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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 132
ANO DE 1948 5 DE FEVEREIRO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 132 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 4 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente, anunciando estar na Mesa, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, uma proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação e considerando não ter a Assembleia nem a Câmara Corporativa tempo possível dentro desta sessão legislativa para se pronunciar sobre esta proposta, declarou encerrados os trabalhos da Assembleia a partir do termo da sessão de hoje até ao dia 8 de Março próximo, altura em que reabrirão.
O Sr. Presidente anunciou igualmente estarem na Mesa, remetidos pela Presidência do Conselho, vários números do Diário do Governo para os fins do § 3.° do artigo 109.° da Constituição.
Foram recebidos na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Braga da Cruz ao Instituto Nacional do Trabalho.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cancela de Abreu, que enviou para a Mesa diversos requerimentos; Mira Galvão, para solicitar rectificações ao texto do seu discurso publicado no Diário das Sessões n.° 130; Águedo de Oliveira, que se referiu a situação económica internacional e ao plano Marshall, de auxilio à Europa; Alberto de Araújo, sobre o acordo monetário anglo-português; Teotónio Pires, para, em nome do povo dos Açores, agradecer ao Governo os benefícios que lhe têm sido ultimamente concedidos; Camilo Bernardes Pereira, para agradecer ao Governo as medidas recentemente promulgadas sobre o aumento de percentagem de vinhos de pasto consumidos no Porto reservados aos produzidos na região de vinhos generosos do Douro; Albano de Magalhães, para solicitar do Ministério das Finanças a abertura do crédito destinado à aquisição de diversas obras existentes na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Gaia; Querubim Guimarães, que enviou para a Mesa um aviso prévio sobre questões de cinema, e Melo Machado, para igualmente enviar para a Mesa um aviso prévio sobre as dividas das câmaras municipais.
Pôs-se à votação a situação parlamentar do Sr. Deputado Sá Viana Rebelo. Usou da palavra sobre este assunto o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
A votação deu como resultado que o Sr. Deputado Sá Viana Rebelo não perde o mandato.
O Sr. Deputado Mário de Figueiredo propôs que se constituísse uma comissão eventual de Deputados para estudar a proposta de lei enviada pelo Governo acerca de questões conexas com o problema da habitação.
Submetida à votação, foi aprovada esta proposta.
Seguidamente procedeu-se à eleição dos dezassete membros que hão-de constituir a comissão.
O Sr. Deputado Pacheco de Amorim enviou para a Mesa um requerimento dirigido ao Ministério da Economia.
Ordem do dia. - Continuação do debate do aviso prévio sobre o problema do pão e do trigo, apresentado pêlos Srs. Deputados Cortês Lobão e Nunes Mexia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Albano de Melo, Belchior Cardoso da Costa e André Navarro.
Com a aprovação de uma moção apresentada pêlos autores do aviso prévio, foi encerrado o debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 40 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
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Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Henrique Linhares de Lima.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Esquivel.
José Luís da Silva Dias.
José Martins de Mira Galvão.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De apoio ao projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos sobre o descanso dominical, subscrito por: presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, presidente do Grémio da Lavoura de Estarreja, presidente da Junta de Freguesia de Horta de Vilariça, Lucinda Guerra, Augusto Lírio, Faria Rodrigues, José Figueiredo, Amélia Monteiro e Maria do Céu Paulo Coutinho (todos de Sátão), presidente da direcção da Casa do Povo de Horta de Vilariça, professor e pais dos alunos da escola de Horta de Vilariça e Câmara Municipal de Ovar.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, enviada pelo Sr. Presidente do Conselho, uma proposta de lei sobre questões conexas com o problema da habitação.
Esta proposta de lei, pela sua complexidade e pela delicadeza das questões que põe, exige estudo demorado e muita reflexão no deliberar; e um e outra não são compatíveis com o pouco tempo que nos resta do período normal desta sessão.
Nem a Câmara Corporativa teria tempo de elaborar, com o cuidado que costuma pôr nos seus trabalhos, o parecer sobre esse diploma.
Só é possível realizar o objectivo que o Governo se propõe, enviando à Assembleia a proposta, interrompendo o funcionamento efectivo desta pelo tempo provavelmente suficiente para que a Câmara Corporativa elabore e nos envie o seu parecer e reabrindo depois a Assembleia para o seu exame e discussão. E, mesmo assim, prevejo a necessidade de prorrogar a sessão.
Nestes termos, e ao abrigo do artigo 94.°, § único, da Constituição, declaro a presente sessão legislativa interrompida no seu funcionamento efectivo a partir do termo da sessão de hoje até ao dia 8 de Março, inclusive, sem prejuízo da duração normal da actual sessão legislativa. A situação criada por esta declaração é idêntica às dos interregnos parlamentares e determina o imediato regresso às suas funções dos Deputados que sejam funcionários públicos e não pertençam a qualquer comissão cujo funcionamento continue.
Não sei mesmo se será conveniente, ou talvez mesmo necessário - a Câmara resolverá -, que esta Assembleia escolha uma comissão que aproveite o tempo da interrupção para ir trabalhando sobre o diploma de maneira a tornar mais fácil o estudo do parecer da Câmara Corporativa quando ele for enviado a esta Assembleia.
A proposta de lei vai baixar à Câmara Corporativa.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que se encontram na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho e para os fins do § 3.° do artigo 109.° da Constituição, os n.ºs 302, 303, 6, 8, 9, 10 e 16 do Diário do Governo respectivamente de 30 e 31 de Dezembro último e de 8, 10, 12, 13 e 20 de Janeiro findo, contendo os decretos-leis n.ºs 36:701, 36:703, 36:707, 36:715, 36:718, 36:719, 36:720, 36:721, 36:723, 36:724, 36:725, 36:726 e 36:731.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Instituto Nacional do Trabalho, a requeri-
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mento do Sr. Deputado Braga da Cruz, que vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cancela de Abreu.
O Sr. Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, ao abrigo do artigo 96.° da Constituição, mandar para a Mesa os seguintes requerimentos:
«Ao abrigo do artigo 96.° da Constituição, roqueiro que, pela Câmara Municipal de Lisboa, me seja fornecida urgentemente informação do seguinte:
1.° Número total de prédios novos construídos na área do concelho de Lisboa, e já com licença de habitação, entre. 1930 e 1940 e entre 1940 e 1947, inclusive;
2.° Número de fogos correspondentes aos prédios indicados no número anterior;
3.° Número total de prédios ampliados naqueles dois períodos de tempo e número de fogos aumentados em consequência destas ampliações;
4.° Número de prédios expropriados em cada um dos mencionados períodos de tempo por motivo de urbanização ou outros;
5.° Número de fogos que correspondiam aos prédios indicados no número anterior;
6.° Prédios actualmente em construção e número de fogos que lhes correspondem, incluindo-se nesta informação, mas em rubrica independente, as casas para rendas limitadas em construção no bairro situado ao sul da Avenida Alferes Malheiro e noutros».
«Ao abrigo do artigo 96.° da Constituição, roqueiro que, pela Câmara Municipal do Porto, me seja fornecida urgentemente informação do seguinte:
1.° Número total de prédios novos construídos na área do concelho do Porto, e já com licença de habitação, entre 1930 e 1940 e entre 1940 e 1947, inclusive;
2.° Número de fogos correspondentes aos prédios indicados no número anterior;
3.° Número total de prédios ampliados naqueles dois períodos de tempo e número de fogos aumentados em consequência destas ampliações;
4.° Número de prédios expropriados em cada um dos mencionados períodos de tempo por motivo de urbanização ou outros;
5.° Número de fogos que correspondiam aos prédios indicados no número anterior;
6.° Prédios actualmente em construção e número de fogos que lhes correspondem, incluindo-se nesta informação, mas em rubrica independente, as casas para rendas limitadas em construção».
«Ao abrigo do artigo 96.° da Constituição, roqueiro que, pelo Ministério das Finanças, me seja fornecida urgentemente nota do seguinte:
1.° Número de prédios novos inscritos na matriz urbana dos sete bairros de Lisboa, em cada ano, e a partir de 1 de Janeiro de 1930;
2.° Rendimento ilíquido e rendimento colectável atribuído na matriz ao conjunto dos prédios inscritos de novo em cada um dos referidos anos;
3.° Contribuição predial em que foram colectados em 1948, no seu total, aqueles dos mencionados prédios já excluídos do regime de isenção».
«Ao abrigo do artigo 96.° da Constituição, roqueiro que, pelo Subsecretariado das Corporações e Previdência Social, me seja fornecida urgentemente nota do seguinte:
1.° Número de casas económicas já existentes e habitadas nos concelhos de Lisboa, Porto e Coimbra;
2.° Número de casas económicas em construção, ou construídas mas ainda não habitadas, em cada um dos referidos concelhos;
3.° Número total de fogos correspondentes às casas económicas indicadas nos dois números anteriores;
4.° Indicação aproximada do número de habitantes das casas referidas no n.° 1.°, em cada um dos três concelhos;
5.° Número de pretendentes que houve em relação a cada um dos bairros de casas económicas do concelho de Lisboa na primeira inscrição que foi aberta para a adjudicação de cada um deles».
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: durante os poucos minutos de que dispus na sessão de ontem para rever o meu discurso inserto no Diário das Sessões n.° 130, até à aprovação do mesmo Diário, só me foi possível pedir a rectificação de alguns números que não saíram exactos, mas, prosseguindo depois a revisão, encontrei mais dois erros, que prejudicam ou alteram a clareza e sentido do que disse, e, por isso, peço licença para indicar esses erros, a fim de que as pessoas a quem o assunto interessar possam fazer as necessárias correcções:
A p. 235, col. 2.ª, do referido Diário, da 3.a linha em diante, foi suprimida uma frase e repetida outra; depois de emendada deve ficar assim: «como preconiza um dos autores do aviso prévio, é possível que as coisas mudem e o pão seja de bom aspecto, saboroso e alimentar.».
A p. 236,1. 29 e 30, deve dizer «trabalhador», e não «lavrador», como lá está.
Tenho dito.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: o facto de Portugal - bem como a Suíça e a Turquia - se encontrar capacitado a pagar, prontamente, os seus fornecimentos e das dilações que lhe são outorgadas representarem apenas facilidades de ordem cambial, o facto de o próprio programa Marshall alterar mesmo a ordem e liberdade das nossas aquisições hão-de qualificar de mais puras e desinteressadas as palavras de louvor que vou hoje proferir. Considero que, como europeus, vinculados ao destino milenário da civilização cristã, devemos destacar o auxílio americano como uma afirmação de esperança de melhores dias e uma promessa de revigoramento da Europa, tão combalida. Os mais poderosos órgãos .da imprensa portuguesa que constitucionalmente exercem função de esclarecimento - dedicaram-lhe já detalhadas e judiciosas referências, mas afigura-se-me defensável que nesta instituição representativa se diga uma palavra apenas que mostre os portugueses atentos às realidades universais e ao que de fora bole com a sua vida e os seus interesses.
O mesmo pode repetir-se da sua oportunidade - valerá mais algo desde já do que aguardar a plena decisão ou execução do intento.
Em 25 de Novembro produziu mais uma notável oração pública o Presidente do Conselho.
Como foi a última proferida parecerá agora a melhor de todas.
Desde então aumentou a miséria!
Desde então aumentou o medo!
Desde então tornou-se mais expressiva a generosidade americana, acorrendo em auxílio da Europa!
E contra a miséria tomou corpo o programa Marshall!
E contra o medo parece erguer-se o plano Bevin!
E a generosidade americana objectivou-se e definiu--se uma mecânica complicada de financiamentos, fornecimentos, estímulos que tentam reerguer a Europa dos abismos onde jaz, prostrada ou titubeante.
Aumentou a miséria; chegou o Inverno com seu cortejo - frio, nevadas, rios caudalosos, novas faltas,
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escassez, tornaram-se mais cruciais na vida das multidões europeias e asiáticas; chegou o Inverno, que o poeta Richepin chamou o «assassino dos pobres», e mais se sentiu a falta de alimentos substanciais, de agasalho imprescindível e de abrigo razoável.
A situação de carência tornou-se também mais crua, por diminuírem as esperanças de rápido levantamento ou de obtenção de recursos.
As revoltas e as greves desorganizaram o abastecimento e a produção onde já lavravam as faltas e dificuldades. As controvérsias e percalços monetários acrescentaram a estas ultimais, sombriamente, novas faltas e dificuldades.
(Miséria incrível ainda das vagas das multidões alucinadas - deslocadas, vagamundas, sem pátria, sem lar, sem trabalho, sem futuro, arrebatadas por um tufão e despenhadas sobre ruínas.
Miséria maior dos que penderam a esperança!
Aumentou o medo - tombaram ainda algumas folhas da árvore das ilusões e a verdade mais nua acentuou o receio de muitos homens. Embora as cobardias não tenham prosperado, o medo alastrou, escorreu, e províncias inteiras foram tomadas de pânico.
E aumentou por não reflectir apenas os terrores nocturnos dos contos de Edgard Põe, nem a ansiedade dos parapeitos, mas porque invadiu os lares e estendeu o seu véu sobre famílias inteiras, sobre grupos, sobre partidos. E alcançou mesmo os seus criadores e iniciadores, os novos heróis do medo, que Albert Vandal viu tremendo ao historiar a Revolução Francesa.
E tornou-se mais expressiva, definida e objectiva a liberalidade americana, da qual disse o Presidente do Conselho: «Eu admiro a largueza de espírito, a generosidade, a prontidão com que a América acorre em auxílio da Europa, quer para protecção individual dos necessitados, quer com o fim de dar à economia europeia meios de recuperação».
Sr. Presidente: o triste quadro europeu do após-guerra pinta-se em poucas palavras:
Ninguém tem confiança na paz; o que quer dizer que o dragão da guerra espreita! As armas não foram ensarilhadas ainda.
O Mundo dividido em Oriente e Ocidente e balizado por uma cortina de baionetas eriçadas - de um lado a negação da liberdade económica e da apropriação legítima; do outro a iniciativa e a propriedade!
A nobre Carta do Atlântico devolvida ao redemoinho das águas!
Países que lutam pela independência, enquanto outros já trazem chumbada a gargalheira da sua escravidão!
Teerão, Yalta e Postdam dando lugar a interpretações divergentes!
Não se assinou a paz com o Japão, a Alemanha, a Áustria e a Coreia!
As ideologias chocam-se e seria difícil que alguma força se intitulasse fiel da balança, entre os pratos tão contrários. Quanto mais exercer tal mister!
A recuperação tímida, irregular, lutando com toda a espécie de dificuldades! As minas abandonadas!
E os campos renitentes ou hostis, à medida que as messes se elevam!
A Europa, entregue a si mesma, braceja como o náufrago que se afunda e se for abandonada já está preparada para ver alargar o domínio e a violência dos magnates moscovitas.
Condenada sem remissão pêlos escuros alvissareiros, como poderá a Europa ser o que o é verdadeiramente, soerguer-se, reconstruir a sua posição, lutar pelo seu espírito, perfilar-se ainda e projectar-se como um elemento decisivo do concerto mundial?
Antes de fazer civilização há-de alimentar-se, vestir--se e abrigar-se; antes de fazer política há-de mostrar que não teme.
S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas mostram como os soldados constrangeram um homem de Cyrenne para que aguentasse parte do peso do madeiro da cruz. A América do Norte acaba de tirar carta de nobreza, ajudando a Europa empobrecida e amedrontada, mas também foi forçada, por circunstância bem prementes, a tomar uma parte da sua cruz.
Se não exportar, os males da desocupação e da estagnação económica poderão subvertê-la; se não obtiver capacidade compradora no mercado mundial não poderá desenvolver ulteriormente os seus consumos e ganhos.
Assim, ora forçada pêlos factos, ora esclarecida pelas suas razões, a América pode valer aos seus amigos em transe e fá-lo, na trajectória dos próprios interesses, podendo abalançar-se a isso pela sua posição insuperável e gigantesca.
Em alguns traços nítidos conseguirá vincar-se o seu vulto incomensurável de colosso industrial e capitalista.
Poupada às destruições de duas guerras mundial, servida pelo seu génio inventivo, dispondo do primado da técnica, concentrando enorme poder de riqueza, poucos materiais lhe faltando na própria casa, os Estados Unidos, de antigos devedores, passaram a ser o primeiro dos credores.
De 1939 em diante a sua potência industrial cresce de 50 por cento!
O rendimento anual atinge 210 biliões de dólares!
21 biliões deste tomam o rumo da poupança!
25 biliões de dólares-ouro fazem de fundo de tesouraria!
25 biliões de dólares representam ainda os créditos actuais sobre o estrangeiro!
16 biliões resultariam das exportações calculadas para 1947, contrapostos a uma importação de 8 a 9, restando um excedente de 8 a 7!
O mercado interno, pujante e descompassado, não poderá absorver nos tempos mais próximos muito mais - uns 10 por cento!
Assim se levanta o novo colosso no horizonte mundial. E por isso a América do Norte pode fornecer, tomar encomendas, fabricar, alargar produções, pode vender a crédito, financiar os próprios compradores e devedores, pode emprestar e até pode dar tudo: dinheiro, valores, máquinas, víveres, materiais, produtos primários ou técnicos...
Pode mesmo «emprestadar», como dizia o valente Ferreira do Amaral.
Para acudir à mísera e amesquinhada Europa, que fora rainha, sòmente a potência económica, descomunal e desempoeirada dos Estados Unidos - e sòmente a sua capacidade política, solidamente assente em objectividades.
Sr. Presidente: se a primeira razão da sua capacidade de auxílio está na enormidade do seu poder económico, a segunda razão está na cultura da verdade e reconhecimento das suas consequências pêlos actuais dirigentes.
Vários homens públicos prestaram um enorme serviço ao país, e outro, não menos importante, à opinião mundial, esclarecendo, orientando, edificando sobre os actuais problemas, admoestando e definindo com precisão sobre a verdade das situações do Ocidente e do Oriente.
Byrnes, publicando as suas memórias, que em boa hora o Diário de Notícias traduziu; Bullit, escrevendo The great globe itself; Harriman, dando conta dos incidentes da sua carreira; Sumner Wells, editando Where are we headingf; Walter Lippman, escrevendo uma sé-
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rie memorável de artigos, e o próprio romancista Steinbeck, relatando as suas apreciações e notas, destruíram muitos preconceitos e ilusões e repuseram sobre o seu pedestal a verdade sociológica e histórica. Influenciaram e advertiram profundamente o povo americano e 05 milhões de leitores espalhados pelo Mundo.
Tendo visitado os pontos cardeais da vida internacional, trilhando as rotas mais misteriosas, conhecendo os homens públicos e pesando-os pelo seu tipo ideal, observando e reflectindo, mas transmitindo, varreram muita ideia falsa e muito prejuízo perigoso.
Apontaram a verdade e, fazendo-o, souberam destacá-la das contrafacções que a adulteram.
Por outro lado, alguns homens que ganharam a guerra, outros do estado maior, dos quais se requerem as aptidões mais várias e os serviços mais diversos, foram investidos nas situações de dirigentes da política exterior norte-americana.
Esses homens, como os outros, puderam nos seus postos usar da clareza deslumbradora, que se despe de circunlóquios para enfrentar a perversão da verdade e os erros.
Quando em 5 de Junho passado, na magnífica Universidade de Harvard, Marshall expõe a sua ideia de auxílio à 'Europa em transe - o seu programa contra a miséria -, embora vestido da roupagem de simples assistência, ele é também o homem de boa vontade de que falam as Escrituras, que deve a totalidade dos seus conhecimentos e experiência com lealdade ao seu país.
Os que sofrem privações recorram ao Tesouro americano!
O caos, a fome e o desespero ameaçam 270 milhões de europeus, por acaso constituindo o sistema nervoso central do Mundo, e o exemplo da Alemanha não se pode repetir.
Se tais males económicos se converterem em confusão política e horror social, os próprios americanos, que são herdeiros em linha recta da civilização ocidental e crista, poderão baquear e os riscos e perigos hão-de escurecer durante séculos a evolução das massas humanas.
O que depois se passou, a iniciativa tomada pêlos Governos Inglês e Francês, as reacções e obstáculos, a Conferência dos 16, as discussões em Washington estão frescas de tinta...
Adiante, que não vale a pena lembrá-las!
Sr. Presidente: a mecânica do programa americano abrange modalidades complexas, em conformidade com a categoria e precisões dos países auxiliados e o carácter próprio do socorro a eles diferido.
Certos países, como a Grécia, ficarão contemplados com doações e créditos especiais.
Outros, como a Fiança, poderão receber um auxílio provisório para além do rateio do ouro apreendido aos alemães.
Outros, considerados os deficits previstos nos quatro anos de auxílio, serão favorecidos com esperas, dilações, aquisições a crédito e até reforços dos próprios meios.
Virão auxílios em combustíveis, víveres de toda a espécie, ferro e aço, máquinas, apetrechamento mineiro, camiões, equipamento eléctrico, sucata de metais, madeiras, algodão e até forragens para a pecuária austríaca e tabaco para os fumadores...mais necessitados.
Quinhentos navios americanos serão transferidos, ou seja duzentos vendidos e trezentos emprestados, por algum tempo - um desastre, clamava um nosso colega, Deputado pela Califórnia!
Ao todo, calculado inicialmente, um esforço da ordem de 6:800 milhões de dólares, que, iniciado em Janeiro e até 30 de Junho de 1952, ver-se-iam mais de duplicados.
Sr. Presidente: têm sido formuladas interpretações acanhadas sobre o programa de auxílio pelos homens públicos, escritores e jornalistas, diminuindo assim os termos e a amplitude do esforço a despender e beneficiar.
Já foi visto como um simples fundo de socorro destinado a aquecer a bolsa e a desentorpecer os membros ide algumas nações caminheiras e embaraçadas pelas fadigas. A multiplicidade do auxílio e a posição tão diversa dos beneficiários não se compadecem com uma noção tão simplificada!
Foi entendido também como um instrumento precioso de instante combate à pobreza e à fome.
Mas o plano que se desenha excede estes limites acanhadas.
Evitar a miséria, a fome e o desemprego. Fornecer à Europa minguada e decrépita os meios de se levantar e restabelecer. Programar para quatro anos os reconstituintes próprios à expansão das suas forças económicas. Contar com a cooperação e o esforço solidário do Ocidente europeu. Reconstruir as correntes e pontos nevrálgicos do comércio mundial. Restaurar as trocas plurilaterais sobre as economias erguidas. Dar à indústria e à agricultura as maiores possibilidades de laboração e resultados - amplia, excede, ultrapassa, deixa a perder de vista aquelas moções tão acanhadas.
Não se trata de vencer as aflições do momento, nem de fortalecer apenas um organismo combalido, nem de prestar seguranças inalteráveis contra a fome e a pobreza; trata-se de dar novo alento, de alargar a antiga vitalidade, de distribuir com equidade os recursos mundiais, de manter o comércio em nível alto, de derramar e facultar pão e conforto - de reconstituir a Europa, para reconstruir o Mundo.
A ária agora é outra.
O dinheiro também pode ser interpretado em termos de poder e de força. Pelo seu prestígio, pela sua obra e graça, o dinheiro é bem mais do que poder de compra.
Os financeiros de Wall Street preparam-se para dirigir a política mundial. Tudo irá obedecer aos seus discretos, mas retesados, cordelinhos. A escravidão plutocrática avançará sobre o Mundo.
Não se disse já que foram eles que engendraram e criaram a Rússia Vermelha, com quem, a despeito de calotes vários, mantêm afectuoso contacto?
Não se assegurou que, dispondo de dólares e regando ouro, se conservam frescas e adoçadas as anais surpreendentes afeições?
O Ministro da Agricultura americano não anunciou aos lavradores americanos grandes benefícios?
O próprio Marshall não prometeu aos comerciantes um lucro a certo prazo da data?
Este último, porém, afirmou categoricamente perante a Comissão dos Negócios Estrangeiros que seu programa constituía...«um fardo pesado para os contribuintes. Mas os sacrifícios permitir-lhes-ão desfrutar amanhã paz e segurança»...
Os contribuintes foram avisados de que lhes seriam exigidos novos sacrifícios.
Disse-se que não poderiam, por mercê do esforço despendido, persistir na política habitual de amortizações.
Pediu-se a renúncia voluntária ou uma maior percentagem do racionamento em alguns produtos. Certas exportações e fornecimentos - o de barcos, por exemplo - foram assinalados e criticados como desfalcando o património americano e beneficiando incòmodamente os seus rivais e concorrentes no mesmo campo mercantil.
Convidou-se o povo norte-americano a economizar víveres e madeiras e a alargar a produção de cereais.
Bloquearam-se os preços por cima, no sentido de evitar que pelas altas sucessivas o produtor e o contribuinte
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venham a aliviar o fardo que pesa em demasia sobre os ombros.
Assim o programa e a sua execução são obra de homens públicos, cada vez menos dóceis, na medida em que se afastam das carrilhas e interesses de sector, em receber ordens dos senhores da finança.
Pelo que já deixamos dito, encontramo-nos, pois, em frente de uma economia programática mais do que de uma planificação técnico-económica.
Assim como se supôs que estavam abertas as portas ao domínio da finança internacional, passou a entender-se que, doravante, a vida europeia poderia ser dirigida de Washington.
O facto de o Governo Americano desejar ser elucidado sobre o destino dos fundos e bens, certos compromissos de compensação em direitos aduaneiros e matérias-primas, a cláusula de rescisão, soaram como qualquer coisa de novo, desafectada e pronunciadamente política.
O raciocínio, porém, dá isto - uma vez que se espera uma reabilitação das economias europeias, a sua melhoria e expansão, o retorno a um comércio mundial relativamente livre, decorrente das trocas e automatismo dos mercados, tal reabilitação comporta um caminho seguro para um reforço de autonomia sobre as situações actuais, embora as trajectórias de bem comum humano e indistinto adquiram cada dia maior predomínio no conjunto. O confiar da capacidade restauradora dos países singulares o retorno à estabilidade geral significa que se propõe, em vez de se impor, que se espera, em vez de se ordenar, que se coordena em, vez de se dirigir.
Mas existem ainda interpretações mais forçadas.
A U. R. S. S., a Bulgária e a Jugoslávia, os próprios partidos comunistas e os russófilos consideram que o programa de auxílio que lhes foi oferecido representa um instrumento de provocação e guerra...
Por isso determinaram contra ele oposição absoluta, criaram em ar de desafio o novo Kominform, excluíram a Alemanha oriental, arrastaram consigo outras nações convertidas em regiões militares e desencadearam uma série infindável de actos de indisciplina e sabotagens. O programa Marshall não passa de um plano imperialista, gizado por um estado reaccionário e agressivo contra as repúblicas populares, tão amantes da paz! - destinado a consagrar a escravidão das massas europeias à burguesia endinheirada americana.
Assim, os magnates de Leste parecem ser daqueles que não medram nem dormem sem a desgraça alheia e que não temem os naufrágios desde que não mergulhem sòzinhos.
Povo jovem, imenso senhor de imensidades, tomado de expansão quase incoercível, dotado de ambições dominadoras, ilimitadas, encanecido na mais potente das autocracias, batendo-se apenas sobre uma frente, inconquistável, formidável lição de gregarismo que fez da comunidade de aldeia um regime do século - da U. R. S. S. foram banidas a piedade e a bondade, em nome da lei do mais forte.
Entreabriram a alma eslava, sentindo-se barrados nas rotas aprazíveis do pôr do sol e do Mediterrâneo, e pareceram impugnar tudo quanto não resultasse na sua glorificação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: todas estas razões propendem na consciência oriental, mas o motivo predominante da sua atitude opositora é bem outro.
Eles professam que a miséria e a fome se devem apenas aos governos burgueses e à exploração capitalista. Para confirmar esta e outras teses que prognosticam mais uma crise fatal - última, definitiva e irrevogável - os escritores marxistas não escondem quanto os contraria e impacienta uma Europa recuperada e
A catástrofe final do capitalismo que as jornadas de 1848 não trouxeram; que a derrota de 1870 não produziu; que o final do século não viu; que a Grande Guerra não gerou, e a própria Guerra Mundial não engendrou também; sempre afirmada categoricamente com o seu que de credo sociológico, se não vier desta feita atrairá sobre o marxismo desconfiança e descrédito irremissíveis. Contrapondo a fácil imagem do recém-nascido ao velho senil, tem sido fácil explicar os seus graves percalços pelas dores de parto de um regime nascente, em alto contraste com os regimes ocidentais, como que revolvendo-se nas vascas da agonia. Assim, os regimes de iniciativa, lucro legítimo e automatismo contêm, não somente os germes da doença que os faz tombar de crise em crise, mas uma desgraça fatal que lhes vai abrindo a cova.
Não se quer saber que onde há crise existe a própria vida!
O ribeiro nem sempre flui com a mesma enchente; o coração nem sempre bate com o mesmo ardor; a árvore nem sempre se veste das mesmas folhas; a alma humana varia, incongruente, nos passos do pessimismo ao optimismo - este ritmo alternado é a própria vida e nele se encontra a raiz e os aspectos profundos das crises.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Teórica e pràticamente, na U. R. S. S. não há nem haverá crises.
Claro que se não há preços que flutuam, se não existem mercados, mas apenas armazéns gerais dos governos, se desde a sementeira ou a entrada na fábrica da matéria-prima todas as operações se limitam e regulamentam, se o consumidor se serve e come por mão alheia do que lhe dão, e não do que quer, não há, nem pode haver, nem haverá nunca crise, grande ou pequena.
Há outra coisa.
Ata-se um homem de pés e mãos, amarra-se solidamente, tapa-se-lhe a boca mesmo, e ele não afirmará que padece, e bem pode acontecer ignorar a sobreprodução e o subconsumo.
Mas há sofrimento transbordante, que nem força tem para se fazer ouvir.
Sr. Presidente: o primeiro escritor que estudou a representação cíclica, em ondas dilatadas, de largo prazo e de movimentos amplos de quarenta e oito e sessenta anos, foi precisamente o professor universitário de Moscovo, Kondratieff. A sua reputação estendeu-se a todos os meios científicos.
Como concluiu pelo reconhecimento de um progresso normal, apesar das altas e baixas que representam a curva das crises, foi apodado de reaccionário, a sua teoria considerada apologética e em 1930 deportado para a Sibéria. Nunca mais se soube dele.
As suas demonstrações científicas, que prometem uma onda larga em 1960 e tal e em 1980, contrariavam o dogma marxista no ponto em que há-de vir fatalmente uma catástrofe que bolcheviquize tudo.
A mais alta expressão de economia política marxista era representado pelo professor Eugênio Varga, que primeiro ensinara em Budapeste. Examinara miùdamente os efeitos do capitalismo no período chamado da «estabilização» e estudara-o de novo nas circunstâncias actuais, para concluir que não existia ainda crise de estrutura.
A serem verdadeiros os telegramas, caiu em desgraça e desapareceu!
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Portanto, o dilema perturbador, inquietante, trágico em demasia, que está posto perante os homens do Oriente e do Ocidente é este: ou o capitalismo consegue vencer as suas crises e contrastes e sair corrigido pelas terríveis comprovações do nosso tempo, enquanto o marxismo resiste, mercê de uma desapiedada autocracia, ou se afunda sem remição, e sobre o dilúvio e o caos proliferará a doutrina subversiva e apátrida, crisol de rancores e retaliações.
Se o poderoso e disforme capitalismo evolucionar à nossa vista para uma organização de sentido cristão e fim social; se os métodos mistos de justiça social impossibilitarem situações de luta e revolucionárias; se as grandes potências renunciarem às posições monopolistas e esmagadoras que constrangem e asfixiam; se, à semelhança da comunidade portuguesa - à semelhança da sua grande irmandade -, forem banidas as diferenças de raça e de cor; se a alta dos salários reais se obtiver, bem como as regalias do trabalhador, quase naturalmente; se a contradição entre a produção social e a apropriação privada puder ser juridicamente suplantada - pelo menos o Mundo Ocidental será salvo e os marxistas continuarão atados e balbuciantes, sem compreender o que se passa, deportando ainda os seus estudiosos.
Ora bem!
No fundo, o ódio, a agressão e o desespero contra o programa Marshall é o receio de que o Ocidente se una e solidarize cristãmente, evolucione ao sabor da justiça, acabe por jugular os seus erros e fraquezas. No fundo, o ódio, a agressão e o desespero contra o programa Marshall é o receio de que mais uma vez os factos desmintam o prognóstico de uma catástrofe final.
Uma economia de bem comum, que vai aproveitar as regiões atrasadas, explorar novos recursos, dar de comer a quem tem fome e dar de beber mesmo aos que têm sede de justiça, está-se levantando como arrebol de uma Nova Idade e mal será se não prosseguir firme.
O programa Marshall, apesar de tudo quanto se possa dizer em contrário, a despeito mesmo de certos aspectos, é uma afirmação cristã desse bem humano: socorrendo, ajudando, levantando...
Levanta-te e caminha!
Sr. Presidente: a generosidade e o préstimo alheio devem estar fora de discussão.
Cada um é muito senhor de fazer o que melhor entender do que for seu. Os actos do credor permanecem longe do alcance da crítica.
Mas um estudo demorado permite e autoriza duas ou três pequenas anotações.
Os americanos poderiam prever grandes importações tendentes a favorecer os seus devedores e a ajudar o seu reequilíbrio comercial. Creio ser essa a forma saudável de um reembolso. Talvez fosse mais rigoroso separar o investimento fabril e a mecanização agrícola do socorro de víveres. Talvez cada país devesse ser considerado no aspecto típico da sua posição mercantil ou das suas possibilidades naturais para a reordenação da economia mundial dentro de alguns anos.
Por mais longe que o Leste leve as suas dominações, nunca poderá destruir ou vencer um mundo que crê no destino superior do homem, no valor da sua iniciativa, na legitimidade do que se ganha, quer pela enxada, quer pelo livro, e numa vida espontânea e descentralizada - onde vale a pena viver.
O auxílio da América é um belo exemplo de solidariedade desse mundo.
Asseguram os técnicos que a U. R. S. S., grande e vitoriosa, não pode prestar auxílios desse género - faltam-lhe meios, máquinas, ferramentas, aço... falta-lhe mesmo o espírito que leva a acudir e ajudar.
E quanto não daria ela para possuir capacidade, ânimo rasgado e iniciativa para poder fazer outro tanto aos seus amigos e satélites?
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: em 20 de Novembro último publicou-se o decreto-lei n.° 36:594, que criou a Comissão Superior do Comércio Externo.
Tudo faz supor que brevemente outras providências sejam adoptadas dentro da orientação que aquele decreto-lei claramente traduz, permitindo ao Governo observar de perto e permanentemente os movimentos da nossa balança comercial, por forma a orientá-los no sentido anais conveniente à defesa dos interesses económicos e monetários do País.
Foi há dias também tornado público que haviam sido concluídas e levadas a bom termo as negociações entabuladas, em matéria monetária, entre representantes dos Governos de Portugal e da Grã-Bretanha.
Estes factos merecem especial registo, não só porque se enquadram numa política monetária que assenta em bases incontestáveis de segurança e de firmeza, e cuja projecção esta Assembleia, vai fazer agora precisamente u>m ano, apreciou em todos os seus aspectos, mas também pelas novas perspectivas que o acordo anglo-português abre às relações e às permutas comerciais entre as mas nações que o acabam de concluir.
Os acordos monetários celebrados entre Portugal e a Inglaterra nos últimos anos procuraram servir o interesse recíproco dos dois países. Por um lado, deu-se à Grã-Bretanha possibilidade de adquirir quantitativos apreciáveis de produtos portugueses, sem a contrapartida de um pagamento imediato em ouro. Por outro lado, garantiu-se a Portugal, como era legítimo, a estabilidade dos valores representativos dos produtos transaccionados.
Quando terminou a guerra o Banco de Portugal tinha acumulado cerca de 80 milhões de libras de saldos em esterlino, os quais, nos termos do acordo celebrado em 1940 com o Banco de Inglaterra, tinham garantia de câmbio e de pagamento em ouro.
Era preciso estabelecer, porém, um plano de utilização desses saldos, e esse foi o objecto do acordo monetário celebrado entre os Governos de Portugal e da Grã-Bretanha em Agosto de 1945.
Por esse acordo, e mantida sempre a garantia de câmbio e de pagamento em ouro, estabeleceu-se que esses saldos seriam pagos em anuidades e por forma escalonada, prevendo-se, no entanto, que uma parte pudesse, desde logo, ser utilizada na aquisição de mercadorias e de bens necessários ao aumento da capacidade produtiva do País, a importar conforme as suas necessidades graduais e as possibilidades de fabrico da indústria britânica.
Todavia, se estava regulada a utilização dos saldos em esterlino acumulados no período que vai de 1939 a 1945, era necessário estabelecer a forma de liquidar as transacções normais e correntes entre a área do escudo e a área do esterlino.
Por isso, em 1946, se firmou um novo acordo entre os dois Governos, no qual, fixando-se em 100$ o câmbio da libra esterlina, se fixou, entre outras cláusulas, que o Banco de Inglaterra e o Banco de Portugal estabeleceriam entre si contas correntes para a liquidação das operações comerciais normais, concedendo-se mutuamente créditos de £ 5.000:000 e 500:000.000$.
Não quer dizer que as contas correntes não pudessem exceder esses limites. Simplesmente convencionaram os dois Governos que, no caso de o saldo de qualquer das
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contas correntes ultrapassar aquelas cifras, as liquidações a fazer seriam efectuadas em ouro.
Estas as disposições fundamentais que, em matéria monetária, vigoravam em fins de 1947, e continuam a vigorar ainda, entre Portugal e a Inglaterra.
O acordo que agora acaba de ser anunciado não altera as convenções anteriores. Os saldos em esterlino acumulados durante a guerra continuam a ser utilizados nos termos do acordo monetário de 1945. Quanto às transacções comerciais normais, porque a Grã-Bretanha nos tem comprado mercadorias correntes e de consumo em maior quantitativo do que nos tem vendido, a conta corrente do Banco de Portugal no Banco de Inglaterra atingiu o limite previsto dos 5 milhões de libras.
A fim de regularizar esta situação, o Govêrno Português concordou que o valor de certas mercadorias de produção que haviam sido adquiridas por força dos antigos saldos fosse levado a débito da citada conta corrente.
O aspecto dominante do acordo, porém, foi o de intensificar e equilibrar, no mais alto nível possível, as permutas de mercadorias entre os países interessados, por forma a que, pelo livre funcionamento das contas correntes entre as suas duas principais instituições de crédito bancário, possa obter-se a liquidação das suas transacções normais e recíprocas sem que tenha de recorrer-se a pagamento em ouro.
Este o sentido do acordo que acaba de ser celebrado e do qual importa tirar duas conclusões. A primeira é que ao Govêrno continua a merecer o maior cuidado o fomento da nossa exportação e da nossa importação, procurando, assim, defender as actividades económicas nacionais de uma paralisação que toca hoje a economia de muitos países europeus. A segunda é de que, não descurando a gradual utilização dos saldos acumulados durante a guerra na aquisição de bens reprodutivos a fornecer pela Inglaterra, o Govêrno admite que, quando isso convenha aos interesses do País, uma parte desses bens reprodutivos entre no jogo das trocas correntes, por forma a que se possam fazer exportações suplementares para Inglaterra.
Sr. Presidente: é interessante, a propósito deste acordo, verificar a evolução do nosso comércio externo com a Grã-Bretanha nos últimos dez anos, de maneira a fazer-se um confronto entre o que era antes da guerra e o que é actualmente.
Em 1937, num total de 2.634:000 toneladas de produtos importados no País, no valor de 2.352:000 contos, cabiam à Inglaterra e aos seus Domínios 1.125:000 toneladas, com o valor de 469:000 contos. E em 1.810:000 toneladas de mercadorias exportadas, no valor de 1.210:000 contos, 458:000, no valor de 268:000 contos, tinham sido vendidas à Grã-Bretanha.
Em 1938 as cifras são sensivelmente iguais.
Em 1946, terminada a guerra e alterado, por forma sensível, o nível dos preços mundiais, em 2:487:000 toneladas de mercadorias importadas, com o valor estatístico de 6.859:000 contos, 239:000 toneladas, com o valor de 1.054:000 contos, tinham sido adquiridas à Inglaterra.
Na exportação, num total de 1.176:000 toneladas e no valor de 4.586:000 contos, 161:000 toneladas, no valor de 687:000 contos, tinham tido o destino dos mercados britânicos.
Nos meses de Janeiro a Novembro de 1943 importaram-se no País mercadorias no valor de 6.565:000 contos e exportaram-se 3.689:000 contos.
A Inglaterra cabe na importação 819:000 contos e na exportação 586:000 contos, ou seja, respectivamente, 12,5 e 15,9 por cento das importações e exportações totais, referidas a valores.
Em 1937 o comércio com a Inglaterra representava, em tonelagem 42,7 e em valor 20 por cento da nossa importação total. Na exportação aquelas percentagens eram, respectivamente, de 35,3 e de 22,3 por cento das exportações totais do País.
Em 1946, na importação, o comércio com a Inglaterra representava em tonelagem 9,6 e em valores 15,4 por cento das nossas importações totais. Nas exportações aquelas percentagens foram, respectivamente, de 13,7 e de 15 por cento.
Esta, a traços muito largos e dentro dos limites do tempo regimental de que disponho para fazer estas considerações, a posição da nossa balança comercial com a Grã-Bretanha antes e depois da guerra.
O acordo monetário recentemente concluído traduz da parte de Portugal e da Grã-Bretanha o propósito não só de equilibrarem as suas permutas, mas também, como já tive ocasião de dizer, de manterem essas permutas no mais alto nível possível, o que, dado o actual condicionamento económico em vigor na Inglaterra, assegura um maior tráfego comercial entre os dois países.
O facto não pode deixar de ser assinalado com o devido relevo e de ser recebido com júbilo pela economia do País, da qual alguns sectores começavam a ressentirão de menores possibilidades de exportação para o mercado britânico.
Temos de admitir, é certo, que uma nação como a Inglaterra, que mobilizou os seus melhores recursos e valores para defender a sua liberdade e vencer a mais grave crise da sua história, tenha de ser prudente e cautelosa nas suas despesas e gastos. Mas todos os que conhecem as qualidades do seu povo, o seu admirável espírito de tenacidade e de recuperação, esperam e confiam que ela encontre de novo o caminho da sua prosperidade e da sua grandeza e que as suas relações com o nosso País continuem a ser o reflexo e a projecção de uma amizade e de uma aliança que tem por si a razão e a força de séculos.
O acordo monetário agora celebrado é indício seguro dessa tendência, e por isso quis referi-lo nesta Assembleia, que na sua própria designação encontra razão e motivo para sublinhar sempre os factos e os acontecimentos de reconhecido e evidente interesse nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Teotónio Machado Pires:- Sr. Presidente: as minhas palavras são o eco de um imperativo moral e político da consciência dos açorianos do distrito de Angra do Heroísmo e traduzem reconhecimento e agradecimento pela carinhosa atenção que ao Govêrno tem merecido o estudo e satisfação de muitas das suas mais prementes necessidades e seculares aspirações.
Nunca, ao longo de quase cinco séculos de colonização, aquelas terras viram um tão prodigioso desenvolvimento material, uma tão fecunda assistência espiritual, como no momento presente.
A dias tristes de alheamento e incrível abandono seguiram-se os dias claros e esperançosos que vivemos. Abriu-se, para nós, o período imperial de íntima compreensão e estreita cooperação.
Já não somos as gentes remotas de ilhas longínquas onde Portugal, um dia, d
deixaria um pedaço da sua alma.
Em todo o arquipélago, hoje, a mão firme, carinhosa e solícita do Govêrno vai marcando, a traços indeléveis, a memória de uma época de ressurgimento, de reintegração portuguesa.
Não foram aludidas as nossas esperanças, não foram desatendidos os nossos justos clamores, às vezes tão viu-
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cadamente tocados de amargor. Chegou a nossa hora, chegou a hora alta da justiça para os povos distantes das ilhas portuguesas dos Açores.
E foi o Govêrno de Salazar - sem subserviências o proclamo, sem aduladores intuitos o afirmo - o primeiro que compreendeu, sentiu e resolveu a maioria dos nossos magnos e velhos problemas.
Estão em curso neste momento, no distrito de Angra, obras vultosas, que transformarão profundamente as condições materiais da vida açoriana. Acha-se em pleno desenvolvimento a execução do plano da rede de estradas, nele trabalhando em paralelo a junta geral e a delegação da Junta Autónoma de Estradas, tão bem representada e servida por um jovem engenheiro de indiscutível competência e acendrado zelo.
No sector económico, a aspiração velha de séculos - o aproveitamento dos baldios com aptidão agricultável está a ser levada a efeito em ritmo animador, através dos serviços agrários distritais e com base no subsídio magnífico do Estado, condicionado pelo decreto-lei n.º -36:363, de Junho do ano findo. Dentro de poucos anos, creio-o firmemente, a ilha Terceira terá realizado uma grandiosa tarefa de recuperação de zonas durante séculos maninhas e terá conseguido o reajuste agrário e o equilíbrio económico, perdidos pela inutilização definitiva de extensas áreas, pela construção do grandioso aeródromo das Lajens.
E, já que me referi ao aeródromo das Lajens, não deixarei de evocar aqui os inestimáveis serviços que ele prestou à causa das Nações Unidas, criando a Portugal, nesta negra época, que ainda não findou, de fundos dissídios e perigosas ambições, nona posição de incontestado relevo e transparente supremacia imoral. Se na guerra foi grande o aeródromo das Lajens, tenho a absoluta certeza de que na paz ele continuará a ser para a Pátria portuguesa o penhor e o fiador da nossa honesta e nobre missão de bem servir a causa sagrada da civilização Ocidental- e cristã, que é o fulcro milenário, o norte indeclinável de todos os povos amantes da verdade e da justiça.
E os portugueses que lá se encontram ao serviço da base aérea n.º 4 são a prova viva, o testemunho eloquente de que um alto espírito militar almamater da Nação - está vigilante e confiante na nossa missão civilizadora.
É consolador para nós todos, e para mim é um feliz ensejo, o que hoje se me oferece de, na Assembleia Nacional, poder prestar a minha homenagem ao comando dessa base e à elite de briosos oficiais que com ele cooperam, trabalhando para o bom nome e grandeza de Portugal.
O que aí se tem feito e se continua a fazer no sector material das obras e no técnico e moral das actividades militares merece a nossa maior admiração, o nosso subido respeito, pois desde há muito os concitaram dos estranhos.
Ao falar de coisas militares da ilha Terceira não quero nem devo deixar de memorar aqui a restauração e rigorosa reintegração de uma velha fortaleza da cidade de Angra do Heroísmo a que se acham ligados factos notáveis e gloriosos da nossa vida nacional. Refiro-me ao castelo que D. Sebastião mandara construir e que nas lutas da Restauração e até nos tempos actuais prestou assinalados serviços.
Ao Sr. Ministro da Guerra, tenente-coronel Santos Costa, à sua nítida compreensão do transcendente valor evocativo das relíquias militares ficamos a dever a restauração desse castelo, que, com alegria e quase ternura, vimos salvar de um abandono aviltante e de uma ruína irremediável.
Fruto de uma política sabiamente equilibrada, intransigentemente honesta, vão-se erguendo por todos os recantos da terra portuguesa os padrões que atestarão aos vindouros que o Estado Novo compreendeu, sentiu e viveu o Primado do Espiritual.
Ainda, e na minha tem, a mareá-lo está a construção do esplêndido Observatório Meteorológico de Angra, possível pela decidida boa vontade do grande Ministro que foi Duarte Pacheco e pela tenacidade inquebrantável de um verdadeiro homem de ciência, o tenente-coronel José Agostinho, antigo director dos serviços meteorológicos dos Açores.
Do que há feito, dos melhoramentos consumados, mais do que as palavras fala a sua realidade tangível a impor-se à nossa gratidão e a afirmar que devemos esperar e confiar.
Por isso as gentes da minha terra aguardam serena e confiadamente a satisfação de outras velhas, legítimas, aspirações, em número um das quais se conta o porto de abrigo de Angra do Heroísmo.
Sr. Presidente: tudo quanto disse e o muito que quereria dizer são a expressão sincera do meu, do nosso, agradecimento ao Govêrno da Nação.
Não me impulsionou euforia encomiástica ou espírito de rasteira louvaminha, antes me guiou um puro e leal anseio de cumprir o dever de proclamar a gratidão e a verdade.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Bernardes Pereira:- Sr. Presidente: há poucos dias solicitei daqui ao Govêrno o favor de aprovar o aumento de percentagem de vinhos de pasto consumidos no Porto reservada aos produzidos na região dos vinhos generosos do Douro, bem como as medidas complementares necessárias para reduzir o mais possível as quantidades de vinhos daquela região levados para as destilarias.
Ao tempo em que formulei aquele pedido já talvez estivesse lavrado o decreto-lei que veio dar plena satisfação ao que anteriormente solicitara no mesmo sentido a Casa do Douro pelas vias burocráticas habituais.
Suponho, portanto, que a minha intervenção em nada contribuiu para a resolução do assunto.
Mas não quero deixar de manifestar o meu reconhecimento e o dos lavradores durienses, que em grande número vivem no distrito que para aqui me enviou, pela publicação do referido decreto-lei, que é mais uma prova da solicitude do Govêrno para com a viticultura duriense.
Ao Govêrno, e especialmente ao Sr. Ministro da Economia, apresento, pois, muito sinceros agradecimentos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Albano de Magalhães:- Sr. Presidente: todo o português, quer sinta ou não a atracção das coisas de arte, sabe que em Vila Nova de Gaia existe uma Casa-
-Museu, cujo patrono, o grande estatuário Teixeira Lopes, a doou ao Município, para nela ser exposta a sua maravilhosa obra.
Há nesta casa, como em todas aquelas em que se sente o espírito a dominar os interesses do Mundo, um estranho sabor de religiosidade.
A oficina de Teixeira Lopes está ali. O grande estatuário português parece que vive ainda na casa em que trabalhou, através de uma obra que não morre, e que é nossa, muito nossa, pelo sentido da história que ela contém, pela inspiração portuguesa que dela transcende.
Nessa Casa-Museu existem trinta e nove objectos de arte que não são património da Câmara, mas sim pertença do sobrinho do Mestre, seu herdeiro.
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A Câmara de Gaia tem lutado empenhadamente para que não seja desfalcado o espólio artístico de Teixeira Lopes da sua Casa-Museu. Demais contam-se, de entre esses trinta e nove objectos de arte, obras-primas que devem pertencer à Nação, como a estátua em mármore da Rainha D. Amélia, o busto em mármore do Presidente Teófilo Braga, baixos-relevos, em pedra e em mármore, de Nuno Alvares, etc.
Determinado o valor destes objectos por peritos designados pela Câmara, valor esse - suponho 800 contos - que a exiguidade das receitas municipais não comporta e com que o herdeiro concordou, o Ministério da Educação Nacional, a quem foi solicitado o estudo do assunto, manifestou-se em sentido favorável à compra, quer quanto às suas vantagens, quer quanto ao preço por que a mesma se deveria fazer.
Resta agora que o Ministério das Finanças abra o necessário crédito. O presidente da Câmara de Gaia, com o patrocínio inteligente do chefe do distrito, não tem descurado este caso de política do espirito.
O Sr. Ministro das Finanças sabe apreciar o sentido desta política e pode dar-lhe realidade, numa terra que tanto dela precisa, com aquela atenção carinhosa que costuma pôr nas coisas do Porto.
Pois é essa atenção que lhe pedimos para que no próximo dia 18 não saia, como consta, da Casa-Museu Teixeira Lopes todo esse valioso espólio de obras-primas, que, sendo legítima pertença do sobrinho, é património da Nação por direito do espírito.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Querubim Guimarães:- Sr. Presidente: numa das sessões do mês de Dezembro fiz, por intermédio de V. Ex.ª, um pedido ao Ministro da Educação Nacional no sentido de me serem fornecidos vários elementos de informação respeitantes a números de filmes estrangeiros projectados nos cinemas portugueses, sua proveniência e nome dos censores que da respectiva censura se ocuparam, tudo isto com o objectivo de tratar em aviso prévio de um problema que reputo de muita importância: o problema do cinema, das projecções cinematográficas.
Esses documentos ainda não me foram fornecidos e creio que isso se deve atribuir ao facto de toda a respectiva documentação ter passado para o Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo, portanto para a Presidência do Conselho.
Sendo assim, solicitava de V. Ex.ª o obséquio de à Presidência do Conselho ser dirigido um novo ofício a pedir esses documentos; mas, como estamos em fins de uma sessão -pode dizer-se assim, embora haja agora apenas uma interrupção - e como a discussão do assunto não pode protelar-se, mando para a Mesa o seguinte aviso prévio:
«Nos termos regimentais, desejo tratar em aviso prévio de um assunto de maior importância no seu aspecto cultural e social: a exibição de filmes e a expansão das projecções cinematográficas, provindos do estrangeiro, de vários centros produtores de moralidade duvidosa e contrários à nossa índole, costumes, tradições e educação, denunciando assim:
1.º Os perigos de uma desnacionalização de flagrante evidência e de funestas consequências da nossa vida social e familiar e na defesa dos princípios morais que fundamentam a ética cristã da nossa tradição histórica;
2.º Os perigos, nomeadamente para os jovens, cuja formação, pelas sugestões do écran, se desvia dos preceitos em que deve alicerçar-se a educação das novas gerações, onde o culto da virtude e dos mais altos heroísmos morais e cívicos tenha o primeiro lugar, transformando-as em elites garantes da ordem social e da fé nacionalista numa Pátria cada vez maior;
3.º Os perigos para a ordem na família, base da sociedade, que é afectada profundamente na sua constituição e na sua estabilidade pela indisciplina moral nas relações entre os cônjuges e entre pais e filhos, deixando esse agregado de corresponder aos fins para que foi criado no plano providencial e na ordem natural;
Consequentemente demonstrar:
4.º A necessidade de uma rigorosa selecção dos filmes, o que só pode conseguir-se com uma completa reorganização da censura em moldes preventivos e repressivos eficazes, com o objectivo de defender o nosso património espiritual e cultural e evitar a difusão de conceitos e práticas que desvirtuem o sentido nacionalista e cristão da vida do nosso povo;
5.º E a conveniência, que é de urgência imperiosa, de regulamentar a lei n.º 1:974, há oito anos aprovada por esta Assembleia e ainda sem execução, pela qual se disciplina, a exemplo do que se faz noutros países, a assistência de jovens e infantes aos espectáculos cinematográficos, salientando-se o interesse em escolher e preparar para as crianças filmes próprios, ao mesmo tempo meio de distracção e de educação».
O Sr. Presidente: - O aviso prévio que V. Ex.ª acaba de anunciar será enviado ao Govêrno e oportunamente marcado para ordem do dia. Quanto aos documentos solicitados ao Ministério da Educação Nacional, já instei pela sua remessa.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte aviso prévio:
«Declaro que desejo tratar em aviso prévio das dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis e das relações entre estes e aquelas».
O Sr. Presidente: - Será dado conhecimento ao Govêrno do aviso prévio de V. Ex.ª e oportunamente designado para ordem do dia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Informo a Assembleia de que o parecer das Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1946 está a acabar de imprimir-se e será distribuído aos Srs. Deputados durante a interrupção dos trabalhos da Assembleia.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como ontem anunciei, vai agora ser submetida à apreciação da Assembleia a situação parlamentar do Sr. Deputado Sá Viana Rebelo, sobre a qual já incidiu o parecer da Comissão de Legislação e Redacção, já publicado no Diário das Sessões, no sentido de que este Sr. Deputado não perdeu o mandato.
Vai ser lido à Assembleia o parecer.
Foi lido.
O Sr. Mário de Figueiredo:- O parecer da Comissão de Legislação e Redacção é no sentido de que este Sr. Deputado não perdeu o mandato por força de disposição constitucional.
Quer dizer: o facto de estar a seguir estudos numa academia espanhola não é, em face das disposições constitucionais, facto qualificado para conduzir à perda de mandato.
Esclareço mais completamente: no ponto de vista da Comissão de Legislação e Redacção, se o Sr. Deputado Sá Viana perder o mandato não é por força de disposição constitucional; poderá ser por factos que não têm nada que ver com as disposições constitucionais. Esta é que é a posição da Comissão de Legislação e Redacção,
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e se faço estas observações é para explicar completamente o significado da fórmula que acaba de ser lida, segundo a qual o Sr. Deputado Sá Viana não perdeu o mandato por força de disposição constitucional.
O Sr. Presidente:- Vai passar-se à votação em escrutínio secreto.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente: - Convido para escrutinadores os Srs. Deputados João Ameal e Teotónio Machado Pires. Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - O resultado do escrutínio a que acaba de proceder-se foi o seguinte: entraram na primeira urna 65 esferas brancas e 8 pretas.
Está, portanto, votado que o Sr. Deputado Sá Viana não perdeu o mandato por força de disposição constitucional.
O Sr. Mário de Figueiredo:- Sr. Presidente: dada a importância da proposta de lei enviada pelo Govêrno e do tempo reduzido de que poderá dispor-se para a estudar e discutir, parecia-me da maior utilidade que se constituísse uma comissão eventual que procurasse, desde já, recolher todos os elementos capazes de esclarecer os problemas que se suscitam. O trabalho da comissão visaria principalmente a considerar as circunstâncias de facto que possam conduzir a adoptar como politicamente mais aconselhável uma solução, em vez de outra, de entre as várias possíveis.
Assim, permito-me propor:
1.º Que se submeta à consideração da Assembleia a constituição da comissão a que aludo;
2.º Que essa comissão tenha como núcleo a Comissão Permanente de Legislação e Redacção, sendo para ela eleitos todos os membros desta;
3.º Que seja composta de um mínimo de dezassete membros. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário de Figueiredo, ponderando a importância e a complexidade da proposta de lei hoje enviada à Assembleia e a interrupção dos trabalhos, que anunciei, sugere a conveniência de se eleger uma comissão eventual, tendo por núcleo a Comissão de Legislação e Redacção, com um número de membros não superior a dezassete, que durante o interregno que vai seguir-se fosse dispondo de materiais e habilitando-se a um mais fácil e mais eficaz estudo da proposta e do parecer da Câmara Corporativa logo que este venha a esta Casa.
Vou pôr à apreciação da Assembleia a proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto que nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação. Submetida à votação, foi aprovada.
O Sr. Presidente:- Em consequência da aprovação desta proposta, vai proceder-se à eleição dos membros dessa comissão.
Interrompo a sessão por alguns minutos, para se proceder à elaboração das listas.
Eram 17 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente:- Está reaberta a sessão.
Assumiu a presidência o Exmo. Sr. Sebastião Garcia Ramires. Eram 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à eleição da comissão a que se refere a proposta do Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Fez-se a chamada.
O Sr. Presidente:- Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Pinto Coelho e Alberto de Araújo.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente:- Está concluído o escrutínio. Entraram na uma 66 listas, com o seguinte resultado:
Presidente: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior; vogais : Mário de Figueiredo, José Alçada Guimarães, António de Sousa Madeira Pinto, João Luís Augusto das Neves, José Gualberto de Sá Carneiro, José Soares da Fonseca, José Pereira dos Santos Cabral, Luís Maria Lopes da Fonseca, Ulisses Cruz de Aguiar Cortês, Alberto Henriques de Araújo, Francisco Cardoso de Melo Machado, José Dias de Araújo Correia, José Esquivei, Manuel França Vigon, Paulo Cancela de Abreu e Manuel José Ribeiro Ferreira, todos com 66 votos.
Reassumiu a presidência o Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
O Sr. Pacheco de Amorim:- Sr. Presidente: de harmonia com o disposto na alínea e) do artigo 22.º do Regimento desta Assembleia, peço que me sejam fornecidas pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários, com a possível brevidade, as seguintes informações:
a) Número de cabeças de gado bovino abatidas no Matadouro de Lisboa, desde Janeiro de 1941 a Dezembro de 1947, por anos e por grupos de idades: até 3 anos; de 3 a 5; de 6 a 7; de 8 a 9; e de mais de 9;
b) Peso limpo correspondente, por anos e grupos de idades;
c) Os mesmos dados estatísticos para a cidade do Porto.
O Sr. Presidente:- Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente:- Continua em discussão o aviso prévio dos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão sobre o problema do pão e do trigo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Albano de Melo.
O Sr. Albano Homem de Melo:- Sr. Presidente: tenho acompanhado com o mais vivo interesse o debate em curso sobre o magno problema do pão.
Entendi de meu dever vir aqui prestar o meu depoimento. Não sei faltar, mesmo quando a missão é difícil.
Não poderei pôr perante V. Ex.ª senão algumas singelas dúvidas. Mas, mesmo assim, cumpro uma obrigação de lealdade para com esta Assembleia prevenindo-a de que deve precaver-se contra a natural deformação do meu espírito, afeiçoado desde cedo à causa da terra.
Poderia dizer, como disse António Sardinha:
Tudo o que eu sou eu sou por obra e graça da comoção rural que está comigo.
Desde a Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra a vida da natureza me emprestou muito do que é a minha própria vida.
De regente agrícola fiz o curso de engenheiro agrónomo, onde se foram sedimentando em mim ideias e sentimentos ligados à defesa de tudo o que se prende à prosperidade da nossa vida rural.
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Tive a sorte de entrar na vida prática no preciso momento em que se abandonavam os escombros de um triste passado e, pela mão de Linhares de Lima, se abriam largos horizontes à inquietação da nossa juventude agrária. Dei os primeiros passos da minha vida de técnico sob a divisa O trigo da nossa terra é a fronteira que melhor nos defende.
Depois, sempre os problemas ligados à agricultura ocuparam a minha actividade.
E até, ultimamente, ao fazer um passageiro quarto de serviço no Governo Nacional, os Ministros com quem tive a honra de servir quiseram ter a generosidade de me colocar na posição simpática da defesa dos interesses dos homens da terra e guardaram para si a ingrata e dura missão de defenderem o interesse geral.
Sr. Presidente: mesmo subindo a esta tribuna para pôr perante V. Ex.ª apenas algumas dúvidas, elas não podem deixar de trazer a marca da minha possível deformação.
Devia a VV. Ex.ªs esta explicação prévia.
Sr. Presidente: não vou entrar na discussão da tese se devemos ou não consumir o pão amassado com cereais produzidos na nossa terra.
No condicionalismo actual do Mundo, dentro do qual a nossa economia está enquadrada, parto da premissa, que não me seria difícil defender, de que é imperativo do interesse nacional produzirmos, tanto quanto pudermos, os produtos agrícolas que dêem o pão que precisamos de comer.
Dispomos de clima irregular e solo sáfaro. Não vale a pena lamentarmo-nos, nem lucramos nada em cruzar os braços. São realidades, e as realidades não se discutem; aceitam-se para as considerar devidamente no estudo dos problemas que elas influenciam.
O pão não é só trigo; é milho, centeio e ainda pode ter a contribuição de outros produtos panificáveis. E talvez de aceitar que 50 por cento do povo português consome pão de trigo, 39 por cento broa e 11 por cento pão de centeio. Sabe-se, por outro lado, como aqui foi dito, que o pão de trigo comporta, entre outras, a mistura de milho e centeio.
Não podemos encarar o problema apenas no aspecto continental português, mas sim temos que o ver ligado às possibilidades das nossas províncias ultramarinas, quer dizer, no plano imperial.
Encontramo-nos diante de uma população crescente - dentro em pouco l milhão por década - que temos que alimentar e ocupar.
Parece, portanto, existir a necessidade de fomentar as culturas de cereais panificáveis.
Afloremos separadamente alguns dos pontos ligados aos complexos problemas respeitantes à cultura do trigo, milho e centeio.
Sr. Presidente: a cultura do trigo distribui-se por todo o País, mas o Alentejo é, quanto a este cereal, «o celeiro eterno desta eterna Pátria», como um dia tive ocasião de afirmar.
Trata-se de uma cultura que é praticada com o fim principal da venda da colheita. Na média de 1933-1946 verifica-se que a lavoura vendeu aproximadamente 60 por cento das suas produções, ficando com o restante para semente e auto-abastecimento.
Com os devidos pormenores temos à mão elementos referentes à colheita de 1944 e, dado que a colheita foi pequena, observa-se que a quantidade manifestada para, venda desce para 47 por cento.
A grandeza do número não interessa neste momento; o que importa é destrinçar o que se passa no Alentejo (distritos de Portalegre, Évora e Beja) com o que se regista no resto do País.
Naquele ano, no Alentejo, anotaram-se 55:158 manifestos acusando uma produção total de 211.000:000 de quilogramas e uma produção para venda de 116.000:000 aproximadamente, de onde resulta:
Produção por manifesto (quilogramas). . 3:827
Quantidade vendida por manifesto (quilo-
gramas) . . . . . . . . . . . . . . . . 2:107
Percentagem para venda. . . . . . . . . 55
No mesmo ano, no resto do País, anotaram-se 161:948 manifestos, acusando uma produção total de 148.000:000 de quilogramas e produção para venda de 54.000:000 de quilogramas aproximadamente, de onde resulta:
Produção por manifesto (quilogramas). . 917
Quantidade vendida por manifesto (quilo-
gramas) . . . . . . . . . . . . . . . . 334
Percentagem para venda . . . . . . . . . 36
Encontramo-nos, pois, em face de duas zonas, em que numa domina a grande propriedade, onde o trigo é cultivado principalmente com destino à venda, e, noutra, domina a pequena propriedade, onde o trigo é cultivado principalmente com destino ao auto-abastecimento.
É evidente que se tomássemos os dados referentes a anos de colheitas maiores, o fenómeno aparecia-nos com maior relevo.
Ora, se as coisas se passam deste modo, parece poder-se concluir que a subida do preço do trigo além da influência que exerce no custo de produção - pelo valor das sementes, auto-abastecimento e sua acção no salário - representa grande interesse para o consumidor.
Por outro lado, se queremos produzir trigo, temos que garantir-lhe um preço que remunere convenientemente a lavoura. Sem isso, as virtudes peculiares desses bons portugueses acabariam por ser ultrapassadas pelo empobrecimento gradual.
Mas qual é o preço conveniente?
Não existem infelizmente para a cultura do trigo estudos sistematizados sobre o cálculo do custo da produção, tal como já possuímos para a cultura do arroz e para certas zonas da cultura da batata. Uma ou outra conta de cultura isolada não pode servir para se tirarem conclusões certas sobre assunto tão complexo.
Em boa hora o Sr. Ministro da Economia anunciou, no seu discurso de Portalegre, que ia mandá-los elaborar. Em boa hora os ilustres Deputados que fizeram o aviso prévio em diseussão consideram esse estudo como indispensável.
Gomo havemos de ajuizar aproximadamente a posição do problema relativo ao preço conveniente do trigo?
Tentemos um raciocínio examinando a evolução dos preços através da doutrina que tem inspirado a sua fixação.
Considero que o preço do trigo antes de 1935 era l$50. As grandes colheitas de 1934 e 1935 trouxeram uma perturbação no mercado deste cereal, dando origem ao abaixamento da tabela. No regime cerealífero de 1938 novamente se volta ao preço de l$50 para o ano corrente e para os futuros conforme deliberação tomada pelo Governo» (relatório do decreto-lei n.º 28:906).
Este preço foi fixado tendo em atenção os encargos normais de produção num ano médio e considerando a área da cultura que habitualmente é destinada à produção do trigo. Com este preço a lavoura tem tido em cada ano maiores ou menores receitas, consoante o volume das colheitas; são as naturais consequências do risco de exploração, mas o sistema permite-lhes que receba na média de alguns anos o que efectivamente é justo que perceba como remuneração da cultura» (relatório do decreto-lei n.º 34:737, de 6 de Julho de 1945).
Parece terem sido considerados pelo Governo como justos, na média das produções verificadas no ciclo anterior à guerra, os preços que vigoraram.
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O preço de 1$5O por quilograma tem sido mantido, mas, para fazer face às circunstâncias derivadas da guerra, foi instituído a partir de 1940 um subsídio de cultura, «destinando-se o mesmo a compensar encargos excepcionais, o seu montante deve aumentar ou diminuir consoante a curva de oscilação daqueles encargos, combinada com o montante das produções, o que quer dizer que o produto da multiplicação do subsídio pelo total do trigo vendido deve ser igual ao encargo excepcional apurado» (relatório do decreto-lei n.º 35:776, de 31 de Julho de 1946).
Na sequência deste raciocínio aceitam-se como justos os preços que vigoraram no ciclo anterior à guerra e o montante dos subsídios de sementeira estabelecidos a partir de 1940.
Comparemos agora o valor que a lavoura recebeu pela venda do seu trigo antes e depois do início do conflito mundial, desprezando, como é evidente, as importâncias relativas aos subsídios que serviram apenas para saldar os encargos excepcionais.
Nesse sentido obtive uns números que podem ter qualquer erro de pormenor mas que talvez exprimam aspectos tendenciais.
Revelam-nos que as quantidades de trigo reservadas para sementeira e para consumo das casas agrícolas são sensivelmente iguais nos dois ciclos em causa.
Por eles se poderá deduzir que o valor do trigo manifestado para venda foi de:
Na média de 1933-1939 . . . . . 417:575.693$45
Na média de 1940-1946 . . . . . 283:217,195$80
Diferença média anual . . . . . 134:358.497$65
Quer dizer que nos últimos sete anos, devido à frequência dos maus anos agrícolas, falta de adubos azotados (veja-se o mapa seguinte), desgaste da maquinaria, a lavoura teria recebido a menos pela venda do seu trigo 900:000 contos, ou, mais aproximadamente, 134:358.497$65 x 7 = 940:509.483$55, importância à qual haveria que deduzir os 43:427.662$40 do subsídio de sementeira recebido pela lavoura na campanha de 1945-1946: 940:509.483$55 - 43:427.662$40 = 897:081.821$15.
Adubos importados e fabricados nos anos de 1939 a 1947
(Unidade - Tonelada)
[Ver Tabela na Imagem]
a) [Ver Tabela na Imagem]
b) [Ver Tabela na Imagem]
c) [Ver Tabela na Imagem]
d) [Ver Tabela na Imagem]
Sr. Presidente: se no ciclo anterior à guerra os preços estabelecidos para o trigo tinham sido considerados justos em face da evolução das produções nele registadas poder-se-á verificar que neste último período a lavoura trigueira, quanto ao trigo, teria sofrido um prejuízo de 900:000 contos pela venda do seu cereal, quando necessitaria maior rendimento para manter o mesmo nível de existência, dado o aumento do custo da vida.
Os números em referência dizem-nos que, mesmo comparando o valor do trigo manifestado para venda, incluindo os subsídios de cultura e de sementeira, teríamos entre os dois ciclos uma diferença para menos de aproximadamente 6:000 contos na média anual. Donde, apesar do aumento de custo da produção e do custo da vida verificados nestes últimos sete anos, a lavoura trigueira teria recebido pela venda do seu trigo menos 42:000 contos do que em igual período de antes da guerra.
Mas como então se explica que a lavoura tenha continuado a produzir trigo e até se verifique pelas estatísticas um aumento da área cultivada?
A razão pode estar no seguinte:
A área da cultura do trigo no País tem aumentado lenta mas progressivamente; depois de atingir um máximo no período de 1931-1935, diminui no quinquénio seguinte para menos 70:000 hectares. Todavia, no quinquénio de 1941-1945 voltou a aumentar e ultrapassou mesmo o máximo de 1931-1935 em 23:000 hectares.
Há, porém, que ver em que circunstâncias se deu este aumento.
Na zona trigueira - Évora, Portalegre e Beja -, embora tenha aumentado no período de 1941-1945, não atingiu nunca as áreas registadas no quinquénio 1931-
-1935. O aumento que se verifica no País em relação a 1931-1935 deve-se principalmente ao distrito de Castelo Branco, Bragança, Faro e Lisboa e aos de Santarém e Setúbal.
Cabe frisar que em Castelo Branco, Bragança e Faro a área da cultura nunca tinha deixado de aumentar a partir de 1931-1935, não se repercutindo assim nestes distritos as causas que levaram à diminuição verificada no resto do País durante o período de 1936-1940.
Quanto a Bragança e Castelo Branco, o aumento constante, e particularmente o aumento observado em 1941-1945, julgo poder-se atribuir ao facto de a lavoura regional considerar baixos os preços do centeio em relação aos do trigo, o que a tem levado a encaminhar-se para a substituição daquela cultura por esta.
De uma forma geral o aumento verificado no período 1941-1945 em toda a zona não trigueira talvez se possa justificar pela influência do peso da economia local, pela necessidade de auto-suficiência do período de dificuldades e também pelas possibilidades da venda no mercado ilegal a preços elevados em tempos de abastecimento irregular numa zona deficitária de trigo.
Na zona trigueira a cultura do trigo continua a ser uma fatalidade mesológica dependente - esqueçamo-nos, por momentos, das virtudes dos agricultores -, em grande parte, da posse de capitais para a sua prática, quer provenham de um preço remunerador da cultura do trigo, quer do rendimento dos outros produtos de exploração agrícola, quer ainda do crédito.
Ora durante o período de 1941-1945 o alto valor atingido pelo capital-gado e, ainda, os preços elevados da cortiça, fava, grão, etc., deram talvez às explorações que podiam dispor de tais rendimentos um equilíbrio que permitiu ligeiro incremento da cultura do trigo, sempre na esperança de que ano bom viesse remunerar os capitais investidos.
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Meras hipóteses, meras dúvidas, mas, a serem verdadeiras, possivelmente se poderia concluir que o aumento da área da cultura do trigo não é prova de que os preços tenham sido remuneradores.
Mas, a ser exacto verificar-se uma grande baixa nesses rendimentos complementares da exploração que vinham promovendo o seu equilíbrio talvez seja conveniente assegurar por meio de preço remunerador para o trigo os capitais necessários à sua cultura.
De resto, fala-se das dificuldades crescentes em que vem vivendo o pequeno explorador da tema alentejana - ao esforço do qual se deve principalmente o desbravamento do sudeste português -, pois esse encontra-se quase sòmente com os rendimentos da cultura do trigo.
Para estes, como cultivadores, o preço do trigo é uma questão de vida ou de morte.
Não teriam sido estes os motivos pelos quais o Governo, empenhado numa política de baixa ou de estabilidade, tivesse aberto uma excepção - posta tão frisantemente em relevo pelo Sr. Deputado Cortês Lobão- para o aumento do subsídio do trigo nesta campanha?
Mas nós precisamos de produzir trigo.
Gomo o disse um dia o Sr. Presidente do Conselho, só que há de mais prático, útil e barato é fazer do nosso Alentejo o farto celeiro ...».
O Sr. Dr. Rafael Duque afirmou: «A cultura do trigo é factor de principal importância na vida económica e social do País e, cada vez mais, condição da sua própria segurança e defesa».
Mas voltamos a perguntar: qual será o preço conveniente? Já se viu que a cultura do trigo se pratica, designadamente no Alentejo, tendo por fim a venda do cereal, o que quer dizer que cada aumento de preço tem directamente influência sobre o custo de vida geral do País, pois influi no preço do pão nosso de cada dia.
Vejo as coisas do meu lado, e o meu horizonte restrito delimita um quadro onde parece ser agora conveniente, e talvez urgente, uma política de preços que ajude o aumento da produção do trigo nacional.
Mas compreendi e admirei a prudência e coragem dos que, tendo a responsabilidade do interesse colectivo, seguiram a linha geral de uma impopular política de sacrifícios para evitar o desmoronamento das nossas economias no dia em que os preços das coisas se estabilizarem no Mundo. Se nos deixássemos ir para além do nível em que se der a estabilidade, teremos que, em vez de usufruirmos as vantagens de para ele subir, para ele descer, e, então, em troca de um bem-estar efémero, seremos esmagados por escombros.
O que se passa com a cultura da batata e a cultura da vinha não será um sinal de alarme?
Um dia agradeceremos aos que souberam ver largo e longe.
Há que continuar a exigir sacrifícios; o ponto está em que estes não diminuam as forças da produção, das quais se alimenta a nossa vida colectiva.
Mas talvez não só a preocupação do consumidor pode impedir, à luz do interesse geral, uma vigorosa política da subida de preços para o trigo.
Vejamos mais algumas dúvidas:
Parece que é de interesse que a cultura do trigo seja explorada com um grau de intensidade que se coadune com as possibilidades da terra. Ora um preço de trigo exagerado pode levar ao aproveitamento, por um sistema também exageradamente intensivo, de terras que exigem uma exploração repousada.
O bom seria, talvez, poder obter-se a forma de compensar a intensificação cultural apenas nos solos de boa e média fertilidade, pois se julga que muitas práticas que podem levar a um aumento de produção por unidade de superfície e, portanto, para o aumento da produção nacional, só são econòmicamente possíveis se o nível dos preços do trigo as permitir ou, então, estabeleçam-se regras que condicionem a exploração nas terras pobres. Se assim se não fizer ,a subida do preço do trigo poderia trazer também o grave inconveniente de provocar uma ânsia de cultura que levasse os arados a danificarem ou destruírem um admirável património que os nossos antepassados nos legaram e que temos de defender e dilatar.
Refiro-me ao sobreiro, que só em produtos de exportação trouxe ao País em 1947 um valor aproximado de 800:000 contos, valor que chegaria para pagar o trigo importado na última campanha, deixando-nos ainda disponíveis uns 500:000 contos.
Por outro lado, dentro da conjuntura agrária actual, os preços do trigo insuficientes conduzem-nos a uma baixa de produção, não só pelos motivos acima apontados, como ainda pelo facto de a lavoura se recolher à exploração das suas terras melhores, onde corre menos risco, diminuindo por isso a área das explorações de conta própria ou de arrendamento àquelas onde se empregam boas sementes, se preparam bons alqueives, se aduba convenientemente, e procura que os seareiros lhe tomem a área restante e até aumentada em sistema de parceria.
«O lavrador socorre-se da boa administração para não ser vencido pelo boa técnicas, como diz o engenheiro Franco de Sousa, mas isto dá-se com graves repercussões económicas e sociais; económicas, porque a produção diminui; sociais, porque se transfere gradualmente para obreiros de pequena resistência económica riscos incomportáveis, que acabam, depois, de os terem esgotado em trabalho, por os lançar na miséria.
Sr. Presidente: continuo a olhar o panorama através do prisma da minha deformação.
Mas, já que vim a esta tribuna para tomar parte no debate, faltaria à lealdade para com VV. Ex.ªs e para comigo próprio se não pusesse perante esta Assembleia mais algumas dúvidas que julgo merecerem meditação.
Chegado aqui, volto a afirmar a necessidade imperiosa de um preço de trigo conveniente. Mas, sabendo-se que cada tostão a mais que subimos no preço do quilograma de trigo é pago pelo consumidor, pode perguntar-se se esse salutar sacrifício que se lhe exige reverte sempre para uma lavoura trabalhando dentro de uma estrutura agrária isenta de injustiças. Queremos dizer: o sacrifício de uns não irá aumentar uma riqueza não socialmente útil de outros?
Se há injustiças ou desleixos para com o interesse geral, julgo deverem ser corrigidas, embora com aquela delicadeza com que se podem tocar assuntos agrários. Mas não devem muitos pagar pelos pecados de poucos.
Aparece-nos agora como primeira dúvida se se pode deixar ao acaso o problema dos arrendamentos, que interessam a uma tão vasta área do agro português, pois sabe-se que a percentagem de superfície arrendada atinge 27 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 36 por cento no de Évora, 39 por cento no de Portalegre e no Norte excede por vezes a percentagem de 60 por cento.
A exploração pelo arrendamento é uma forma simples de tornar possível o acesso à terra dos que, tendo aptidões para a explorar, não dispõem, no entanto, dos capitais necessários à sua aquisição. Mas se não for estabelecida a «renda justa», se não for garantido um prazo mínimo e asseguradas as possibilidades de indemnização dos melhoramentos fundiários de recuperação económica levados a efeito pelo rendeiro, temos condenada a área arrendada a poder nunca vir a revelar a potencialidade de riqueza económica e social que guarda em si.
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De facto, conhecida a «fome de terra» que existe em muitas zonas do País, os arrendamentos entram no âmbito da oferta e da procura e atingem valores nitidamente antieconómicos e anti-sociais. Recordo-me no Baixo Alentejo o caso de Mértola, onde se pôde chegar à conclusão de que a «ração ao quarto» paga pelos seareiros conduziu à miséria dos cultivadores, enquanto que o proprietário, mesmo nos anos muito maus, consegue sempre um lucro de exploração; nos anos normais tem um lucro ainda maior, continuando o cultivador a sofrer um prejuízo, e nos anos bons o proprietário obtém um lucro sete vezes superior ao do seareiro, ao passo que se pagasse a «ração justa» (calculada a 1/10) nos anos maus, o prejuízo seria distribuído na proporção dos encargos; nos anos médios o proprietário consegue cobrir os encargos e o seareiro sofre pequeno prejuízo, compensado pela valorização do seu trabalho e o da família, e, finalmente, nos anos bons, os lucros são repartidos equitativamente.
Compreendo a servidão do homem à terra - quem é que, tendo adquirido ou herdado algum dia um pedaço de chão, se pode gabar de não se sentir amarrado ao seu fascinante poder? Não entendo, porém, a servidão do homem ao homem.
Ainda no que se refere aos arrendamentos recordarei que, quando feitos a curto prazo, o rendeiro deixa de ter interesse em conservar ou aumentar o fundo de fertilidade das terras, antes as esgota, com grave prejuízo para o proprietário, o que é bastante, mas também para o património nacional, o que é mais grave.
Sem melhoramentos fundiários que permitam o melhor aproveitamento de terras é difícil haver progresso, mas como é que estes se hão-de levar a efeito na vasta área que está entregue a arrendamentos se não se garantir ao cultivador a recuperação dos capitais investidos em iniciativas úteis?
São problemas complexos, bem sei.
Mas ponho perante VV. Ex.ªs a dúvida de se teremos de continuar de braços cruzados perante eles.
Sem querer, chegado aqui, surge no meu espírito a seguinte interrogação: não poderemos encontrar em largas zonas do País possibilidades de melhor aproveitamento económico e social da terra?
Os inquéritos realizados parecem chegar à conclusão que, graças a Deus, temos ainda à nossa frente um largo campo de progresso e de colonização.
Diz-se que a colonização e intensificação cultural implicam sempre investimento de largos capitais, só recuperáveis em duas ou três décadas, e que, entretanto, o trabalho do proprietário multiplica-se, sem, contudo, usufruir aumentos de rendimento, pois estes são absorvidos na quase totalidade pela amortização das obras.
No fim e ao cabo acresce-se consideràvelmente o valor do património e dos rendimentos a legar aos filhos. Todavia, na hipótese de as coisas se passarem deste modo, pode dar-se o caso de se encontrarem proprietários cuja largueza territorial lhes dê rendimentos que lhes permitam vida folgada e não estejam dispostos, para se pouparem a duros trabalhos e árduas canseiras, à modificação do seu tipo de exploração.
Será justo? Não será justo? Mais uma dúvida que ponho à consideração de VV. Ex.ªs. Poderei informar VV. Ex.ªs de que em 1947, primeiro ano em que esteve em vigor a lei dos melhoramentos agrícolas, promulgada quando era Ministro da Economia o Sr. Dr. Luís Supico, aqui votada nesta Assembleia, a lavoura portuguesa não se poupou às tais canseiras, pois iniciou empreendimentos no valor de 32:000.000$.
É consolador verificar-se este facto, e quanto mais o será quando ele se estender mais vigorosamente ao Alentejo, onde parece ser necessário resolver-se na raiz as causas das crises periódicas da falta de trabalho, em vez de procurar-se com obras públicas de recurso e derramas o remédio esporádico dos efeitos.
Sim, precisamos do preço do trigo conveniente -ai de nós se não tivermos a coragem de o oferecer à lavoura -, mas talvez o problema da produção não possa circunscrever-se apenas à questão do preço.
Trouxe a VV. Ex.ªs algumas dúvidas de carácter económico e social, mas também as tenho sobre o progresso técnico.
Não podemos parar. Temos de andar para diante, para produzir mais e mais barato. Melhor mobilização da terra (e temos aqui o problema que urge resolver - o do apetrechamento e utilização convenientes da máquina na agricultura do País), melhores plantas e animais, melhores fertilizações e rotações.
A título puramente documental, pois necessitam de ser melhor estudadas as possibilidades económicas, trago a VV. Ex.ªs as observações colhidas nos postos experimentais da cultura de sequeiro, da Direcção Geral dos Serviços Agrícolas - departamento que tão altos serviços vem prestando ao País-, instituídos quando da passagem pelo Subsecretariado da Agricultura do nosso ilustre colega Prof. André Navarro.
Mapa-resumo mostrando a comparação entre as explorações dos postos experimentais de culturas de sequeiro e as explorações regionais
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Nota-se que esta área é só no distrito de Faro. Uma parte importante do distrito de Beja é semelhante a estes terrenos.
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Se se pudessem generalizar os resultados obtidos à área a que os postos interessam teríamos:
Estimativa da generalização dos resultados dos postos experimentais de cultura de sequeiro
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Neste posto há uma diminuição de jornais em relação às explorações regionais.
Aumento no valor da produção, 1.2-36:740 contos; jornais absorvidos a mais durante o ano, 33.858:250 contos; aumento do valor dos salários, 540:000 contos; aumento do peso vivo de animais, 167.000:000 de quilogramas.
É evidente que estes números representam deduções no espaço, mas não levarão à certeza de existir ainda um vasto campo de progresso de cultura cerealífera?
Trouxe a VV. Ex.ªs apenas algumas dúvidas -tantas ficaram por referir- sobre os problemas ligados à cultura do trigo, e já vai longo o meu falar.
O clima é mau, a terra é safara, torna-se necessário que, ao menos, os homens sejam justos para com o trigo português, que, feitas todas as contas, será sempre o mais barato para o País.
Sr. Presidente: falemos agora sobre alguns aspectos da cultura do milho.
Esta cultura representa para o País, principalmente nas regiões nortenhas, um grande valor económico e social, não só por computar-se que 39 por cento da nossa população come pão de milho, como pela sua utilização para o sustento dos animais domésticos, quer em grão, para os porcos, cavalos e galinhas, quer em verde ou seco, para a manutenção dos bovídeos nas épocas em que praticamente não há outras forragens.
Pode dizer-se que a cultura do milho dentro do sistema de exploração de grande parte do Norte do País é uma fatalidade cultural.
Assim se explica que em tempos passados, sem protecção especial dos Poderes Públicos, a sua área cultivada se fosse mantendo contra a influência depressiva derivada do progressivo aumento de consumo do pão de trigo em substituição da broa, da diminuição dos equídeos pela expansão dos veículos motorizados e, ainda, da concorrência do milho colonial, a preços mais baixos.
A cultura do milho apresenta uma feição diferente da cultura do trigo, pois é muito mais pulverizada, e a maior parte do milho produzido no País destina-se ao consumo da própria casa agrícola.
Quer dizer que qualquer aumento do preço do milho vai influir substancialmente sobre as despesas da casa agrícola dos que trabalham a terra.
Em que medida se observa este fenómeno?
Vejamos os dados referentes à colheita de 1944, de que me servi quando me ocupava do trigo:
Quilogramas
Média de produção por manifesto............. 772
Média de venda por manifesto................ 144
Examinemos agora o mapa seguinte:
Quantidades em toneladas do milho manifestado para venda
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Estimativa na base de 80 por cento da produção.
(b) Números da Federação Nacional dos Produtores do Trigo.
Verifica-se que apenas foi manifestado para venda:
Percentagem
1942....................... 20,3
1943....................... 17,1
1944....................... 18,7
1945....................... 9,3
Mas, se atendermos à circunstância de que essas quantidades representaram apenas uma parte do milho destinado ao consumo público, ter-se-á a noção da influência que o preço do milho tem no custo da vida do consumidor, que geralmente pertence às classes mais modestas.
Vejamos o mapa seguinte:
[Ver Tabela na Imagem]
(a) No ano de 1939-1940 a incorporação no trigo foi superior em 10:107 toneladas à Importação de milho colonial e exótico para panificar.
(b) Refere se apenas até 31 de Outubro de 1946.
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Sr. Presidente: deste mapa se deduz que:
Em 1942 os 20,3 por cento manifestados para venda representam apenas 63,5 por cento do distribuído para consumo público.
Em 1943 os 17,1 por cento manifestados para venda representam apenas 44,3 por cento do distribuído para consumo público.
Em 1944 os 18,7 por cento manifestados para venda representam apenas 62,1 por cento do distribuído para consumo público.
Em 1945 os 9,5 por cento manifestados para venda representam apenas 18,7 por cento do distribuído para consumo público.
O proprietário que recebe rendas ou aquele que cultiva apenas para venda, esse sim, deixa de receber aquilo que o preço lhe não dá.
Qual o preço conveniente para o milho?
Encontramo-nos novamente frente às dificuldades de não possuirmos, tal como acontece para o trigo, contas de cultura sistematizadas.
Não quero, todavia, deixar de fornecer alguns elementos comparativos em relação ao trigo.
Se observarmos os preços verificados em 1939 e 1945, acharemos, por aproximação:
Para o trigo um aumento de 77 por cento.
Para o milho um aumento de 70 por cento.
Parece dever reconhecer-se que existia um diferencial, embora pequeno, favorável ao trigo.
Conhecendo-se a influência que os salários têm no preço do custo do milho, pela larga mobilização de mão-de-obra a que esta cultura obriga, conviria observar a variação do preço do milho e dos salários médios nos distritos principais produtores de milho.
Parece verificar-se, tomando como índice 100 para os valores de 1939, em 1945:
Para o preço do milho . . . . . . . 170
Para o valor dos salários . . . . . 195
e em 1946:
Para o preço do milho . . . . . . . 170
Para o valor dos salários . . . . . 214
Existia, de facto, um considerável aumento do valor dos salários em relação ao aumento do preço do milho.
E a título informativo devo dizer que para o trigo em 1945, enquanto o seu preço tinha atingido em relação a 1939 o índice 177, os salários nas ceifas atingiam 178; quer dizer que se equilibram. Bem sabemos que em 1946 o índice dos salários subiu repentinamente para 282, mas isso deve-se ao extraordinário volume das ceifas desse ano, infelizmente não acompanhadas por uma colheita correspondente.
E, já que falei em salários, não quero deixar de pôr perante V. Ex.ª a dúvida de como se há-de achar o equilíbrio entre, os salários rurais e industriais na zona do milho, onde se tem verificado um grande desenvolvimento e actividade industriais (não sei se efémera para alguns casos) para os trabalhadores dos dois sectores económicos que vivem lado a lado.
Sempre que vejo a subida de um salário a minha ansiedade social sente uma grande satisfação. O ponto está em que a economia possa com ela.
Deixo estas dúvidas à consideração de VV. Ex.ªs como possíveis subsídios para se meditar sobre o preço conveniente para o milho.
Chegados aqui, cabe-me perguntar se poderemos aumentar a produção continental do milho.
Primeiro, julgo poder dizer que, em tempos normais, a produção do milho em Portugal vivia em crise de certa superabundância (fenómeno de resto corrente para todos os produtos agrícolas, exceptuando o trigo), principalmente com a chegada do milho angolano, muito mais barato. A cultura, pelos motivos que há pouco apontei, lá foi resistindo heroicamente aos embates, até que em 1938, se não me engano, as dificuldades em que se debatia a lavoura do milho eram de tal ordem que o Governo interveio no assunto. As condições derivadas dos maus anos agrícolas e da guerra alteraram temporàriamente os dados do problema, mas não tardaremos a chegar aos tempos passados: dificuldades de venda para o milho continental e, no que se refere às províncias ultramarinas, quando não encontrarem mercados externos para o venderem por bom preço, cá nos virão bater à porta para lhe absorvermos a produção à custa do produtor do continente. No fim, tudo fica em casa, porque tudo é Portugal e todos são portugueses, mas não sei se será justo abandonar os produtores continentais à concorrência do milho ultramarino, agravada, algumas vezes, pelo jogo dos importadores.
A disciplina económica que se foi forçado a adoptar durante a guerra fez confundir nalguns espíritos as faltas inevitáveis, filhas das circunstâncias, com o sistema de condicionamento económico. Daí ter nascido novamente uma perigosa brotoeja, à sombra da qual se fazem grandes fortunas e se semeia muita miséria - a liberdade económica. Bem sei que, no fundo, tenho verificado este paradoxo: desejar-se a liberdade para vender o mais alto possível o que se tem e a disciplina férrea para comprar o mais barato possível o que se precisa. Liberdade para vender quando se está de posse de um produto que escasseia no mercado; intervenção quando se dispõe de mercadoria sem procura. Como em tudo, no meio está a virtude e, portanto, não posso deixar de aplaudir calorosamente a solução adoptada pelo Sr. Ministro da Economia logo que as circunstâncias o permitiram: liberdade de venda, mas garantia de preço mínimo por compra da Federação Nacional dos Produtores de Trigo e de preço máximo por venda desse mesmo organismo.
Se a medida não tiver carácter transitório, como é de esperar, pode-se olhar tranquilamente para o futuro da produção do milho nacional.
E que vemos então?
Parece podermos divisar as possibilidades de, sem alargarmos a área cultivada, aumentarmos vigorosamente a produção, baixando mesmo o seu preço de custo.
Para o milho a utilização de sementes de híbridos pode-nos aumentar a produção dentro de um curto espaço de tempo em talvez mais 50 por cento.
Trabalha-se afanosamente na Estação de Melhoramemtos de Plantais para a obtenção de híbridos nacionais. Parece que em determinadas circunstâncias, e conjugando as possibilidades climáticas do continente e de Angola, se poderão ainda obter unais rapidamente quantidades substanciais da preciosa semente.
Entretanto, certas sementes comerciais de híbridos importadas da América do Norte deram produções que nalguns casos ultrapassaram em 100 por cento a produção do milho continental. Não sabemos ainda se essas fabulosas produções irão com a continuidade exigir um acréscimo maciço de fertilizantes, o que nos teria que limitar as ambições por falta da matéria orgânica.
Mas parece poder garantir-se que se obtém o acréscimo de 50 por cento sem se modificarem as quantidades de fertilizantes normalmente usadas.
A ser assim, nasce a dúvida se será conveniente ao interesse nacional encaminharmo-nos para o aumento da produção de milho continental em 50 por cento.
Ouviram VV. Ex.ªs o notável discurso do nosso ilustre colega engenheiro Nunes Mexia em que se demonstrou
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a viabilidade do fabrico do pão de trigo com mistura de milho, de resto já em prática, com certas deficiências técnicas por falta de degerminação do milho actualmente.
Sabemos que essa mistura vem, pelo mais baixo preço do milho, diminuir o preço do pão e, portanto, para um mesmo preço do pão, permitir que se pague o trigo por um valor mãos alto.
Ora quanto mais baixo for o preço do milho mais acentuada será a vantagem da mistura para o aumento do preço do trigo ou embaratecimento do preço do pão. Acontece que quanto maior quantidade de milho colonial -mais barato- entrar no volume de milho destinado à mistura mais baixo será o seu preço. Parece por isso conveniente, quanto à economia do sistema, utilizar para a mistura a maior quantidade possível de milho africano.
Se estas premissas estiverem certas, parece-nos que em tempos normais não será conveniente aumentarmos de forma considerável a produção do anilho continental, mas, como com a utilização de melhoreis sementes nós podemos obter produções unitárias muito maiores, só conseguiremos o fim em vista reduzindo a área actualmente destinada à cultura do milho.
Sabemos que essa redução está condicionada às necessidades de forragens para a alimentação do gado. Julga-se, por outro lado, que a qualidade da farinha de milho proveniente de híbridos permite uma maior incorporação com a farinha de trigo, o que nos oferece uma segurança para o desgaste do aumento da produção de milho.
Mas a área que ficar livre não poderá ser utilizada em grande parte pela cultura do trigo?
Sabe-se que no Norte do País se encontram condições mesológicas muito mais favoráveis à cultura do trigo do que no Sul.
Por lá se cultiva bastante trigo, mas cultivou-se muito mais.
Julgo, todavia, não ser estranho à diminuição verificada o aparecimento da Federação Nacional dos Produtores de Trigo, que, tendo monopolizado as compras deste cereal - sistema isento de críticas para o Sul do País -, não se adaptou, nem podia adaptar-se, à vida rural nortenha. Como a produção no Norte não era densa, construíram-se lá poucos celeiros, e, portanto, o lavrador era e é obrigado a percorrer longas distâncias para ir entregar o seu trigo, contrariando o hábito de o vender à porta de casa ou na feira mais próxima.
Isso vem a propósito para pôr perante VV. Ex.ªs a dúvida de se poder vir a aumentar a produção trigueira do Norte do País, enquanto o sistema de intervenção for o actual.
O resto seria talvez conseguido por uma política de preços de trigo em relação ao milho, de forma a que, remunerando convenientemente as duas culturas, uma trouxesse mais vantagens do que a outra. Mas passemos ao centeio.
O centeio cultiva-se, como todos sabem, em vastas zonas do País, no sentido de ser farinado para pão e, de certo modo, para alimentação de animais.
Reportando-nos à colheita de 1944, a que já me tenho referido, verifica-se:
Média de produção por manifesto (quilogramas)................. 747
Média de venda por manifesto (quilogramas).................... 71
Percentagem para venda........................................ 9,8
de onde se pode concluir a extrema pulverização da sua cultura e ser praticada principalmente para prover ao autoabastecimento das casas agrícolas.
A cultura do centeio reveste interesse especial, pois pode dizer-se eleita para o melhor aproveitamento dos terrenos pobres: queremos dizer que nos solos sáfaros esta cultura dá-nos uma maior produção por unidade de superfície do que a do trigo.
Portanto, o praticar-se aquela em vez desta nos referidos terrenos traduz-se num maior rendimento económico para o País.
Vejamos se foi nesse sentido que evolucionaram as áreas cultivadas de centeio e de trigo.
Para isso observemos o fenómeno ao longo dos cinco quinquénios que vão de 1916 a 1945, tomando os índices de superfícies cultivadas por média de quinquénio:
[Ver Tabela na Imagem]
Por estes índices evidencia-se que a cultura do centeio vem descrescendo desde 1916 até 1940, enquanto se tem dado o incremente constante da cultura do trigo, apenas com um decréscimo no quinquénio de 1936-1940, mas, mesmo assim, indicando uma superfície cultivada superior à de 1926-1930.
Qual o motivo desta evolução?
Talvez ela tivesse tido origem no facto de certas actividades ligadas- ao trigo terem interesses na expansão do consumo do pão deste cereal e, portanto, de não se remunerar a cultura do centeio convenientemente em relação à remuneração dada à cultura do trigo.
Os índices de relação entre os preços reais do centeio e trigo, para o caso do centeio, parecem confirmar esse facto:
1916-1920................... 100
1921-1985................... 101
1936-4930................... 80
1931-1935................... 76
1936-1940................... 82
Mas convirá observar a evolução das áreas cultivadas de centeio e trigo nos distritos mais característicos, pois poderia o fenómeno examinado em globo para todo o País induzir-nos em engano.
índice das superfícies cultivadas de centeio e de trigo por média de quinquénios
[Ver Tabela na Imagem]
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[Ver Tabela na Imagem]
No caso de estes índices traduzirem a verdade dos factos, parece confirmar-se ter havido em Bragança, Vila Real, Castelo Branco, Portalegre e Faro um decréscimo da cultura do centeio e um progresso da cultura do trigo, tanto mais de notar quanto é certo encontrarem-se entre estes distritos alguns dos mais caracteristicamente centeeiros. Só a Guarda oferece um panorama de certo equilíbrio. Quanto a Coimbra, Aveiro e Viana do Castelo, nota-se o decréscimo da área do trigo, o que vem confirmar o que disse quando me referi à cultura deste cereal no Norte do País.
O Sr. Cincinato da Costa: - Há quem tenha sustentado que a área de cultura do trigo tem aumentado, como tem aumentado a do milho e a do centeio, mas nós, que contactamos com a terra, sabemos que nem sempre assim acontece, e então encontra-se a explicação neste pormenor: em geral, a estatística calcula as áreas de sementes pelas declarações de sementeiras de cada proprietário, e, motivado pela guerra, houve muita gente que declarou muito maiores sementeiras.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o seu esclarecimento.
Talvez seja uma falta de minha parte, mas repare V. Ex.ª que não considerei o quinquénio 1941-1945, exactamente para fugir a essa dificuldade, que podia induzir em erro sobre a realidade dos factos.
Ora, se temos falta de trigo, se o centeio o pode substituir directamente ou com a incorporação da sua farinha na farinha de trigo, se em vastas zonas de terras pobres a cultura do centeio nos oferece um maior rendimento económico do que a cultura do trigo, põe-se a dúvida de saber se o interesse nacional não deveria determinar que se diminua o diferencial existente entre os preços dos dois cereais, de modo a interessar novamente a lavoura na cultura do centeio.
Sr. Presidente: chegado aqui, julgo poder concluir que temos à nossa frente um vasto campo ainda fértil em possibilidades para resolvermos o problema do pão português.
Mesmo jogando apenas com os três cereais pacificáveis de que me tenho ocupado o património da metrópole e do ultramar tem em si por desgastar um potencial de riqueza económica e social que deve garantir pão e trabalho para grande parte da nossa população crescente. Mas podemos considerar ainda as possibilidades que nos oferece a utilização da cevada, cuja cultura se adapta melhor do que a do trigo às condições mesológicas do Sudueste português. Resta-nos saber se o diferencial existente entre o preço da cevada e o do trigo seria de molde a provocar a grande produção deste cereal, que exige a solução tão brilhantemente sugerida pelo nosso colega Nunes Mexia. Mas o alargamento da área da cultura da cevada não será feita à custa da área da cultura do trigo?
O Sr. Nunes Mexia:- Como não usarei dia palavra no fim do debate, é meu desejo esclarecer essa dúvida de V. Ex.ª em termos de não induzir a Assembleia numa inexactidão quanto à apreciação da moção no aspecto que V. Ex.ª está focando.
A cevada, realmente, no aspecto da cultura extensiva, que é uma das modalidades em que se cultiva nas terras boas e médias, pode, de facto, concorrer com o trigo e a defesa da cultura do trigo tem de consistir na devida
protecção através do preço e de outras facilidades.
Porém, a cevada tem uma directriz própria, que é cultura intensiva, utilizando como nenhum outro cereal, além de milho, as fortes adubações.
Só o armentio ovino nacional em 180 dias de fertilização a campo pode enriquecer cerca de 45:000 hectares de terreno, os quais, se fossem destinados exclusivamente à cultura da cevada, produziriam cerca de 45.000:000 de quilogramas, não falando nas possibilidades de extensão, com base em nitreiras e arribanas existentes e a criar.
O Orador: - Agradeço os esclarecimento que V. Ex.ª quis dar à Assembleia sobre a dúvida que eu tinha posto.
Quanto à utilização do arroz, parece-me ser uma ideia interessante, mas principalmente como auxílio à sua cultura, pois a incorporação da farinha de arroz, de preço mais elevado, viria dificultar a (melhoria do preço do trigo.
Sr. Presidente: temos de progredir, sob o ponto de vista técnico, em apetrechamento e em métodos culturais.
E também caminhar no sentido de garantir mais justiça aos que trabalham a terra, caminhar no sentido do melhor aproveitamento social dos solos agrícolas de que dispomos.
Mas não haverá progresso se não acompanharmos o esforço dos homens da terra da segurança que lhes empresta o saberem que trabalham apoiados em preços remuneradores para os seus produtos.
Mas como se garantem esses preços, como se consegue utilizar da forma mais conveniente a produção de cereais de que o País vier a dispor à sombra do progresso?
Não vemos outra forma que não seja a existência de uma organização.
As realidades demonstram que não basta marear preços; é necessário garanti-los, e tal fim só se consegue quando existe uma organização, convenientemente apetrechada, que intervenha directamente no mercado, desde que as circunstâncias o exijam.
O debate que prende neste momento o País e esta Assembleia não encontrou como solução para as faltas que se verificarem na nossa produção de trigo o reatar-se a tradição do consumo do pão de milho e do pão de centeio e o utilizar-se, até onde for possível, a mistura de farinhas de outros cereais?
Mas como é que isso se realiza na prática? Como é que se soluciona o complexo jogo das aquisições à lavoura e distribuições à moagem de diversos cereais da produção continental e ultramarina se não existir uma organização?
Como é que se pode garantir o eficiente fabrico e venda de vários tipos de farinhas e de pão (tão difíceis de fiscalizar) se não houver o apoio de uma organização?
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Sem ela alguma coisa se faria, mas então ai do produtor e do consumidor.
Felizmente que temos a nossa organização. Perfeita? Certamente que aqui e ali ela pode sofrer aperfeiçoamentos de estrutura e de acção. Mas seria negar a evidência não reconhecer os altos serviços prestados à economia e, porque não dizer?, à causa nacional em que estamos empenhados.
Compare-se o que se passou em Portugal em volta do problema do pão durante a guerra de 1914 - faltas, desordens, grandes fortunas feitas - com o que se pôde verificar durante o último conflito, devido à existência da organização corporativa das actividades ligadas ao trigo, para só por esse altíssimo serviço ela se impor à nossa gratidão.
Viu-se que o preço do trigo sofreu um aumento de 77 por cento de 1939 para 1945 e, no entanto, devido à organização, o pão subiu durante este período apenas 40 por cento. Pois durante a outra guerra o trigo de 1913 a 1919 sofreu um aumento de 290 por cento, enquanto o pão em igual período registou um aumento de 290 por cento também. O comentário destes dois factos, aparentemente simples, faria revelar em toda a sua transcendência a diferença do que éramos e do que somos hoje em Portugal.
Se pudemos contar com a organização corporativa no passado, mesmo em tempos duros, poderemos contar com ela no futuro para efectivar, de forma eficiente, o sistema considerado necessário para a resolução deste problema vital para o País.
Sr. Presidente: vou terminar.
Repito o que um dia disse falando à lavoura:
Quem rasga a terra generosamente, dos vales às serranias, tendo apenas por barreira as rochas, quando não leva sua teimosia heróica a destroçá-las para alargar os limites acanhados da sua fazenda;
Quem desde a madrugada até para além da luz do dia, tantas vezes fustigado pela chuva, regelado pelo frio ou escaldado pela ardência do Sol, se debruça apaizonadamente sobre a Terra;
Quem vive a tortura quotidiana da incerteza de que os capitais, a técnica e o suor investidos numa cultura poderão ser compensados, pois temporal ou geada, cheia ou seca, vento ou praga não têm horário nem caminho certo sofre-se-lhes o rasto;
Quem faz vida sóbria de poupança para conservar ou alargar o torrão que herdou e poder legá-lo aos filhos, património de valor incalculável, porque não têm cotação alegrias e sofrimentos amassados nessa terra sagrada;
Quem reparte coração e dinheiro, tantas vezes até ao sacrifício, com os que trabalham a seu lado:
Bem serve a Pátria e bem merece que lhe proporcionemos um clima que se pode induzir pela palavra confiança.
Os tempos anormais que acabamos de atravessar perturbaram muito os espíritos, fazendo subir à tona ambições desmedidas, egoísmos, inconformações, hipercríticas que envenenaram a vida colectiva, por muitas vezes se perder b sentido das realidades, por muitas vezes se tomar a altura da onda pela altura da espuma.
Eu sei que na seara da Nação há escalrachos que convém estirpar, mas sei também que sob a protecção da Providência, apoiados nas virtudes de uma doutrina, guiados pela luz de um génio político, conseguimos transpor ou vencer escolhos e dificuldades onde outros soçobraram e, entretanto, prosseguir a marcha do Renascimento.
Poderá dizer-se que apenas vim aqui trazer dúvidas e que no fim venho pedir confiança.
Mas no momento em que se abrem ao País tão largos horizontes no campo industrial eu também creio, e creio firmemente, nas possibilidades económicas, sociais e morais que a agricultura ainda nos oferece. Investimos toda a nossa capacidade de pensamento e da acção na obra que temos a realizar, semeemos confiança, pois não tenho dúvidas de que a terra e os homens responderão à chamada. Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Costa:- Sr. Presidente e Srs. Deputados: descansem VV. Ex.ªs, que eu procurarei não me alongar e farei todos os esforços para os não maçar.
Neste debate que se estabeleceu à volta dos problemas do pão e do trigo em determinado momento a minha natural inclinação, filha da terra de onde venho, sentiu-se solicitada, inelutàvelmente, para vir trazer ao conjunto deste debate não mais que uma impressão, apenas um depoimento - um breve apontamento -, visto me minguarem, como é evidente, todos os atributos que me pudessem apresentar com qualquer qualificação especial.
Mas, pelo adiantado da hora a que venho falar, quase me arrependo de o ter feito e lembro-me, Sr. Presidente, de uma história que me contaram quando fiz um curso de oficiais milicianos acerca de matéria e táctica de guerra, que me ensinava que quando um general lança uma ofensiva é preferível romper com ela - a despeito de prévio inêxito assegurado- do que desfazê-la ou voltar ao primeiro pé.
E o que acontece comigo; já que organizei a ofensiva, vou lançá-la, ainda que sob pena de assegurado inêxito.
Não quero, por isso, deixar de trazer ao conjunto deste debate o meu próprio depoimento, que, quando muito, será um reflexo do pensar e sobretudo do sentir daqueles que na província vivem e sentem tanto como nós outros um problema que interessa à economia geral da Nação.
Está inteiramente explanado o assunto; minguam-me quaisquer recursos especializados para trazer ao debate qualquer contributo essencial; mas a verdade é que, mercê do ofício a que me tenho destinado, e agora essencialmente mercê da minha posição de Deputado, a lavoura do meu distrito e a lavoura do meu concelho muitas vezes trazem até mim os seus pesares, as suas reclamações e as suas ânsias.
Eu serei, portanto, quando muito, um reflexo dessas aspirações, por vezes tão insistentemente apresentadas.
Em tempos, quando em representação do meu concelho fiz parte do conselho da província do Douro Litoral, pertenci a uma comissão, que então se formou, de inquérito à lavoura. Isto foi em 1938.
Esse inquérito não se fez tanto em largo nem tanto em fundo que chegasse a conclusões isentas de discussão. Mas, em todo o caso, chegou a estas, que me parece que ainda infelizmente se verificam em relação a regiões sobre que o inquérito incidiu - província do Douro Litoral -, e que são as seguintes:
1.º A agricultura da província do Douro Litoral enferma de alguns males graves;
2.º Torna-se urgente a publicação de medidas que possam embaraçar ou impedir o abandono da terra.
Nesse inquérito, presidido pelo Dr. Augusto Pires de Lima, e em que representei o concelho da Feira, chegou-se a essas aflitivas conclusões.
Estava então a lavoura do Norte sofrendo o resultado de dois males, igualmente graves: a emigração e o urbanismo.
O Sr. Querubim Guimarães:- Quanto ao mal da emigração parece-me que ele está sanado actualmente.
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O Orador:- Parece-me que efectivamente esse mal está atenuado; simplesmente parece-me que o mal do urbanismo se agravou.
Sr. Presidente: a matéria do aviso prévio, embora referindo-se essencialmente ao trigo, abrange, numa generalização feliz, o problema do pão.
Ora entre as matérias panificáveis tem o milho um lugar de destaque e, dado que pertenço a uma região grande produtora de milho, a ele me referirei especialmente.
Embora o milho seja um cereal, por assim dizer, plebleu, o certo é que alimenta uma grande parte da população do País.
Precisamente onde a população atinge maior grau de densidade aí se consome essencialmente o pão de milho.
Todo o Minho, todo o Douro Litoral, toda a Beira Litoral, parte da Estremadura e unia apreciável parte do Ribatejo produzem abundância de milho e os seus habitantes fazem dele um consumo habitual.
Em muitas partes mesmo o pão de milho é, por assim dizer, o elemento-base.
O trabalhador, o operário, o agricultor dessas regiões, desde que tenha à refeição um caldo e um pedaço de broa, já se satisfaz.
Pode mesmo dizer-se que para essas regiões o trigo não pode fazer suprir a falta da broa, alimento pesado, compacto, que, além do seu valor intrínseco em poder de alimentação, como pelo seu peso e compacidade, desempenha um papel importante no equilíbrio da alimentação rural.
O pão de milho satisfaz, preenche. É indispensável à constituição fisiológica dos habitantes daquelas regiões.
Seguramente o milho é um cereal de nacionalização muito mais recente do que o trigo, pois a sua implantação no continente europeu não vai para além de meados do século XVI.
Trazido possivelmente da América, adaptou-se tão bem e tão depressa às condições climáticas e geológicas do continente que em certo momento constituiu uma miragem embaladora pela facilidade com que se desenvolvia e pela abundância como frutificava.
Por isso não admira que a cultura do milho se desenvolvesse entre nós rapidamente e a tal ponto que tende a ultrapassar de novo a cultura do trigo, como já ultrapassou. A cultura do milho aproxima-se da cultura do trigo em área e produção.
E, assim, vejamos:
Cotejando a estatística agrícola referente a 1944 verifica-se:
Superfície semeada de trigo (hectares) 605:093
Superfície semeada de milho (hectares) 497:849
Menos (hectares) 107:244
E a produção foi:
Trigo (quintais) ............ 3.680:936
Milho (hectolitros) ......... 5.577:018
Mas, quanto à área de superfície semeada e quanto u produção do milho, há que rectificar os dados estatísticos por forma a repor a realidade no pé que lhe compete.
Ora é sabido que a estatística tem sido feita à base dos manifestos; mas precisamente não há que nos fiarmos nesses manifestos, pelo menos quanto ao milho, pois a verdade é que com o preço irrisório que lhe foi atribuído, em flagrante contraste com os preços reais do mercado livre, tais manifestos pecam por defeito, e por defeito grave.
O mesmo não acontecerá, porém, para o trigo, visto que, sujeito desde há muito à Federação Nacional dos Produtores de Trigo, e por isso integrado num apertado círculo de mecânica corporativa, não era fácil fugir com ele ao manifesto.
Os manifestos do trigo são por isso muito mais (rigorosos do que os do milho.
E assim, se às considerações acima feitas se juntar mais esta, que é palpável, é fora de dúvida que a produção deve aproximar-se muito da produção trigueira.
Nem por isso, todavia, se poderá deixar de pôr o problema do milho, assim como se põe correntemente o problema do trigo.
É que, ainda assim, ao que parece, o milho e o trigo e os demais cereais juntos não bastam ao consumo do País.
E eis a questão.
Pretendendo trazer à discussão o meu contributo, embora modesto, mas sincero, permita-se-me que comece por formular algumas considerações de ordem geral:
O problema do pão é, sem dúvida, um problema transcendente. E parece que entre nós um problema crónico.
A história regista em várias passagens o esforço despendido: pelos governantes no sentido de promover uma maior abastança de cereais panificáveis, podendo afirmar-se que a lei das sesmarias, de D. Fernando (1375), é já a condensação de determinações régias anteriores e a codificação de preceitos que, em certo sentido, já se vinham executando anteriormente.
Tinha então Portugal 1.000:000 de habitantes, ou ainda menos. No entanto o problema do pão já preocupava grandemente os nossos reis, ao ponto de se estabelecer como sanções preceitos deste rigor:
E se os senhores das herdades esto nam quiserem consentir, e contra elo fôrem, ou ho embargarem per qualquer maneira por seu poderio, percam essas herdades e des entam sejam apricadas ao comum pera sempre; e a renda delas seja filhada, e recebida pera prol do comum do lugar, em cujo terrentório essas herdades jouverem (Lei das sesmarias).
O fenómeno de carência que então se observava agravou-se para os tempos presentes por uma forma incalculável.
A população do País deve atingir presentemente mais de 8.000:000 de habitantes; mas enquanto o ritmo de crescimento, desde os primórdios da nacionalidade até ao ano de 1800, se faz numa escala, embora progressiva, muito lenta, de 1800 em diante o crescimento dá-se por uma forma extraordinariamente acelerada.
Assim, enquanto que desde o começo da nacionalidade até ao ano de 1800 não ultrapassamos os 2.900:000 habitantes, de então para cá, apenas em século e meio, quase que triplicamos aquele número.
Só o apontamento deste dado é bastante para atribuir ao problema do pão um aspecto transcendente.
O fenómeno, aliás, não é apenas nacional. E particular a toda a Europa, senão mesmo a todo o Mundo.
A humanidade está em franco crescimento; o que é mais grave (não digo que é mau ou que deixe de ser) é que esse crescimento não se faz em ritmo perfeito e proporcionado.
A este respeito ocorre-me citar aquele dado estatístico que o economista Werner Sombart apontou algures e que vem citado e considerado por Ortega v Garret no seu livro La Rebelión de las Masas e também por N. Politis em La Morale Internationale.
Esse dado é o seguinte:
Enquanto a Europa desde o século VI ao século XVIII, ou seja em doze séculos, pouco ultrapassou a cifra dos
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180.000:000 de habitantes, desde o fim do século XVIII até ao presente, ou seja em menos de século e meio, ultrapassou a cifra dos 450.000:000 de habitantes. Isto é, em menos de século e meio a população da Europa quase triplicou.
Comentando o facto Ortega v Gasset assinala:
Em três gerações (a Europa) produziu gigantescamente pasta humana, que, lançada como uma torrente sobre a área histórica, a inundou.
Sr. Presidente: já que não é possível viver em isolamento, o problema que se põe é, portanto, este:
Como conseguir pão para tanta gente, uma vez que as áreas cultiváveis de forma alguma podem crescer na mesma proporção, se é que ainda podem crescer, nos velhos países da Europa?
Parece que a chave do problema para sua resolução em seu conjunto só poderia estar no aproveitamento de áreas inexploradas, que, pela sua extensão ou feracidade, tivessem o condão de produzir em paralelo com o crescimento das populações.
Para o nosso caso, e se se quiser ver para longe, à distância de séculos, parece que se nos impõe lançar as vistas para a África, já que, por um destino providencial, como disse o Sr. Presidente do Conselho recentemente, ela é detida pelos países do Ocidente e, portanto, também por nós.
Ao fazer tal apontamento o Sr. Presidente do Conselho apontou o verdadeiro caminho. Diagnosticando os males da Europa, e, portanto, os nossos, indicou também o remédio, e é consolador verificar que essa medicina, apregoada pelo Chefe do Governo de Portugal, já está sendo adoptada pelos estadistas doutros países.
Em face disto, parece, pois, materialmente impossível atingir-se a perfeição da «adaptação feliz do nosso povo ao seu território» continental como desejava Ezequiel de Campos quando escrevia:
A grei - o conjunto humano de uma organização política - está bem adaptada ao seu território quando é capaz de colher, pelos aproveitamentos das seus recursos naturais e da sua posição para o convívio internacional, a riqueza bastante para a sua vida ditosa. (Ezequiel de Campos, Problemas Fundamentais Portugueses).
Evito deixar dominar-me pelo cepticismo; mas, em face da extraordinária crescimento da população e da quase estabilização das áreas continentais cultiváveis, chego a recear que jamais se possa dar essa almejada adaptação, pelo menos visto o problema em projecção para o futuro.
É, todavia, possível tentar um esforço no sentido de obrigar a terra a produzir o pão suficiente ou que tenda para a suficiência.
E de bom conselho e boa prudência - e os últimos anos, os anos da guerra, deram-os uma tremenda lição - fazer os possíveis para que o País se baste em cereais panificáveis.
Há nisso o máximo interesse, quando não fosse outro, o de diminuir a importação, que já é apreciável.
Não creio que seja uma solução para futuro; mas creio que pode ser uma solução para o momento ou até para um período, embora transitório, mais ou menos longo.
Para isso há que aumentar a produção e melhorá-la, isto é, produzir mais e melhor, o que, no fundo, tudo é produzir mais.
A este propósito, um folheto que aqui tenho em mãos, aliás precioso folheto e folheto apenas pelo volume, devido à pena do saudoso e grande engenheiro agrónomo Augusto Ruela, que com o seu clan conseguiu transformar a Estação Agrária do Porto num estabelecimento modelo, numa verdadeira escola de ensino, insere uma estatística que chamou a minha atenção.
Em 1929 Portugal, em comparação com os demais países da Europa, apresentava a menor produção de milho por unidade de superfície -10,27 por hectare.
Dei-me ao cuidado e ao ligeiro trabalho de comparar com a actualidade estes números, tomando por base, servindo-me da Estatística Agrícola, o ano de 1944, visto que o de 1945 foi excepcional, e apurei que a área cultivada fora de 497:849 hectares, que produziram 557.701:800 litros. Fazendo a operação para achar o número correlativo àquele a 1929, acha-se, na verdade, uma melhoria, mas que está longe de atingir o coeficiente reputado necessário pelo engenheiro Ruela para conseguirmos a nossa abastança.
Temos de lutar, pois, por uma maior produção. Ora a maior produção consegue-se pela concorrência de alguns factores, tais como:
Incitamentos e estímulos - subsídios de cultura, preço remunerador, segurança de mercados, facilidade de aquisição de adubos, alfaias, etc. Numa palavra: protecção económica;
Aperfeiçoamento técnico agrícola e agrário, assistência, etc. Numa palavra: protecção técnica.
Só, portanto, a protecção económica e a protecção técnica (embora não fosse para desprezar também a protecção social mais intensa ao trabalhador rural) é que, a meu ver, poderão conseguir uma maior e melhor produção.
O trigo vive desde há muito em regime de protecção; e pelos dados que aqui trouxe o nosso ilustre colega Sr. coronel Cortês Lobão ficou-se conhecendo quanto a lavoura trigueira deve, em protecções de toda a ordem, à presente situação.
Embora se tenha de concluir das considerações que S. Ex.ª produziu que a cultura do trigo vive muito do favor do Estado, o certo é que tem ao menos esse favor.
A cultura do milho e a dos outros cereais pobres é que não gozam de favor algum, a não ser o de algum prémio de consolação em qualquer certâmen regional.
E, todavia, bem careciam de ser também protegidas essas culturas.
Sr. Presidente: como disse em princípio, a cultura do milho não é inferior, ou é o pouco, à cultura do trigo, e creio que há mais possibilidades de se aumentar a cultura do milho do que mesmo a do trigo.
O atraso dessa cultura deve-se em grande parte, e a meu ver, aos baixos preços dos produtos da lavoura respectiva e à falta de assistência técnica.
Parece-me que tem sido um mal atribuir ao milho um preço que não está de forma alguma em relação com o custo de produção.
A cultura do milho, porque carece de adubos orgânicos, primacialmente só pode ser feita com vantagem tendo-se em conta apreciáveis efectivos pecuários.
Ora neste capítulo, e principalmente durante os anos da guerra, sucedeu que, dado o insignificante preço do leite, uma grande parte desses efectivos no que diz respeito a bovinos fêmeas foi substituída por bovinos machos, principalmente bois de trabalho, que, dada a carência de transportes mecânicos, se aplicava de preferência nos transportes, com manifesto prejuízo da preparação de estrumes orgânicos.
É de crer que as terras tenham por isso empobrecido para a cultura de cereais, tanto mais que, tendo-se o gado valorizado, o lavrador mais depressa era solicitado a produzir carne do que a produzir milho.
E, na mira de obter um lucro mais compensador - que era inteiramente legítimo, - mudou até muitas
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vezes de cultura, preferindo outras porventura mais compensadoras.
Embora se compreenda a diferença de preço entre o trigo e o milho (aquele, em todo o caso, sempre mais elevado), a verdade é que a cultura do trigo é compensada por várias formas de protecção, quer pelo mecanismo do crédito, quer pelo mecanismo dos subsídios de cultura.
A cultura do milho, ao contrário, não goza de qualquer protecção económica.
Quando há milho de menos, aperta-se o rigorismo dos manifestos; quando há de mais, dificilmente se lhe assegura escoamento capaz.
Quanto a protecção técnica, muita coisa se tem feito, quer directamente pelos serviços, quer pelo esforço de algumas estações agrárias, como a do Porto.
Mas muito mais há a fazer.
E se os grémios da lavoura podiam prestar neste capítulo um relevantíssimo papel, a verdade é que neste capítulo pouco se tem feito sentir a sua acção.
E, no entanto, que bela missão seria a dos grémios da lavoura ensinando o lavrador a produzir mais e a produzir melhor, indicando-lhe a melhor forma de preparar o agro, de o adubar racionalmente, de o cultivar com eficiência, numa palavra, de o granjear em vista a uma melhor produção!
Antes de tudo, porém, é preciso estimular o produtor.
Sem um estímulo eficiente ele não mudará de rumo e até é possível que de cada vez abandone mais as suas culturas tradicionais, com prejuízo, portanto, das culturas do pão.
Reedito considerações que já em tempos formulei nesta Assembleia quando me referi às dificuldades da lavoura: «É preciso atribuir aos produtos da terra um preço remunerador, um preço justo».
O preço tabelar do milho é inferior e nunca acompanhou o preço tabelar do trigo, pois, enquanto este de 1936 para o presente subiu cerca de 100 por cento, o milho apenas teria subido, no mesmo período, o máximo de 85 por cento, sendo sempre certo que desde 1939 em diante o preço do milho em mercado livre, como quem diz em mercado negro, foi sempre apreciavelmente superior ao preço tabelar.
Parece-me que é altura de fazer aproximar o preço tabelar do milho do seu preço em mercado livre, uma vez .que este Atingiu presentemente um nível razoável, que o próprio consumidor aceita.
É sabido que os preços das despesas da lavoura, desde os salários às alfaias e aos adubos, subiram, no período considerado, a mais de 100 por cento. E, sendo assim, parece razoável que o custo de produção, tendo aumentado na proporção referida, implique o reajustamento do preço do produto para um nível equivalente.
Antes da guerra, e, por exemplo, na minha região, o preço do alqueire do milho equivalia normalmente ao salário de dois dias de trabalho de qualquer operário da construção civil.
Hoje qualquer operário da construção civil, mesmo nos meios rurais e trabalhando as horas regulamentares, não ganha menos de 30$ por dia.
E assim, com o salário de apenas um dia de trabalho, pode adquirir em mercado legal o alqueire de milho que dantes comprava com o salário de dois dias, e ainda lhe sobra dinheiro.
Por aqui se avalia quanto o preço actual e tabelar do milho é inferior ao que devia ser, em comparação com o que se passava nos anos anteriores à guerra ou mesmo nos primeiros anos desta.
Ponho, portanto, como condição imediata de melhoramento de produção uma melhoria do preço do milho, que aliás se impõe como medida da mais elementar justiça.
Se outra não for a protecção económica, essa será bastante para estimular o produtor.
Não se poderá, porém, dispensar a protecção técnica, e essa só o Estado a pode dar com eficiência, quer agindo directamente, quer actuando por intermédio dos grémios da lavoura.
Em muitos casos o lavrador mal se apercebeu ainda dos benefícios que lhe podem advir do grémio.
Para muitos o grémio é ainda, e só, uma nova fonte de encargos, mal compreendida e mal aceite.
Para o comum dos lavradores os benefícios à distância não têm o mesmo poder de sedução dos benefícios a curto prazo, e creio que se não fez ainda junto deles a propaganda precisa para ficarem compreendendo que o seu grémio, antes de ser um encargo, é a sua força.
Ora a melhor propaganda que se pode fazer dos grémios da lavoura, para incutir no lavrador comum a ideia da sua eficiência, é transformar a sua actuação por forma a que o grémio apareça junto deles constantemente, dando os seus conselhos, sugerindo as orientações mais convenientes, ensinando o cultivo mais capaz e o granjeio mais racional e produtivo, numa palavra, pregando e ensinando o lavrador a vencer com melhor resultado a dura e quantas vezes inglória batalha da terra.
Desejaria que os grémios da lavoura fossem menos comerciantes e mais lavradores.
Se durante o tempo da guerra, pelas dificuldades na aquisição dos artigos, se justificou que os grémios da lavoura se fizessem comerciantes, e alguns em grande escala, parece-me que já não se justifica que a sua actividade se confine quase exclusivamente a esses limites, devendo, em meu critério, desenhar-se de preferencia para a actividade da assistência à lavoura.
Sr. Presidente: um outro apontamento me ocorre fazer aqui.
A lavoura do milho é feita em grande parte sob o regime do arrendamento ou de parceria agrícola.
Numa ou noutra forma, porém, a prestação que o rendeiro paga ao senhorio é normalmente em cereal. Serão raros os casos em que a parceria ou a renda se estabelece noutros produtos além daqueles.
Ora em matéria de arrendamento rústico vive-se entre nós em regime de plena liberdade contratual, o que se me afigura trazer mais inconvenientes do que os convenientes advindos dessa situação de mãos livres.
O único condicionamento legal que o decreto n.º 5:411 contém a respeito dessa liberdade absoluta é o de se presumir que o contrato, na falta de estipulação de prazo, não fora feito por menos tempo que o necessário para uma sementeira e colheita, conforme a cultura a que o prédio tenha sido aplicado.
Fora disso, senhorio e arrendatário têm as mãos livres, quer para se despedir, no caso do arrendatário, quer para poder despedir, no caso do senhorio.
Desta liberdade resulta para ambos uma situação de incerteza altamente prejudicial: o caseiro teme que o senhorio o despeça, por qualquer motivo, ou mesmo sem motivo; o senhorio receia que o caseiro se despeça, entregando-lhe as terras finda a colheita.
Resultado: receosos um do outro, nem o senhorio faz melhoramentos fundiários por falta de confiança na estabilidade do caseiro, nem o caseiro se afoita a fazer benfeitorias necessárias ou úteis com receio de ser despedido dum momento para o outro sem garantias capazes.
Bem sei que o artigo 65.º do decreto n.º 5:411 dá ao caseiro, nos arrendamentos por menos de vinte anos, o direito de haver do senhorio, depois do despejo, o valor das benfeitorias agrícolas; mas esse preceito, embora bem intencionado, não resolve, evidentemente, a situação.
Mesmo que por benfeitorias agrícolas se possam compreender quaisquer formas ou métodos de melhoramento de cultura - e a lei não distingue o que sejam benfei-
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torias agrícolas -, seria sempre difícil de determinar o que é que desses melhoramentos constituía obrigação normal contratual e qual a quota-parte de benfeitorias.
Isso, sob o ponto de vista de ordem pratica, só se poderia resolver por um pleito judicial, a que o caseiro normalmente não se afoitaria, prevenido por aquele velho conselho, de aplicação corrente: «Com teu amo não jogues as pêras».
Ora, para não se sujeitar a tal situação e evitar um presumível prejuízo, o que acontece é o seguinte:
O arrendatário não faz benfeitorias, não melhora a terra, não aperfeiçoa a cultura e, mesmo quando a renda é sabida e tem de a pagar inteira ao senhorio (se este é duro e não aceita a costumada lamúria: «não colhi, não deu mais, não posso pagar a renda», etc.), vai buscar a outras fontes de rendimento o necessário para complemento da renda.
Trata, portanto, de tirar da terra o mais possível, não vá ser em breve despedido, e, como o senhorio não tem parcela no gado, despreza as culturas cerealíferas e prefere as herbáceas para a engorda.
Como consequência, o desprezo ou menos atenção para as culturas cerealíferas, o empobrecimento e esgotamento da terra por falta de benfeitorias, de compensação sempre aleatória, isto por uma parte, e, por outra, ausência de interesse do senhorio pelo risco que advém de lhe ser de um momento para o outro entregue a terra, o que implica a mudança de arrendatário, sempre, de momento, susceptível de produzir, pelo desarranjo que causa, ainda maior quebra na produção.
Se calcularmos em apenas 25 por cento a percentagem dos rendeiros e parceiros em referência ao total dos produtores (proprietários rendeiros e parceiros) e partindo da base da produção total no continente dos 300.000:000 de quilogramas anualmente, pertenceria àqueles 75.000:000 de quilogramas, e, partindo da hipótese de que, devido às circunstâncias apontadas da manifesta imperfeição dos arrendamentos rústicos, a produção sofre uma quebra de apenas 35 por cento, teríamos anualmente um prejuízo de 18.700:000 quilogramas como resultante das deficiências do arrendamento rústico. 18.750:000 quilogramas - cerca de 34:000.000$.
Parece-me que vale a pena o Governo debruçar-se sobre este aspecto do problema, por forma que numa futura revisão do contracto de locação seja ele devidamente considerado em ordem a assegurar-se a senhorios e arrendatários uma posição de mútua estabilidade e confiança, bem necessárias ao fim, que se tem em vista, de aumentar e melhorar as produções.
E eu sinto-me feliz se, ao ser aprovada nesta Câmara a moção que foi apresentada, ela contiver em sua essência, como me parece, aquela sugestão, que reputo aproveitável.
Tudo isto, porém e em meu critério, são remédios passageiros, embora se tornem de extrema necessidade.
Porque não basta criar condições de se produzir mais e melhor em vista ao consumidor. É também preciso criar condições que possibilitem o produtor nessa tarefa. Há que tê-lo em conta, que contar com ele.
Por isso se preconizam alguns meios tendentes a essa finalidade imediata.
Sem dúvida a adopção dos métodos de mistura de diversas farinhas panificáveis preconizados pelos ilustres autores do aviso prévio são também um meio, e bem sugestivo e importante, de se valorizar a posição do produtor sem se menosprezar a posição do consumidor.
Por isso mesmo dou toda a minha aceitação à doutrina aqui exposta por SS. Ex.ªs, mas com a esperança de que da adopção dos métodos preconizados resulte também (e não só para os produtores de trigo) para os produtores dos cereais modestos (o milho, o centeio, a cevada) uma melhoria de situação pela atribuição de preço compensador.
Estou mesmo convencido de que só por uma repartição equilibrada e equitativa dessa mais valia a atribuir aos produtos é que poderia resultar algum estímulo para que o produtor de milho ou dos outros mencionados cereais se sentisse solicitado a colaborar eficientemente no desenvolvimento desse plano.
Creio firmemente que pela adopção de medidas que estimulem a produção de todos os cereais continentais poderemos vir a conseguir resolver, ao menos para o presente, o problema do pão.
Para futuro, porém, com o crescimento da população do Pais, por um lado, e, por outro, com o condicionamento apertado da emigração para os outros países, parece-me que o problema só poderá ter uma solução capaz com a reimplantação do nosso destino atlântico.
Ontem levámos a cruz e, com ela no peito, evangelizámos- o que quer dizer, civilizámos.
Levaremos amanhã o arado, para, semeando e lavrando, podermos assegurar o pão, senão já para nós, para nossos filhos.
Entretanto rendamos homenagem ao homem que em uma das suas últimas mensagens aponta à velha Europa, cansada e sobrepovoada, o verdadeiro caminho para a sua recuperação, quando lhe lembra que, por um destino providencial, detém nas suas mãos esse inestimável tesouro que é a imensa África.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: sendo hoje a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, quero apresentar a V. Ex.ª os cumprimentos do meu mais elevado apreço.
Continuam em discussão os avisos prévios dos Srs. Deputados engenheiro Nunes Mexia e tenente-coronel Cortês Lobão sobre os problemas do pão e da crise cerealífera alentejana. Estes assuntos foram focados com um tal brilhantismo por estes nossos dois ilustres colegas que seria, na realidade, pretensioso da minha parte acrescentar qualquer nota valiosa ao que já aqui foi dito.
Porém, o facto de ter observado durante os difíceis anos da guerra, e por prisma especial, estes problemas, mercê das funções que exerci no Ministério da Economia, permitiu que adquirisse conhecimentos que pertencem, na realidade, ao País. Eis a razão por que subi a esta tribuna disposto a prestar o meu modesto concurso na análise de problemas de tão grande interesse na vida nacional.
Sr. Presidente: o problema dos cereais e o problema do pão nosso de cada dia não são problemas de hoje. Desde os meados do século XIII temos vivido quase sempre em redime de déficit de produção cerealífera.
Durante a dinastia de Ávis importavam-se já quantidades muito elevadas de cereais. O trigo do mar, como era conhecido então o cereal importado, era oriundo da Flamlres, da Dinamarca, da França, da Inglaterra, da Sicília, da Mauritânia e, nos anos mais fartos, dos nossos vizinhos de Castela e da Andaluzia.
Alguns períodos de maiores faltas estão mareados nu História Pátria em caracteres bem negros, exprimindo fome, prelúdio de pestes que dizimaram intensamente, em várias épocas, a população do Reino.
A causa destas quebras da produção era umas vezes o excesso de chuvas, noutras a estiagem prolongada. «A irregularidade desconjuntante do clima», de que nos fala mestre Sertório do Monte Pereira, verificou-se, desde sempre, nas planuras semiáridas do Sul.
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Assim, foram de grandes dificuldades de abastecimento, entre outros, os anos de 1621, 1630, 1648, 1692, 1694 e 1711.
No século XVIII o problema atingiu excepcional gravidade, circunstância que levou o marquês de Pombal a determinar a medida violenta do arranque das cepas nalgumas terras das baixas do Vouga, Mondego e do Tejo, para assim estimular o acréscimo da área cultivada com cereais.
Porém, a primeira legislação francamente proteccionista da cultura dos cereais deve-se a um Ministro liberal, Mouzinho da Silveira, defendendo, com direitos elevados, a produção trigueira nacional. Esta lei estimulou a cultura cerealífera nos territórios ao sul e ao norte do Tejo, conseguindo apreciável êxito nos seus superiores desígnios, e assim é que durante bastantes anos Portugal produziu o pão necessário para o abastecimento do Reino.
Mais tarde, em 1855, entrou-se novamente em período livre-cambista, o que determinou novo retrocesso na cultura frumentária.
Nos fins do século XIX começaram a aparecer nos mercados europeus os trigos americanos, trigos produzidos a baixo preço de custo em terras virgens e que assim dominaram facilmente nos mercados da velha Europa os cereais produzidos nas várias nações europeias, incluindo os da rica zona danubiana e os das terras negras da Rússia, celeiro tradicional do nosso continente.
Neste período surgiram como medidas de defesa, em vários países, legislações francamente proteccionistas. A lei de 1899, devida ao Ministro Elvino de Brito, foi assim saudada com os aplausos da lavoura nacional, mas o consumidor apelidou-a de «lei da fome», por ter determinado acréscimo apreciável no preço do pão.
A lei de Elvino de Brito estimulou largamente as arroteias dos incultos. A notável campanha de cereais de 1929-1930, dirigida superiormente pelo nosso ilustre colega coronel Linhares de Lima, veio liquidar mais tarde definitivamente o fantasma das terras incultas, mancha negra da nossa agricultura e que durante décadas constituiu motivo preferido para a crítica dos nossos economistas agrários.
Foi assim que, em plena vigência do Estado Novo, desapareceu de vez nódoa tão desagradável na vida económica da Nação.
A Junta de Colonização Interna, no inquérito realizado há anos, confirmou este resultado vitorioso.
A cultura dos cereais de inverno atingiu assim o máximo de extensificação. Julgo mesmo que ultrapassou já os limites convenientes do equilíbrio agro-florestal. Que o digam aqueles que vivem e trabalham as terras à beira-rio ...
É necessário, em face de tão grave risco que já se desenha, que o departamento da agricultura delimite rigorosamente, na Carta de solos, as manchas mais facilmente erosionáveis. Feito isto, é mister aconselhar, sem perda de tempo, as normas mais adequadas para o combate eficaz a esta delapidação, que está atingindo já largamente o território nacional.
A crise dos cereais - a crise do pão - não é, pois, um problema de hoje. Foi, durante séculos, um problema de ontem; será, com certeza, ainda durante anos, um problema de amanhã.
Não desejando alongar as minhas considerações, porque a hora já vai adiantada, vou resumir ao máximo a análise dos aspectos que me propus encarar.
O problema nacional dos cereais deverá ser estudado, para maior rigor de apreciação, integrando-o na crise mundial da produção cerealífera.
E para maior justeza de apreciação devemos abstrair dos desequilíbrios originados pela última guerra.
A cultura de trigo estende-se hoje a todos os continentes duplicando, desde o principio do século, a produção de trigo no Mundo.
Na Europa realiza-se a cultura trigueira desde as regiões setentrionais - Suécia, Noruega e Finlândia - até ao Mediterrâneo. Prolonga-se, nos continentes asiático e africano, pelas regiões subtropicais e tropicais, sendo contudo de diminuto interesse nas terras de clima quente e húmido dos trópicos e do Equador.
No hemisfério Sul a cultura do trigo distende-se até quase ao limite das terras conhecidas.
No continente americano e no hemisfério Norte o paralelo cultural atravessa o território do Canadá desde as ilhas Carlotas até à Baía de S. Lourenço.
Mas esta cultura, realizada, como vimos, em todo o Globo, reveste, contudo, aspectos culturais e económicos dos mais diversificados.
No norte da Europa encontram-se as regiões onde a produção por unidade de superfície é mais elevada.
Assim, a Dinamarca, a Holanda, a Bélgica, a Inglaterra, o Norte da França apresentam, com frequência, médias de produção que atingem 20 a 30 quintais por hectare.
Alguns críticos, quando fazem a comparação das nossas médias com as de outros países europeus, põem-nos em confronto com os países setentrionais da Europa. Por outras palavras, comparam os resultados de cultura intensiva em regiões de clima húmido com os da cultura extensiva em ambiente de elevado índice de aridez!
Não devemos pois concluir como eles que há atraso manifesto da nossa cultura frumentária. Se o há, ele é apenas dos críticos da nossa lavoura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devemos comparar, sim, a produção do trigo do nosso Noroeste e Beira Litoral, territórios compreendidos na Ibéria húmida, com a produção da Dinamarca ou da Holanda. E, se o fizermos, a produção minhota não fica aquém da que a estatística nos apresenta, com referência aos países progressivos do Norte da Europa. Sob o ponto de vista da produção de cereais ocupamos, pois, posição de realce na agricultura europeia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando caminhamos para o Sul da velha Europa a produção unitária de cereais vai declinando.
Na França, na Alemanha e na Checoslováquia encontramos já médias de 15 ou inferiores a l5 quintais por hectare. O antigo celeiro europeu da região danubiana tem já uma média inferior de 11 e 12 quintais por hectare. E a U.R.S.S. não consegue, com o seu funcionalismo agrário, mais do que 7 a 9 quintais por hectare, e isto nas férteis terras negras da Ucrânia e da Geórgia.
Se observarmos agora a produção dos países mediterrânicos, que são aqueles que apresentam condições de clima similares às do nosso Alentejo, o que verificamos? Uma Grécia com 7 ou 8 quintais, uma Turquia com menos de 7 quintais e as terras de sequeiro do Sul da Itália e da Espanha com menos de 9 quintais por hectare. Os 7 a 9 quintais dos latifúndios alentejanos não nos deixam com certeza mal colocados perante a opinião pública mundial!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eu diria antes, pelo contrário, que a cultura no Alentejo é realizada, debaixo do ponto de vista técnico, por forma eminentemente progressiva. O pousio, o alqueive e o espigoado, este último como
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forma de aumentar a espessura das terras delgadas, formam os grandes pilares da progressiva rotina alentejana...
Se compararmos ainda as médias da produção alentejana com aquelas que se verificam em ambientes semelhantes do Norte da África (Tunísia, Algéria, Líbia e Marrocos), cerca do dobro da produção desses países tornará ainda mais favorável a nossa posição. O céu azul e límpido do Mediterrâneo tem, como vemos, também os seus inconvenientes...
O Sr. Rui de Andrade: - V. Exª. dá-me licença?
A Grécia, a Ásia Menor, a Itália e o Norte da África têm terrenos terciários, calcáreos e argilosos e o nosso Alentejo é constituído por pedras de granito e de xisto, dunas e aluviões do mar.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua explicação; ela vem reforçar as minhas afirmações.
E este, nas suas linhas gerais, o aspecto que apresenta a cultura cerealífera europeia.
E o que se passa nos países novos da América e da Oceânia, Austrália, Argentina, Estados Unidos e Canadá, países considerados eminentemente progressivos sob o ponto de vista agrário? Em todas estas nações domina a cultura extensiva. Nelas a terra abunda e o homem rareia, sendo necessário levar ao máximo a mecanização da cultura.
Autocharruas, distribuidores de adubos, semeadores, sachadores, ceifeiras-debulhadoras e outras máquinas trabalham em pleno rendimento. Domina aí a monocultura cerealífera, assistindo-se já como resultado deste regime esgotante à esterilização de muitas terras.
Outro erro que se comete com frequência em relação à apreciação do valor do cultivo dos cereais nas planuras alentejanas é supor-se que nos países novos da América se conseguem produções unitárias muito mais elevadas que no nosso Alentejo.
Contudo, as médias de 7 a 9 quintais desses países não nos deixam com certeza qualquer dúvida sobre a falta de fundamento das críticas derrotistas dos nossos velhos do Restelo das coisas agrárias.
Nos países novos que se aproximam da fase da adolescência agrária, como os Estados Unidos, começam já a sentir-se os efeitos perniciosos da monocultura dos cereais. E apelam então para a única forma de combater o mal - o descanso das terras, que não é mais do que o tão discutido pousio alentejano.
E agradável dizê-lo neste momento que quando passou pelo nosso País um distinto técnico agrário europeu, chamado pelo então Subsecretário de Estado da Agricultura americano, H. Wallace, para estudar as causas da esterilidade de alguns solos americanos, afirmou, ao visitar o celeiro português, que ele bem representava a paisagem ideal dum moderno país agrícola. Os grandes lavradores do nosso Alentejo não tinham sido felizmente levados pelo canto das sereias para esse maravilhoso paraíso das utopias agrárias.
Fixemos agora a nossa atenção sobre o território português, e, ao fazê-lo, fácil é divisar no seu todo um mundo de climas e de situações. Querer comparar, por exemplo, a zona árida do sul do Tejo com o mimo e o viço do Noroeste é o mesmo que pôr em paralelo Marrocos com a verdejante Dinamarca...
O notável cientista português Barros Gomes caracterizava o clima nacional pela distribuição de árvores- seculares, algumas das quais teriam assistido aos alvores da nacionalidade. Foram os carvalhos e os pinheiros as espécies escolhidas para definição dos ambientes climáticos.
Ao sul do Tejo dominam, como afirmara, os sobreiros e as azinheiras. As azinheiras na zona mais influenciada pela continentalidade e o sobreiro na região bafejada pelas aragens do Mediterrâneo.
É a zona do latifúndio; é o grande celeiro português.
Os reformadores das coisas agrárias quereriam ver, com certeza, nos seus sonhos um Alentejo transformado nessa miríade de minúsculas propriedades do nosso litoral ao norte do Vouga.
O clima, contudo, não se compadece com estas utopias de visionários.
Teremos de ter sempre no Alentejo a propriedade do tipo latifundiário, excepto onde a hidráulica agrícola venha a permitir que se realize aquela simbiose tão necessária entre o regadio e o sequeiro.
Este aspecto do problema não foi esquecido pelo Estado Novo, e assim é que dentro de breves anos anais alguns milhares de hectares de território alentejano poderão contribuir largamente para a produção de cereais, produtos hortícolas e carne.
O nosso ilustre colega Sr. Rui de Andrade deu-nos no seu interessante discurso ideia clara sobre as possibilidades agrícolas dos territórios do Sul. Não vou repetir essas considerações, que estão ainda, com certeza, no espírito de todos.
Mas há um aspecto que desejo realçar: quero-me referir à reserva de terra que aguarda oportunidade para o seu integral aproveitamento. São cerca de 600:000 hectares de areais depositados no pliocénico, entre o Tejo, Vendas Novas e Aljezur, mancha de terras leves que a pequena profundidade tem a valorizá-la fértil toalha de água subterrânea. Dentro de poucas décadas o aproveitamento destas terras deverá permitir que se verifique a resolução definitiva do difícil problema do abastecimento da capital do Império.
O posto de cultura de sequeiro localizado em Pegões, em pleno coração dessa zona, deu-nos nestes últimos unos uma indicação excepcionalmente valiosa sobre as possibilidades agrícolas desta mancha agrológica. A média de produção de cereais não caiu abaixo dos 10 quintais e a produção de gado passou do número-índice 100 para 350.
A acrescentar a estes resultados animadores convém mencionar que tudo isto se passou durante um período de estiagens prolongadas.
Continuemos a analisar as características mesológicas das várias regiões do território português.
No Noroeste e na Beira Litoral domina o carvalho de folhas amplas, exprimindo riqueza, que a pujança dos milharais e das pastagens, bem como o viço das videiras de enforcado, engrinaldando arvoredos, bem define.
E neste pequeno território onde se alberga uma grande parte da população portuguesa.
Mas a elevada densidade demográfica do Noroeste e Beira Litoral deve constituir motivo de orgulho. Ela exprime o nível progressivo atingido pela agricultura nortenha, capaz de alimentar, sem recursos industriais comparáveis aos duma Bélgica ou aos duma Dinamarca, uma população rural muito mais densa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Caminhando para o interior do País encontramos um Portugal que os climatologistas denominam «continental», mas a que eu chamarei Portugal «infernal». E o Portugal das gentes rudes e sofredoras, capazes de vencer os maiores obstáculos dos elementos. E nesta zona montanhosa e agreste onde se cultiva o rústico centeio e onde as florestas dão também pão - fruto de frondosos castanheiros.
E a região eleita do carvalho negral.
E neste Portugal continental que está encastoada uma das jóias mais preciosas do território pátrio: o vale
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do Douro. Mercê da Providência, o bafejar mediterrânico, atravessando a Península Ibérica, atinge esse vale, de encostas declivosas, onde a videira, segundo a frase de Guerra Junqueiro, «comendo pedras e bebendo sol», origina o néctar que tem sido desde há séculos a grande bandeira de propaganda da exportação nacional.
É, porém, na região do Noroeste e na Beira Litoral que eu vislumbro maiores possibilidades de resolução do nosso problema cerealífero.
E não é necessário destruir a floresta nem reduzir a bouça. E mister, antes pelo contrário, conservar religiosamente o equilíbrio da Natureza. A melhoria da semente do milho pela introdução das formas híbridas, a cultura de forraginosas adequadas, enriquecimento das rotações e o aperfeiçoamento zootécnico, dando largas possibilidades à indústria dos lacticínios, permitirão na realidade dar ao Noroeste condições de vida rural em perfeito equilíbrio com o nível previsto para as actividades industriais.
Dessa consociação entre agricultura e indústria resultarão condições económicas animadoras para o Portugal de amanhã.
E para o conseguir não é neeessário mesmo extensificar a cultura do milho. Esta cultura deverá localizar-se apenas nos melhores terrenos. O trigo e o centeio aproveitarão as encostas onde hoje só podem ser colhidas magras produções de milho de sequeiro.
Utilizando sementes híbridas apropriadas não é difícil admitir um acréscimo da produção de milho de 150 a 200 milhares de toneladas.
Não posso, por isso, deixar de olhar com optimismo para o problema do pão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Devemos defender também as moagens de ramas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Isto é, devemos defender aquelas indústrias rurais que fabricam e fabricaram sempre as farinhas mais ricas e saudáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se se justifica que, em face de circunstâncias ocasionais, o Governo conceda a necessária moratória no pagamento dos seus débitos aos lavradores do Sul para que estes possam continuar no seu patriótico esforço de produzir mais e melhor, deve o Estado facilitar também aos lavradores do Noroeste e Centro Litoral condições para a intensificação da produção do milho de regadio e do trigo de sequeiro.
Foi aqui, nesta pequenina nesga do território entre as montanhas e o mar, que nasceu Portugal. Foi daqui que partiram os nossos reis na conquista das fronteiras da nossa Pátria. Foi aqui que um monarca cognominado O Lavrador anteviu, séculos antes, o período glorioso dos descobrimentos, criando a matéria-prima para o arcabouço e mastreação do nosso porvir. Foi daqui que, em corrente caudalosa, saíram guerreiros e missionários, que durante séculos construíram o nosso Império de Além-Mar. Foi daqui que saiu o gérmen e o sangue da segunda Pátria Lusíada.
Será também daqui, deste pequenino território, que visionaremos, dentro de breves anos, a grande Renascença Portuguesa, e ela terá como sólido fundamento o pão nosso de cada dia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Estando esgotada a inscrição sobre este aviso prévio, considero encerrado o debate.
Como VV. Ex.ªs sabem, foi apresentada uma moção pelos Srs. Deputados Nunes Mexia e Cortês Lobão. Vai, pois, proceder-se à votação da mesma.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
«A Assembleia Nacional, considerando a repercussão do problema do pão nas condições de vida da população portuguesa e na economia nacional, reconhece:
1.º Que o Governo se não tem poupado a esforços para abastecer de trigo o País;
2.º Que convém, por motivos económicos e de segurança nacional, restringir ao máximo as importações de trigo, e neste sentido parece impor-se a intensificação na metrópole e províncias ultramarinas da produção dos diversos cereais panificáveis;
3.º Que para a consecução dos objectivos acima mencionados se torna indispensável fazer a política dos tipos de pão regionais e completá-la com a total substituição, na panificação, de farinhas estremes de trigo por farinhas de mistura, se estudos técnicos acurados não vierem a desaconselhar tal solução, de modo a dotar a população portuguesa de um ou mais tipos de pão que atendam às condições de vida das diversas classes e possuam as características de qualidade indispensáveis».
Submetida à votação, foi aprovada a referida moção.
O Sr. Presidente: - A segunda parte da ordem do dia é a apreciação do texto da Comissão de Legislação e Redacção acerca do projecto de lei do Sr. Deputado Melo Machado referente a recursos sobre matéria de hidráulica agrícola. Está em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum de VV. Ex.ªs se deseja pronunciar sobre esse texto, vou pô-lo à votação.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Convoco para amanhã, às 17 horas, os membros da comissão eventual que hoje foi eleita, a fim de se proceder à sua instalação.
A partir de hoje a Assembleia fica interrompida no seu funcionamento efectivo e reabrirá no dia 9 de Março próximo, com a ordem do dia que oportunamente será designada.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Cruz.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
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Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
Proposta de lei a que se referiu o Sr. Presidente na sessão de hoje:
Resolveu o Governo enviar à Assembleia Nacional uma proposta de lei, que, contendo matérias diversas - expropriações, direito de superfície e fixação e actualização de rendas de casas de habitação-, é, no entanto, dominada pela preocupação unitária de colocar alguns dos pressupostos fundamentais do problema da habitação.
A regulamentação jurídica do inquilinato não é só por si garantia de uma solução justa; e até, de algum modo, se pode dizer que a estruturação definitiva do instituto do inquilinato menos cria do que supõe uma estabilidade relativa dos factores que condicionam o problema da habitação.
E, na verdade, a lei do inquilinato toma sempre mais importância nos momentos graves de crise de habitação. A sua função consiste então menos em estabelecer e regular as relações normais dos senhorios e arrendatários do que em opor um dique , em nome das necessidades sociais de habitação, aos interesses individuais dos proprietários.
A função social da propriedade como que oprime e sacrifica ao interesse geral da habitação as faculdades legítimas dos proprietários. Importa, nestes casos, envidar todos os esforços para que, pela normalização das condições de habitação, isto é, pelo progressivo aumento de construções acessíveis às grandes massas da população, se torne desnecessária uma legislação excepcional.
Em sucessivos diplomas, que marcam uma linha de orientação contínua, estabeleceu o Governo as bases de uma política de construção de casas económicas, de casas de renda económica, de casas de renda limitada e de casas para alojamento de famílias pobres.
Para execução desta política têm sido concedidos largos subsídios e isenções fiscais.
Parece que, seguindo a mesma directriz, se deve tentar um esforço mais vasto para resolução do problema da habitação e conjuntamente para conseguir, à medida que as circunstâncias o permitam, preencher o fosso actualmente existente entre o nível das rendas antigas e actuais.
Importa tanto, sempre que o interesse geral da habitação o consinta, elevar até ao quantitativo justo as rendas antigas como reduzir ao razoável, de acordo com as condições económicas da maior parte da população, as elevadas rendas dos arrendamentos recentes.
Os dois movimentos convergentes devem verificar-se simultaneamente, até se alcançar um perfeito equilíbrio.
Para este fim é neeessário construir mais e construir mais barato.
Não se julgue que, pela virtude de um novo diploma legislativo, desapareçam todas as dificuldades actuais de habitação. Espera-se, porém, que constitua um passo mais no sentido de facilitar as soluções futuras, que só os factos podem confirmar.
1. A legislação que anteriormente a 1926 regulava as expropriações por utilidade pública era fundamentalmente constituída pelas leis de 23 de Julho de 1850 e de 26 de Julho de 1912 e o seu regulamento de 15 de Fevereiro de 1913.
As necessidades que após o 28 de Maio surgiram como consequência da realização da política de apetrechamento nacional - as vias de comunicação, as instalações dos serviços públicos, os bairros económicos, os melhoramentos rurais e urbanos, os planos de urbanização, a hidráulica agrícola, etc. - criaram as condições de um vasto labor legislativo sobre expropriações.
Este labor legislativo, que tornou possível a realização de uma obra que por todo o País mostra a eficácia daquela política orientada no sentido do enriquecimento e da melhoria das condições de vida colectiva, não foi, como aliás as circunstâncias impunham, dominado por uma ideia de conjunto. Daqui considerar-se útil que no momento oportuno, depois de recolhidas e apreciadas as lições da experiência, se promulgue um diploma geral que substitua a vasta legislação vigente.
Acresce, porém, como fica dito, que através do regime das expropriações se pode garantir às câmaras municipais a possibilidade de satisfazerem as necessidades de construção, orientando ou dominando pela forma mais conveniente ao interesse geral o mercado dos terrenos.
2. Os princípios informadores desta proposta, expressos nas diferentes bases, são dominados pela ideia de que os direitos dos particulares não podem constituir obstáculo insuperável à realização dos fins de utilidade pública que o Estado tenha de atingir em obediência à satisfação de interesses gerais, desde que a privação por parte dos particulares dos seus bens ou direitos em benefício da utilidade pública seja compensada pelo pagamento de uma justa indemnização. Os momentos centrais do problema das expropriações são: a verificação e a declaração da utilidade pública, a fixação da indemnização (o processus e o quantum) e a transferência dos bens ou direitos para o expropriante.
Em todos estes momentos tem sido longa a evolução legislativa e vários os sistemas adoptados.
A) Verificação e declaração da utilidade pública:
A evolução legislativa tem-se operado no sentido da simplificação e de conferir à Administração uma larga faculdade da apreciação da existência da utilidade pública.
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A lei de 1850 fazia depender a declaração da utilidade, em cada caso concreto, de várias formalidades: era feita por lei, quando o órgão legislativo ordenava expressamente a expropriação do prédio ou prédios certas e determinados, ou, nos outros casos, por decreto, sob consulta do Conselho de Estado precedida de um amplo processo administrativo.
Este sistema - da verificação e declaração expressa em cada caso concreto - foi substituído pela lei de 17 de Setembro de 1857 para as expropriações necessárias às construções, de estradas, caminhos de ferro e quaisquer outras obras públicas autorizadas por lei pela da declaração genérica com verificação implícita.
Esta orientação manifesta-se em várias leis (de 27 de Junho de 1866, de ,1] de Maio de 1872, etc.) até se afirmar decisivamente na lei de 1912.
Tendência para maior simplificação revela-se ainda quando, dispensando-se a prévia fixação legal dos fins que devem preencher os bens expropriados (declaração genérica), se consagra o princípio de que da simples aprovação dos projectos resulta imediatamente o reconhecimento da utilidade pública (decreto n.º 19:881, de 12 de Junho de 1931).
Não se especificam, em forma de excepção, os fins que cabem na noção de utilidade pública, dado que a faculdade de expropriar não pode ser, perante a tendência universalmente verificada do alargamento da acção e fins do Estado, rigidamente delimitada.
B) Fixação da indemnização:
A concepção individualista, adversa à tradição anterior ao Código Civil, da propriedade absoluta mantém em permanente «equívoco a questão da indemnização pelas expropriações.
O princípio da igualdade dos cidadãos permite os encargos que à sociedade incumbem exige a reparação integral dos prejuízos suportados pelo expropriado.
Mas o mesmo princípio deve impedir que o expropriado receba mais do que efectivamente dá. Ora este enriquecimento sem causa verifica-se quando o expropriado recebe como indemnização, não o valor do prédio expropriado anterior aos trabalhos públicos que o beneficiaram, mas o valor que passará a ter em virtude dos melhoramentos públicos que fundamentam a expropriação, ou até da expectativa de novo destino económico dos bens, só possível pela realização de grandes obras públicas.
Nem sempre a mais valia indirecta, ou mais valia resultante da efectivação de obras ou trabalhos públicas, tem consistência bastante para que a sua destrinça seja possível ou contrabalance os inconvenientes da sua determinação.
Há circunstâncias, porém, que a tornam tão visível que renunciar a e a seria defraudar injustamente o interesse público, fazendo recair sobre os cidadãos em geral encargos extraordinariamente graves.
Assim acontece no que respeita aos terrenos conquistados para a urbanização por novos planos de obrais ou de comunicações.
O sistema adoptado pela proposta de lei não pretende uma recuperação integral das mais valias indirectas. Quer somente fixar um princípio insuficientemente expresso na actual legislação e evitar os casos mais nítidos de (especulação à custa dos melhoramentos públicos, isto é, do dinheiro de todos, impedindo que o progresso geral do País seja entravado pela necessidade d
Quanto ao processo de expropriação mantém-se a destrinça entre o processo comum e o processo de expropriação urgente.
Em ambos se respeita a orientação definida em anteriores diplomas pela Assembleia Nacional, procurando-se apenas dar maior unidade à legislação vigente.
Verificasse, no entanto, uma maior jurisdicionalização do processo, destinado a garantir o cumprimento exacto dos critérios legais da fixação do valor da indemnização.
C) A utilidade pública, mormente mas expropriações urgentes, mão consente delongas na entrega dos bens. expropriados. Por sua vez, é necessário garantir o expropriado contra a falta de pagamento da indemnização que lhe é devida..
A forma de conciliação destes dois interesse impõe-se por si mesma e é quase a reprodução do sistema actualmente em vigor.
3. O problema da recuperação das mais valias indirectas não ficaria inteiramente resolvido se, depois de se acautelarem as mais valias actuais, não fosse permitido ao Estado e às autarquias locais reservarem-se a recuperação, nos casos mais importantes, das mais valias futuras.
Têm sido tentados vários sistemas. Parece preferível, porém, de harmonia com a orientação fixada pela comissão de revisão do Código Civil, integrar no novo sistema jurídico o chamado direito de superfície.
As linhas gerais do instituto são bastante amplas para se atender, na sua aplicação, aos diferentes objectivos que é susceptível de servir.
Assim, se por um lado consente reservar para as autarquias locais a propriedade de terrenos de construção nos futuros centros comerciais das cidades, facilita por outro lado a construção de moradias familiares, chamando as pequenas economias individuais a colaboram-na política preconizada pelo Estado através da construção de casas económicas.
Não é, aliás, novidade que uma política definida em matéria de terrenos de construção constitui um dos factores essenciais mão só da resolução do problema da habitação como, de uma- maneira geral, de toda a urbanização.
4. Tem sido preocupação constante do Governo estimular a construção civil de maneira que seja suprida, a deficiência de prédios para habitação. As regalias ou isenções fiscais, a facilidade de créditos, o tabelamento de materiais de construção, a autorização para constituição de sociedades anónimas e cooperativas de construção de casas de renda económica são nítida consequência dessa preocupação. Só o aumento de construção pode aproximar-nos do ideal para que tendem todos estes esforços: dar a cada família a possibilidade de possuir um lar próprio ou, pelo menos, de o habitar mediante o pagamento de uma renda proporcionada à economia doméstica.
Por isso se vai ainda mais longe na presente proposta de lei.
O Governo ficará autorizado a subscrever parte do capital de sociedades anónimas de construção de casas de renda económica e limitada.
Espera-se que uma tal iniciativa seja secundada pelo capital particular, mormente pelas empresas cuja instalação e funcionamento exigem numerosos empregados ou operários.
E, na verdade, o desenvolvimento industrial e comercial, criador, em larga medida, do fenómeno do urba-
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nismo, faz impender sobre os seus beneficiários o dever moral de assegurar não apenas as condições técnicas e materiais do próprio negócio ou indústria, mas também, na medida do possível, as condições normais de habitação do seu pessoal como factor fundamental do funcionamento do negócio ou indústria. Muitas empresas têm construído directamente para os seus empregados habitações económicas. Outras, para as quais essa solução é inviável ou demasiadamente onerosa, poderão participar com os seus capitais nas sociedades anónimas de construção. De uma e de outra maneira terão concorrido eficazmente para a estabilização da vida económica.
5. O regime jurídico do inquilinato está estreitamente ligado com o problema da habitação. Nas cidades modernas a grande maioria da população vive em casas de renda e a própria indústria de construção civil se inclina predominantemente para a edificação de prédios divididos por andares, normalmente destinados a arrendamento.
O regime jurídico do inquilinato tem, porém, mais importância para evitar uma crise de habitação do que para resolvê-la.
Não podem delinear-se com segurança os princípios que devem reger o inquilinato -ainda que se aceite não ser possível o simples regresso ao princípio puro da autonomia da vontade, visto tratar-se de um contrato que, mais do que qualquer outro, tem de subordinar-se à institucionalização das necessidades fundamentais e interesses contraditórios que pretende satisfazer ou - regular - sem que se alcance uma relativa estabilização dos factores económicos que presentemente condicionam o seu regime jurídico.
Parece preferível proceder por escalões, desbastando agora os vícios mais salientes da legislação do inquilinato e deixando para momento ulterior a sua codificação, uma vez alcançada a estabilização de preços que o Governo, por intermédio dos Ministérios das Finanças e da Economia, forceja por conseguir em luta contra os graves reflexos da situação económica mundial criada pela última guerra.
A aplicação da actual legislação sobre inquilinato deu origem a dois males, que atingem duas diferentes categorias de interessados: os senhorios, nos arrendamentos antigos, e os inquilinos, nos arrendamentos modernos.
Em seguida à guerra de 1914 o legislador estabeleceu importantes restrições à liberdade contratual em matéria de inquilinato e impediu coercivamente todo o aumento de renda, à semelhança do que teve lugar em outros países atingidos por esse conflito para impedir mais graves consequências da profunda crise de habitação então existente.
As actualizações das rendas ulteriormente autorizadas não lograram acompanhar a desvalorização do escudo nem foram alinhadas pela estabilização da moeda. Daí resultou a incongruência de, quanto a prédios de rendas antigas, o rendimento colectável já determinado após aquela estabilização ser superior às rendas efectivamente percebidas.
Uma tal situação é anormal e injusta. For um lado constitui um entrave já não apenas ao melhoramento, mas à própria conservação dos prédios, cujo rendimento, frequentes vezes, não é suficiente para efectivação das obras normais de conservação indispensáveis em prédios de construção antiga.
For outro lado, garantindo aos inquilinos uma situação inteiramente artificial, incita com frequência à exploração por estes da propriedade alheia, quer sob a forma de sublocação, quer de traspasse.
As condições económicas do Mundo do após guerra ainda não permitem, porém, prever com segurança
qual o nível definitivo dos preços, e será por isso prematuro levar a actualização das rendas para além do quantitativo resultante das avaliações fiscais efectuadas em período de plena normalidade económica.
Quanto aos arrendamentos modernos, o mesmo critério de prudência aconselha que se tente reduzi-los na medida em que a sua excessiva elevação se deva considerar fruto de circunstâncias acidentais e em vias de desaparecimento ou consequência da luta pela rápida colocação de capitais, em período de aumento da circulação monetária, cuja aplicação no desenvolvimento comercial e industrial do País se afigurava momentaneamente difícil.
Em tais casos as rendas estipuladas não correspondem ao custo efectivo da construção, e por isso ao rendimento do capital empregado, e antes foram calculadas em função do preço de transacções ulteriores, quando os compradores, ansiosos pela aplicação das suas disponibilidades, criaram no respectivo mercado uma valorização excessiva.
Ao lado do problema da actualização e fixação das rendas, ligou-se também especial atenção à questão da sublocação e traspasses, que no sistema legislativo em vigor se tem prestado a abusos que importa evitar ou corrigir.
Foi apresentado à Assembleia Nacional por um ilustre Deputado um projecto de lei sobre inquilinato e sobre esse projecto recaiu um exaustivo e bem documentado parecer da Câmara Corporativa, que em grande parte serviu de base para a elaboração da presente proposta.
Desse parecer se destacaram as matérias que, não tendo em vista a resolução de questões puramente técnicas, interessavam aos aspectos económicos ou sociais mais salientes do inquilinato.
Houve, porém, que introduzir algumas soluções novas no quadro geral das bases propostas pela Câmara Corporativa ou alterar outras, tendo sempre presentes quer os princípios que ficam expostos, quer a maior ou menor oportunidade de uma intervenção legislativa. O parecer da Câmara Corporativa facilitará assim o trabalho da Assembleia Nacional, como facilitou o do Governo.
Nos termos do artigo 97.º da Constituição Política da República Portuguesa, o Governo tem a honra de apresentar à Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
I
Expropriações
BASE I
1. Os bens e direitos a eles relativos do domínio privado podem ser expropriados por causa de utilidade pública, mediante o pagamento de justa indemnização.
2. Os órgãos da administração local poderão ser compensados dos prejuízos efectivos que resultem da afectação dos seus bens dominicais a outro fim de maior utilidade pública.
BASE II
Com o resgate das concessões e privilégios outorgados para as explorações de serviços de utilidade pública poderão ser expropriados os bens e direitos a eles relativos que, sendo propriedade do concessionário, devam continuar afectos ao respectivo serviço.
BASE III
Poderão constituir-se sobre os imóveis as servidões necessárias à realização de todos os fins de utilidade pública.
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A sua constituição não obrigará a indemnização, salvo se delas resultar diminuição efectiva do valor dos prédios serventes.
BASE IV
1. A expropriação será limitada ao necessário para a realização do seu fim, podendo, todavia, atender-se às exigências futuras, quando previsíveis.
2. Se apenas for necessário expropriar parte de um prédio, poderá o proprietário requerer a expropriação total se a parte residual não puder ser proveitosamente utilizada.
BASE V
1. A expropriação pode abranger não só os prédios ou terrenos indispensáveis à abertura, alargamento e regularização das ruas, praças, jardins e outros lugares públicos, anãs também os que sejam contíguos, para efeitos de urbanização e de construção.
2. A faculdade conferida por esta base só poderá ser concedida se os bens a expropriar forem destinados à execução, em prazos estabelecidos, de um plano particularizado de obras que se integre num plano geral de urbanização.
BASE VI
A expropriação poderá efectivar-se parcelarmente, por zonas.
No acto declarativo delimitar-se-á a área a expropriar e a sua divisão em zonas, e bem assim serão estabelecidos os prazos e a ordem por que se efectivará a expropriação das zonas.
Os prédios situados na área declarada expropriada continuam, na pendência da efectivação da expropriação, a ser (usufruídos pelos seus legítimos titulares.
Para os efeitos desta base só se considera efectivada a expropriação eom o pagamento das indemnizações.
BASE vil
1. A propriedade ou direito de superfície em terrenos expropriados para construção que não devam ser reservados para edifícios públicos ou de utilidade pública ou [para construção pelo Estado de casas económicas será posta à venda em hasta pública, em lotes de dimensões e confinações acomodadas às obras previstas.
2. No caso de ter ficado deserta a primeira praça, pode dispensar-se a venda em hasta pública, se for cedido o direito de superfície sobre os terrenos a organismos públicos, de coordenação económica ou corporativos, ou ainda a sociedades cooperativas ou anónimas de construção, para edificação de casas de renda económica ou limitada.
Os adquirentes são obrigados, sob pena de reversão dos bens sem indemnização, a executar as obras previstas nas condições e prazos estabelecidos.
3. Os expropriados gozam do direito de preferência em relação aos adquirentes em hasta pública.
BASE VIII
1. Os bens, ou direitos a eles relativos, adquiridos para fins de utilidade pública serão retrocedidos se não receberem o destino justificativo da sua aquisição.
2. As partes declaradas sobrantes poderão ser aplicadas pelo Estado ou por quaisquer organismos de interesse público, mesmo que não tenham sido expropriantes, a outros fins de utilidade pública.
3. Se a aquisição tiver sido obtida por entidades particulares, operar-se-á ainda a retorcerão, desde que os bens adquiridos deixem de servir o fim que determinou a sua aquisição, salvo se houver decorrido o prazo de trinta anos, ou se, por legislação especial, ou pela sua natureza, deverem ser integrados no domínio do Estado ou das autarquias, ou ainda se lhes for dado um novo destino de utilidade pública.
BASE IX
Se a obra ou a adaptação dos bens não estiver realizada nos prazos estabelecidos ou nas suas prorrogações, opertar-se-ão a caducidade da declaração de utilidade pública e a consequente retorcessão dos bens.
A caducidade da declaração da expropriação parcial determina a retrocessão da parte residual adquirida.
BASE X
1. A justa indemnização será arbitrada com base no valor real dos bens expropriados, devendo sempre ealeular-se o valor da propriedade perfeita. Deste valor sairá o que deva corresponder a quaisquer ónus ou encargos. O arrendamento comercial ou industrial- deverá, porém, ser considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não poderá exceder 20 por cento do valor que for dado ao respectivo prédio. Havendo mais de um estabelecimento comercial ou industrial, a indemnização será rateada na proporção em que cada um dos arrendamentos contribuir para o aumento do valor locativo do prédio.
2. Não pode tomar-se em consideração o maior valor dos bens que resulte de obras ou melhoramentos públicos realizados nos últimos cinco anos, nem o resultante da própria declaração de utilidade da expropriação ou de quaisquer Circunstâncias, ulteriores a essa declaração, dependentes da vontade do expropriado ou de terceiros.
3. No caso de terrenos que, por virtude de trabalhos de urbanização ou construção de grandes vias de comunicação, devam ser destinados a edificações, a aplicação do critério definido nos números anteriores obedecerá às seguintes regras:
a) A justa indemnização será calculada pela soma do valor material dos terrenos e 20 por cento da mais valia resultante do novo destino económico permitido pelas obras ou melhoramentos públicos projectados;
b) A avaliação no processo de expropriação incidirá, por isso, sobre a mais valia dos terrenos, pela sua transformação em terrenos de construção, e será corrigida quando os terrenos sejam vendidos em hasta pública em função do valor obtido em praça.
4. Se a expropriação tiver por objecto apenas direitos sobre imóveis, a indemnização deverá ser calculada com base na justa valorização dos seus cómodos.
5. No caso de expropriação parcial calcular-se-á o valor total do prédio, fixando-se depois em proporção o valor da parte a expropriar.
BASE XI
1. A verificação da utilidade pública das expropriações necessárias a obras de iniciativa do Estado ou das autarquias locais, quando comparticipadas pelo Estado, resulta da aprovação dos respectivos projectos de execução. Estas expropriações são consideradas urgentes quando o despacho ou portaria de aprovação assim o determinar.
É, porém, da competência do Conselho de Ministros a declaração de utilidade pública da expropriação de zonas, seja ou não efectivada parcelarmente a expropriação.
2. A declaração da utilidade pública das expropriações necessárias a fins diferentes dos referidos no número anterior é da competência do Conselho de Ministros, sobre proposta do Ministro competente, depois de
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instruído o processo com o parecer dos organismos técnicos interessados.
3. Compete ainda ao Conselho de Ministros verificar e declarar a utilidade do resgate das concessões ou privilégios outorgados para exploração de serviços de interesse público e ainda da expropriação de bens ou direitos a eles relativos que, sendo propriedade do confessionário, devam continuar afectos ao respectivo serviço.
BASE XII
A declaração de utilidade das expropriações! só poderá ser feita se o expropriante provar possuir disponibilidades financeiras para o pagamento das indemnizações. Se o expropriante for uma entidade particular, terá de caucionar por qualquer das formas em direito permitidas o montante provável desse pagamento.
BASE XIII
1. O processo para determinação da justa indemnização correrá no tribunal da comarca da situação dos bens.
2. A avaliação será efectuada por uma comissão de três peritos, nomeados um por cada uma das partes e o terceiro pelo juiz.
O juiz nomeará o perito de entre uma lista de peritos oficiais, aprovada pelo Ministro da Justiça e publicada no Diário do Governo.
3. Os peritos devem arbitrar a justa indemnização por unanimidade. Se houver diversidade de laudos, o juiz ordenará nova avaliação, procedendo de idêntico modo se houver indicação de que a unanimidade resultou de conluio fraudulento.
A segunda avaliação será efectuada por três peritos nomeados pelo juiz.
O tribunal, com base na avaliação e justificação dos laudos, e tendo em atenção o critério estabelecido na lei, fixará a justa indemnização, dentro dos limites dos laudos.
BASE XIV
1. Quando a expropriação seja urgente, nos termos da base XI, n.º 2, ou essa urgência, nos demais casos, seja declarada pelo Conselho de Ministros, o processo constará dos seguintes termos:
a) O juiz nomeará, a requerimento do expropriante, um perito para proceder à avaliação provisória e, depois de depositado o valor arbitrado, investirá imediatamente o expropriante na posse dos bens ou direitos;
b) Se as partes se não conformarem com a indemnização arbitrada provisoriamente pelo juiz, poderão requerer que se proceda nos termos da base anterior;
e) Qualquer intere55ado tem a faculdade de requerer a todo o tempo vistoria ad perpetuam rei memoriam, nos termos do artigo 5,25.º do Código de Processo Civil, destinada a fixar os elementos de facto que possam desaparecer e cujo conhecimento interesse 110 julgamento do recurso;
d) O julgamento é da competência do tribunal colectivo e da, decisão final não há recurso.
2. O processo terá os trâmites estritamente indispensáveis e deverá ultimar-se, salvo coso de força maior devidamente comprovado, no prazo de tires meses.
3. As diligências processuais relativas, às expropriações urgentes podem ser praticadas em férias e preferem a outras que por sua natureza não envolvam urgência.
BASE XV
1. Só depois de entregues os bens ao expropriante fiarão expedidos os recursos interpostos pelo expropriado.
2. O expropriaste não poderá ser (investido na posse dos bens expropriados sem ter efectuado o depósito da indemnização, a não ser ao caso de expropriações urgentes, em que, para esse efeito, basta o depósito da indemnização fixada provisoriamente pelo juiz.
Nos casos, porém, de urgentíssima necessidade, de segurança pública, defesa nacional, ou motivada por qualquer calamidade pública, poderá o Estado tomar posse imediata dos bens destinados a prover à referida necessidade, indemnizando os proprietários nos termos definidos nestas bases.
BASE XVI
1. Os proprietários de prédios rústicos que, por virtude de trabalhos de urbanização ou construção de grandes vias de comunicação, (alcancem relevante mais valia pela possibilidade da sua aplicação como terrenos de construção urbana pagarão uma quota da mais valia adquirida quando aqueles terrenos não devam ser expropriados.
A mais valia será fixada pela comissão de avaliação fiscal, com possibilidade de recurso, nos termos, gerais.
A percentagem da mais valia devida é de 50 por cento e será sobrada pela entidade pública que efectuar as obras que lhe deram causa nos seguintes casos:
a) Quando se verifique a transmissão dos terrenos por acto inter vivos;
b) Quando seja requerida licença para construção pelo proprietário, a qual não poderá ser passada sem se mostrar paga a percentagem sobre a mais valia.
2. A determinação da zona valorizada pelas obras .publicais, e bem assim a cobrança da percentagem sobre a mais valia adquirida nos termos desta base, terão de ser aprovadas pelos Ministros das Finanças e das Obras Públicas, em face do plano de obras e da verificação do aumento do valor dos prédios por elas beneficiados.
3. Determinado o quantitativo dia percentagem da mais valia, deve esta ser averbada no registo predial.
II
Direito de superfície
BASE XVII
1. O Estado, as autarquias locais e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa podem ceder o direito de construção em terrenos de que sejam proprietários. O direito assim constituído denomina-se direito de superfície.
2. O direito de superfície é alienável e transmissível por herança.
3. O direito de superfície pode abranger uma parte do solo não utilizada na construção, desde que a parte a esta destinada seja economicamente mais importante.
BASE XVIII
1. São obrigações do titular do direito de superfície:
a) A construção do edifício no prazo e com as características acordadas;
b) A conservação e reconstrução do edifício no caso de destruição;
c) A aplicação do edifício ao fim económico que tiver sido convencionado;
d) O pagamento de um censo anual.
2. Para os efeitos da alínea c) do número anterior deverá indicar-se no título de constituição um dos seguintes fins:
a) Casas de renda económica ou de renda limitada;
b) Casas de habitação não compreendidas ha alínea anterior;
c) uso comercial ou industrial.
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BASE XIX
Ao titular do direito de superfície são assegurados:
a) A propriedade do edifício até à extinção do seu direito;
b) O direito de ser indemnizado, nas condições convencionadas, pelo valor da construção do edifício, no termo do direito de superfície, ou, no caso de reversão, sem prejuízo da faculdade referida na base XXIII, n.º 3;
e) O direito de preferência no caso de renovação do direito de superfície para o mesmo fim económico.
BASE XX
Pode regular-se no contrato de constituição do direito de superfície:
a) O pagamento de penas contratuais pela inexecução de obrigações assumidas;
b) O condicionamento à autorização do proprietário da alienação do direito de superfície para garantia do fim económico do edifício;
e) A obrigação e condições de venda do terreno ao titular do direito de superfície;
d) A forma de determinação e condições do pagamento da indemnização ao titular do direito de superfície no momento da extinção ou reversão.
BASE XXI
O censo, pago anualmente, será fixado no seu quantitativo para toda a duração do direito de superfície.
BASE XXII
1. O direito de superfície reverte para o proprietário, sem que seja devida qualquer indemnização:
a) Por inexecução das obrigações referidas na base XVIII, n.º l, alínea a);
b) Quando o titular do direito de superfície se eximir à obrigação de reconstruir o edifício no caso de destruição.
2. O proprietário do solo tem ainda o direito à reversão do direito de superfície, mediante justa indemnização, quando seja dada ao edifício aplicação diversa da que tiver sido convencionada.
3. A mora no pagamento do censo só pode dar lugar à reversão se aquele não tiver pago o equivalente, pelo menos, ao censo devido em dois anos.
BASE XXII
1. O direito de superfície extingue-se com o termo do prazo que tiver sido estabelecido. O proprietário deverá indemnizar o titular do direito de superfície nos termos da base XIX, alínea a).
2. Quando o direito de superfície tenha sido constituído para construção de casas de renda económica ou limitada, a indemnização não pode ser inferior a dois terços do valor real do edifício.
3. O proprietário do solo tem a faculdade de se eximir ao pagamento da indemnização prorrogando o direito de superfície para além do seu termo pelo tempo previsível da duração do edifício.
BASE XXIV
1. Se, extinto o direito de superfície, o proprietário do solo pretender aliená-lo de novo, o seu anterior titular tem o direito de preferência quando essa alienação se destine a servir o mesmo fim económico.
2. O direito de preferência extingue-se no prazo de três anos após o termo do direito de superfície.
BASE XXV
O titular do direito de superfície não pode apropriar-se, no caso de reversão ou extinção do seu direito, de partes integrantes do edifício.
III
Sociedades anónimas para construção de casas de renda económica e limitada
BASE XXVI
Poderão constituir-se sociedades anónimas para a construção de casas de renda limitada, nos mesmos termos em que é permitida a sua constituição para construção de casas de renda económica.
BASE XXVII
O Estado e as autarquias das localidades poderão subscrever parte do capital das sociedades referidas na base anterior com o produto de uma percentagem fixada pelo Ministro das Finanças da receita das mais valias cobradas pelo Estado e pelas respectivas autarquias.
BASE XXVIII
O Governo poderá auxiliar a construção de casas de renda económica ou limitada prestando assistência técnica à construção, garantindo o fornecimento a preços predeterminados de materiais de construção, ou promovendo o fabrico em série destes materiais.
IV
Da fixação e actualização das rendas
BASE XXIX
1. As rendas, nos arrendamentos para habitação anteriores a l de Janeiro de 1943, inferiores na sua importância mensal ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido constante ,da matriz em l de Janeiro de 1948 serão actualizadas nos termos seguintes:
a) No semestre a partir de l ;de Julho de 1948 sofrerão um aumento equivalente à diferença entre a renda mensal e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, aumento não superior a 20 por cento da importância da, renda a data da entrada em vigor da presente lei;
b) Nos semestres seguintes, e até se atingir em cada caso a importância referida no corpo deste número, as rendas terão em cada semestre novo aumento igual a 20 por cento;
c) Se, em razão da diferença entre a renda inicial e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido, a actualização prescrita nas alíneas anteriores demorar mais de seis semestres, o aumento em cada semestre será igual à sexta pai te dessa diferença.
2. Nos arrendamento» f pitos a pessoas morais que tenham fins humanitários ou de beneficência, assistência ou educação, e nos arrendamentos destinados a comércio, indústria ou exercício de profissões liberais a actualização das rendas terá lugar nos termos do número anterior.
3. Consideram-se abrangidos no número anterior os arrendamentos de locais onde esteja a exercer-se comércio, indústria ou profissão liberal, ainda que seja outro o fim fixado no contrato.
4. Nos arrendamentos feitos ao Estado ou serviços públicos com autonomia financeira, a autarquias locais, a organismos corporativos ou de coordenação económica, a pessoas morais que não tenham fins humanitários ou
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de beneficência, assistência ou educação, terá lugar a actualização das rendas nos termos doe números anteriores, anãs o aumento será, quanto aos meses de Julho a Dezembro de 1948, de metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido. A partir de J de Janeiro de 1949 estas rendas ficarão totalmente actualizadas.
BASE XXX
1. Os aumentos determinados nos artigos anteriores ficam a fazer parte integrante das rendas, devendo constar discriminadamente dos respectivos recibos, e os senhorios podem exigi-los independentemente de notificação ou aviso.
2. Se o arrendamento tiver por objecto dependências cujo rendimento colectável não esteja destrinçado, a elevação da renda só se torna efectiva após a destrinça feita pela comissão permanente de avaliação de prédios urbanos.
BASE XXXI
1. A parte da contribuição predial actualmente a cargo do arrendatário continua a ser paga por este até o aumento da renda atingir metade da diferença entre a renda actual e o duodécimo do rendimento colectável ilíquido.
2. Ultrapassada essa metade da diferença o encargo passa inteiramente para o senhorio.
BASE XXXII
1. Em relação aos actuais arrendamentos para habitação posteriores a 31 de Dezembro de 1942, o arrendatário tem a faculdade ,de requerer, no prazo de seis meses, a contar da data da entrada em vigor desta lei, a avaliação do prédio para correcção do rendimento colectável. Se, em consequência da avaliação, se verificar que a renda actual é superior à resultante da justa determinação do rendimento colectável ilíquido, consideram-se reduzidas as rendas até esse limite, a partir do fim do período do arrendamento que estiver em curso.
2. Qualquer que seja o resultado da avaliação, a renda não poderá ser superior à convencionada.
BASE XXXIII
1. Em relação aos arrendamentos para habitação celebrados depois da entrada em vigor desta lei a renda não poderá ser superior ao duodécimo do rendimento colectável ilíquido.
2. Não pode passar-se licença para habitação de prédios devolutos ou celebrar-se contrato de compra e venda tendo por objecto prédios novos sem que a comissão de avaliação fiscal tenha determinado o seu rendimento colectável.
BASE VVVIV
l. Nos arrendamentos de prédios para uso comercial ou industrial poderá proceder-se a nova avaliação, a requerimento do senhorio ou do inquilino, quando tenha lugar o traspasse do estabelecimento comercial ou industrial.
2. É permitido, sem autorização do senhorio, o traspasse do estabelecimento comercial ou industrial para o mesmo ramo de negócio ou indústria.
3. É considerado como sublocação ilegal:
a) O traspasse do local de um estabelecimento comercial ou industrial independentemente das mercadorias ou utensílios que constituem a existência do estabelecimento;
b) O traspasse de estabelecimento comercial ou industrial sem autorização do senhorio para diferente ramo de negócio ou indústria.
BASE XXXV
As secções de finanças são obrigadas a prestar gratuitamente e a todo o tempo as informações que lhes sejam solicitadas para os efeitos dos artigos anteriores.
BASE XXXVI
1. Dentro do prazo de sessenta dias, a contar da entrada em vigor desta lei, serão revistas pelo Ministério das Finanças, ouvido o da Justiça, as instruções para avaliação de prédios urbanos e organização dos respectivos recursos.
2. A comissão de avaliação fiscal dos prédios urbanos nos casos referidos nas bases XXXII e XXXIV poderá ser presidida por um magistrado judicial, sem prejuízo das funções que exercer ou em comissão de serviço.
3. Nas avaliações atender-se-á, para determinação do rendimento colectável, à superfície do prédio, ao tipo de construção e localização do edifício.
BASE XXXVII
1. A sublocação caduca com a extinção, por qualquer causa, do arrendamento. O sublocatário não pode opor-se à execução das sentenças de despejo, proferida em acção movida contra o arrendatário, com o fundamento de que não foi também demandado, considerando-se revogada a alínea b) do artigo 987.º do Código de Processo Civil.
2. Todavia, se o proprietário receber alguma renda do sublocatário e passar recibo depois da extinção do arrendamento, será o sublocatário considerado para os efeitos legais como arrendatário directo.
BASE XXXVIII
1. A cláusula permissiva de sublocação não dispensa a notificação desta. A notificação tem de ser requerida no prazo de quinze dias, sob pena de a sublocação ser considerada ilegal.
2. É dispensada a notificação se o senhorio consentir especialmente em determinada sublocação ou reconhecer o sublocatário.
3. Não se considera como reconhecimento para os efeitos do número anterior o simples conhecimento de que o prédio foi sublocado.
BASE XXXIX
Em todos os casos de sublocação total do prédio, anteriores ou posteriores à entrada em vigor desta lei, o senhorio tem a faculdade, mediante notificação judicial, de se substituir ao arrendatário, considerando-se rescindido o primitivo arrendamento e passando o sublocatário ou sublocatários à posição de arrendatários directos. A notificação a que se refere esta base deve ser feita ao arrendatário e sublocatário e só pode ter lugar dentro dos prazos referidos no artigo 970.º do Código de Processo Civil para se tornar efectiva a substituição no fim do prazo do arrendamento ou da renovação.
BASE XL
No caso de sublocação parcial do prédio arrendado o arrendatário $ô poderá receber uma renda proporcional àquela que paga ao senhorio, aumentada de 50 por cento. Quando a parte do prédio sublocada for completamente mobilada, o aumento permitido poderá atingir 100 por cento, mas este limite não poderá ser excedido, mesmo a título de prestação de serviços.
BASE XLI
1. Presume-se que há sublocação quando durante mais de três meses residam na casa arrendada pessoa ou pessoas, simultânea ou sucessivamente, que não vi-
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vessem na casa à data do contrato e que não sejam parentes ou afins do arrendatário, na linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, ou pessoas relativamente às quais haja obrigação de convivência, resultante de lei ou de com trato de prestação de serviços domésticos.
2. Verificado o facto referido no número anterior, não pode ilidir-se a presunção, provando-se que o contrato é de albergaria ou pousada, se não houver prestação normal de alimentos por parte do arrendatário.
3. Para a prova de sublocação não é necessário provar-se o quantitativo da renda nem o prazo de contrato.
BASE XLII
1. Constitui crime de especulação, sendo punível nos termos da legislação respectiva:
a) A infracção prevista no artigo 110.º e § único do decreto n.º 5:411, de 17 de Abril de 1919;
b) A infracção ao disposto na base XL;
c) O traspasse para habitação e o traspasse ilegal do local de estabelecimentos comerciais ou industriais.
2. Nos casos previstos no número anterior a sentença condenatória é título bastante para compensação nas rendas futuras do que o locatário ou sublocatário tiver pago indevidamente. Porém, tratando-se de traspasse comercial, esta consequência só é de admitir quando o senhorio tenha sido considerado responsável pelo traspasse.
BASE XLIII
1. Pode requerer-se o despejo para o fim do prazo do arrendamento ou de renovação nos casos seguintes, sem prejuízo de outros actualmente previstos na lei:
a) Destinar-se a casa a habitação e não ter nela o arrendatário a sua residência permanente, viva ou não noutra casa arrendada ao própria. Não tem aplicação este preceito se o arrendatário se ausentar em cumprimento de deveres militares de carácter transitório ou no exercício de funções públicas que tenham o mesmo carácter;
b) Propor-se o senhorio a efectuar obras de ampliação do prédio das quais resulte ser aumentado o número de inquilinos. Na petição inicial, que será acompanhada do respectivo projecto, devidamente aprovado, o senhorio tomará o compromisso de executar as obras e de celebrar de novo o arrendamento com os mesmos arrendatários, se eles o pretenderem, pela renda devida anteriormente, ou pela correspondente ao rendimento colectável ilíquido que for fixado, se as obras tiverem melhorado grandemente a parte da casa anteriormente arrendada;
e) Receber o arrendatário pela sublocação do prédio quantia superior ao total da renda que pagar ao senhorio, acrescida de 50 por cento quando a sublocação não compreenda aluguer de mobiliário ou de 100 por cento quando se trate de sublocação de prédio devidamente mobilado.
2. No caso da alínea b) do número anterior o arrendatário que ocupava o prédio tem sempre direito a indemnização igual ao rendimento colectável ilíquido de um ano, a qual será paga pelo proprietário no acto da desocupação.
3. Ultimadas as obras, os arrendatários poderão reocupar a parte do prédio que anteriormente ocupavam, ou, não sendo isso possível, cabe-lhes a escolha da que pretendam habitar, decidindo o juiz ex aequo et bono quando não houver acordo entre eles.
4. Se o senhorio faltar ao compromisso tomado ou se as obras não estiverem iniciadas, salvo caso de força maior, dentro do prazo de três meses, a contar da saída do arrendatário, este pode pedir a reucupação do prédio antigo ou a ocupação do novo, conforme as circunstâncias, e tem direito a uma importância correspondente a mais três anos de rendimento colectável.
Ministério da Justiça, 4 de Fevereiro de 1948. - O Ministro da Justiça, Manuel Gonçalves Cavaleiro de Ferreira.
IMPRENSA NACIONAL DB LISBOA