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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 121
ANO DE 1948 9 DE JANEIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.° 121 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 8 DE JANEIRO
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs. Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa um ofício do Sr. Presidenta do Conselho acompanhando uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros respeitante à aquisição em Lourenço Marques de terrenos para o Consulado Britânico.
Nos termos do artigo 8.° do Acto Colonial, é necessária a autorização da Assembleia para a aquisição desses terrenos, pelo que esse pedido vai baixar à Comissão dos Negócios Estrangeiros, para ser presente à primeira sessão.
O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa as contas da Junta ao Crédito Público.
Foi concedida autorização para o Sr. Deputado Duarte Silva depor no 4.º juízo criminal de Lisboa como testemunha.
O Sr. Presidente anunciou também estarem na Mesa para ratificação diversos decretos-leis. Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Froilano de Melo, acerca da nomenclatura de algumas terras da índia Portuguesa, que se pretende alterar; António de Almeida, que recordou a recente realização na Guiné Portuguesa da II Conferência Internacional de Africanistas Ocidentais; Bustorff da Silva, que esclareceu algumas passagens do discurso que proferiu aquando da discussão da lei de meios e a que na sessão anterior o Deputado Melo Machado se referiu; Cortes Lobão, que apresentou um aviso prévio sobre o problema do pão, e Albano do Magalhães, a propósito da entrada em serviço do novo paquete português Pátria.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do aviso prévio do Deputado Mendes de Matos acerca do exercício contrário ao estabelecido na lei do comércio retalhista de vinhos e outras bebidas alcoólicas.
Usou da palavra o Sr. Deputado Mendes de Matos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 50 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Belchior Cardoso da Costa.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
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Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquível.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 71 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Da Ordem dos Engenheiros esclarecendo que o inquérito aos actos do Sr. engenheiro Manuel Amaro Vieira, a que fez referência o Diário das Sessões n.° 113, de 26 de Novembro, foi solicitado pelo Sr. Deputado Botelho Moniz na sessão de 13 de Março findo, limitando-se a Ordem a pedir ao Sr. Ministro das Comunicações que esse inquérito não deixasse de se efectuar e fosse conduzido com brevidade.
Telegrama
De César Machado, Amadeu Machado e Avelino Anjos aplaudindo o discurso do Sr. Deputado Ribeiro Cazaes quanto a ser considerado feriado nacional o dia de Nossa Senhora da Conceição.
Exposição
Da classe de agentes de passagens e passaportes, que conclui da seguinte forma:
1.° Os fins do decreto n.° 36:558 são mais facilmente atingidos com a colaboração dos agentes de passagens e passaportes do que com a sua eliminação;
2.º Sob a superior orientação da Junta e devidamente fiscalizada, a função dos agentes de passagens e passaportes constituirá o mais útil, eficiente e apreciável auxílio da Junta;
3.° Da grande maioria dos casos de especulação de emigrantes não foram os agentes de passagens e passaportes os seus autores, mas sim os oportunistas, que nada têm que ver com a classe.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um oficio da Presidência do Conselho remetendo uma nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Direcção Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna, que trata da aquisição em Lourenço Marques de terrenos destinados ao Consulado Britânico em Moçambique.
Os mencionados documentos são os seguintes:
«Ex.mo Sr. 1.° Secretário da Mesa da Assembleia Nacional. - Por ordem de S. Ex.ª o Presidente do Conselho e a fim de ser o caso submetido a decisão da Assembleia com toda a possível urgência, junto envio a V. Ex.ª uma nota da Direcção Geral dos Negócios Políticos e da Administração Interna, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que trata da aquisição em Lourenço Marques de terrenos para a residência do cônsul britânico, caso em que é mister, pelo artigo 8.° do Acto Colonial, a obtenção prévia de autorização da Assembleia Nacional.
Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.
A bem da Nação.
Gabinete da Presidência do Conselho, 22 de Dezembro de 1947. - O Chefe do Gabinete, José Manuel da Costa.»
«Lisboa, 16 de Dezembro de 1947. - Ex.mo Sr. chefe do Gabinete de S. Ex.ª o Presidente do Conselho. - Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que a Embaixada Britânica, por nota do 13 de Maio último, informou este Ministério de que o Governo do Sua Majestade Britânica desejava adquirir três talhões para construções, em Lourenço Marques, no cruzamento da Avenida Massano de Amorim com a Rua Augusto Castilho (talhões 218-A e 218-B, pertencentes ao Sr. Moosa Mahomed, com a área de 1:514 metros quadrados, e talhão 218-C, pertencente ao Sr. Georgo Cretikos, com a área de 1:511 metros quadrados), a fim de construir uma residência para o cônsul geral.
O Ministério das Colónias, consultado sobre o assunto, concordou com o local escolhido.
Tendo esta Secretaria de Estado apresentado como indispensável para a aquisição dos terrenos indicados a garantia de reciprocidade nos territórios vizinhos de Moçambique onde temos consulados - dada a impossibilidade de ser concedida em todas as colónias, protectorados e territórios sob mandato da Commonwealth Britânica, em virtude da sua particular organização -, a
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Embaixada Britânica enviou a seguinte resposta, que este Ministério considera de aceitar:
a) Quanto à Rodésia do Norte e Nyassaland, nada impede a aquisição, por parte do Governo Português, de terrenos para construção de consulados;
b) No Tanganhica, território sob mandato, o Governo Britânico não pode vender quaisquer terrenos, mas um governo estrangeiro poderá adquirir terrenos pertencentes a particulares, arrendar terrenos ou edifícios também particulares ou ainda conseguir do governador o direito de ocupação do terrenos públicos.
A propriedade de qualquer terreno só pode ser adquirida por transferência do respectivo direito de um particular que o detivesse anteriormente e o direito de ocupação de terrenos públicos nas cidades está dependente de propostas públicas ;
c) Com referência à Rodésia do Sul a Embaixada diz desconhecer qualquer razão que impeça a efectivação da reciprocidade, mas não está em condições de o garantir em absoluto por a Rodésia do Sul ter um governo próprio e ser necessário consultar a administração local, diligência demorada em face da urgência imposta pelas negociações em curso para a compra dos já referidos terrenos.
Tornando-se necessário, para ultimar este assunto, obter a autorização da Assembleia Nacional, conforme dispõe o artigo 8.° do Acto Colonial, muito agradeceria a V. Ex.ª se dignasse providenciar no sentido de poder brevemente ser submetido àquela Assembleia.
A bem da Nação. - O Director Geral Adjunto, (ilegível)
O Sr. Presidente: - Nos termos do artigo 8.° do Acto Colonial, é necessária a autorização da Assembleia Nacional para a aquisição doa referidos terrenos.
Este documento vai, portanto, baixar à Comissão de Negócios Estrangeiros, e, como é pedida urgência na resolução deste assunto, será submetido à apreciação da Assembleia na sua primeira reunião.
Estão na Mesa o relatório e contas da Junta do Crédito Público relativos ao ano de 1946, que vão baixar à Comissão de Contas Públicas.
O 4.° juízo criminal de Lisboa pede autorização à Assembleia para que o Sr. Deputado Duarte Silva possa depor naquele juízo no dia 16 do corrente. O Sr. Deputado Duarte Silva não vê inconveniente em que seja concedida a autorização solicitada.
Consultada a Assembleia, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, enviou à Câmara o Diário do Governo n.ºs 286, 289, 290, 291, 294, 299, 300 e 301, de 10, 13, l5, 16, 19, 26, 27 e 29 de Dezembro do ano findo, contendo os decretos-leis n.ºs 36:664, 36:665, 36:670, 36:671, 36:672, 36:673, 36:681, 36:697, 36:698 e 36:700.
Pausa.
O Sr. Presidente : - Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Froilano de Melo.
O Sr. Froilano de Melo: - Sr. Presidente: pela portaria n.° 4:409, de 22 de Maio de 1947, o governo do nosso Estado da Índia, após curtas e fugidias linhas que servem de preâmbulo à divisão administrativa do território, que nesse diploma se promulga, e a título de se emendarem «algumas anomalias existentes», e entre elas «o facto de ter-se declarado como sede do concelho das Ilhas um dos bairros da sua capital», altera a nomenclatura regional, escudada em documentos históricos e consagrada pelo uso interno, nacional e internacional, vibrando uma machadada na tradição, de que o povo de Goa é tão altamente cioso, e estabelecendo uma tremenda confusão, que é de todo o interesse dissipar.
No distrito de Goa desaparecem, segundo essa portaria, as designações «concelho das Ilhas» e acidado de Nova Goa», para serem substituídas pelas de «concelho de Goa» e «cidade de Goa». Por forma que temos hoje a palavra singular Goa repetida em distrito de Goa, concelho de Goa, cidade de Goa. Goa, Goa, Goa, três vezes Goa!
Para o conhecimento desta digna Assembleia e do mundo português e para que fique devidamente registado no Diário das Cessões, a minha voz de Deputado protesta contra esta inovação, que tem sido aceita com visível mau grado por toda a gente natural e residente ,na nossa Índia, mas contra a qual ousaram reclamar, em termas velados e humildes, apenas dois jornais locais, com os olhos tímidos espreitando o gládio fero da censura omnipotente...
Mas, para que este meu protesto não seja tomado como um reflexo medular, condicionado por uma vibração emotiva, vou provar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à digna Assembleia, com um pouco de história, o erro e os inconvenientes adstritos a essa nova nomenclatura.
Pondo de parte as designações de «Gomanta» e «Gomantaki», que se encontram na literatura indiana, a origem mais próxima da palavra «Goa» (antiga Gopacpur dos séculos XI a XV) deriva do nome indiano Govém ou Gová, proveniente do sânscrito Govapuri, que quer dizer povoação pastoril: compreendia toda a região da ilha chamada Tissuary, que quer dizer 30 aldeias, e especialmente a sua cidade principal, situada na margem do rio Zuari, e que, tendo sido a sua esplendorosa capital até aos tempos da dinastia dos Kadambas, é hoje uma modesta aldeia conhecida por Vodlém-Goém, ou a aldeia de Goa Velha. E Goa Velha, fixai-o bem!
O país sacudira o jugo dos reis de Bisnagar e tornara-se independente em 1440. Foi então transferida a sua capital para as margens do rio Mandovi, onde, na aldeia Elá, se fundou a cidade, que assumiu, dia a dia, maior importância estratégica e comercial: é a que em documentos, livros e mapas, nacionais e internacionais, constitui hoje a chamada Velha Cidade do Goa ou, tout court, Velha Goa (Vieux Goa, Old-Gou, Alt-Goa dos estrangeiros).
Foi esta a cidade que foi conquistada por Afonso de Albuquerque, que, projectando chamá-la Manuel, em homenagem ao Rei, desistiu do seu intento por ser tradicionalista e para não contrariar os usos da terra.
Foi declarada realenga por carta régia de l de Março de 1518. É a Goa áurea de que falam os nossos cronistas e os cronistas estrangeiros Linschotten e Pyrard. Teve palácios e conventos e edifícios de deslumbrar! E hoje um montão de ruínas, onde, no convento do Bom Jesus, repousa no seu túmulo de glória o corpo de S. Francisco Xavier.
Fixai-o bem, porque se trata de um legado santo! Cantam-na os poetas e os sinos de ouro da sua catedral relembram aos fiéis a grandeza de uma cidade morta, que de tempos em tempos serviu a sua glória antiga nas preces dos romeiros. Chora-a Tomás Ribeiro nos seus formosos alexandrinos:
Eis a cidade morta, a solitária Goa!
Seis templos alvejando em um palmar enorme!
Eis o Mandovi-Tejo, a oriental Lisboa,
Onde em jazigo régio imensa glória dorme!
E a Velha Cidade de Goa ou, tout court, Velha Goa ! Ninguém ouse profaná-la! É a cidade santa do cristianismo no Oriente.
A enorme acumulação de gente e as péssimas condições sanitárias, com as respectivas epidemias e a sua pavorosa mortalidade na cidade de Goa, originaram o
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êxodo da população para as localidades circunvizinhas: Piedade, S. Pedro, Pangim. Em 31 de Dezembro de 1759 o vice-rei, conde da Ega, mudou a sua residência do palácio de Panelim para o de Pangim, que a Câmara de Goa mandara restaurar a expensas do cofre municipal. Pangim era um bairro da freguesia de Taleigão.
Por alvará régio de 32 de Março de 1843 a povoação de Pangim foi elevada à categoria de cidade, intitulando-se Nova Goa, para a diferençar da antiga cidade de Goa, ou Velha Goa.
No antigo palácio do Hidalcão se estabeleceu o Palácio do Governo e no Largo das Sete Janelas se erigiu o monumento a Afonso de Albuquerque, com a estátua que guarnecia o frontispício do Recolhimento da Serra, na velha cidade. O povo de Goa é tão amante da tradição que há cinco anos, quando, por uma subscrição pública, se quis erigir um novo monumento ao herói que o cinzel de Maximiano Alves imortalizou em magnifico bronze, não se consentiu que a velha estátua fosse apeada do seu pedestal, e a comissão do monumento, de que era eu o presidente, teve de escolher a rotunda de Gaspar Dias, à entrada da barra, para a sede desse novo (monumento, que simboliza a união entre a Índia e Portugal.
Atentai nos termos desse alvará: soam como pedaços de ouro dessa prosa máscula e cristalina que caracterizava os documentos oficiais dos vossos avós:
Eu a Bainha. Faço saber, etc., ... que, considerando o estudo de ruína e quase total abandono em que se acha a antiga cidade de Goa, capital da Índia Portuguesa, onde apenas se conserva a Sé Primacial e o Arsenal;
E por outro lado o progressivo e considerável aumento da povoação de Pangim, já hoje notável, não só pela nobreza dos seus edifícios, e grossura do seu trato, como por ser a sede do governo geral e de todos os tribunais e repartições públicas do Estado da Índia, e
Querendo eu por estas considerações dar a devida preeminência e categoria à referida povoação de Pangim, a qual, achando-se ligada por uma extensa e magnífica ponte ao populoso e importante bairro de Ribandar, contíguo àquela antiga cidade de Goa, forma hoje com eles a capital da Índia Portuguesa, cujo glorioso nome, aliás, deve ser perpetuado pelas heróicas recordações a que anda anexo nos anais das nossas Conquistas:
Hei por bem e Me apraz, conformando-me com as propostas que a este respeito Me foram dirigidas pelo ex-governador geral, interino, José Joaquim Lopes de Lima em data de 18 de Fevereiro de 1842 e do actual governador geral, conde das Antas, em data de 21 de Outubro do mesmo ano, que desde a data da publicação deste alvará em diante a povoação de Pangim fique erecta em cidade, com denominação de Nova Goa, compreendendo os seus limites ..., dividida em três bairros, que serão designados e demarcados da maneira seguinte: primeiro, Bairro de Pangim, desde ...; segundo, Bairro de Ribandar, desde ...; terceiro, Bairro de Goa, desde ...
E Hei outrossim por bem que esta mova cidade haja todos os privilégios e liberdades ...
Pelo que mando a todos os tribunais, autoridades, oficiais e pessoas a quem o conhecimento deste alvará pertencer o cumpram como nele se contém e hajam daqui em diante a povoação de Pangim por cidade, assim a nomeiem e lhe guardem e a seus cidadãos e moradores todos os privilégios e franquezas e liberdades que têm e de que gozam as outras cidades e seus moradores, sem irem contra eles em parte ou em todo, porque assim é Minha Mercê ...
Comparem agora VV. Ex.ªs a gravidade destas palavras com a superficialidade e mesmo um certo gongorismo dialéctico, que a minha mente de leigo não chega a atingir, com que se modificou agora, no decurso de uma simples portaria - que nenhum vice-rei ousou promulgar!-, a nomenclatura consagrada por mais de um século de tradição. Ei-los:
Entre as anomalias há o facto de ter-se declarado como sede do concelho das Ilhas um dos bairros da sua capital. Este critério discriminativo ou analítico, sem razão alguma e sem ter correspondente no direito analítico português, tem acarretado e pode acarretar para a capital uma situação desvantajosa e de descategorização perante a estatística comparada e os problemas de urbanismo. Já em parte a tinha diminuído a designação de Nova, adoptada pelo alvará régio de 22 de Março de 1843, quando, em verdade, nada havia nem há aí que suplante na sua privilegiada beleza e importância histórica este tão simples como expressivo nome de Goa, que nos cumpre respeitar e engrandecer.
Que perífrases, que circunlóquios ! Que sucessão ininterrupta de direitos analíticos, critérios discriminativos e mais anomalias! Não chego a compreender o que há de desvantajoso e descategorizado para a «estatística comparada e problemas de urbanismo» em manter o estatuído no alvará régio de 1843!
A designação de Nova para a Nova Cidade de Goa tem as suas congéneres em toda a geografia mundial. A designação de Ilhas de Goa é uma verdade geográfica, pois que o concelho das Ilhas é constituído pelas ilhas de Tissuary (Goa) e pelas de Chorão, Divar, Vanzim, Acaró, Jua, Combarjua, S. Venâncio, Dongrim e Toltó.
Sr. Presidente: os senhores governadores da Índia têm muita outra maneira de legar o seu nome à posteridade, e inscrevendo-o em letras de ouro nos anais da história de Goa e da história de Portugal! Mas sómente porque a Reforma Administrativa Ultramarina lhes dá a faculdade de alterar os nomes das povoações, não se conquista a bênção do povo dando-se uma machadada num século de tradição indo-portuguesa!
Incumbe-me o papel, por vezes ingrato, de me fazer nesta sala eco dos sentimentos magoados dos meus constituintes, que é possível - não devo ocultá-lo!- sejam desmentidos por telegramas fomentados no seio de uma troupe de cortesãos. E este papel hei-de cumpri-lo, por muito que pese aos que porventura gostariam que a nossa palavra de Deputados fosse um passe-partout a todos os seus actos de governantes.
E porque garanto a VV. Ex.ªs que o povo da minha terra se acha profundamente magoado com essa mudança de nomenclatura e não ousa - porque lho não deixam! - exprimir livremente a sua mágoa, rogo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de transmitir as minhas considerações a S. Ex.ª o Ministro das Colónias e nosso distinto colega nesta Assembleia: em nome da Índia que é nossa, peço a S. Ex.ª restaure a nomenclatura antiga - distrito de Goa, concelho das Ilhas, cidade de Nova Goa -, que assim se respeitarão a geografia, a história, a tradição e os sentimentos do povo da Índia Portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. António de Almeida: - Sr. Presidente: como a imprensa relatou com merecido relevo, realizou-se no mês de Dezembro em Bissau, capital da Guiné Portuguesa, a II Conferência Internacional dos Africanistas Ocidentais, notável certame científico em que tomaram parte alguns dos melhores colonialistas de Portugal, da França, da Inglaterra e da Espanha.
Por se tratar de empreendimento invulgar e grandemente honroso para a Nação e para a sua obra colonizadora, especialmente no que respeita à província da Guino, julgo-me no dever de focar o alto significado desse congresso, trazendo à Assembleia Nacional as impressões que nele colhi e mais novas da terra ultramarina que primeiro descobriram os nossos antepassados de Quinhentos.
Sr. Presidente: pertence ao Sr. Prof. Mendes Correia a feliz iniciativa da reunião da II Conferência em Bissau, e ao labor e tenacidade deste ilustre cientista e de seus colaboradores mais próximos fica cabendo o bom êxito da organização e rendimento do congresso; porém, sem a perfeita compreensão e os necessários auxílios financeiros do Ministério das Colónias e do governo local, aquela patriótica sugestão dificilmente vingaria, e, ao ser perfilhada, não resultaria tão frutuosamente quanto o prestígio nacional e outras circunstâncias aconselhavam e impunham.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, louvores merece quem concebeu, preparou e orientou a Conferência e quem tornou possível a sua brilhante efectivação, que, no dizer unânime do sábio Prof. Monod, director do Instituto Francês de África Negra (Dacar), de Kirwan, secretário da Sociedade Real de Geografia de Londres, e de outros cientistas de renome universal, constituiu um verdadeiro e singular triunfo para Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os magníficos discursos do ilustre governador da colónia, Sr. comandante Sarmento Rodrigues, cheios de sabedoria, de patriotismo, de fé e de confiança absoluta na capacidade civilizadora da Nação; as sapientes orações do Sr. Prof. Mendes Correia - a primeira das quais é um óptimo balanço da actividade científica levada a cabo nas nossas possessões de além-mar, desde os tempos da expansão até à actualidade; as doutas conferências plenárias proferidas por alguns congressistas nacionais e estrangeiros, e as substanciosas comunicações (perto de duas centenas, das quais quase metade são da autoria de compatriotas nossos) sobre geografia e história, história natural e etnologia, são provas incontestáveis do elevado nível mental da Conferência de Bissau, assinalada ainda mais com a Exposição de Bibliografia recente da Guiné, e com a Exposição de Cartografia Portuguesa sobre a África Ocidental, organizadas pelo tenente Teixeira da Mota.
E, para melhor estudo das questões apresentadas, muitos dos assuntos debatidos nas sessões de trabalhos do congresso, nomeadamente os de índole geográfica e etnológica, puderam ser exemplificados praticamente em contacto com* as diversas regiões percorridas ou nas múltiplas povoações gentílicas visitadas.
Apraz-me confessar, Sr. Presidente, que foi com orgulho que verifiquei a atenção e o interesse votados pelos cientistas estrangeiros aos estudos portugueses e a segurança e probidade intelectual com que os nossos compatriotas intervieram nas discussões dos assuntos sobre a Guiné Portuguesa ou sobre as colónias estranhas, não obstante terem de exprimir-se na língua francesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, se os labores mentais do congresso provocaram justas manifestações de apreço a nacionais e estrangeiros, os demais actos públicos e solenidades inerentes resultaram igualmente perfeitos. Desde o acolhimento afectuosíssimo do governador às amabilidades do perfeito apostólico, dos funcionários públicos, dos directores das empresas e dos particulares, em Bissau, até à hospitalidade, genuinamente portuguesa, que nos foi dispensada nas povoações do interior da colónia, tudo traduziu carinho e ternura, que muito nos sensibilizou e jamais se apagará da mente e do coração daqueles que tiveram a honra e a felicidade de comparticipar na Conferência da Guiné.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Porque os congressistas lusitanos dignificaram as ciências coloniais, honrando Portugal, e porque os cientistas estrangeiros sentiram e reconheceram as cativantes deferências com que os rodearam, creio que deste certame advirão para o Pais futuras vantagens espirituais e políticas, que sempre nascem e se robustecem em reuniões desta natureza, intercâmbio muito de consolidar na hora atribulada que o Mundo atravessa, e quando nós, sob a orientação de Carmona e de Salazar, caminhamos na vanguarda da civilização ocidental e cristã, de que fomos pioneiros e maiores agentes de expansão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: porque me foi dado ver e apreciar vários territórios da colónia, como português e pessoa enamorada dos problemas ultramarinos, não devo calar nesta Assembleia o meu entusiasmo pela obra portentosa de engrandecimento material e espiritual que actualmente se efectua nesta nossa possessão africana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tal como na metrópole, reina na Guiné Portuguesa a paz e a tranquilidade dos corpos e das almas, e vive-se igualmente ali a hora das amplas e fecundas realizações que hão-de pelos séculos fora evidenciar uma deslumbrante étape civilizadora, conseguida à custa do esforço ingente dos funcionários públicos e dos nativos - uns e outros guiados pela mão sábia, dinâmica e sensata do prestigioso comandante Sarmento Rodrigues -, dos colonos individualmente e das empresas privadas, de que é justo salientar como expoentes a Casa Gouveia e a Sociedade Geral de Transportes, tanto pela riqueza que aquela cria directamente in loco, como pelo progresso que a última promove e impulsiona, carreando em seus navios os produtos guineenses para os centros industriais do Pais ou do estrangeiro.
Se, como é óbvio, o estado de adiantamento da colónia provém do somatório das administrações passadas, não há dúvida de que a era dos grandes melhoramentos, iniciada com sucesso por Carvalho Viegas, está a atingir o apogeu com Sarmento Rodrigues; por toda a parte a mesma ânsia invencível de construir, o mesmo afã de levar civilização e cultura, saúde, abastança e conforto aos colonos e indígenas, traduzem fenómeno geral, que, desvanecendo os portugueses e suscitando a admiração conscienciosa dos estranhos, constituem motivos de profundo reconhecimento por quem os concebeu ou faz executar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Lamentando não poder mencionar todos os benefícios ultimamente efectuados durante o curto
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espaço de pouco mais de dois anos e meio em que o actual governador vai ao leme da administração da colónia - permita-me, Sr. Presidente, que ao menos aponte algumas das mais importantes obras. Sob o ponto de vista cultural e educativo: construção do Museu, organização do Centro de Estudos, criação do Boletim Cultural (de que já saíram sete excelentes números), publicação de seis bons livros sobre etnografia e linguística guineenses (estando mais sete no prelo), laboração activa das missões zoológica, antropológica, geológica e geo-hidrográfica; construção de escolas nas sedes das circunscrições; melhoramentos na Escola de Artes e Ofícios de Bolama, criação da escola de práticos indígenas na granja do Estado e breve instituição de um estabelecimento de ensino liceal; edificação de igrejas e acabamento da catedral de Bissau; alargamento da ocupação missionária da colónia e criação de um seminário em Bula para nativos, de asilos e de uma colónia penal para indígenas na ilha das Galinhas, onde os internados trabalham remuneradamente; erecção do monumento a Nuno Tristão e restauro das históricas fortalezas de Bissau e de Cacheu; criação de parques infantis, de clubes desportivos e construção de campos de futebol e courts de tennis, entre os quais sobressaem os de Bissau, providos de óptimos balneários e bancadas de cimento armado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à ocupação médica e profiláctica: instalação eficiente em toda a colónia da missão da doença do sono e de postos sanitários em cada posto administrativo ou povoação mais populosa; edificação de três grandes pavilhões hospitalares em Bissau e início da construção das enfermarias de Bafatá, Gabu, Farim, Catió, Bubaque e Mansoa; campanha total contra a ancilostomíase, começo do ataque contra a bilharsiose e vacinações em massa contra a varíola e febre amarela - empreendimentos da maior envergadura, sem paralelo em nenhuma colónia; criação de escolas de enfermeiros e de parteiras; fundação da estação de repouso na praia de Varela, com moradias, parque, telefone, posto sanitário, etc.; canalização da água em Bissau (cedo a vão ter, também, Canchungo, Gabu e Bafatá); construção de fontes de água corrente no Biombo, Nhacra, Bissau, Bula, Oanchungo, Bafatá e em outras povoações categorizadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No que interessa à comodidade, riqueza e fomento: instalação dos chefes de posto em excelentes casas novas - em nenhuma das residências dos funcionários administrativos falta o telefone, receptor de rádio, frigorífico, motocicleta ou automóvel; modernização da estação radiotelegráfica central, em Bissau, estando a montar-se a ligação radiotelegráfica entre as ilhas Bijagós; instalação da luz eléctrica em Bissau, Bolama, Bafatá e brevemente em Catió, Farim, Canchungo, Mansoa e praia de Varela; ampla rede de estradas - como poucas há iguais nas colónias vizinhas, e tão boas como as das nossas províncias metropolitanas; construção de dezenas de pontões, encontrando-se em via de edificação a ponte da ilha de Bissau e a de Bafatá; próxima construção do porto de Bissau, que importará em algumas dezenas de milhares de contos; levantamento das grandes barragens do Biombo e de Nhacra, que permitiram enorme alargamento das bolanhas ou campos de cultivo de arroz, cereal indispensável à vida do gentio e cujo aumento de produção constituirá, futuramente, elemento valioso na economia da colónia; existência de hortas e campos experimentais de culturas em todos os postos administrativos; difusão entre os nativos do uso da mandioca e do milho; plantação à beira das estradas de árvores frutíferas ou produtoras de boas madeiras; introdução de aleurites e de árvores da borracha; edificação de celeiros do Estado em todos os postos administrativos - onde se guardam as sementes do arroz e do amendoim, emprestadas, aos naturais, em tempo próprio, ao juro de 5 por cento, taxa anual de feição educativa, pois que mal compensa as quebras; ofertas de árvores aos indígenas, de arados e carros de bois - alfaias agrícolas muito bem recebidas e adoptadas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, como índice do progresso febril que domina na Guino Portuguesa, há que salientar os campos de aviação, cujo número aumenta cada vez mais na colónia: dois em Bissau - o antigo, muito bom (onde têm descido e descolado os maiores aviões comerciais e de guerra, dele se havendo servido perfeitamente os seguros, confortáveis e bem pilotados aeroplanos da Companhia dos Transportes Aéreos, que levaram e trouxeram os congressistas da II Conferência dos Africanistas Ocidentais), e o moderno, com 2 quilómetros quadrados de superfície, prestes a ter pistas asfaltadas e que virá a ser um dos aeródromos de recurso mais frequentado da costa ocidental africana, senão ponto de passagem obrigatória das aeronaves que se destinam à África e à América Meridionais ; e muitos outros, construídos nas sedes das circunscrições do interior, dos quais merecem menção especial os tle Mansoa, Canchungo e Bafatá.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: antes de concluir as minhas considerações, desejo repetir que toda esta admirável actividade colonizadora operada na Guiné Portuguesa, e bem pàlidamente sublinhada por mim, se deve a todos os portugueses, civilizados e incultos, que habitam ali: aos primeiros, por laborarem incessante e infatigavelmente, sempre animados por iguais intenções progressivas, por idêntica crença em seus esforços e pela mesma fé na tarefa magnífica em que o governo local anda empenhado; aos segundos, porque, recebendo bom salário, voluntariamente oferecem o seu braço forte ou labutam nas suas lavras, onde cultivam os géneros de que se sustentam e os produtos ricos, cujo comércio, trazendo-lhes bem-estar e riqueza, concorre eficazmente para o engrandecimento da sua terra natal, de Portugal, enfim. Para uns e outros, dedicados servidores do Império, vai a minha homenagem incondicional, vão, tenho a certeza absoluta, as saudações calorosas da Assembleia Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva:- Sr. Presidente: volta a estar no plano da discussão o problema da política do Governo quanto à colheita da batata realizada no País nos primeiros meses do ano de 1947.
Na sessão de ontem o nosso distinto colega Sr. Melo Machado, usando da palavra, levantou a luva em nome da lavoura, que, na opinião de S. Ex.ª, dizia sentir-se injustamente tratada nalgumas referências que tive ocasião de fazer quando usei da palavra na discussão da lei de meios.
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Há manifestamente um equívoco da parte de S. Ex.ª e acima de tudo uma arguição que é mais do que injusta: é injustificada.
Vou explicar porquê:
Quando usei da palavra e me referi, em termos que contínuo a reputar absolutamente razoáveis, à política do Sr. Ministro da (Economia em relação a este importante produto de consumo nacional tive ocasião de distinguir nitidamente entre aqueles lavradores que tinham especulado, lançando-se aventurosamente numa colheita para a qual não estavam preparados nem indicados os terrenos de que eram proprietários ou locatários, e esses outros lavradores que, calmamente, prudentemente, tinham mantido o seu ritmo de trabalho e a orientação da sua actividade em termos de acudir a uma necessidade que o País nesse momento vivia.
E dizia: «os preços da batata estavam tão altos que muitos produtores que nunca tinham plantado batata em determinadas regiões, porque não eram de interesse por causa das condições climáticas ou da constituição do solo, passaram a plantá-la, na mira do seu alto preço, pagando, sem discutir, os salários que lhes pedissem e os adubos que lhes ofereciam. O preço tinha de ser alto, para que essa gente tivesse compensações».
Nas linhas adiante acrescentei: «E, ao passo que reclamo para a lavoura que se manteve calmamente no trilho das actividades sãs, semeando o mais e o melhor possível dentro das suas possibilidades climatéricas ou geofísicas, toda a protecção e carinho, não acho forma de descobrir fibra que se sensibilize perante o infortúnio dos que, na ambição de lucros desmedidos, romperam a semear batata em terrenos impróprios pela carestia da cultura e todas as demais circunstâncias já enunciadas e acabaram por perder dezenas ou centenas de milhares de escudos. Esses não agricultaram - especularam. Perderam? É o triste signo de quem joga!».
Porque produzi eu estas afirmações, Sr. Presidente? Porque se tinha afirmado que a política de importações maciças adoptada pelo Governo em fins de 1946 e primeiros meses de 1947 tinha provocado um verdadeiro «escândalo».
E fiz, a seguir, a demonstração de que essas importações maciças não tinham tido nem podiam ter tido a menor intervenção, directa ou indirecta, na dificuldade de colocação no mercado da batata nacional actualmente armazenada nos celeiros, visto que toda a batata importada em fins de 1946 e princípios de 1947 fora quase totalmente consumida quando, em Março e Abril desse ano, começou a chegar a Lisboa a batata da Moita, que é a primeira a aparecer. Por consequência, não fora a política da importação maciça de batata nem fora a actuação, a todos os títulos notável, do Sr. Ministro da Economia a causa de alguns produtores se haverem visto assoberbados com uma quantidade de batata que excedia largamente as> necessidades de consumo do País. Essa culpa não deve ser atribuída ao Ministro; cai, e com toda a gravidade do seu peso, íntegra e completa sobre os produtores que, na ambição de lucros desmedidos, como disse, «romperam a semear batata em terrenos impróprios pela carestia da cultura e todas as demais circunstâncias anteriormente enunciadas, perdendo, por isso, dezenas ou centenas de contos». A esses, e só com relação a esses, empreguei a palavra «especulação».
Ora o meu ilustre amigo Sr. Melo (Machado levantou a luva em nome da lavoura. E eu pergunto: de que lavoura? De facto, há que distinguir entre os que produziram batata num «golpe» nitidamente especulador e esses outros que semearam no exercício da prática normal da sua cultura. Foi em nome destes últimos que 8. Exa. levantou a luva? Teve um gesto inútil; fui eu o primeiro a exaltar-lhes os méritos.
O Sr. José Nosolini (interrompendo): - Como é que V. Ex.ª pode determinar o limite de desenvolvimento de uma lavoura que cultiva para não especular?
O Orador: - Desculpe V. Ex.ª, mas a sua intervenção convence-me de que não ouviu as minhas considerações de hoje desde o princípio, principalmente as que produzi na discussão da lei de meios.
Está-se discutindo a responsabilidade que possa ser atribuída ao Governo pelas importações de batata e os seus efeitos no excesso actual do produto verificado em certas regiões do País, precisamente as que melhores aplausos merecem. E esse o ponto que está em debate e é em relação a ele que continuo, portanto, as minhas considerações.
E volto a perguntar ao ilustre Deputado Sr. Melo Machado: em nome de que grupo da lavoura o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado levantou a luva? Em nome daqueles que fizeram a sua cultura em condições tradicionais ou dos que se arriscaram numa cultura até então não praticada nos seus terrenos, movidos pela ambição de se lançarem no jogo de ganhar ou perder?
Repito: se foi em nome dos primeiros é inútil agitar a luva, porque eu próprio fui o primeiro a fazer-lhes justiça quando usei da palavra na discussão da lei de meios.
Se é em nome dos últimos, discordo das considerações do Sr. Deputado Melo Machado quando sustentou que em matéria de especulação praticada pelo produtor é a colectividade quê afinal beneficia.
Esta afirmação traduz um erro calamitoso. A colectividade somos todos nós, e até os que especularam. Da colectividade fazem parte os pobres produtores habituais de batata do Centro e do Norte do País, agora a braços com as dificuldades criadas pelos seus colegas lavradores que se iniciaram na cultura da batata no ano de 1947. E não se dirá que foram beneficiados pela aventurosa intervenção destes últimos.
Não, Sr. Presidente e meus senhores..
A responsabilidade da crise actual não é da política do Governo; é da má orientação tomada por esses lavradores. A prova provada de que assim é encontram-na VV. Ex.ªs numa interrupção, aliás doutíssima, como sempre, do nosso colega Sr. Melo Machado feita ontem ao Sr. Deputado Querubim Guimarães, quando S. Ex.ª se referiu ao enorme acréscimo de produção de batata que houve no seu distrito (Aveiro) e que foi rapidamente absorvido por Lisboa.
Precisamente por efeito desta, desorientação, praticada por certo ramo da lavoura, aquelas regiões do País onde tradicionalmente a cultura da batata tem sido a cultura dominante encontram-se a braços com uma enorme crise.
O distrito de Aveiro, que anteriormente mandava para Lisboa uniu quantidade mínima de batata, com referência à colheita de 1947 lançou no Sul uma quantidade daquele produto que é seis, sete, oito, nove ou dez vezes superior à anterior.
E, em contrapartida, nas regiões clássicas da cultura da batata, tais como Bragança, Chaves, Montalegre, Trancoso, Guarda, Covilhã, Castelo Branco, etc., há, sem dúvida, excesso de batata para consumo, em risco de apodrecer ou ser transaccionada a preços aviltados.
Neste ponto tem o Sr. Deputado Melo Machado carradas de razão: o lavrador está a vender a batata a cerca de $70 a certos intermediários, que a põem no mercado a 1$70. Nas mãos desses intermediários fica agora 1$, quando, ainda há meses, a sua margem para despesas de transporte, colocação do produto e lucro legítimo andava ao redor de $30
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Mas pode o Governo ser responsabilizado pelo procedimento dos intermediários que se aproveitaram desta ocasião para fazer pesar com toda a violência os efeitos da lei da oferta e da procura, obrigando os lavradoras a entregarem-lhes a batata por $70, para a colocarem no mercado a 1$70?
Que atitude será legítimo reclamar do Governo?
Uma atitude puramente administrativa, digamos, como seria a de voltar ao tabelamento do produto? Mas ele seria francamente antagónico com todos os princípios e todas as aspirações manifestadas não só nesta Câmara como na massa geral do País! O tabelamento já deu o que tinha a dar!
Uma intervenção policial drástica? Mas essa está desde há muito definida em textos legais conhecidos.
Há uma lei que proíbe e pune severìssimamente a especulação.
O que é necessário é que as vítimas dessa especulação tragam junto das entidades competentes a comprovação de que estão sendo espoliadas. Habilitem-se as entidades competentes com os meios de prova indispensáveis para poderem agir, e toda a brutalidade e violência da lei é pouca para aqueles que, aproveitando a situação de pediria do lavrador, pretendem arrancar por $70 um produto que, a. alguns dias de prazo, colocam no mercado a 1$70.
O Sr. José Nosolini: - V. Ex.ª, dentro desse seu espírito e dos seus princípios, coloca o produtor num dilema terrível. Ele verá esta situação: se o preço for alto, o Governo intervirá, para impor um preço baixo, mas se o preço for de ruína, o Governo não tem remédio para opor a isso.
O Orador: - Eu estou a dizer a V. Ex.ª o contrário. Repito que tabelar em produto nas condições actuais é um erro. A batata, ao contrário do que aqui se afirmou, não está tabelada nem deve ser tabelada.
O Sr. José Nosolini: - V. Ex.ª não está a dizer o contrário. V. Ex.ª disse que uma intervenção para evitar um preço de ruína é impossível; isso basta, porque a intervenção, na outra hipótese é fatal.
O Orador:- Não é isso que eu disse a V. Ex.ª
Formulei uma interrogação. Perguntei: o que se pretende do Governo?
O tabelamento do produto está condenado, é inútil. Tabelem-no uma centena de vexas e uma centena de vezes o produtor, premido pelas circunstâncias, terá do pactuar com as imposições do especulador. A intervenção policial está estabelecida.
Qual será então a solução adequada? A solução é a que está classicamente consagrada e tem já precedentes na actuação do Governo.
O Governo já o fez em princípios de 1947, e evidentemente que há-de estar preparado para o fazer agora, tão depressa as circunstâncias o permitam, recorrendo à exportação para uma Europa esfaimada do excesso d» batata que se encontra no País.
Esta é a única solução com êxito.
O Sr. Carlos Borges: - V. Ex.ª tem muita razão, mas ...
O Sr. Presidente: - VV. Ex.ªs não podem estar constantemente a interromper o orador, que está a falar antes da ordem do dia. E ao Sr. Deputado que está no uso da palavra lembro que está quase a terminar o período que o Regimento lhe concede para antes da ordem do dia.
O Orador: - A política do Governo foi a mais oportuna e inteligente no momento em que a pôs em prática. E não pode ser invocada agora, em que a situação é completamente diversa daquela que existia em princípios de 1947.
Apoiados.
Presentemente, em virtude do desvario de certos membros da lavoura, debatemo-nos com um superavit de batata. Suponho que anda por 125:000 toneladas a batata existente; como só precisamos de- 40:000 a 50:000 toneladas ateu próxima colheita, a restante pode e deve ser exportada. Essa aspiração é legítima.
O Governo acudir-lhe-á, tenho a certeza. Mas a censura a uma doutrina aplicada com a maior oportunidade a factos passados, velhos de quase um ano, transportada para a situação actual, inteiramente diversa, além de representar uma injustiça, é também um erro. Nada devo, por conseguinte, retirar daquilo que afirmei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: o nosso ilustre colega Sr. engenheiro Nunes Mexia e eu enviamos para a Mesa o seguinte aviso prévio sobre o problema do pão:
«Considerando a instabilidade do nosso clima, a circunstância de nos não acharmos na zona geográfica do trigo e a falta de garantia da sua futura aquisição no estrangeiro;
Considerando a importância para o País do pão, nos seus aspectos económico, social e político;
Considerando as necessidades actuais de trigo para consumo e semente, computadas em cerca de 600.000:000 de quilogramas, e a produção média anual, avaliada apenas em cerca de 410.000:000 de quilogramas:
Somos levados a concluir que:
1.º O trigo representa o produto em relação ao qual é maior a nossa sujeição ao estrangeiro;
2.º A sua importação desfalca a balança económica em cerca de 538:000.000$;
3.º A sua cultura fora das zonas adequadas, mormente nos terrenos declivosos e de fraco fundo de fertilidade, está conduzindo ao desgaste da mais valiosa parcela do nosso património - o solo arável.
Nestas condições, pretendem os signatários, ao abrigo do artigo 49.º do Regimento da Assembleia Nacional, tratar em aviso prévio os vários problemas que se relacionam com o pão, tendo em vista:
1.º Que se estabeleça, mediante inquérito económico directo, se a lavoura trigueira atravessa uma crise, se esta tem solução dentro do interesse nacional e qual a posição do Governo perante a produção;
2.º Que, aproveitando a tradição legada pelo período de guerra, se- generalize o consumo do pão de mistura com a amplitude necessária para constituir uma solução nacional;
3.º Que o critério do pão de mistura não obedeça primacialmente a imperativos de política de preços que afectem a qualidade do tipo ou tipos adoptados, os quais devem ser de apresentação equivalente aos de trigo esrtreme;
4.º Que na mistura se utilizem os cereais de produção metropolitana e colonial, como o milho, a cevada e o arroz;
5.º Que a quebra no teor de glúten seja atenuada pelo incremento nas terras argilosas da cultura dos trigos rijos das variedades mais adequadas ao fim em vista;
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6.º Que esta solução seja enquadrada na política económica da Nação, promovendo-se, através da pecuária e da ceva industrial, o consumo e valorização das farinhas residuais, cabecinhas e sêmeas provenientes dos cereais de encorporação».
O Sr. Albano de Magalhães: - Sr. Presidente: neste intervalo de férias ocorre em Portugal um facto que deve ser posto em relevo na Assembleia Nacional.
É certo que estamos tão habituados a ver neste País coisas novas que já nem damos conta de certas coisas que têm um significado especial nesta política de recuperação a que meteu ombros a Revolução Nacional.
Entrou no porto de Lisboa um novo barco da marinha mercante: o Pátria, da Companhia Colonial de Navegação.
E um navio de linhas modernas, com todos os requisitos de comodidade de um excelente paquete de 19:000 toneladas.
Nunca a bandeira portuguesa tremulou em barco igual.
Saído dos estaleiros da Grã-Bretanha, país a que nos prende uma tradicional aliança, sulcou os mares e abeirou-se da costa portuguesa, para que a nossa terra o visse tal como é, totalmente português, ou um desmentido heróico a certos sebastianistas do derrotismo nacional.
Houve ainda alguns, demasiadamente apegados a essa tradição de mal-estar, de que não querem libertar senão pela ironia e pela chalaça, que o amo quiseram ver.
São como aquele gageiro que «na nau Catrineta a muito custo subia «acima, acima ao mastro real».
Habituados a mover-se, por cegueira de nascença política, muito juntinho à terra, têm justificado receio de pressentir a água, não conseguem vencer essa relutância que os separa da fé, falta-lhes o ânimo para quebrar essa cortina de ferro que os não deixa acreditar na própria verdade dos factos nem os deixa subir mais alto, mais alto ao topo real, para verem, com os seus próprios olhos, como se está realizando o plano de vida da marinha mercante que o Ministro comandante Américo Tomás em boa hora tomou- a peito levar avante sem ter pedido aval dos empreendedores do bom chiste e
E mais uma coisa nova que enriquece o património de um regime político e que fica, quer queiram quer não, no activo da nossa verdade.
E a nós, representantes do povo português à Assembleia Nacional, sempre pressurosos a criticar medidas do Governo, também compete manifestar-lhe que sentimos com a Nação a alegria de viver nesta hora alta de ressurgimento, graças a uma política de paz e ordem, superior e firmemente dirigida, e em que podem colaborar todos os portugueses de boa vontade.
Disse.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:- Está ainda inscrito para usar da palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo Machado.
Como S. Ex.ª pediu a palavra durante o discurso que acaba de proferir o Sr. Deputado Bustorft da Silva, presumo que deseja versar o mesmo assunto que aqui trouxe na sessão de ontem e que noto despertar vivo interesse na Assembleia. Mas dentro da tendência, que julgo ser a do Regimento, de evitar generalização de
debates no período de antes da ordem do dia, vejo-me forçado a recusar hoje ao Sr. Deputado Melo Machado a palavra, que aliás será por todos escutada na primeira oportunidade com o maior interesse.
Como já na sessão de ontem foi comunicado, está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei n.º 177, do Sr. Deputado Melo Machado. Mas, em vez de baixar à Comissão de Economia, como se declarou, vai baixar à Comissão de Legislação e Redacção e à Comissão do Obras Públicas.
Pausa.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes de Matos.
Como o autor deste aviso prévio tinha ficado com a palavra reservada na sessão de ontem, vai prosseguir nas suas considerações.
O Sr. Mendes de Matos: - Sr. Presidente: de tudo quanto ontem disse nesta tribuna parece-me dever concluir-se que o comércio de vinho e outras bebidas alcoólicas a retalho como se vem exercendo é ilegal, porque atenta contra diplomas jurídicos em vigor, é factor poderoso da degenerescência da Raça, é foco de graves desordens e perturbações morais, sociais e políticas, é ruína da família, porque a empobrece física e moralmente, e constitui obstáculo à eficiência da assistência que o Estado organizou e pratica para amparo e fortalecimento dela, é perturbador da economia nacional, porque reduz o rendimento do trabalho e a longevidade de numerosos trabalhadores.
A todos estes males procura responder-se com um. argumento que, praticamente, se julga fundamental. O argumento é esto: temos muito vinho! É preciso vendê-lo! E, para o vender, é mister conservar o regime da taberna livre, ainda que se sacrifiquem o moral e o social ao económico.
Este argumento não colho, porque é falso, tanto na estrutura como na conclusão. Não é o regime da taberna livre que facilita o escoamento do vinho, é antes a taberna regulada que fomenta e estimula o seu consumo.
E, na verdade, o regime de consumo de vinhos em Portugal exprime-se por este antagonismo: de um lado uma multidão que bebe em demasia e do outro lado uma multidão muito maior, a grande maioria, que ou não bebe, ou bebe nas condições inferiores às permitidas pela higiene. Portanto, uns que bebem demais e outros que bebem de menos.
Pergunto: é este regime o que mais favorece a economia vinícola do País? Parece-me que não. A economia do País, para ser favorecida e engrandecida, para que possa crescer e prosperar, não basta que se mantenha a equação entre a actual produção e o consumo. O interesse da economia vinícola exprime-se pelo crescimento do consumo, a fim de que a produção possa ser aumentada em proporção. Nisto creio que todos estaremos de acordo. Pergunto então: é o regime da taberna livre o que mais favorece essa economia? Factos que todos nós conhecemos respondem negativamente.
Anda o Estado sinceramente empenhado em aumentar, a todo o custo, a produção agrícola e procurar que o País se baste em tudo aquilo que o solo nacional é capaz de dar. Nisto tem o Estado gasto verbas avultadas e organizado serviços importantes: tem procurado louvavelmente reduzir ao mínimo a nossa insuficiência alimentar, nesta hora em que, praticamente anuladas as
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fronteiras geográficas, as nações procuram a sua defesa nas fronteiras morais e económicas.
Ora, enquanto o Estado está promovendo uma valiosa assistência técnica e financeira, enquanto o Estado gasta muito dinheiro, despende muitos esforços, emprega muito trabalho em favor das culturas da terra, manda arrancar milhares de cepas e estabelece ao mesmo tempo um regime preventivo para a cultura da vinha.
Porque este destroço de milhares de cepas? Porventura a terra que elas ocupam é química e climàticamente imprópria para a sua produção? Porque é útil para outras culturas de cujos produtos o País carece?
Parece que não, porque terras em que as cepas foram arrancadas ficaram sem cultura.
O Sr. Melo Machado (interrompendo): - O Estado manda arrancar as cepas que estão produzindo mau vinho, mas não é porque elas não possam produzir algum vinho; manda substituir o mau pelo bom.
O Orador:- Nem sempre, porque cepas de óptimas e produtivas castas tem sido arrancadas e outras que o deveriam ser são mantidas. Porque se dificulta a plantação das vinhas?
Vozes: - É que há vinho a mais.
O Orador: - Está então esgotada a capacidade do consumo do País? Não: o nosso País tem o índice de capitação mais baixo da Europa.
Mesmo assim há que concluir-se que o actual regime de consumo do vinho é desordenado.
Em grande parte ao menos pelo regime das tabernas livres; é ele que não permite que se amplie o consumo, antes o restringe, evitando assim que a economia vinícola do País consiga os lucros a que tem direito e a prosperidade larga que a economia comum exige. Este resultado é perfeitamente lógico - só o não vêem os que não querem observar com serenidade os factos e as razões.
Na verdade, o regime de taberna livre defrauda o consumo do vinho por três razões fundamentais: a primeira razão é que o ébrio é um fraco consumidor, porque não tem capacidade de resistência, e por isso, como diz o povo, «sustenta pouco vinho»; segundo, porque o ébrio tem uma vida curta; terceiro, porque o ébrio engendra normalmente uma prole reduzida em número, como reduzida na capacidade de consumo.
Reconhece-se, pois, que o ébrio consome pouco no tempo e no espaço, por paradoxal que seja essa conclusão.
Posto o problema no aspecto geral e nacional, conclui-se que tal regime não favorece o consumo.
Este regime não só impede o consumo por parte daqueles que frequentam a taberna, mas impede-o em muitos outros.
Está averiguado que a abertura da taberna ao domingo absorve totalmente o salário do numerosos chefes de família, obrigando-a a um regime de subalimentação.
Com tal regime é evidente que não pode promover-se, como seria conveniente, o uso honesto de vinho nas pessoas de família.
O Sr. Cincinato da Costa: - Outro tanto sucede se gastar o dinheiro da semana em casa com a família ou com os amigos.
O Orador: - Sucede exactamente o contrário: é que o salário será gasto no sustento da família; o uso doméstico do vinho não prejudicará o sustento normal da família.
Assim mesmo é que devia ser.
No entanto, há uma objecção que quero pôr com lealdade. Se na verdade o ébrio consome o dinheiro da féria passando todo o dia a beberricar na taberna, como podemos dizer que ele gasta pouco?
A contradição é só aparente. A explicação está nesta pergunta: porque é que, aqui e além, alguns retalhistas de vinhos o vendem por um preço inferior ao da compra aos produtores?
A taberna ao domingo dá um escoamento grande de bebida, que não corresponde com exactidão a um escoamento de vinho. São duas coisas diferentes: um escoamento interessa à economia vinícola e outro não tem para ela interesse nenhum. O escoamento de vinho é absolutamente diverso do escoamento de vinho com água que o taberneiro vende, principalmente ao domingo.
Isto está-se generalizando tão largamente que em algumas regiões o paladar dos bebedores se embotou, até da gente do povo que não se embriaga.
O Sr. Melo Machado:- Essa prática de deitar água no vinho deve vir, quase, do tempo de Noé.
O Orador:- Mas não foi com vinho aguado que Noé se embriagou... O ponto importante não é a época de que data a fraude, mas sim o que significa para a economia nacional.
O Sr. Cincinato da Costa: - As estatísticas mostram o contrário, porque o preço é sempre muito mais alto, havendo até muitas vezes críticas por esse facto.
O Orador: - É verdade que também há disso; mas esse abuso não contraria a minha conclusão; apenas mostra que o taberneiro pratica com os ébrios um duplo abuso: o da fraude e o do dano nos preços.
Em qualquer dos casos verifica-se que o regime de taberna livre não é o que vem facilitar o escoamento de vinho.
O encerramento das tabernas ao domingo não prejudica, pois, o escoamento do vinho, não reduz o seu consumo.
Os factos confirmam esta conclusão, e não já factos colhidos na literatura da especialidade ou constantes das actas dos congressos, mas factos nossos, de uma experiência simples:
Em onze concelhos do distrito da Guarda as câmaras municipais ordenaram que as tabernas fechassem ao meio-dia de domingo, em virtude de as autoridades judiciais as informarem de que os crimes julgados nos respectivos tribunais, como já dissemos, eram praticados na noite de sábado e no domingo depois das quinze horas. Isto não foi ontem, tem já alguns anos. Quais foram os resultados? Uma queda vertical na criminalidade das freguesias; uma maior elevação das condições sociais das populações, e em terceiro lugar -este é o facto que interessa- a conservação do mesmo nível de venda do vinho. Em alguns casos o volume da venda parece ter aumentado.
O maior taberneiro, o maior vendedor de vinho a retalho que há no distrito da Guarda fechou há anos espontaneamente a sua casa durante todo o dia de domingo ; reconheceu que no fim de um ano as suas vendas não tinham diminuído; de contrário teria revogado a resolução.
As razões e os factos mostram, pois, que a abertura da taberna ao domingo não favorece a economia vinícola do Pais.
Qual é então a solução do problema?
A solução preconizada reside no aumentar da capitação, em transformar-se o uso pessoal do vinho em uso doméstico e familiar.
Se o vinho é uma bebida higiénica e uma bebida alimentar, parece que hoje mais do que nunca, nesta hora
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de dificuldades alimentares, nesta hora em que faltam em tantos lares os alimentos indispensáveis para a satisfação das necessidades da vida, se deve aumentar o consumo do vinho, pela elevação do índice e capitação.
Esta opinião não é minha; é de autoridades científicas, é a opinião da gente do povo, é a opinião do Instituto Nacional do Trabalho e a opinião do Governo. Para que não se julgue que estou a fazer afirmações gratuitas, vou ler essas opiniões.
A primeira é de um grande higienista português, que durante muitos anos regeu a cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina do Coimbra. Depois de várias considerações diz:
A embriaguez pública é crime, mas os costumes brandos não consentem a sua punição.
Por último, haveria que criar uma novidade: a venda do vinho ficaria equiparada à mercearia, que vende o arroz e o bacalhau para serem consumidos em casa do freguês. A venda a copo ficaria proibida, ao menos em certos dias. O consumo seria domestico, em família, com vantagem para todos.
Que se não assustem os vinhateiros - a limitação do abuso é compatível com o alargamento do uso honesto. Uma população sadia vale mais para produzir e consumir que uma legião de doentes e degenerados.
E agora permitam-me VV. Ex.ªs que leia o seguinte documento que acabo de receber, e que me parece extremamente importante e elucidativo:
Responsável pelo estudo e execução de medidas de profilaxia o higiene mental individual o colectiva na zona sul do País, apoio calorosamente considerações feitas por V. Ex.ª na sessão de ontem da Assembleia Nacional sobre as influências nocivas que as liberdades usufruídas pelas tabernas e outros estabelecimentos de venda de bebidas alcoólicas resultam para a saúde mental dos seus habitantes e confio que essas considerações influirão favoràvelmente na consecução dos objectivos que o Centro de Assistência Psiquiátrica da Zona Sul, através do Dispensário de Higiene e Profilaxia Mental de Lisboa, tem em curso. - O Director, Fernando Ilharco.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª sabe que em determinado momento foi proibido o consumo do álcool na América do Norte. Pois nunca houve tantas e tão más bebedeiras como nesse tempo.
O Orador: - Creio que V. Ex.ª está enganado, pois, segundo o que se pode ler numa obra escrita por Joseph Reynaud, nalguns estados da América do Norte foi proibido o uso de bebidas dentro dessas casas e deste modo se reduziu consideràvelmente a embriaguez; noutros bastou que se tivesse aumentado o preço do vinho consumido in loco; outro tanto sucedeu na Inglaterra.
O Sr. Quelhas Lima: - O vinho na América do Norte era vendido nas farmácias, mediante receita médica. Portanto continuou a vender-se e apenas mudou de lugar o local da venda.
O Orador: - Sempre se reduziu o vício e tudo quanto na matéria se ganha é um benefício.
Portanto, parece-me que essas considerações feitas por V. Ex.ª não vêm deslustrar, nem vêm atenuar a importância deste testemunho.
Ao lado deste testemunho há ainda o testemunho da gente do povo. Ainda o ano passado, quando o Sr. Subsecretário de Estado das Corporações visitou a cidade
da Covilhã, recebeu os representantes das classes trabalhadoras, que lhe pediram que se encerrassem as tabernas ao domingo para haver paz e pão nas famílias. E isso foi oficialmente feito por uma operária, que representava milhares de mulheres de operários.
Ainda exprime melhor a mesma coisa a carta que aqui tenho, de uma outra mulher do Porto. Diz ela:
Assim como não há pão, também não deve haver vinho. Que seja terminantemente proibida a venda de vinho a copo.
Que se abasteçam, bebendo em casa, junto ou separado das refeições.
O que significa a imoralidade do ser facultada, à taberna licença de funcionar até à madrugada, o que a qualquer outro estabelecimento não é permitido?
Quem são e a que classe pertencem os fregueses habituais da taberna?
Não serão porventura aqueles cujos exíguos salários lhes não permitem sofrer o mínimo desconto?
Não serão os mesmos que fornecem mais elementos as repartições nas estatísticas dos tuberculosos, sifilíticos e leprosos?
Sim. É incontestável. Portanto à Liga de Profilaxia Social compete o direito de tocar neste caso, com saber proficiente, a fim de os arrancar à promiscuidade da taberna, onde bebem pela mesma caneca grupos de pessoas (homens, mulheres e crianças).
Esta é a voz do povo; podemos agora invocar a voz do Instituto Nacional do Trabalho, que, por intermédio da sua delegação no Porto, numa comunicação enviada ao Sr. secretário do mesmo Instituto, diz o seguinte:
Por outro lado. quanto à vantagem resultante do maior consumo de vinho, o que se verifica é que há cidadãos que na taberna bebem demasiado o muitíssimos outros que bebem pouco ou não bebem nada.
O consumo do vinho, que dizem representar metade da economia do nosso País, deve promover-se advogando uma maior capitação, ou gasto, por pessoa, não sendo do atender qualquer outro critério.
Quanto aos sucedâneos da taberna como centros de distracção, o povo tem génio bastante para arranjá-los, aluiu do que muito se deve esperar neste domínio da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, similar da instituição alemã a Alegria no Trabalho» e da italiana «Dopolavoro».
Podemos ainda citar o testemunho do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, enquanto esteve no Sub-secretariado de Estado das Corporações. Esse testemunho, que já aqui é conhecido, diz o seguinte:
1.º Mostrar ao povo que algo do mais interessante há do que embebedar-se na companhia de amigos;
2.º Criar locais de reunião e meios de diversão para os trabalhadores;
3.º Transformar - mas só então - o horário de trabalho das tabernas e casas de pasto, de maneira a que, estando abertas só durante as horas de trabalho, desapareçam ou se transformem apenas em modestos restaurantes de trabalhadores.
De forma que, Sr. Presidente, temos aqui as opiniões - se assim me é permitido falar - do Clero, da Nobreza e do Povo.
Se estamos em democracia, temos um plebiscito, porque são vozes de representantes das classes da Nação;
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e em regime de autoridade, temos as Cortes; em qualquer caso a voz da Nação.
VV. Ex.ªs dirão: tudo isso está muito certo; estamos todos de acordo em que primeiro é mister o alargamento da produção do vinho e o seu consumo, exactamente para defendermos a economia vinícola, que é uma parte notável da economia nacional.
Creio que não haverá também discordância quanto à segunda parte, isto é, quanto à necessidade de se aumentar o consumo do vinho transformando o uso individual em uso familiar.
Creio que nisto estamos de acordo.
E qual então a forma de chegar-se a esse objectivo? Eu direi que esse objectivo se pode alcançar através do despacho do Sr. Dr. Trigo de Negreiros, quando Subsecretário de Estado das Corporações: criando lugares de recreio e de diversão, de maneira a os trabalhadores gastarem o tempo disponível sem prejuízo da saúde, antes- valorizando-se física, moral e intelectualmente, e, em segundo lugar, que se criem pequenos, modestos, restaurantes de trabalhadores.
Parece-me que assim o problema será resolvido.
A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho muito tem feito já sob este ponto de vista e há também muito que fazer através das Casas do Povo.
Não se pretende que as Casas do Povo comportem actividades que não estejam no âmbito das suas disposições estatutárias. Pelo contrário: pretende-se apenas integrá-las no cumprimento dos seus estatutos, na realização dos encargos que lhes são atribuídos, e que lhes darão a função para que foram criadas.
Sr. Presidente: faz doer a alma de todo o português, não apenas do padre, o espectáculo de tantos operários passando o seu tempo nas tabernas, não melhorando nem física nem profissionalmente as suas condições, mas antes degradando a sua dignidade, empobrecendo alma e corpo.
Isto não só em perigo da sua vida, mas do exercício da sua profissão e, portanto, do rendimento do seu próprio trabalho. O que urge, Sr. Presidente, é a criação de instituições onde se procurasse, não apenas dar instrução ao povo, não apenas arrancá-lo dos meios viciados para os meios sadios, mas sim melhorar a sua condição e a sua formação profissional. Eu queria que essas instituições não fossem só meios de recreio, mas também de ilustração, através de bibliotecas, conferências, enfim, um auxílio de carácter moral e profissional, de maneira a levantar o nível profissional da classe trabalhadora.
Senti um dia grande orgulho pelo valor do nosso operário. Visitava as ruínas em que a guerra deixara a linda cidade de Arrás.
Essas ruínas estavam a ser reconstruídas por operários de vinte nações, e entre eles havia uma centena de portugueses. Quando eu perguntei pelos portugueses o capataz respondeu-me: «Esses homens tiveram um dia de folga que eu lhes concedi, porque são os nossos melhores operários!».
O Sr. Quelhas Lima: - Malgré a taberna...
O Orador: - O nosso operário, mesmo nas indústrias modernas, afeiçoa-se com facilidade.
V. Ex.ª disse malgré a taberna. E com razão, no duplo sentido: de que aqueles operários não frequentavam a taberna e de que nem a taberna era capaz de lhes abalar a estrutura e capacidade de trabalho.
O Sr. Quelhas Lima: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu quando disse essa circunstância não era para me opor às considerações de V. Ex.ª Mas dê-me V. Ex.ª assim oportunidade que ou me sirva de um conceito simples, do seguinte facto passado comigo.
Na minha vida profissional e por definição, e mal vai quando assim não é, bebe-se.
Um dia um homem que eu distinguia pela sua habilidade e pelo seu extraordinário aprumo, porque era um profissional excepcional debaixo de vários pontos de vista, foi por mim visto numa taberna de uma rua em que eu passava.
No meu sentimento romântico, porque eu era novo, quando cheguei a bordo, no dia imediato, chamei-o e disse-lhe: «Olha que não gostei que estivesses ontem na taberna».
Ele respondeu-me desta forma lapidar, porque eu vou generalizar o assunto: «E o meu piano; não posso ir para o casino».
Esta resposta descobre um horizonte ilimitado, e V. Ex.ª quando se refere à taberna perniciosa, porque não há-de referir-se também ao cabaret, ao bar, ao casino, etc.?
O Orador: - Estou absolutamente de acordo com V. Ex.ª, porque me parece que realmente aí há um perigo tão grande como o da taberna. Mas eu, como sou de um meio rural, é justamente a esse meio que me refiro, e espero que VV. Ex.ªs, vivendo nas cidades, apresentem o problema, porque lhes darei gostosamente todo o meu apoio.
A objecção desse marujo é, na verdade, interessante; é o seu piano, o que significa concordância com a minha opinião, que é dar a todos os trabalhadores portugueses o ... piano no sentido simbólico, a caminho do sentido real.
O Sr. Quelhas Lima: - É deliciosa como expressão!
O Orador: - Sr. Presidente: o problema é complexo e é preciso não perder de vista que o factor habitacional é a causa de muitos desgraçados irem para a taberna, por não encontrarem casa higiénica, ampla, clara, que os possa prender.
Há dificuldades em o cumprir?
Recordo esta palavra que criou um grande génio, a grande águia de Hipona: si allii cur non ego?
Não tenho necessidade de a traduzir, visto que esta Assembleia foi educada antes do enterro oficial do latim.
Se outros fazem essa obra, porque não havemos nós de fazê-la?
Já em 1919 eu conheci em Paris a instituição que correspondia perfeitamente a este objectivo, e que constava não apenas de lugares de recreio dentro da cidade, mas o que eles chamavam a «casa de fim de semana».
Um grande campo, lindíssimo campo, constituído por ruas e pequeninas casas de residência, com parques, jardins, jogos, etc.
Numerosas famílias operárias passam o fim de semana alegremente, salutarmente. Não era apenas a família que se recreava, que se instruía, que descansava. Não; estabelecia-se a camaradagem, o espirito de classe - eram as famílias que confraternizavam umas com as outras, voltando na segunda-feira para Paris, após um dia de repouso, de ilustração.
Torno a dizer: se os outros podem fazê-lo, porque não fazemos nós o mesmo?
Isto é realmente mais viável do que se supõe.
Não se trata de grandes instituições, de grandes edifícios.
Trata-se, sobretudo, de criar essas casinhas higiénicas, asseadas, alindadas, onde os operários fossem passar o dia de recreio e de convivência.
Mas quem leva os operários para esse campo ? Quem os arranca da taberna? Quem? O Governo, fazendo-as encerrar ao domingo.
Com geral proposta? Talvez... nem sempre.
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Há uns anos, numa grande cidade industrial do País, grassava e alastrava aflitivamente a chaga nefasta do álcool e da embriaguez.
Bastou que alguém aparecesse na cidade e tivesse promovido uma série de conferencieis sobre os perigos do álcool e da embriaguez para que a embriaguez se reduzisse numa proporção verdadeiramente impressionante, e deu-se este caso curioso: é que uma grande parte dos operários passou a viver o dia de domingo, do descanso, não na taberna, mas na sua própria associação.
Na Suécia o trabalhador tem no domingo um salário duplo daquele que lhe é pago pelo dia normal de trabalho.
E porque se faz isso?
Porque se entende, e muito bem, que o dia de descanso exige alguma coisa mais do que aquilo que se gasta no dia normal.
O descanso, para ser eficaz e responder aos objectivos físicos, morais e familiares que o impõem, exige despesas. Mas esse descanso tem defesa na própria economia, porque se reflecte na produção, tanto na quantidade como na qualidade.
Não poderia a adopção de tal regime em Portugal concorrer para valorizar as instituições a que me venho referindo e ao mesmo tempo melhorar a condição do nosso povo?
Aliás, torno a repetir a opinião de um dos membros do Governo: que se criem lugares de diversão, de recreio, lugares onde o povo defenda e melhore a saúde do corpo e do espírito.
Quanto aos refeitórios e restaurantes, dir-me-ão que essa dificuldade é maior.
Não digo que não haja dificuldades, mas se fôssemos a fazer apenas aquilo que se consegue sem dificuldades, então estaríamos hoje como em 1926.
Em Portugal tem-se feito uma grande obra de recuperação nacional que merece não só o nosso aplauso, mas até o de estrangeiros; essa obra não se fez sem custo, não se fez sem dificuldades, nem sem o sacrifício do contribuinte e do próprio Governo, este porventura maior ainda, porque é muitas vezes mais difícil realizar uma iniciativa do que pagá-la.
Portanto, não é motivo para desanimarmos perante dificuldades.
Somos herdeiros dos homens de Quinhentos, valorosos, que deram mundos ao Mundo e que através de continentes desconhecidos levaram a nossa bandeira e a nossa civilização, dando a vida pela Pátria e pela Humanidade; somos herdeiros dessa geração feita de heróis e de santos. Portanto, se somos herdeiros dessa geração e se Deus nos criou para sermos mestres e não servos, não nos devemos intimidar perante tais dificuldades.
Não tem o Estado realizado obras de vulto mais avantajado, levado a cabo iniciativas de manifesta envergadura? Porque hesitar, portanto?
A Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho o leva já realizado, em larga medida, em medida verdadeiramente benemérita; também aqui as Casas do Povo podem intervir eficazmente e carece que o façam.
Mas há outros caminhos:
Apelo sempre para a experiência - um deles abrimos nós na Guarda.
Há na Guarda um centro de assistência social. Um dos maiores empenhos que essa comissão teve para o primeiro dia foi abrir um refeitório, um restaurante, para as classes trabalhadoras.
Há na cidade da Guarda não digo milhares, mas muitas centenas de operários que vivem longe das suas famílias. Vêm da região trabalhar na cidade, mas têm o seu lar muito longe, vivem sozinhos. Esses homens andavam pelas tabernas, comiam nas tabernas; ouvimos esses homens queixarem-se mais de uma vez, porque o
meio em que se alimentavam não lhes era agradável, nem pelo ambiente, nem pelo serviço, nem pelo preço. Criou-se, então, um restaurante económico, a que chamamos a Cozinha Económica.
Pois a Cozinha Económica está a funcionar há anos com uma frequência numerosa. O mais curioso é que muitos desses operários, ao domingo, vão para lá antes da hora das refeições e ficam muito tempo depois, por que ali têm a convivência que lhes convém.
O Sr. Presidente: - Previno V. Ex.ª de que esgotou o seu tempo no uso da palavra.
O Orador:- Eu vou acabar, Sr. Presidente. Mas não o farei sem afirmar que seria uma injustiça e uma ingratidão não reconhecer tudo quanto o Estado tem feito em favor das classes trabalhadoras, da família e da economia nacional.
O Estado tem feito uma política quanto às classes trabalhadoras integrando-as no uso de direitos e nas suas liberdades; tem tomado várias medidas de defesa da família e tem fortalecido a própria economia.
Precisamente o que está em jogo é a defesa da classe trabalhadora, a defesa da família e a da economia.
Esta certeza dá-me a confiança de que o Governo, avisado de tudo quanto se faz no comércio de vinhos e dos abusos nele praticados, não deixará de tomar as providências que o caso requer.
Lembro apenas que Gladstone afirmou um dia que o álcool é pior do que os três grandes flagelos da humanidade: a fome, a peste e a guerra.
Pior do que a peste, dizima; pior do que a guerra, mata, e pior do que a fome, desonra.
O Sr. Quelhas Lima:- Mas isso é o alcoolismo!
O Orador: - O álcool, quer seja ingerido directamente, quer através do vinho, alcoolismo e vinismo, à la longue, produz os mesmos efeitos. Tantos desgraçados que morrem nos- hospitais e fora deles com cirroses no fígado clinicamente diagnosticadas de alcoólicas nunca beberam álcool senão no vinho.
O álcool é pior que a fome, desonra. A desonra é a única morte de que as nações morrem sem possibilidade de ressurreição. Di-lo a História; sabe-o o Governo. É quanto basta à esperança de que não ficarão baldadas as minhas palavras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Homem de Melo:- Pedi a palavra para requerer a generalização do debate.
O Sr. Presidente:- Declaro generalizado o debate, que continuará na sessão de amanhã, ficando com a palavra reservada o Sr. Deputado Homem de Melo.
Na sessão de amanhã, no período de antes da ordem do dia, será submetida à apreciação da Assembleia, visto já ter o parecer da comissão respectiva, a situação parlamentar do Sr. Deputado Pastor de Macedo.
No período da ordem do dia, além da continuação do debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Mendes de Matos, será também apreciado o pedido para aquisição de terrenos destinados à residência do cônsul de Sua Majestade Britânica em Lourenço Marques, como já foi anunciado.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas.
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Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Luís Augusto das Neves.
José Luís da Silva Dias.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Carlos de Azevedo Mendes.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique de Almeida.
Herculano Amorim Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Pastor de Macedo.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ricardo Spratley.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
CÂMARA CORPORATIVA
Acórdão da Comissão de Verificação de Poderes
A Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, no uso das atribuições conferidas pelo artigo 106.° da Constituição Política e tendo em vista o disposto nos decretos-leis n.ºs 29:111 e 29:112, de 12 de Novembro de 1938, e no decreto-lei n.° 32:416, de 23 de Novembro de 1942, bem como a relação a que se refere o artigo 8.° do mencionado decreto-lei n.° 29:111, publicada no Diário do Governo n.° 262.1.ª série, de 24 de Novembro de 1945, reconhece e valida os poderes dos seguintes dignos Procuradores:
Júlio Dantas, presidente reeleito da Academia das Ciências de Lisboa (representação das academias e institutos de alta cultura científica ou literária);
Adolfo de Andrade, presidente do Grémio Nacional da Imprensa Diária (representação das empresas jornalísticas), em substituição de Fernando Pais de Figueiredo;
Aurélio Augusto de Almeida, provedor reeleito da Santa Casa da Misericórdia de Coimbra (representação das Misericórdias).
A documentação relativa a estas validações de poderes fica arquivada, respectivamente, com os n.ºs 1, 2 e 3.
Palácio de S. Bento e Sala das Sessões da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara Corporativa, 8 de Janeiro de 1948.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Paulo Arsénio Viríssimo Cunha.
Eduardo Correia de Barros.
João Ubach Chares.
Francisco José Vieira Machado.
José Ângelo Cottinelli Telmo.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA