deu-se conta do expediente.
Os Srs. Deputados Braga da Cruz e Mira Galvão enviaram requerimentos para a Mesa.
O Sr. Deputado Froilano de Melo recordou a bela iniciativa do Governo enviando a Roma uma peregrinação nacional aquando das cerimónias da canonização de S. João de Brito.
Os Srs. Deputados Quelhas Lima, Antunes Guimarães e Mário de Figueiredo referiram-se. aos naufrágios ocorridos na costa de Portugal e nos quais perderam a vida algumas dezenas de pescadores portugueses, tendo, a propósito, palavras de profundo pesar, que traduziram os sentimentos da Câmara.
O Sr. Presidente, associando-se a essas manifestações de pesar, encerrou, em sinal de sentimento, a sessão por cinco minutos.
O Sr. Presidente declarou estarem na Mesa os pareceres relativamente à perda de mandato dos Srs. Deputados Sousa Pinto c Fernandes Prieto, indo esses pareceres ser publicados no Diário das Sessões, para subsequente apreciação da Câmara.
Ordem do dia. - Discussão, na generalidade, do projecto de lei relativo à remição de censos, quinhões e direitos compáscuos.
Tendo o Sr. Deputado Botelho Moniz, relator da Comissão de Economia, requerido a retirada da discussão do acima citado projecto de lei, foi a Assembleia consultada sobre esse ponto.
Consultada a Assembelia, foi concedida a autorização.
Entrou-se seguidamente na discussão, na especialidade, da proposta de lei n.° 119, em que se transformou o decreto-lei relativo à protecção ao cinema nacional.
A discussão fez-se sobre o texto da Câmara Corporativa, consoante proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho.
Discutiram-se e aprovaram-se os artigos 1.° a 7.º,- com alterações propostas por alguns Srs. Deputados.
Usaram da palavra no decorrer da discussão os Srs. Deputados Mendes Correia, Marques de Carvalho, Mário de Figueiredo e António de Almeida.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 55 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria do Couto Zagalo.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Henrique Linhares de Lima.
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Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 113.
O Sr. Marques Teixeira: - Sr. Presidente: desejo fazer a seguinte rectificação ao Diário: a p. 5, col. 2.ª, 1. 42, em vez de «acelerada», deve ler-se «acerada».
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: pedi a palavra para dizer que o. número do decreto-lei citado por V. Ex.ª em relação ao meu projecta tem as dois últimos algarismos trocados. Trata-se do decreto-lei n.° 28:652, e não do que foi mencionada.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra acerca do Diário, considero-o aprovado com as rectificações apresentadas.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposições
Da Associação dos Proprietários e Agricultores do Norte de Portugal e de João Luís Quintas, comerciante e proprietário nas Caldas da Rainha, acerca do problema do inquilinato.
Ofício
Do Grémio do Comércio do Bombarral pedindo a aprovação do projecto de lei sobre o descanso dominical em todo o País.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Nosolini encarrega-me de transmitir à Câmara o seu profundo reconhecimento pêlos sentimentos de pesar que ela exprimiu pela morte de sua mãe.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Favila Vieira e remetidos pelo Ministério da Justiça.
Estão na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Mendes Correia e fornecidos pela Inspecção dos Espectáculos.
Estão na Mesa os documentos pedidos pelo Sr. Deputado Ribeiro Cazaes e fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional.
Estão na Mesa igualmente os documentos fornecidos pelo Ministério das Colónias a solicitação do Sr. Deputado Bagorro de Sequeira.
Vão ser entregues aos respectivos Srs. Deputados.
O Sr. Braga da Cruz: - Sr. Presidente: mando para a Mesa um requerimento.
É o seguinte:
«Requeiro, pela Presidência do Conselho e Subsecretariado de Estado das Corporações:
1) Relação de todas as caixas sindicais de previdência existentes, com indicação do número do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência onde foi publicada a aprovação do seu regulamento, seus nomes, suas sedes e montantes dos seus três fundos (reserva matemática, fundo de reserva e fundo de assistência);
2) Idem das caixas de reforma ou de previdência, com especificação dos seus fundos e contas (reservas matemáticas, fundo de reserva e conta de administração);
3) Relação de todas as associações de socorros mútuos existentes, seus nomes, suas sedes e montantes dos seus três fundos (permanente, disponível e de reserva);
4) Relação de todas as instituições de previdência dos servidores do Estado e dos corpos administrativos, seus nomes, suas sedes e seus fundos;
5) Informação das causas que têm impedido a publicação dos índices dos doze volumes do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (visto apenas existir o índice do volume 8.° e ser assim muito difícil e demorada a consulta do Boletim) e das probabilidades de publicação dos mesmos índices».
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento:
«Sendo necessário e urgente providenciar de forma mais eficiente para o Pais, possivelmente mais económica para a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e
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remuneradora para o produtor a obtenção de bons trigos seleccionados para semente, com garantia oficial, tanto das velhas variedades nacionais como de novas produzidas nos nossos estabelecimentos oficiais ou por particulares especializados, e ainda de variedades estrangeiras já estudadas e recomendáveis para o nosso País, requeiro, com fundamento no artigo 11.° do Regimento, que me sejam fornecidos com urgência, pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo e pela Direcção Geral dos Serviços Agrícolas, os seguintes elementos de estudo:
1.° Nota, por anos, de todas as searas de trigo inscritas para a produção de semente com garantia oficial, desde que foi iniciado este serviço;
2.° Indicação das searas inscritas que foram aprovadas e das rejeitadas e fundamento da não aprovação;
3.° Nota, por anos e produtores, das quantidades de trigo das searas aprovadas que foram adquiridas pela Federação, variedades específicas, preço por que foram pagas e importância total;
4.° Qual a quantidade de grão que foi apurado para semente, depois do trigo calibrado, de cada uma das partidas adquiridas pela Federação, seu peso especifico, quantidade que foi vendida à lavoura e seu preço;
5.° Quantidades dos mesmos trigos, por partidas, que foram recuperadas na calibragem e entregues à moagem, seu valor e quantidades consideradas impurezas utilizáveis, seu valor e quebra de peso do lote adquirido depois da joeiração».
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: no interregno parlamentar que decorreu entre a última sessão legislativa e a que acaba V. Ex.ª de inaugurar com a sua prestigiosa autoridade houve um evento da vida nacional que merece ser sublinhado com o devido relevo nos anais que registam os trabalhos desta Casa.
«Embaixada de almas» lhe chamou o Santo Padre, e nunca uma classificação mais adequada foi expressa na nossa bela língua por lábios mais competentes e perante a augusta majestade de um cenário de tão incomparável e inesquecível grandeza!
Refiro-me -já o haveis certamente adivinhado!- à peregrinação portuguesa a Roma em homenagem a S. João de Brito. Teve uma projecção de largo alcance nos círculos políticos estrangeiros, porque, no meio das ondas revoltas do momento que passa, essa embaixada, em que tomaram parte portugueses vindos de todas as terras do império -Portugal continental, insular e ultramarino -, veio a constituir uma magnífica demonstração de paz e de. fraternidade cristã, que tem sido no curso dos séculos o ideal da alma portuguesa.
Foi um avatar da brilhante embaixada que no século XVI foi enviada pelo Rei D. Manuel a pedir à Santa Sé as bênçãos do Céu para as descobertas e empresas com que os nossos navegadores maravilharam o Mundo. O presente avatar é revestido, porém, de um sentido mais profundamente espiritual; ó ao mesmo tempo um testemunho e um desafio ao julgamento da História! Porque vem demonstrar à consciência do Mundo que os cinco séculos da expansão portuguesa para além do Atlântico visaram menos ao engrandecimento do domínio material pelo aço dos guerreiros que ao ideal cristão da fraternidade universal, infiltrado nas almas dos povos pelas preces dos missionários.
Ao lado da espada a cruz, ao lado das armaduras reluzentes do soldado o burel apagado do frade, que não tem outro escudo que o Evangelho de Cristo e a flama interior da sua vida de penitente!
Foi esse ideal de fraternidade que vieram demonstrar em Roma os dois milhares de portugueses nesse memorável cortejo que sob a égide dos nossos cardeais entrou na Basílica de S. Pedro a entoar os hinos harmoniosos da Cova da Iria. Surge o estandarte do Santo, escoltado por clérigos portugueses e ladeado por quatro Deputados à Assembleia Nacional. O momento é solene. Ressoam palmas. E o canto que entoam em coro uníssono milhares de homens e mulheres portuguesas, esparsos pelas naves do Vaticano, é um coro de glória que do âmago das almas sobe ao Céu infinito.
Sob a grande cúpula do Vaticano, onde a magnificência, o fausto e a arte se dão as mãos num conjunto que esmaga a mente humana, sentimo-nos todos orgulhosos de sermos portugueses! Porque, se há nação que com justiça possa arrogar-se o título de ser a que primeiro que todas, e mais que todas, espalhou pelo Mundo a civilização cristã, é sem dúvida a Nação Portuguesa! E porque essa civilização, cujo símbolo é a cruz que orna o peito dos nossos peregrinos, quer dizer a irmanação dos seres humanos oriundos dos mais diversos pontos do Globo, num mesmo sentimento de paz e fraternidade universal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ser-me-ia impossível desvendar perante a Assembleia Nacional, dentro dos limites do tempo que me é permitido, toda a grandeza da obra do missionarismo português nas novas terras trazidas ao intercâmbio do inundo ocidental.
Restringindo apenas à península indiana a minha resenha, vejo que a minha terra de Goa foi o centro donde partiram as equipes de ceifeiros para a conquista das almas no Oriente. Das terras do Grão-Mogola Lhassa, de Manila à China e ao Japão, em todo esse vasto cruzeiro que compreende três oceanos e quatro continentes, não há mar que não tenha tragado no abismo das suas tormentas os corpos desses heróis do Evangelho, não há solo que não tenha sido regado com o sangue desses mártires do exército de Cristo.
Mons. Leo Kirkels, delegado do Vaticano na Grande índia, baseando-se em dados fornecidos pelo meu conterrâneo Mons. Niceno de Figueiredo, publicou um mapa da propagação da fé cristã irradiando de Goa, que é, de per si. um brasão de honra para o meu País.
Nos cânticos que os peregrinos elevaram em Roma em louvor da alma luminosa de S. João de Brito há algo de subtil e de imponderável que é meu dever realçar ante os vossos olhos: esses cânticos devem ser considerados como o testemunho vivo da alma portuguesa, estruturalmente assimiladora e igualitária.
O Evangelho fraternizando as almas humanas, a fé de Cristo ligando os povos como, membros de uma só família, a grande família cristã. É esta lição de fraternidade humana que Portugal foi demonstrar solenemente perante o Santo Padre a evidência mais palpitante que nestes tempos de ódios e dissidências e revoltas de classes e seitas e povos a alma portuguesa poderia com orgulho depor no tablado da Assembleia das Nações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A doutrina da igualdade em Cristo não era inteiramente desconhecida na índia antes da chegada dos portugueses. Fora pregada no 3.° quartel do século pelo próprio apóstolo S. Tomé em Cranganor, no Malabar e em Coromandel.
Vitima das perseguições dos nababos locais, sujeita aos bispos nestorianos da Pérsia e Babilónia, arrastava-se porém espúria ou ignorada, com reforços ocasionais de baptismo e de fé que lhe viesse trazer algum missionário desviado do seu roteiro de viagem.
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Frei João de Mont-Corbin, enviado à China, pára durante treze meses na igreja de S. Tomé e baptiza aí 100 pessoas. Em 1321 Frei Jordan baptiza 300 indivíduos. Em 1348 o bispo Jean de Marignolli, regressado da China, chega a Cantão, onde na igreja de S. Jorge celebra o santo oficio em Domingo de Ramos.
E eis tudo! Até 1498, data da chegada dos portugueses ao Oriente, o cristianismo na índia limitava-se aos cristãos de S. Tomé no Malabar, à comunidade nestoriana de Kalyan e aos cristãos do rito latino de Cantão.
É pois a Portugal que o mundo cristão deve a floração incomparável do cristianismo na índia, bem como a Santa Sé a submissão a Roma dos nestorianos de Coromandel, graças aos esforços do bispo português Frei Aleixo de Meneses no Sínodo de Diamper em 1599.
E é Goa o centro da nova cruzada. Crescet et floret. E quando a nova diocese é elevada por Paulo IV à dignidade arquiepiscopal (1577) o missionarismo português contará nas diversas dioceses da índia nada menos que 100:000 cristãos, segundo o cômputo de Mons. Leo Kirkels. Que esplêndida multiplicação dos primeiros 22 cristãos indianos baptizados na ilha de Angediva pelos franciscanos do Pedro Álvares Cabral!
Goa, como vedes, não se limitou a receber somente a fé de Cristo. Ela tornou-se o centro de onde irradiou a cultura cristã para todas as terras do Oriente.
E o campo da acção desse missionarismo não se limitou às 3:000 léguas da costa descobertas pelas nossas caravelas, mas estendeu-se pelo hinterland das mais variadas regiões. Edificam conventos, colégios, hospitais e asilos franciscanos e jesuítas. Os dominicanos que trabalhavam nas Áfricas são atraídos pelo esplendor da colheita na índia (1548); os agostinianos largam a Pérsia e Mom-baça e Mascate para se internarem nosjungles de Bengala. (1599); os teatinos trabalham em Golconda, Bijagós e no planalto do Decão (1646); os oratorianos foram servir em Ceilão (1685) a fé que aí estava vacilante após u ocupação holandesa.
E tudo isto - não será demais repeti-lo!- foi obra de padres portugueses, ou de padres educados em escolas portuguesas, ou de padres trabalhando sob a protecção da bandeira de Portugal!
Mas toda essa obra grandiosa não poderia ser levada a cabo sem sacrifícios e sem vítimas!
Sr. Presidente: as fontes de que me servi para este rápido resumo são exclusivamente hauridas em trabalhos de dois compatriotas meus, goeses, aos quais presto a minha homenagem; ambos já mortos e que em vida me honraram com a sua estima: o cónego Herédia e o velho padre Nazaré, cujas Mitras Lusitanas constituem um arquivo de glória para a história eclesiástica de Portugal no Oriente.
Pois bem! Nessa magnifica obra pude contar nada menos que 1:300, mártires da fé, entre 1498 a 1801, massacrados na África Oriental, na índia, em Ceilão, no Extremo Oriente! Os seus nomes e proveniências, as datas e o género do seu martírio estão minuciosamente registados para que os cubra o manto da nossa piedade. Toda a espécie de vítimas, mesmo um bispo - D. Apolinário de Almeida, massacrado em Cinadea em 1638, juntamente com os seus dois companheiros jesuítas. Todos os géneros de martírios: decapitação, esmagamento sob as patas dos elefantes, apunhalamento, veneno, forca, esmigalhamento à boca do canhão, toda a sorte de horrores! Sem falar da carnificina em massa, como a que se deu em 1580, em que por ordem do rei de Ternate, Bab Ulha, foram aniquilados de uma só vez 60:000 cristãos.
Sr. Presidente: no momento em que o santo padre coroou com a auréola celeste a cabeça do mártir João de Brito, no coração dos peregrinos portugueses, no seu
subconsciente, se vincou este sentimento de uma majestade incomparável: que esta canonização é a consagração solene de todos os nossos mártires no Oriente, conhecidos ou anónimos, que se deixaram imolar pela fé de Cristo e que vêem hoje consubstanciada a grandeza do sou sacrifício nessa figura princeps do nosso martirológio que em 22 de Junho foi canonizada na grandiosa Basílica do Vaticano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na história do missionário português no Oriente, em geral, e na índia, em particular, há três marcos miliários radiantes de luz.
O primeiro é a acção apostólica de S. Francisco Xavier! Cristãos e hindus, parses e muçulmanos acorrem ao seu túmulo, para ali prosternarem a sua humildade perante a grandeza do Infinito. Cerca-o um halo de veneração e de lenda. A sua memória é imortal! Na verdade vos afirmo: a Goa do Hidalcão, que desde há cerca de cinco séculos se tornou a pérola da coroa de Portugal, poderá sofrer os vaivéns do Destino; mas a Goa do S. Francisco Xavier viverá eternamente no coração das cristandades do Universo.
O segundo marco miliário dessa magnífica Via Áurea é o Santo que acaba de ser canonizado. A sua vida é um poema luminoso de ternura e de sacrifício. A acção dos nossos missionários já não tem para a encorajar o prestígio da nossa espada, que declina. Que fazer pois para transpor as barreiras que lhes opõem os povos hostis e levar às almas a paz do Evangelho? Imitar a obra de S. Francisco, mas sob um burel adaptado ao meio que os circunda. É a este período que pertencem os grandes missionários que, camuflados em sanyassis e vivendo a vida humilde e austera dos ascetas orientais, conseguiram fazer jorrar nas almas em treva a luz de S. Paulo. Chamam-se Roberto di Nobili, Constantin Beschi, François Laynez e João de Brito.
O nosso domínio temporal está prestes a extinguir-se. Da espada e cruz, que eram as velhas companheiras inseparáveis, a primeira está muda; só a segunda marcha para cumprir a finalidade que a alma de Portugal havia inscrito no seu ideal de conquista desde os tempos do Infante de Sagres.
A morte de João de Brito em terra que nunca foi nossa dá ao Mundo a prova indiscutível de que o ideal da expansão portuguesa no ultramar teve menos por mira o engrandecimento do nosso domínio temporal que a sementeira nas almas da fraternidade cristã universal. No momento que passa é esse o grande significado político da nossa peregrinação a Roma. É, como vos disse, um testemunho e um desafio ao julgamento da Historia!
Ao terceiro marco pertence a recristianização de Ceilão, devida ao zelo apostólico dos meus conterrâneos goeses padre Jácome Gonçalves e o venerando padre José Vaz, justamente chamado pelo povo o apóstolo de Ceilão. Recolhamos a lição que deriva das suas obras: é a semente lançada pêlos missionários de Portugal que revive e frutifica nos corações dos seus discípulos indianos o mesmo zelo, a mesma austeridade, a mesma abnegação em prol da ceifa na vinha do Senhor.
È esse zelo que fará por vezes que os sacerdotes na índia se excedam na sua missão espiritual, fazendo da Igreja de Cristo o sinónimo de Igreja Portuguesa! Ser cristão tornou-se sinónimo de ser português: donde esse milagre de ver, em terras que estando outrora sob a nossa influência já hoje o não estão, os laços espirituais que ainda hoje as ligam ao velho Portugal de que falavam os seus antepassados!
A alma nacional, num sentimento de profunda ternura, soube compreender e perdoar esses excessos. E, pela pena do seu tão prestigioso príncipe religioso, S. E. o
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Cardeal Cerejeira, exprimiu a um sábio padre indiano que proclamava a necessidade de conhecer as línguas e os costumes nativos para um missionarismo eficaz estas profundas palavras, que merecem registo:
Este método missionário não pode conciliar-se com as concepções imperialistas de nacionalismos estreitos que não vêem na evangelização senão um meio de expansão e de domínio nacional.
Ele nasce da caridade de Cristo. O seu fim é, acima de tudo, a glória de Deus e o bem das almas. Abraça todas as nações e todos os povos. As nações cristãs são as servas de Deus no plano. da Providência. Não lhes é permitido fazer do Senhor um monopólio nacionalista. Servi-l'O é seu dever e honra. Servir-se d'Ele é profanação.
Que a Nação Portuguesa, governantes e governados, medite nessas palavras e faça delas o mote para proclamar perante o Mundo revolto dos nossos dias a igualdade em Cristo de todos os portugueses de aquém e de além-mar. Será a melhor resposta às invectivas de que sobre nós de quando em quando se têm feito eco vozes deselegantes de censores aleivosos ou mal informados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Duas palavas mais para concluir: essa magnífica demonstração da nossa espiritualidade e do nosso ideal de fraternidade universal não seria possível se não fosse a acção dinâmica de dois homens que é de justiça apontar para a bênção da posteridade: o Ministro capitão Teófilo Duarte e o Presidente Prof. Salazar. O primeiro, multiplicando-se em prodígios de actividade para que as delegações do ultramar tivessem o brilho que tiveram; o segundo, a alma insufladora de todos os eventos da vida nacional que nestes últimos anos se tenham evidenciado perante o Mundo em perspectivas de grandeza a rivalizar com os tempos mais áureos do nosso período seiscentista.
Souberam cercar-se de colaboradores que interpretassem o seu pensamento. Como Deputado da Nação, é meu dever pronunciar os seus nomes, para que no Diário das Sessões fiquem registados para o reconhecimento da grei portuguesa. É a energia incomparável do Dr. Braga Paixão, que o leva a dar solução a todas as dificuldades que tentem empanar o brilho da peregrinação; é a cooperação organizadora do Dr. João de Mendonça e de Eça de Queirós; ó o espirito previdente do Rev. Dr. Honorato Monteiro, que com tanto zelo se ocupou da parte religiosa da peregrinação. Mas uma coisa se deve afirmar: não fora a directriz tenaz, persistente, do Prof. Salazar e do Ministro Teófilo Duarte, encorajando todas as iniciativas, vencendo todos os obstáculos, e a nossa peregrinação a Roma não teria o brilho que teve.
Os homens passam, os eventos diluem-se na penumbra da História. Só os grandes ideais permanecem eternos quando insuflados por uma chama de espiritualidade que é a herança imortal da alma humana. É por isso que os nomes do Prof. Salazar e do capitão Teófilo Duarte serão sempre vivos no coração da grei portuguesa, como sendo os de dois iluminados que nestes tempos de deprimente materialismo souberam dar ao Mundo a imagem viva do alto ideal de espiritualidade que em todos os tempos caracterizou a nobreza da alma portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Quelhas Lima.
O Sr. Quelhas Lima: - Sr. Presidente e Srs. Deputados : há poucas horas, e talvez no momento em que faço uso da palavra, doloroso e trágico drama se está passando nas costas portuguesas, atingindo as gentes do mar e correspondentemente toda a Nação.
Notícias de há poucas horas mostram que o temporal que está assolando a costa portuguesa surpreendeu com trágicas consequências os nossos pescadores, os esforçados lutadores das fainas duras do mar.
As perdas sensíveis de vidas preciosas e até de bens são factores mais que suficientes para determinar rigoroso e profundo sentimento da Assembleia e até da Nação.
Os pescadores, a quem chamo preciosa espécie entro o género humano, gentes que as academias não formam nem as escolas ensinam, cuja vida tem como teatro de acção o mar - sua paixão e maior tormento -, bem merecem o nosso carinho e protecção constante.
Não tenho neste momento de fazer qualquer remoque, visto que as embarcações naufragadas foram surpreendidas longe das suas bases de partida, em plena faina de pesca, por mar grosso, alteroso, indomável, em condições tais que o valor dos valorosos tripulantes não conseguiu domar e vencer o dinamismo do eterno inconstante.
Más quer-me parecer que já é tempo, muito tempo, já tarda e demais, que nos centros marítimos importantes existam e permaneçam, além dos indispensáveis barcos salva-vidas, rebocadores de salvação capazes de arrostar com o mar em situações de emergência como aquela que acabamos de constatar.
Na extensa costa portuguesa, e até no nosso principal porto de armamento, não existe qualquer unidade naval capaz de prestar socorros a sinistros no mar quando este ruge tempestuoso.
Isto não quer dizer a nenhum título que da existência destes meios tragédias desta natureza se evitem ou eliminem por completo. Não. O que quero dizer é que a existência de tais recursos constitui imperativo para a defesa das vidas e bens investidos nas actividades do mar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Segundo notícias que telefonicamente acabo de receber da minha terra - Porto -, e chegam rumores de outros pontos da costa portuguesa, é muito duro, trágico, o tributo de sangue pago pêlos nossos bravos pescadores na faina pelo seu pão diário e pela economia da Nação. Quero remeter-me, dada a natureza das coisas, antes ao recolhimento que proferir mais considerações, mas antes disso quero significar, e certamente comigo a Assembleia, a essas gentes bravas do mar, - pescadores, espécie preciosa, que não se criam nas Academias e nem as escolas ensinam à mais fraterna, sacrificada e heróica das vidas - o nosso comovido sentimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Antunes Guimarães: -Sr. Presidente: parti hoje da cidade do Porto, no rápido da manhã, cerca das 8 horas. Meia hora passada o comboio atravessava aquele lindo trecho da costa nas alturas de Espinho, onde tive o regalo de ver o mar em ondas alterosas, a desfazerem-se em espuma alvíssima, que se espraiavam na areia. Mar admirável, que constitui um dos valores mais importantes da nossa Pátria, valor de sempre, porque foi atravessado pêlos nossos descobridores, pêlos marinheiros ousados da época heróica. Mar que nos liga a todo o Mundo e, particularmente, às nossas províncias ultramarinas. Mar que constitui o factor económico da maior valia, porque contribui para a alimenta-
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cão do povo e fertilização dos campos. Mar onde muitos milhares de trabalhadores portugueses encontram fértil campo de actividade.
Pois, Sr. Presidente, mal calculava eu que justamente naquela hora em que me extasiava a observar aquele mar admirável estava a passar-se ali uma horrível tragédia, que, segundo podemos concluir do laconismo das notícias aqui chegadas, o transformou no túmulo de cerca de 160 pescadores portugueses.
Sr. Presidente: para eles vai a expressão do profundo pesar deste modesto português que juntamente com outros Srs. Deputados aqui representa o distrito do Porto.
Pela fisionomia dos meus ilustres colegas adivinho que em seus peitos existe a mesma dor que me tortura. E tenho a certeza de que toda a Nação acompanha o luto de tantas famílias, o luto da cidade do Porto, o luto de todo o Norte, o luto que neste trágico momento cobre toda a Pátria Portuguesa. E tenho a certeza de que o Governo há-de, como acaba de dizer o Sr. comandante Quelhas Lima, continuar a prestar, e cada vez em maior grau, assistência a esses trabalhadores do mar. Depois da grande obra realizada nos portos pela política acertada e oportuna do Estado Novo, política que, entre outros melhoramentos, se vem esforçando por transformá-los em verdadeiros portos de abrigo, como já se verifica em Leixões, tenho a certeza de que o Governo não deixará de continuar o grande esforço já realizado a bem da navegação portuguesa e consequente defesa de todos os trabalhadores que se aventuram ao mar, muitas vezes na iminência de temporal, não só para ganharem a vida, mas para que não falte ao povo português o alimento indispensável.
Ditas estas palavras, vou terminar as minhas considerações pedindo a todos W. Ex.ªs que me acompanhem num voto de profundo pesar pela tragédia que acaba de roubar a vida a tantos portugueses e na afirmação de que nos corações de todos nós e dos portugueses que aqui representamos fica um grande luto, que constituirá homenagem muito merecida a todos os que acabam de morrer heroicamente no seu posto de trabalho.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: não me cabe acrescentar outras palavras de sentimento às que já foram proferidas nesta Assembleia em relação ao trágico acontecimento de que acabamos de ter notícia.
Também não me cabe neste momento sugerir os lenitivos que o Governo decerto estará na disposição de buscar para acudir às desgraças que naturalmente se seguem à grande desgraça que ocorreu, mas cabe-me afirmar que interpreto os sentimentos da Assembleia associando-me e associando-a aos votos de sentimento que acabam de ser expressos, e cabe-me ainda afirmar que, seguramente, o voto de sentimento da Assembleia é a expressão do luto que cobre Portugal inteiro ao ter conhecimento da notícia relativa ao caso que todos tão profundamente lamentamos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A tragédia de que a Câmara acaba de ter conhecimento, pela sua grandeza e pelas pessoas sobre que recaiu, enlutou todo o País e tocou no mais vivo do nosso sentimento por importar a perda de cerca de 160 vidas de humildes e abnegados trabalhadores do mar. A sensibilidade nacional não pode deixar de ser profundamente abalada por ela.
Creio, portanto, que dou satisfação à justa emoção da Câmara e à dos oradores que tão comovidamente se referiram ao doloroso acontecimento interrompendo, em sinal de sentimento, a sessão por cinco minutos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os pareceres da Comissão de Legislação e Redacção relativamente à perda de mandato dos Srs. Deputados Alexandre Alberto de Sousa Pinto e Francisco Eusébio Fernandes Prieto. Estes pareceres vão ser publicados no Diário das Sessões, para oportunamente serem submetidos à apreciação da Câmara.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão, na generalidade, o projecto de lei relativo à remição de censos, quinhões e direitos compáscuos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Botelho Moniz.
O Sr. Jorge Botelho Moniz: - Sr. Presidente: como relator da Comissão de Economia e em nome dos vogais que hoje reuniram para apreciação do parecer n.° 18 da Câmara Corporativa, venho requerer a V. Ex.ª se digne consultar a Assembleia Nacional sobre a retirada de discussão do projecto de lei n.° 91.
O parecer da Câmara Corporativa, assinado por quatro ilustres professores de Direito, contém um argumento que nos impressionou: acha-se em estudo, segundo parece adiantado, a reforma do Código Civil.
Aceitamos o princípio de que não convém resolver-se um pormenor fora do quadro do conjunto. Por isso, a vossa Comissão de Economia, sem abdicar da sua opinião de que deve facilitar-se a constituição da propriedade perfeita, julga preferível aguardar a publicação do referido projecto de reforma do Código Civil.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sobre se autoriza a retirada da discussão do projecto de lei n.° 91, acerca da remição de censos, quinhões e direitos compáscuos, conforme acaba de sugerir o Sr. Deputado Botelho Moniz, em nome da Comissão de Economia.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Está em discussão a proposta de lei n.° 119, em que se transformou o decreto-lei relativo à protecção ao cinema nacional.
Esclareço a Assembleia de que, tratando-se de uma proposta que resultou de uma ratificação com emendas de um decreto-lei submetido à apreciação desta Assembleia, a discussão que vai travar-se é uma discussão na especialidade, pois que a discussão na generalidade se fez quando o decreto foi submetido à apreciação da Câmara.
Vai, portanto, entrar-se na apreciação, na especialidade, da proposta de lei n.° 119, sobre a qual a, Câmara Corporativa elaborou o seu parecer, sugerindo um novo texto que se lhe afigura realizar uma melhor arrumação das matérias.
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O Sr. Deputado Marques de Carvalho propõe que a discussão corra sobre o texto da Câmara Corporativa.
Vou pôr à votação a proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho.
Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está, portanto, aprovado que a discussão correrá sobre o texto da Câmara Corporativa. Está em discussão o artigo 1.°
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra sobre este artigo, vou submetê-lo à votação.
Submetido â votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.° Sobre este artigo há na Mesa uma proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Marques de Carvalho e outros Srs. Deputados.
É concebida nos seguintes termos:
«Propomos que o artigo 2.° passe a ter a seguinte redacção:
É criado para esse fim o Fundo do cinema nacional, cuja administração o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo exercerá, depois de ouvido o Conselho do Cinema.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1947. - Artur Rodrigues Marques de Carvalho - António Augusto Esteves Mendes Correia - D. Virgínia Faria Gersão - José Luís da Silva Dias - Manuel Maria Múrias Júnior».
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É só para informar que essa proposta de alteração tem a aprovação, por unanimidade, da Comissão de Educação Nacional.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 2.°, com a proposta de alteração que foi lida há pouco.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: fui um dos Deputados que se manifestaram nesta Assembleia, no período legislativo anterior, em favor da criação de um Conselho do Cinema, que assistisse ao Secretariado Nacional da Informação no exercício das atribuições que lhe são outorgadas por este diploma.
E devo dizer que me deu plena satisfação às minhas intenções e aos meus propósitos aquilo que a Câmara Corporativa estabeleceu nas modificações propostas ao decreto-lei em discussão.
A Câmara Corporativa entendeu, porém, que o Conselho do Cinema seria um órgão administrativo, quando na realidade o pensamento que predominou nesta Assembleia foi o de que ele constituísse um organismo consultivo que contribuísse para esclarecer, com elementos de várias fontes de informação, o Secretariado Nacional no exercício das atribuições que lhe eram confiadas por este decreto-lei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penso que deve ser mantido o ponto de vista que predominou na Assembleia. Na realidade; não parece que seja útil uma administração regulada por um corpo complexo; quanto mais unitária for a administração mais eficaz me parece. Mas o que me parece, também, de extrema utilidade e de um alto significado, quer no ponto de vista moral, quer no ponto de vista de informação, é de que ao lado do Secretariado Nacional se encontre um organismo constituído por elementos de diferentes proveniências que possam de certo modo esclarecer, numa missão tão difícil, o Secretariado Nacional da Informação.
Eis por que, como a Comissão de Educação Nacional, da qual faço parte, julgo dever ser adoptada a proposta de emenda que foi apresentada pelo Sr. Deputado Marques de Carvalho e por mim.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre a proposta do Sr. Deputado Marques de Carvalho e outros Srs. Deputados, no sentido de ser substituído o texto do artigo 2.° da proposta da Câmara Corporativa, vai votar-se.
Submetida à votação foi aprovada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.° Está na Mesa uma proposta de aditamento a este artigo, apresentada pelo Sr. Deputado Mendes Correia e outros Srs. Deputados, que vai ler-se.
Foi lida. É a seguinte:
«Propomos que ao artigo 3.° se adite um § 1.°, assim redigido:
O Ministro das Colónias, ao tornar extensivo ao Império Colonial Português este diploma, poderá designar um delegado do Conselho do Cinema.
(O § único passará a ser § 2.°).
António Augusto Esteves Mendes Correia - Álvaro Eugênio Neves da Fontoura».
O Sr. Presidente: - Está em discussão também esta proposta.
O Sr. Marques de Carvalho: -Quero apenas esclarecer que o § único do parecer passará a ser § 2.° na proposta do Sr. Deputado Mendes Correia.
O Sr. Mendes Correia: -Sr. Presidente: no Conselho do Cinema, com a composição que lhe foi atribuída pelo parecer da Câmara Corporativa, figuram na realidade representantes de várias origens, delegados de várias entidades, que representam interesses diversos, interesses materiais, profissionais, morais e educativos. Nós poderemos alongar indefinidamente o número de componentes do referido Conselho. Mas, na verdade, a eficiência do funcionamento deste será maior com o facto de não ser extremamente complexa essa composição.
E, desta maneira, Sr. Presidente, pela minha parte e pela dos ilustres Deputados que me acompanharam ao enviar a proposta para a Mesa, julgo que nos poderemos dar por satisfeitos acrescentando apenas um elemento ao número dos indicados no parecer da Câmara Corporativa. Essa entidade seria eventualmente, desde que o Sr. Ministro das Colónias assim o entenda, um delegado desse Ministério.
Argumentar-se-á que o Império é um bloco, uma unidade, que os interesses morais e educativos da metrópole e de além-mar são comuns, são os mesmos, mas, na verdade, no ponto desista prático, sucede frequentemente dar-se a conveniência de fazer comparticipar elementos coloniais de uma maneira directa num certo número de tarefas que se realizam na metrópole.
Tal intervenção, Sr. Presidente, de cuja oportunidade neste caso seria, evidentemente, juiz o Governo, parece-me extremamente útil, não apenas pelo que diz respeito a filmes de carácter especificamente colonial, mas
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de toda a ordem de filmes de carácter geral, que são também apresentados em espectáculos nas colónias.
Nessas condições, alguém poderá dizer quais são as exigências especiais que o público colonial pode e deve ter na matéria.
Julgo que na minha proposta, em vez de haver uma distinção entre elementos metropolitanos e elementos coloniais, há, pelo contrário, uma afirmação implícita da estreita coesão de elementos das duas origens.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se. Em primeiro lugar vai votar-se o corpo do artigo 3.° tal como consta do texto da Câmara Corporativa.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação o aditamento do Sr. Deputado Mendes Correia, que é um aditamento ao artigo 3.° O actual § único deste artigo 3.° passará para § 2.°
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 4.° Sobre este artigo não há na Mesa qualquer proposta de alteração.
O Sr. Mendes Correia: - Desejo apenas explicar que a redacção do texto da Câmara Corporativa difere neste ponto sensivelmente do texto do diploma posto em discussão. É que com a redacção anterior podiam ser abrangidos no pagamento de taxa, como se fez salientar no parecer da Câmara Corporativa, filmes de natureza puramente cultural, que não interessam h exploração comercial e que são feitos pelo Estado ou entidades cientificas e educativas. Considero justa a alteração introduzida pela Câmara Corporativa. Efectivamente, a taxa só deve incidir sobre filmes que representam qualquer proveito de ordem comercial.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Submetido à votação foi aprovado o artigo 4.° do parecer da Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 5.° Sobre este artigo não existe na Mesa nenhuma proposta de alteração.
O Sr. Mendes Correia: - Na discussão que incidiu sobre o decreto-lei de protecção ao cinema nacional insisti principalmente na parte que dizia respeito à conveniência da constituição do Conselho de Cinema.
Entendi - e entendo -, como muitos ilustres Deputados, que se deviam colocar num plano primacial os problemas e questões de ordem moral e educativa, mas, no entanto, não deixei de discutir os aspectos materiais, financeiros, daquele diploma. Disse clara e francamente, perante a Câmara, que os organismos corporativos que na ocasião se tinham dirigido à Assembleia Nacional acerca do modo como era aplicada a nova taxa de licença tinham, de certo modo, razão.
Disse que me parecia mais equitativo tributar os filmes pêlos períodos de duração da sua permanência no cartaz do que por uma só vez e por igual a todos da mesma categoria.
Se todos os filmes da mesma categoria devem pagar a mesma taxa de licença, seria natural que todas as casas, todos os prédios, todas as indústrias devessem ser tributados por igual!
Porém prevaleceu na Câmara Corporativa, como prevaleceu na Comissão de Educação Nacional, o critério estabelecido pelo decreto-lei - pagamento das taxas por uma só vez.
Tenho na minha frente, entre elementos que requeri, a indicação sobre as receitas cobradas até 24 de Novembro ao abrigo do artigo 4.° do decreto-lei n.° 36:062, ou seja do decreto em discussão.
Essas receitas montam já a 1:692.6805. Tenho aqui a discriminação, por categorias de filmes, como também requeri, e verifica-se que a parte mais importante desta verba é a que se refere à categoria A (filmes de fundo destinados a exibição em cinemas de estreia) - renderam até esta data 1:458.190$.
Esta importância aproxima-se, na verdade, daquela que tinha sido prevista. É de crer que o rendimento da taxa ande, por enquanto, em volta de 2:000 a 3:000 contos por ano; mas a sugestão que os organismos corporativos a que me referi tinham apresentado, e sobre a qual não tenho conhecimento de haverem insistido nesta nova sessão, conduziria a uma tributação que, a meu ver, seria mais equitativa, chegando aliás ao mesmo resultado - de cerca de 2:000 a 3:000 contos por ano. Devo dizer, porém, que as razões aduzidas contra essa sugestão, sem terem logrado .convencer-me, foram de molde a convencer a maioria da Comissão de Educação Nacional, como haviam já convencido a Câmara Corporativa.
Nestas circunstâncias, não insisto na minha proposta anterior, mas, desde que penso da maneira que acabo de expor, não posso dar o meu voto a este modo de tributação.
Assim, por minha parte, votarei contra este regime de aplicação da taxa.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se o artigo 5.° e seu § único tal como constam do texto da Câmara* Corporativa.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara, designadamente dos membros da Comissão de Educação Nacional. Há pouco, a Câmara votou, em relação ao artigo 3.°, uma proposta do Sr. Deputado Mendes Correia para aditamento de um parágrafo a este artigo. O § único do artigo, pela proposta que foi aprovada, passaria a ser § 2.° e o aditamento aprovado passaria a constituir o § 1.° Mas esse parágrafo estabelece a remuneração para os delegados da Junta Nacional da Educação de 100$ por cada sessão a que assistam. Naturalmente, pelo confronto dos textos e contra o pensamento de quem apresentou a proposta, pode parecer que o delegado do Ministério das Colónias ficaria excluído daquela remuneração. Parece não ser esse o pensamento da proposta, porque não haveria motivo algum para fazer essa excepção.
No entanto, para que a Comissão de Legislação e Redacção não tenha quaisquer dúvidas, eu quis frisar este ponto e chamar para ele a atenção dos Srs. Dr. Mendes Correia e Dr. Marques de Carvalho, cujo pensamento creio interpretar.
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O Sr. Marques de Carvalho:-Foi por lapso que não se alterou o novo § 2.°, antigo § único, porquanto no texto desse parágrafo se dispõe que todos os que são funcionários do Secretariado Nacional da Informação pertencem ao Conselho do Cinema, sem qualquer remuneração, e aqueles que forem vogais do Conselho do Cinema sem serem funcionários do Secretariado Nacional da Informação têm senhas de presença. Foi por lapso que se não puseram senhas de presença para o delegado do Ministério das Colónias.
O Sr. Presidente: - Suponho que a Comissão de Legislação e Redacção não terá dúvidas, em face do que acaba de ser exposto, quando tiver de dar a última redacção a este diploma.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Suponho que está na lógica do pensamento votado a solução que acaba de ser considerada por V. Ex.ª, Sr. Presidente. Porém, independentemente dessa sugestão, a Comissão não teria dúvidas em harmonizar o que passa a ser § 2.° com a matéria votada.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 6.°
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 7.°
O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: porque o tempo é pouco, prometo ser breve nas considerações que vou fazer sobre a proposta de lei n.° 119, em que- se transformou o decreto-lei n.° 36:062 (protecção ao cinema nacional e criação do Fundo cinematográfico nacional).
A leitura do magnífico parecer da Câmara Corporativa, relatado pelo eminente académico Sr. Dr. Júlio Dantas, deixou-me plenamente satisfeito e elucidado, nele não sabendo se mais admirar a. clareza e o brilhantismo da forma literária se os conhecimentos profundos revelados pelo seu autor.
Em um passo do douto parecer - conteúdo do n.° 4.° do artigo 7.° da proposta em discussão - e com o intuito de sublinhar e enaltecer os excelentes conceitos que os informam, incidirá a minha atenção.
Não há dúvida de que em Portugal já se contam alguns técnicos de cinema de valor, méritos bem atestados em vários dos seus filmes, cuja feitura artística ombreia com o que de melhor se faz lá fora; todos eles, segundo creio, adquiriram a sua preparação especializada, não em qualquer escola apropriada, mas tão-sòmente na longa experiência, servida por qualidades inatas, como diletantes autodidactas.
Ora, se tal esforço é digno de admiração, deve reconhecer-se que actualmente - e a exemplo do que se passa em grande número de outras nações - Portugal carece de instituir o ensino na cinematografia em suas escolas superiores; no século XX, na era atómica, não podem admitir-se as improvisações, que já fizeram o seu tempo. E as matérias, de ensino ria cinematografia não são tão facilmente apreendidas como à primeira vista se supõe.
Como é geralmente sabido, dois aspectos fundamentais encerra o ensino da cinematografia: o artístico e o técnico. Ë difícil nesta arte, pela complexidade dos elementos em presença, definir com clareza onde termina a parte artística e onde começa a parte técnica, dado que ambas estão intimamente ligadas, por isso mal destrinçáveis.
Não é minha ideia preconizar a fundação de uma escola de actores cie cinema, de realizadores, de argumentistas e de planificadores, mas o que se me afigura indispensável é que se pense - à semelhança do que se fez em Itália, em Espanha e em outros países - na instituição de cursos especiais nas Faculdades de Letras e no Conservatório Nacional, onde se estude com amplitude a linguagem cinematográfica, englobando nesta expressão os processos próprios, quer da criação de assuntos, quer da representação, quer ainda da associação de imagens.
Sob o ponto de vista técnico, a necessidade de um curso de formação especializada torna-se ainda mais imperiosa; a parte artística, por definição, vive fundamentalmente do elemento humano, pelo que o talento do artista - realizador, argumentista, actor, montador, etc. - pode, por vezes, vencer as dificuldades, o que, como é óbvio, jamais acontecerá com a resolução dos problemas técnicos.
Os resultados formativos só serão alcançados após um longo trabalho de sedimentação, de preparação lógica e sequente, de investigação científica demorada.
Na base da técnica cinematográfica encontram-se ramos vastos das mais variadas ciências aplicadas: a electroacústica, a sensitometria, a óptica, a fotometria, a espectroscopia, etc.
Um técnico cinematográfico consciente não se improvisa - há necessidade de formá-lo, é indispensável dar-lhe amplas noções de conjunto destas ciências para eficientemente, dentro da arte de colaboração, que é o cinema, cumprir bem o seu papel.
E assim, o engenheiro químico, o engenheiro electrotécnico, o físico e o mecânico de precisão terão de encaminhar as suas actividades para a formação de um engenheiro - o engenheiro cinematográfico.
A América do Norte, como é natural, desde há muito tempo dispõe destes engenheiros, e a revista da sua associação, The Journal of the Society of Moving Picture, Engineers, rivaliza, pelo seu alto nível mental, com as primeiras revistas científicas de outras especialidades.
Não falando da Itália - onde o problema foi resolvido de maneira particularmente notável -, temos bem, perto de nós, na vizinha Espanha, exemplo flagrante do realismo com que este assunto foi enfrentado: a Faculdade de Filosofia e Leiras e a Escola Especial de Engenheiros Industriais, de Madrid, introduziram já em seus programas cadeiras especiais de Cinematografia.
Neste último curso superior criou-se mesmo um centro de investigações cinematográficas, sob a direcção do ilustre Prof. Eng. Victoriano López Garcia. Este centro dispõe de edifício próprio, provido de laboratórios de revelação e de positivarão, de salas de montagem, de salas de projecção, de salas para projectos de cenários e iluminação, de sul a de gravação e misturas sonoras, e até de um amplo plateau, ou salão de filmagem.
Sem sair desta, escola, pode, pois, o futuro engenheiro familiarizar-se com todos os degraus de uma indústria de tão grande relevo para a economia espanhola - uma indústria que conduz a receitas diárias da ordem das dos caminhos de ferro!
Também, Sr. Presidente, em Portugal se coutam já algumas louváveis tentativas de criação de um escol técnico para u indústria cinematográfica. Há anos o Sindicato Nacional dos Profissionais de Cinema, sob a direcção do cineasta António Lopes Ribeiro, viu a importância do problema e começou a resolvê-lo, dentro das suas possibilidades, iniciando a sua tarefa pela formação de projeccionistas; infelizmente, tão interessante iniciativa não pôde prosseguir. Posteriormente, vai em dois anos, o ilustre professor do Instituto Superior Técnico, engenheiro António da Silveira, com larga
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visão do assunto e mercê do patrocínio material do douto Instituto para a, Alta Cultura, promoveu a ida de um seu assistente à Escola Especial de Engenheiros Industriais, de Madrid, onde estagiou durante três meses, estudando a organização do curso técnico de cinematografia ali professado.
Mau grado nosso, u grandeza do empreendimento lutava com o maior elemento neutralizante das melhores iniciativas - o factor financeiro.
Mas este aspecto do problema cinematográfico português tem de ser encarado com «decisão e realidade; faço votos, Sr. Presidente, e com certeza toda a Assembleia, por que na futura reforma do ensino superior e na do ensino artístico ele tenha a merecida atenção, como elemento preponderante da cultura e da economia portuguesas.
Aliás, a tarefa acha-se agora bastante simplificada. Temos cientistas idóneos para regerem as cadeiras ide um curso técnico de cinematografia; temos perfeitos conhecimentos da respectiva, organização; e já não nos faltarão, dentro em breve, os meios pecuniários de realizar tão útil empresa - explicitamente consignados tanto no antigo decreto-lei como na actual proposta de lei, quando, referindo-se às diversas modalidades de aplicação das disponibilidades do Fundo do cinema nacional, diz que concederá «subsídios destinados a auxiliar os estudos de investigarão que visem o aperfeiçoamento técnico e artístico da cinematografia portuguesa».
Oxalá o nosso apelo venha a ser ouvido e apreciado devidamente pelos ilustres membros do futuro Conselho do Cinema - entre os quais é justo salientar o nome de António Ferro, que tantos serviços tem prestado a expansão da arte e da cultura popular portuguesas - e que, superiormente, o Governo tome em consideração os seus desejos, de modo que, em curto prazo de tempo, as nossas Faculdades de Letras, os cursos de engenharia e o Conservatório Nacional estejam em condições de satisfazer todos os requisitos da cinematografia; então o cinema nacional não temerá tanto a concorrência estrangeira e, havendo dado um grande passo em frente, Portugal ficará a dever à actual situação política mais uma obra apreciável, óptimo contributo e agente poderoso da ciência e da cultura e da economia nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mendes Correia! -Sr. Presidente: desejava apenas salientar que no texto da Câmara Corporativa há uma alteração de certa importância relativa ao texto do decreto-lei primitivo, na parte que se refere a este artigo. No n.° 1.° deste, no decreto-lei primitivo, fala-se de «concessão de subsídios às entidades produtoras de filmes portugueses que com regularidade exerçam a respectiva actividade e destinados a cobrir parte do custo desses filmes». No texto actual da Câmara Corporativa diz-se: «concessão de subsídios às entidades produtoras de filmes portugueses, destinados a cobrir parte do custo desses filmes». Desapareceram, portanto, as expressões «entidades produtoras de filmes portugueses que com regularidade exerçam a respectiva actividade».
Ora, porque é assim? Porque poderiam surgir entidades oferecendo as maiores garantias, mas que, até aí, não tivessem exercido com regularidade actividades produtoras, e em tal sentido fiz algumas observações, tal como outros Srs. Deputados, no período legislativo anterior. Vejo que essas observações foram adoptadas pela Câmara Corporativa neste texto, ao qual dou pois todo o meu aplauso.
Aproveito ainda o ensejo para apoiar as considerações que acabam de ser feitas pelo ilustre Deputado Sr. António de Almeida, julgando mesmo que se poderia talvez incluir entre as aplicações do Fundo cinematográfico a concessão de subsídios para estudos sobre a influência e â difusão do cinema.
Tenho na minha frente, além de um inquérito recente feito em Portugal, um importante inquérito realizado em Inglaterra sobre a influência do cinema e as reacções perante este em vários sectores da população inglesa - crianças, adolescentes, adultos. E julgo que essa ordem de estudos seria extremamente interessante, não apenas para ó estabelecimento de temas, mas também para a própria estruturação dos filmes. Eliminem-se, dentro do possível, os malefícios do cinema e, pólo contrário, faça-se por tirar dele o maior proveito para a população.
Mayer, o autor inglês que realizou o inquérito referido - em grande parte com a anuência do grande realizador inglês Rank- conclui que é preciso considerar o cinema como representando para a época actual o mesmo perigo que o circo romano representa na decadência da Roma imperial e que se torna necessário obter filmes de tendências positivas, filmes de natureza construtora, e não demolidora.
Subscrevo a opinião de Mayer.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém pede a palavra, vai votar-se o artigo 7.°, seus números e § único.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A discussão desta proposta- continuará na próxima sessão.
Lembro aos Srs. Deputados que fazem parte da Comissão de Finanças e da Comissão de Economia a conveniência de começarem a estudar a proposta de lei da autorização de receitas e despesas, para que, quando essa proposta chegar a esta Câmara com o parecer da Câmara Corporativa, essas Comissões possam com brevidade habilitar-se a acompanhar a discussão e eu possa também com brevidade marcar para ordem do dia a discussão da referida proposta.
Nesta ordem de ideias, convoco para amanhã, às 15 horas, as Comissões de Finanças e de Economia.
A próxima sessão será na quinta-feira dia 4, com a ordem do dia que estava marcada para a sessão de hoje, ou seja a continuação da discussão da proposta de lei de protecção ao cinema nacional.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Documentos a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Ë meu dever informar V. Ex.ª de que fui recentemente nomeado, em comissão, para o cargo de presidente do conselho de administração dos portos do Douro e Leixões. Aguardo, por isso, a deliberação da Assembleia sobre a validade do meu mandato como Deputado.
Apresentando a V. Ex.ª e aos meus Exmos. colegas os meus respeitosos cumprimentos, tenho a honra de ser,
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com alta consideração, de V. Ex.ª admirador muito grato, Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Despacho;
À Comissão de Legislação e Redacção. - 25 de Novembro de 1947. - A. Reis.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Por portaria de 4 de Maio de 1947, publicada no Diário do Governo, 2.ª série, de 17 de Junho último, foi o Sr. Deputado Alexandre Alberto de Sousa, Pinto nomeado presidente do conselho de administração dos portos do Douro e Leixões, nos termos do § 2.º do artigo 8.° do decreto n.° 20:842, de 23 de Janeiro de 1932.
Ouvida a Comissão de Legislação e Redacção quanto aos efeitos daquela nomeação sobre o mandato de Deputado, emite, em cumprimento do despacho de V. Ex.ª exarado sobre a carta daquele Sr. Deputado, o seguinte, parecer:
O artigo 90.° da Constituição Política determina a perda de mandato para os membros da, Assembleia Nacional que aceitem do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
Por outro lado, o artigo 8.° do decreto n.° 20:842, de 23 de Janeiro de 1932, que criou a Administração dos Portos do Douro e Leixões e Mie definiu a sua orgânica administrativa, determina, no seu § 2.º que o presidente do conselho de administração é de livre escolha do Ministro e nomeado por cinco anos.
Não se verificando assim nenhum dos casos excepcionais em que a aceitação de em prego, retribuído ou comissão subsidiada não importa perda de mandato, a Comissão de Legislação e de Redacção é de parecer que, em face dos textos, a nomeação daquele Sr. Deputada para o cargo de presidente do conselho de administração dos portos do Douro e Leixões importa a perda de mandato.
Este parecer foi votado por unanimidade, observando todavia a Comissão que a Assembleia Nacional já em casos idênticos deixou por vezes de declarar a perda, de mandato.
Palácio de S. Bento, 2 de Dezembro de 1947. - O Presidente da Comissão, Mário de Figueiredo.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Excelência. - Por ter sido nomeado para o desempenho, interino e em comissão, das funções de director geral do ensino liceal, nos termos dos artigos 27.° e 31.° da lei de 14 de Junho de 1913 (Diário do Governa n.° 141, 2.ª série, de 20 de Junho de 1947), tenho dúvidas sobre se tal nomeação importa perda de mandato.
Nestas circunstâncias, peço licença .para submeter este meu caso à superior apreciação de V. Ex.ª
Digne-se V. Ex.ª, Sr. Presidente, aceitar os protestos da minha maior consideração.
A bem da Nação. - Lisboa, 25 de Novembro de 1947. - O Deputado Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Despacho:
À Comissão de Legislação e Redacção. - 25 de Novembro de 1947. - A. Reis.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional. - Em cumprimento do despacho de V. Ex.ª exarado na carta de 25 do mês passado do Sr. Deputado Francisco Eusébio Fernandes Prieto, a Comissão de Legislação e Redacção emite o seguinte parecer:
Pela portaria de 20 de Junho de 1947, publicada no Diário do Governo, 2.ª série, da mesma data, foi aquele ,Sr. Deputado nomeado para desempenhar, interinamente e em comissão, as funções de director geral do ensino liceal, nos termos dos artigos 27.º e 31.° da lei de 14 de Junho de 1913, enquanto durar o impedimento do Dr. José Manuel da Costa como chefe de Gabinete de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, para que foi nomeado por portaria publicada no Diário do Governo n.° 212, 2.ª série, de 11 de Setembro de 1944.
Implicará aquela nomeação a perda do mandato de Deputado?
O artigo 90.° da Constituição Política estabelece que importa perda de mandato para os membros da Assembleia Nacional aceitar do Governo emprego retribuído ou comissão subsidiada.
Não distingue, o preceito constitucional entre nomeações efectivas e interinas, pelo que são assim abrangidas umas e outras. Por outro lado, também aquela nomeação não pode considerar-se ao abrigo de qualquer das alíneas b) ou c) do § 1.° do referido artigo 90.°, visto não se tratar de qualquer das hipóteses ali contempladas: nomeação por acesso, (promoção legal, conversão em definitivo de provimento que o não tivesse sido, nomeação para cargo equivalente resultante de remodelação de serviços, nomeação que por lei tivesse sido feita mediante concurso ou sob proposta de entidades a quem legalmente coubesse fazer a indicação ou escolha do funcionário ou nomeação para cargo ou comissão que só por determinada miasse e categoria de funcionários devesse ser desempenhada.
Com efeito, verifica-se que a nomeação do director geral do ensino liceal é da, Jivre escolha do Ministro da Educação Nacional, nos termos do artigo 13.º do decreto-lei n.° 32:241, de 5 de Setembro de 1942, segundo o qual «os directores gerais, os inspectores do ensino particular e dos espectáculos e os chefes de repartição e de secção serão escolhidos pelo Ministro entre pessoas de reconhecida competência.
A escolha é, portanto, livre entre as pessoas havidas por competentes.
Nestas circunstâncias, em face dos textos legais, a Comissão de Legislação e de Redacção é de parecer que se verifica a hipótese do artigo 90.° da Constituição.
Este, parecer foi votado(por unanimidade, sem todavia deixar de notar-se que em casos idênticos a Assembleia Nacional deixou por vezes de declarar a perda de mandato.
Palácio de S. Bento, 2 de Dezembro de 1947. - O Presidente da. Comissão, Mário de Figueiredo.
Propostas enviadas para a Mesa no decorrer da sessão sobre a proposta de lei em discussão:
Propostas de alteração
Propomos que o artigo 9.° passe a ter a seguinte redacção:
O Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo fiscalizará superiormente as produções que recorram ao Fundo do cinema nacional, a fim de que o projecto aprovado, sobre parecer do Conselho do Cinema, seja cumprido.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1947. - Artur Marques de Carvalho - António Augusto Esteves Mendes Cor-
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22 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.° 114
reia - D. Virgínia Faria Gersão - José Luís da Silva Dias - Manuel Maria Múrias Júnior.
Propomos que o artigo 21.° passe a ler a seguinte redacção:
O secretário nacional da informação fixará, com os organismos corporativos interessados, as condições mínimas de exibição dos filmes portugueses, bem como o mínimo de receita necessário para a sua permanência em exibição, resolvendo, em caso de divergência, o Presidente do Conselho de Ministros, ouvido o Conselho de Cinema.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1947. - Artur Rodrigues Marques de Carvalho - António Augusto Esteves Mendes Correia - D. Virgínia Faria Gersão - José Luís da Silva Dias - Manuel Maria Múrias Júnior.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
António de Almeida.
Carlos de Azevedo Mendes.
João Cerveira Pinto.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bèrnardes Pereira.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA