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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 136
ANO DE 1948 13 DE MARÇO
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 136 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
João Cerveira Pinto
SUMÁRIO: - O Sr: Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Aprovou-se, com emendas, o Diário das Sessões n.º 133. Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ricardo Spratley, que se referiu com elogio à próxima construção do Palácio dos Correios do Porto, e Manuel Hermenegildo Lourinho, para agradecer ao Governo a recente publicação de um decreto promovendo a construção de casas económicas em Portalegre.
Ordem do dia. - Continuou a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 170, relativo a feriados e dia de descanso semanal, da autoria do Sr. Deputado Mendes de Matos.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cerqueira Gomes, Botelho Moniz, Cancela de Abreu e Pacheco de Amorim.
Encerrado o debate na generalidade, passou-se à discussão na especialidade, jazendo-se a votação pelo texto do projecto apresentado pelo Sr. Deputado Mendes de Matos, com alterações apresentadas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que, com o Sr. Deputado Belchior da Costa, usou da palavra no decurso da votação.
Esta Concluiu pela aprovação do projecto com aqueles aditamentos e pela rejeição de uma proposta de alteração ao artigo 3.º do Sr. Deputado Antunes Guimarães,
O Sr. Deputado Belchior da Costa foi autorizado a retirar uma proposta de alteração ao artigo 2.º, que apresentara.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Maria Pinheiro Torres.
António de Sousa Madeira Pinto.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
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Herculano Amorim Ferreira.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Garcia Nunes Mexia.
João Luís Augusto das Neves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Esquivel.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadura Botte.
José Martins de Mira Galvão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 133.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer as seguintes rectificações a esse Diário das Sessões: a p. 293, col. 2.º, onde se lê: «Porque admitir a solução do projecto antes da solução da Câmara Corporativa?», deve ler-se: «Porque admitir a solução do projecto antes do que a solução da Câmara Corporativa?»; a p. 294, col. 1.ª, 1. 4.ª, onde se lê: «... que não pudesse esse momento ulterior vir a ser este ...º, deve ler-se: «... que não pudesse, em um momento ulterior, vir a ser este ...º; nas mesmas página e coluna deve igualmente suprimir-se o período: «É ao Estado Português que cabe decretar o que é feriado nacional».
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o Diário das Sessões n.º 133.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum dos Sr s. Deputados deseja usar da palavra sobre este Diário, considero-o aprovado, com as alterações apresentadas pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Foram recebidos na Mesa numerosos telegramas e cartas de apoio ao projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos, sobre feriados e dia de descanso semanal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Ricardo Spratley.
O Sr. Ricardo Spratley: - Sr. Presidente: na sessão de ontem dois ilustres membros desta Câmara puseram em relevo um certo número de deficiências nos serviços dos CTT, mais designadamente no que se passa em relação à morosidade e intermitências nas ligações telefónicas.
Não serei eu quem conteste os argumentos nem os exemplos citados, restando assim que, em face das deficiências apontadas, com o relevo e a retumbância que, perante o Pais, assumem os assuntos tratados nesta Assembleia, se procure averigar das culpas, ou, melhor, das causas dos defeitos indicados, certo de que por S. Ex.ª o Ministro das Comunicações, e até espontaneamente pela Administração dos CTT, serão rapidamente tomadas as necessárias providências no sentido de remediar o mal.
No entanto, Sr. Presidente, do que aqui se disse poderá o País colher a impressão de que, após um período esplendoroso de expansão e aperfeiçoamento, a acção dos CTT tinha diminuído e que essa época de progresso, iniciada após o 28 de Maio, já tinha passado!
Ora, essa conclusão é que me parece inteiramente errónea, como com toda a facilidade e clareza se deduz dos gráficos apresentados em publicações dos CTT, do número de povoações que se têm vindo interligando telefonicamente por esse País fora e pelo número sempre crescente e bem patente aos olhos de todos nós dos novos edifícios de correios construídos em numerosas localidades, edifícios que, além de substituírem instalações que pela sua mesquinhez e falta de conforto atingiam o próprio decoro do País, passaram a constituir, pelos seus motivos arquitectónicos, modelos de inspiração para muitas construções particulares.
No prosseguimento desta persistente política construtiva da Administração dos CTT coube agora a vez a uma obra verdadeiramente transcendente, com o início da qual eu, na qualidade de Deputado pelo Porto, tenho muita honra e satisfação em vir aqui congratular-me.
Refiro-me ao início da construção do Palácio dos Correios do Porto, no alto da Avenida dos Aliados, ladeando por nascente o edifício dos novos Paços do Concelho.
Chamo-lhe obra transcendente e de larga projecção no futuro enriquecimento urbanístico da cidade porque, efectivamente, além de se tratar de uma obra da ordem dos 70:000 contos, e portanto de grandioso aspecto, dela tem estado dependente, durante largos anos, a conclusão da Avenida dos Aliados, pelo facto de várias construções da respectiva zona terem de subordinar-se à planta definitiva, área, cércea e tipo de construção do edifício dos correios. O assunto, sujeito durante anos a várias alternativas e hesitações, foi em definitivo arrumado por um notabilíssimo despacho de S. Ex.ª o Ministro das Comunicações, datado de 16 de Agosto de 1947, que eu tive o prazer de ler em Novembro último no Boletim da Câmara Municipal do Porto, despacho esse em que o assunto é apreciado com nítida compreensão do problema e das
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particularidades locais e cuja doutrina corresponde inteiramente aos anseios da cidade do Porto.
Foi, consequentemente, com viva satisfação que a cidade viu, finalmente, iniciar-se o vultuoso desaterro da área do terreno do futuro edifício, desaterro que está, por sinal, sendo feito com tal celeridade que incute a esperança de que, após tantos anos de protelamento, a obra prossiga agora sem mais interrupções. De resto, estou informado de que, embora o alçado do futuro Palácio dos Correios possa sofrer ainda alguns retoques ou alterações, já há vasto trabalho estrutural pronto a ser desde já executado, uma vez que o desaterro da área fique concluído.
Sr. Presidente: referi-me ao atraso que para a conclusão da zona do topo da Avenida dos Aliados tinha resultado da lamentável demora da construção do edifício dos correios. Dentro da mesma ordem de ideias desejo chamar a atenção do Governo, e nomeadamente de SS. Exas. os Ministros das Obras Públicas e das Comunicações, para a não menor urgência em ser iniciada a construção da projectada ponte da Arrábida, sobre o Douro.
Na verdade, a demora em se iniciarem estas duas obras - Palácio dos Correios e ponte da Arrábida - tem sido a causa mais directa da lentidão que tem caracterizado as obras de urbanização da cidade do Porto, porque ambas elas constituem pedras fundamentais do respectivo plano.
Por isso, embora, ao contrário do que a crítica superficial ou derrotista habitualmente faz, eu registe com p devido reconhecimento tudo o que o Governo em matéria de obras tem mais recentemente feito pelo Porto, como sejam as do porto de Leixões, tánel e estrada marginal, via rápida de Leixões, grande quota-parte no aeródromo, bairros económicos, hospital escolar, liceu feminino, quartéis, etc:, venho, ainda dentro daquilo que reputo justo e equitativo, insistir na urgente necessidade de solucionar definitivamente o caso da ponte da Arrábida, com os seus importantes problemas conexos dos traçados da via férrea e concordâncias rodoviárias, porquanto, sem isso feito, não se poderá dar um passo decisivo na realização do grande plano da urbanização da área do Campo Alegre e, de uma maneira geral, de toda a zona ocidental da cidade.
Fico inteiramente certo de que a clarividência dos dois ilustres titulares das pastas das Obras Publicas e das Comunicações os levará a solucionar este problema com a devida celeridade, porque ninguém melhor do que SS. Exas. compreenderá quanto dessa solução depende a expansão urbanística e o progresso da cidade do Porto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Manuel Lourinho:- Sr. Presidente: cumpro o grato dever de neste momento e deste lugar, apresentar ao Governo os meus agradecimentos pela publicação de um decreto concedendo à Câmara Municipal de Portalegre uma comparticipação para construção de casas económicas.
Parece assim que ao Governo interessam os problemas gerais e os problemas locais, interessam os problemas que dizem respeito às altas preocupações da política internacional, da política nacional e até da política das autarquias locais.
Sr. Presidente: volto a repetir: é-me muito grato apresentar ao Governo as minhas felicitações e os meus agradecimentos, não só em nome pessoal, como também no da população da cidade de Portalegre. - O distrito de Portalegre não tem recebido, infelizmente, da actual situação, benefícios como a outras regiões - aliás com justiça - têm sido dados.
A sua dedicação à causa nacionalista, o seu amor ao trabalho, a sua confiança no futuro progressivo da comunidade não têm sido suficientes para chamar sobre ele a benevolência dos Poderes Públicos.
Faço esta afirmação, Sr. Presidente, com a mais profunda mágoa, mas ela é inteiramente verdadeira.
Não sei a que atribuir o curso de tais factos; apenas os faço ressaltar, estranhando profundamente que assim seja.
Acontece, talvez, que ultimamente as coisas parecem tomar um rumo mais favorável, mas a morosidade é tamanha nas realizações que traz o desalento às pessoas e o desinteresse às colectividades.
Não quero enumerar o que faz falta a Portalegre - Portalegre distrito. Tanto ele é! Não quero referir os desejos justos dos seus concelhos e das suas freguesias porque seria um nunca acabar; mas não posso deixar de falar num deles, cuja não resolução representa uma larguíssima injustiça a estes povos.
Não é de admitir, Sr. Presidente, que haja direito de assim proceder para com uma região que bem merece ao Governo do País e que acorre sempre ao chamamento nacionalista, apesar de relegadas para uma inutilidade sistemática todas as suas pretensões.
Não irei falar das reclamações do distrito, concelho por concelho. Irei referir-me apenas a uma delas, que sobreleva todas as outras e que desde há muito tem arrastado o seu calvário doloroso, trágico e cómico, numa progressão que mais se parece com uma agonia.
Refiro-me, Sr. Presidente, à construção da linha férrea de Estremoz a Vila Velha de Ródão, com passagem pela cidade de Portalegre.
Vale a pena fazer uma breve história, porque ela, ridícula às vezes, mesmo grotesca, é, apesar disso, um anseio contínuo, sendo certamente a aspiração máxima dos povos da cidade.
Eu conto, Sr. Presidente.
Em tempos recuados procedeu-se ao estudo do traçado e, depois de ouvido o parecer dos competentes, fez-se a adjudicação a José Pedro de Matos, com a obrigação de construir o novo ramal, com direito à sua exploração. Agora começa o cómico!
Um engraçado expediu de Lisboa para Portalegre um telegrama, falsamente assinado pelo concessionário, comunicando a sua chegada a esta cidade para aquele dia, ao anoitecer.
Foi o fim do mundo!
Reuniram-se o governador civil, o juiz, a Câmara, as juntas de paróquia, todas as associações, as pessoas de maior relevo político e social e até, por mal meu, os alunos das escolas e, entre eles, os do liceu, que eu então frequentava. E durante as horas infindas de uma gelada noite de inverno alentejano, a tiritar, armados os escolares de balões de papel e empunhando os respectivos estandartes os dirigentes dos organismos locais, esperou-se, ora a pé firme, ora em rotação de uma avenida da cidade, a chegada do novo D. Sebastião, que tardava em aparecer e que nunca mais apareceu.
Deram-se, Sr. Presidente, as cenas mais grotescas que se poderão imaginar. E começou desde então, com travo amargo para a região e especialmente para a cidade, uma infinita paixão, misturada com o desejo ardente, não manifestado publicamente, de que a linha fosse construída. E não houve partido, grupo ou corrente política que o não prometesse. Diga-se de passagem que não era prudente fazer tal promessa em reuniões públicas; isso traria dissabor, tal dose de achincalhamento para todo o bom portalegrense ela traduzia.
Pois bem, Sr. Presidente, coube também ao Estado Novo prometer a construção da linha e também até hoje não cumpriu a promessa.
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Quando da propaganda para a eleição da actual Assembleia Nacional alguém me segredou ao ouvido que falasse no caminho de ferro de Estremoz a Portalegre. Mas eu, que conhecia muito bem o «atado de espírito da população, a tal respeito, que sou homem totalmente integrado dentro do seu sentimento, recusei terminantemente. Não, que ainda me lembrava do balão, do frio e da noite sem fim à espera. A mágoa e a desconfiança de todos os portalegrenses têm também - felizmente para mim - raízes fundas no sentir do meu coração.
Mas, Sr. Presidente, o traçado está completo até à estação de Cabeço de Vide e dali até Portalegre-Estação está feita a terraplenagem.
Agora, Sr. Presidente, começa a tragédia. O meu ilustre amigo Dr. Galiano Tavares pôs-se de novo a trabalhar pela realização de tão bela obra. E falou-me do seu objectivo com entusiasmo, E ele, que sente também com eu o anseio de Portalegre, começou uma nova luta. O Diário de Notícias, com a sua simpatia característica e onde há amável guarida efectuosa e prestimável pana tudo quanto diz respeito ao progresso regional, publicou números e gráficos elucidando a necessidade da construção. O meu distinto colega e ilustre governador civil actual tem sido incansável. Mas a coisa não anda!
Não anda, apesar da forte actuação do governador civil, do entusiasmo do Dr. Galiano Tavares e da companhia, para mim valorosa, útil e agradável, do Diário de Notícias.
A quem pertencem as responsabilidade? Há pessoas responsáveis por este insucesso? Oxalá que eu não tenha que dizer que sim. Mas se a isso for obrigado também o direi.
A nós, portalegrenses, parece-nos demasiados tanta mentira e tanto abuso no que se passa.
Neste momento, porém, Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª o alto obséquio de transmitir ao Governo o meu desejo e o do povo da região para que a construção se continue e com rapidez. Que os rails que já há meses chegaram e foram desembarcados com destino para lá, dizem, sejam colocados. Que as travessas, por compra, troca ou empréstimo, sejam adquiridas.
E ainda, Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª o alto obséquio de transmitir ao Governo o desejo que eu tenho de não suceder com a construção da linha férrea a que me venho referindo o mesmo que sucede a outras linhas cujo funcionamento é mau, porque aquilo e isto é* o que convém a determinados senhores. Toda a gente o diz e nós desconfiamos que é capaz de ser verdade.
Termino, Sr. Presidente, prometendo voltar ao assunto, para certamente apresentar ao Governo os meus agradecimentos pela completa efectivação de tão justa, útil e agradecida obra de interesse público, a juntar a todas aquelas que constituem as grandes realizações nacionais desta época de engrandecimento de Portugal.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o projecto de lei sobre feriados e dia de descanso semanal. Tem a palavra o Sr. Deputado Cerqueira Gomes.
O Sr. Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: pela primeira vez levanto a minha voz nesta Assembleia.
A V. Ex.ª, Sr. Presidente, que com tão rara distinção tem sabido orientar e dirigir os trabalhos desta Câmara, honrando o alto cargo para que em boa hora foi escolhido, com agrado e aplauso de todos, apresento os meus cumprimentos e as aninhas saudações.
Aos meus colegas da Câmara também dirijo as minhas saudações.
Sinto sinceramente não ter dado aos trabalhos desta Assembleia uma assistência mais assídua, mas nem isso representa menos apreço por esta camaradagem honrosa e agradável, nem menos cuidado pelos problemas aqui tratados, que bem grande é o meu amor aos altos interesses do meu País.
Isto significa apenas a escravidão de outros deveres, os deveres de uma profissão que, exercida com amor e consciência limpa, tantas vezes implica a renúncia de muitos projectos, de muitos desejos, de muitas preferências, nem digo já prazeres e comodidades.
Tenho acompanhado sempre com interesse a acção política e legislativa da Câmara Corporativa e é-me grato manifestar-lhe daqui a minha consideração e o meu aplauso pelo carinho, dignidade e patriotismo com que sempre tem exercido as suas altas funções.
Sr. Presidente: o problema em apreciação nesta assembleia contém três aspectos distintos: o da obrigatoriedade do descanso dominical em todo o País; o do reconhecimento de alguns ou de todos os dias santificados como feriados oficiais; o da revisão dos feriados civis.
Consideremos, por agora, os dois primeiros.
Digo já, indo direito ao fim, que em meu entender a melhor solução destas questões está no texto proposto pela Câmara Corporativa, com uma pequena alteração de pormenor no seu artigo 1.º
E agora vou dizer porquê.
E evidente que o primeiro objectivo do projecto é resolver os problemas postos em harmonia com a consciência e as aspirações dos católicos, que são a grande maioria da Nação. E a consciência e as aspirações dos católicos só podem, logicamente, como católicos ter satisfação numa solução conforme com a doutrina da Igreja, sua mestra infalível em matéria de fé e costumes.
Ora, a este respeito a Igreja tem a sua doutrina assente e formulada com insofismável clareza, que é: guardar domingos e festas de guarda, o primeiro preceito vindo já, expressamente, do Decálogo, que mandava santificar o dia do Senhor. E para a Igreja guardar e santificar os dias festivos consiste explicitamente, por um lado, na consagração dó homem ao serviço do Senhor e às ocupações que o valorizam espiritualmente; por outro, e terminantemente, na abstenção de todo o trabalho servil.
Quer dizer: para os católicos só pode haver satisfação integral de consciência na generalização do descanso dominical e no reconhecimento dos dias santos da Igreja como feriados oficiais, porque só essas disposições podem permitir-lhes cumprir perfeitamente os seus preceitos religiosos.
Em tese, no domínio puro dos princípios, não pode o problema ter outra solução.
Pode, é certo, na prática, a Igreja conformar-se com uma solução menos generosa, com quase nada até, tal como tem acontecido entre nós. E se, por acordo entre o Estado e a Santa Sé, a situação viesse a ser assim resolvida, não poderia haver para os católicos legítimos escrúpulos ou conflitos de consciência.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª entende que é norma perfeita mesmo aquela que a Igreja adopta diferentemente para países diferen-
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tes, conforme as circunstâncias, aquela norma que não é geral, mas que tem um conteúdo para o país A, outro para o país B e outro para o país C? V. Ex.ª considera uma norma nestas circunstâncias como norma perfeita? V. Ex.ª entende que a questão é de dogma e de costumes e que por ela se põe em jogo o magistério autêntico?
O Orador: - A objecção...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é objecção, é pergunta.
O Orador: - A pergunta veio precisamente na altura em que eu estava a pôr este problema e em que estava a dizer isto: ha uma solução ideal em princípio; mas a Igreja muitas vezes faz isto em muitos problemas: aceita às vezes soluções menos generosas, em face das realidades. Mas pergunto também agora se não há que distinguir na realidade entre o que a Igreja estatui como norma perfeita e aquilo que ela é levada a aceitar, em certas circunstâncias.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas eu pergunto se a questão envolve o magistério autêntico, quando este se refere ao universal e, no caso, a solução é diferente em relação a cada pais. Em Portugal é assim, na Bélgica é assado, na Holanda é cozido, na Suíça é frito.
O Orador: - O que eu digo é que esses princípios têm certa maleabilidade de ordem prática, mas isso não implica que se não diga que a Igreja tem princípios certos. E, quando se não possa resolver nas circunstâncias ideais, resolve-se segundo as circunstâncias que a prática aconselha como melhores e mais aceitáveis.
Continuando:
Mas há que distinguir, na realidade, entre o que a Igreja estatui como norma perfeita e o que é levada a aceitar por imposição de certas circunstâncias.
E eu pergunto: porque se há-de dar ao caso uma solução tímida e mesquinha num país fundamentalmente católico e por um Estado de tão rasgada intenção nacional?
Nunca isto deixaria de ser uma diminuição da verdade ou, se quiserem, um compromisso com a verdade. Eu bem sei que no mundo real, e, porventura, mais que em tudo no mundo político, a vida-mesmo dos mais puros e mais informados de princípios - é uma permanente aceitação de compromissos. Mas nem sempre. E não é agora o caso, julgo eu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Em matéria de dogma e de moral não pode haver compromissos; não quer a Igreja tê-los!
Aí rege o universal...
O Orador: - Só a nossa avareza moral ou a nossa frouxidão podem explicar neste caso uma solução provisória ou minguada.
E porque havemos nós de ter menos coragem de restaurar do que eles de demolir? Mais escrúpulos em satisfazer a vontade e os interesses da Nação do que eles em os violentarem e ofenderem? Menos desengano em repor de uma vez o que eles de um golpe abateram sem contemplações?
Aliás, além do seu rico conteúdo religioso, os preceitos instituídos pela Igreja encerram uma grande sabedoria e um altíssimo valor humano.
Aqui mais uma vez a - verdade transcendente do catolicismo se conforma admiravelmente com a verdade profunda da vida temporal.
O homem tem necessidade de repouso. Por ele se refaz do desgaste dos seus esforços para depois retomar, com novas forças, o seu labor de todos os dias. Mas o repouso bem entendido e bem ordenado tem, tanto como o trabalho, um alto sentido de dignificação do homem.
É um apelo à sua elevação; uma afirmação da sua realeza moral, uma nota patente da sua magnificência. É a consagração da sentença de que nem só de pão vive o homem. Nem só nasceu para produzir. Nem só para as necessidades do corpo. Também para a grandeza; também para a dignidade; também para o desinteresse.
Ensina-lhe que tem uma alma, que tem outros títulos de nobreza, que tem um destino mais alto. E é ao usufruto e à valorização da sua riqueza espiritual-com, para o crente, alta proeminência dos valores religiosos - que o homem consagra os seus dias de repouso.
Mais - diz a razão e o bom senso - que é nos mesmos dias que todos os homens devem repousar.
Só assim se podem juntar em cada família, no convívio do lar, os membros dispersos pelo trabalho quotidiano. Só assim podem reunir-se em comum os homens atraídos pelas mesmas preferências de recreio ou de cultura. Só assim os dias de repouso têm, verdadeiramente, aquele ar festivo que os distingue dos outros. Só assim eles põem em relevo e educam os homens no sentimento da sua irmandade moral, da sua comunidade de destinos, da sua solidariedade e interdependência social.
Nem valem contra estas verdades as objecções de ordem económica.
Não que as imposições da vida material não representem uma grande e insofismável realidade. Que não devam ter, no nosso espírito, toda a importância que merecem numa visão integral e lúcida do Mundo e do homem. Mesmo só consideradas no seu devido lugar e atendidas ma justa medida como realidades primeiras e elementares o homem se liberta do seu despotismo.
Só depois de assegurada a vida material o homem - o homem médio, para que não dizer: o homem normal - se mete então a filosofar.
Mas, repito, sem querer minimizar as fortes realidades da vida económica e material, nós proclamamos solenemente o primado dos valores espirituais.
E não podemos consentir que razões de puro alcance material possam enlear-nos quando se trata da dignidade do homem e da sorte dos mais altos valores da vida.
Mesmo no plano natural e dentro da mais perfeita objectividade, a vida não pode reduzir-se ao seu aspecto social, nem este por sua vez pode reduzir-se às dimensões económicas.
O homem é um ser complexo e é preciso considerá-lo em toda a sua verdade e em toda a sua riqueza quando olhamos as questões que envolvem o problema da sua natureza e do seu destino.
E é por isso mesmo que, até apreciados no seu alcance económico, certos reparos que podem ser levantados às soluções que preconizamos se revelam, na realidade, de duvidosa consistência. Assim, aos que contrariam a inclusão dos dias santificados no número dos feriados, com o fundamento de que essa medida vem afectar os interesses da produção, ocorre perguntar se, bem feitas as contas, o resultado final será verdadeiramente esse e se o tempo que a mais se dá ao repouso, se este for bem ordenado, não será compensado pelo maior rendimento do trabalho decorrente da valorização física e espiritual do trabalhador.
Sempre o erro de considerar os problemas do homem por critérios unilaterais e simplistas, sem, como disse, ter em conta a complexidade da natureza humana.
Do ponto de vista político, parece-me bem que está na doutrina que preconizo a melhor de todas as so-
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luções. E a primeira razão é precisamente porque dá satisfação aos católicos, que são - nunca é demais repetir- a grande maioria dos Portugueses. Dá, e sublinhe-se, sem nenhuma espécie de agravo para os não católicos, que ninguém obriga, por isso, a ir à missa, nem sequer impede de trabalhar, a seu modo, se quiserem.
Se neste Mundo houvesse lógica, teríamos nesta hora e neste propósito irmanados connosco e consequentes consigo mesmo os mais genuínos, os mais ferozes democratas, porque, em boa ortodoxia democrática, a lei é expressão da vontade geral e a vontade geral é a vontade do maior número.
Se assim o não entenderam os homens de 1910, se precisamente foi a sua legislação atrabiliária que impôs as medidas legislativas que agora estamos a rever, afrontando com elas a consciência das maiorias dos Portugueses, é porque, em realidade, nunca esse regime foi uma situação de forma democrática. Que também, na verdade, os não há neste Mundo em que vivemos, nem os pode haver, com o homem de carne e osso que por cá anda, proclamado o rei da criação. Aqui, como sempre, debaixo dessa ficção, por detrás dessa impostura, estava a ditadura de um homem ou de um grupo, que impunha a sua vontade e o seu comando.
Não era o voto da Nação que se procurava conhecer e executar, como mandam os princípios, que esse, se o ouvissem, nunca poderia conformar-se com os seus desmandos e as suas medidas sectárias.
Era esse despotismo de um homem ou de uma oligarquia que se exercia soberanamente sobre a Nação e lhe impunha a lei dos seus interesses particulares, das suas concepções ideológicas, das suas paixões, dos seus propósitos de servis executores dos desígnios das alfurjas e sem nenhum respeito pelos verdadeiros interesses e as profundas realidades nacionais.
Despotismo tanto mais odioso quanto é anónimo e irresponsável, e, ainda, acobertado e legitimado com o manto vistoso, mas falso, da vontade nacional.
A democracia, na verdade, é isto. E quando não é isto é ainda pior. Porque, então, é a tirania da rua pulverizando o Poder numa multidão de tiranetes, ainda mais irresponsáveis, e, no geral, a escória da sociedade.
De tudo isto conhecemos nestes negros dezasseis anos de reinado farto da democracia. Desde a ditadura pessoal no sobado do Sr. Afonso Costa e o mando das oligarquias no tempo dos chefes medíocres que lhe recolheram a herança, até ao império solto da rua nas horas de realeza do Pintor, impondo a sua vontade como razão de Estado, e1 da fúria sinistra do Dente de Ouro e da canalha da sua estirpe na matança hedionda do 19 de Outubro.
Mas, como nacionalistas, não é só a vontade dos homens de hoje que decide a visão deste problema. Mais alto ainda está, para nós, o imperativo da história e a imposição dos altos interesses nacionais.
A solução que propomos é mais um concurso para a recristianização da sociedade portuguesa, e a recristianização dos costumes e das almas é condição decisiva do nosso renascimento integral.
O catolicismo, independentemente do seu valor transcendente e da sua verdade absoluta, tem ainda um alto sentido social.
A civilização e o enobrecimento da vida humana resultam da influência concordante e recíproca da valorização dos indivíduos e da melhoria das instituições. É erro considerar, como muitos fazem, apenas uma das faces deste problema.
Sobre ambas incide a acção benéfica do catolicismo. Por um lado, valoriza o homem na sadia formação do seu carácter, da sua consciência, do seu sentimento do dever, do seu espírito de sacrifício, da sua disciplina moral. Obra essencialmente individual, nenhum poder ou instituição humana poderá igualar a Igreja nesta missão de aperfeiçoamento das almas.
Mas, por outro lado, o catolicismo define também as normas salutares que devem informar a vida temporal. Nenhuma doutrina dá aos homens mais viva consciência da sua eminente dignidade moral, mas também nenhuma lhes ensina melhor o sentimento da subordinação, que cria e assegura a harmonia, a vida e a paz das sociedades.
Todas as ideias e sentimentos de conservação e progresso social -unidade, continuidade, autoridade, ordem, hierarquia, disciplina, tradição, propriedade-, todas encontram acolhimento, apoio, exaltação na obra, na doutrina e na orgânica da Igreja.
Com verdade proclamava Bourget, ao salientar o valor social do catolicismo: ca Igreja tem palavras de vida e não apenas de vida eterna, mas também de vida temporal.
E Maurras - o grande espírito que a liberdade encarcerou - tão profundamente sentiu a sabedoria do catolicismo na vida temporal, tanto penetrou o obra benemérita da Igreja Romana - a Igreja da ordem -, que a sua inteligência, em certos momentos, parece quase roçar o seu sentido divino, parece que quase se vai abrir à visão da sua essência sobrenatural.
Falo aqui, entenda-se bem, do catolicismo eterno, fonte perene de verdade e de vida, e não de certo catolicismo que anda para aí, com modos equívocos, a fazer a corte à desordem. É o catolicismo chamado progressivo. O catolicismo dos senhores abbés démocrates. O catolicismo da mão estendida aos comunistas. O catolicismo que nos tempos da guerra de Espanha vendeu a alma ao diabo.
Para nós, portugueses, a recristianização da sociedade não tem, no entanto, este sentido apenas, verdadeiro para todos os tempos e todos os lugares. Tem ainda um mais profundo valor nacional. Porque o espírito e a acção da Igreja estiveram sempre connosco. Indissoluvelmente irmanados nesta jornada histórica, já longa de oito séculos.
A Igreja esteve connosco ao nascermos para o sol da história. Portugal nasceu e cresceu no afã religioso e guerreiro da reconquista. A Igreja e a Cristandade nos ajudaram na conquista da terra até alcançarmos, no contorno das praias algarvias, os limites naturais de Portugal.
O catolicismo fecundou a nossa alma, impregnou a nossa vida, a nossa história tão profundamente que bem se pode dizer que é católica a essência espiritual da Nação.
Penetrou os costumes; modelou as instituições; afeiçoou as almas; espalhou a instrução; inspirou as artes plásticas; animou a poesia e as letras e marcou com o seu selo inconfundível a nossa vocação, o nosso génio universalista, luminosamente projectado na iniciativa e no sentido humano e espiritual do que há de mais alto e mais criador no nosso labor histórico - os descobrimentos, a colonização, a evangelização, o abraço geográfico e místico de toda a terra e o amor fraterno e cristão de todas as raças.
Verdade tão profunda a essência cristã da nossa história que bem se pode dizer: recristianizar a Nação é reaportuguesar Portugal.
Eis porque os ditames mais claros e mais imperativos do nosso nacionalismo mandam que se ampare, que se exalte, que se acarinhe tudo que tenda a insuflar espírito e vida cristã na alma deste povo, que nasceu e viveu sempre, nas suas grandes horas, constante e alegre, no amor e no serviço de Deus.
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E, se queremos que a nossa Revolução seja integral, temos de a fazer no corpo e na alma da Pátria, no plano da vida material e nos altos domínios do espírito - nos altos domínios do espírito, acima de tudo. Não esqueçamos nunca a sentença luminosa do Evangelista: ao princípio era o Verbo - verdade sempre fresca e nunca desmentida pela vida.
O espírito das disposições que proponho está, a meu ver, na linha de uma política que em boa hora os Governos da Revolução Nacional adoptaram em relação ao problema religioso: reconhecimento do facto católico como uma realidade nacional. É não sómente realidade, no sentido de ser a religião professada pela grande maioria dos portugueses, mas realidade ainda mais profunda por serem católicas as raízes mestras da nossa tradição espiritual.
Não representa em verdade esta atitude a solução ideal no plano puro dos princípios, que essa seria o reconhecimento pelo Estado da verdade transcendente do catolicismo e implicaria para ele o dever de prestar culto público a Deus.
Mas é, na ordem prática, a solução conveniente e oportuna. Conveniente porque satisfaz a Igreja, que a aceita plenamente. Oportuna porque é a que corresponde às realidades e ao condicionalismo da situação portuguesa na hora em que vivemos.
Foi esta política, lúcida e sensata, que na lógica do seu desenvolvimento inspirou não só as disposições directamente atinentes aos interesses religiosos, mas toda a substância ideológica da Constituição de 1933, que levou à revisão de muitas disposições legais ofensivas da consciência católica; que promoveu e modelou a Concordata entre Portugal e a Santa Sé, diploma notabilíssimo, que, no certeiro juízo de voz autorizada, não ao e abre uma idade nova nas relações da Igreja e do Estado em Portugal», mas «certas soluções por ele achadas podem considerar-se mesmo como soluções de alcance universal»; foi ela ainda que presidiu ao Acordo Missionário, outro documento do mais alto sentido nacional e que reintegrou Portugal no rumo da sua alta vocação apostólica.
Política admirável que resolveu superiormente a grave questão religiosa, grave questão que encheu de ruínas a sociedade e as almas e que tinha já um longo rasto na história da nossa terra. Abriu-a o realismo monárquico, sujeitando a Igreja com cadeias douradas; agravou-a o liberalismo maçónico, já eivado de indeferentismo ou declarada hostilidade contra o catolicismo; levou-a ao paroxismo a fúria demolidora, quando o jacobinismo mais primário se instalou no poder em 1910 e proclamou como um dos seus mais altos, mais caros e mais obsediantes objectivos a extinção do catolicismo em Portugal dentro de duas ou três gerações.
Consideremos agora o problema dos feriados civis. Propõe a Câmara Corporativa no seu parecer o adiamento desta questão. Não me parecem convincentes as razões invocadas para aceitar a sugestão. Já ontem o Deputado Dr. Albano de Magalhães deu aqui razões em contrário, que eu perfilho e me dispenso de repisar. No meu entender, ao contrário, este problema deve aqui ser posto e ser resolvido. Deve ser posto com clareza e seriedade. Deve ser resolvido com elevação e com desassombro.
Exigem-no a dignidade e o interesse da Nação. Impõe-no a lógica dos nossos princípios políticos, que ao primado dessa dignidade e desses interesses tudo mandam subordinar, no duplo plano da doutrina e de acção. A escolha dos feriados civis é verdadeiramente um problema de interesse nacional.
Os feriados civis assinalam e consagram solenemente as datas culminantes da vida da Nação. Alteiam-se, como os marcos milenários da sua trajectória histórica e como a afirmação mais alta do seu património espiritual. São dias de evocação, em que o povo rememora os seus grandes vultos e os seus grandes feitos e se afervora no culto do seu passado e no amor das suas tradições mais veneráveis. São dias de júbilo nacional, em que o coração dos homens, em íntima comunhão com os seus grandes mortos, ajoelha diante do altar da Pátria, na exaltação das grandes emoções colectivas.
Datas altamente simbólicas, nelas se deve projectar o que há de mais profundo e de mais expressivo na herança histórica da Nação. E o que há de mais profundo e expressivo não são apenas as horas douradas de esplendor, nem só as galas, nem só as pompas, nem só os gigantes que avultam nas linhagens de uma raça. São, acima de tudo, as suas tradições mais representativas, aquelas em que melhor se patenteia o seu génio, a sua força criadora, aquelas em que mais vincadamente se inscrevem as linhas de força da sua história.
Pela escolha dos seus dias de festa nacional um povo revela aos seus olhos e aos olhos do Mundo a sua concepção suprema da vida, o conceito que tem de si próprio, dos seus grandes ideais colectivos, do seu destino e da sua vocação.
Têm estas datas um alto valor educativo, contribuem para formar a consciência nacional, contribuem para revigorar a vontade colectiva, contribuem para nos unir dentro da comunicação mística com os nossos mortos e que fez de nós seus herdeiros e seus continuadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É a esta luz que deve ser revisto o problema e eu vou começar a correr, a passar em revisão os actuais feriados nacionais. Três há que estão integralmente dentro deste espírito nacional: o 3 de Maio, o 10 de Junho e o 1.º de Dezembro.
Dois outros que só podem subsistir desde que lhes seja restituído o seu sentido religioso: o 1.º de Janeiro e o 25 de Dezembro.
Restam dois: o 31 de Janeiro e o 5 de Outubro.
Não se me entaramela a língua ao ter de apreciar este problema. Sei muito bem os perigos do terreno que piso, os sentimentos, as paixões, os preconceitos que a toda a hora me podem aparecer no caminho. Mas, apesar de tudo, quero ser claro e desassombrado, pondo o problema objectivamente e com dignidade, no campo nacional.
Sei que apesar de tudo há-de, com certeza, vir a exploração em volta das minhas palavras. E da observação que nada vale a lógica da razão contra a lógica dos sentimentos, das paixões e dos interesses.
Apesar de tudo direi.
Consideremos primeiro o 31 de Janeiro. Não pode ser considerado, à luz do interesse nacional, à luz do sentido elevado e dignificante que devem ter os feriados nacionais, como uma data nacional. E uma data de partido, representa um movimento de partido, não só pela concepção em si, porque considerava a Pátria não como ela era, na sua realidade eterna e substancial, como também pelo mais.
A Pátria não é uma criação arbitrária dos homens, é uma realidade, filha da geografia, filha da raça, filha da história. A Pátria temos de a aceitar como ela é, na sua projecção permanente, nas suas grandes linhas de força. Não era essa a concepção que o 31 de Janeiro tinha da Pátria. Não quero fazer a sua análise. Quero simplesmente dizer que não coincide com o sentido profundo, com a imagem eterna da Pátria. Mas, mais: esse movimento surge como consequência de outro movimento que desvirtuou gravemente o sentido de uma reacção nacional e que teve uma acção perturbadora antinacional na hora em que eclodiu. Em face do agravo do ultimato, a Nação levantou-se numa reac-
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ção da sua dignidade, afirmando a sua revolta e o seu protesto.
Devia ser uma afirmação pura, colectiva, sem divisões.
Mas, a certa altura, as oposições, tanto republicanas como monárquicas, quiseram aproveitar a corrente para fazer a sua política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E começaram então a envenenar uma questão nacional com a divisão partidarista e dividiram a Nação, diminuindo os altos e generosos desígnios que fizeram levantar o brado dos portugueses no meio da rua contra a afronta que tinham recebido.
Mais: falsificou-se a verdade pretendendo-se dizer, para levantar o protesto da Nação, que o Governo não tinha sabido acautelar devidamente a dignidade nacional, o que é injusto e falso.
O Governo, nas circunstâncias, procedeu com a mais perfeita dignidade, embora com o sentido da realidade.
Já se movimentavam as esquadras inglesas, prontas a tomar algumas das melhores posições do nosso Império Ultramarino, e todos sabem o que isso representava nessa hora de imperialismo inglês. Representava certamente a perda dessas posições para sempre.
O Governo considerou a realidade e, embora cedendo perante a força, ressalvou os direitos de Portugal nesse documento digníssimo do fraco que tem de se inclinar perante o forte, mas ainda assim em bons termos.
Pois as oposições aproveitaram as dificuldades do Governo, que não eram de partidos, eram nacionais, para as explorarem em seu proveito.
Mais, a injustiça foi mais longe, porque visou sobretudo a figura do Sr. D. Carlos, um grande monarca, que perante a justiça da história todos os dias cresce na nossa consideração e no nosso respeito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É injustiça primeiro porque esse homem, ascendido ao trono havia só três meses, trazia as mãos lavadas e a alma inocente de tudo o que pudesse haver de erros no passado.
Mas injustiça ainda maior porque agravava um homem que nessa hora mostrou o mais alto sentido e o mais alto carinho pela dignidade da Nação.
Era ele quem tinha razão, era preciso de facto protestar, era preciso que a dignidade nacional se levantasse perante o mundo, a reclamar contra esta espoliação de direitos e este abuso da força.
Mas era preciso ressalvar o futuro, e para o espírito sem névoa do Sr. D. Carlos só havia uma verdade profunda e permanente na nossa política internacional: a aliança com a Inglaterra.
Ressalvou o futuro e depois, a seu tempo, com o seu alto génio político, valorizou esse instrumento diplomático, pondo-nos com a Inglaterra em pé de igualdade e fazendo com que se salvaguardassem, à sua sombra, os nossos interesses ultramarinos, ao tempo à mercê de tantas cobiças.
Todos sabem até que ponto ele elevou o prestígio nacional pelas visitas dos mais altos chefes das maiores nações da Europa.
A política internacional de prestígio e dignificação ia coroar-se admiravelmente com a sua ida ao Brasil na ,hora em que brutal e canibalescamente o espingardearam ali no Terreiro do Paço, morrendo, como diz João Franco no final de um dos seus capítulos, morrendo, repito, dignamente, ao serviço da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pretendeu dizer-se que o patriotismo da rua era superior ao patriotismo do rei. Foi esta mentira ainda que fez surgir o 31 de Janeiro, movimento partidário, movimento que resultou de uma desagregação do sentimento nacional, feito com falsificação de motivos.
Não; o 31 de Janeiro não pode ser dia festivo da Pátria, não pode figurar no calendário de glória da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Agora o 5 de Outubro.
O problema é ainda mais delicado, mas eu também vou direito a ele.
Não quero apreciar nem ideologias nem regimes.
Fico-me objectivamente no terreno dos factos, pois só assim, dentro da mais rigorosa objectividade, poderei talvez ainda entender-me com alguns dos que não estão inteiramente dentro da nossa posição e do nosso ponto de vista político.
Havia em 1910 um grave problema nacional, ou, melhor, muitos problemas nacionais que, em muitos aspectos da vida portuguesa, acusavam um estado de profundo abatimento, vindo de longe.
Havia um país descrente, que tinha perdido o sentido da sua missão histórica, do seu rumo e da sua vocação.
Havia o grave problema da ordem. Desde que lá de fora vieram os ventos malditos da democracia a nossa história deixara de ser o relato das lutas com o estrangeiro, deixara de ser o relato das nossas glórias nacionais, para ser o relato das nossas lutas internas fratricidas.
Havia um «problema financeiro, um problema económico que se arrastava há séculos, porque a insuficiência e a desordem financeira e económica são males orgânicos estruturais da vida nacional, que foram sempre remediados com os expedientes.
Já a primeira dinastia reparou os desgastes com as alterações da moeda. Depois, na segunda dinastia, foi o comércio do Oriente e mais tarde foi o ouro do Brasil, primeiro das minas e depois o ouro que os emigrantes para cá mandavam em cambiais.
Economicamente a nossa situação foi sempre deficitária depois dos primórdios da monarquia agrária. Era um problema que estava a precisar ser considerado com larga visão.
Havia um problema de cultura e ensino. Portugal tinha nesse plano um lugar mais que subalterno em face das grandes nações.
Havia o problema da insuficiência da nossa organização social, tanto no domínio da assistência como no campo da previdência, como nos restantes. E não há dúvida de que tudo isto precisava de remédio, tudo isto precisava de ser considerado num sério e amplo movimento de reconstrução.
Foi assim em 1910?
Sinceramente, eu apelo para todos, mesmo para os adversários do meu pensamento político, que consultem a sua consciência.
Que fez a revolução de 1910 no sentido de dar à Nação um sentido mais alto ao seu futuro e criar mais confiança no seu destino e tonificar a sua vontade? Que se fez para melhorar o grave problema da ordem?
Todos nós sabemos que esses dezasseis anos foram caracterizados por desordem na rua e na administração, desordem nos espíritos e na praça pública. Desordem permanente.
Resolveu-se o problema financeiro?
Sinceramente o digo: estão aí os números e os factos.
Todos nós conhecemos essa triste história da nossa vida financeira durante os dezasseis anos do regime implantado em 1910.
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O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá licença. A reforma implantada em 1910 não continuou no dia 28 de Maio de 1926?
O Orador: - Eu digo regime em toda a sua concepção ideológica.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª deve ser suficientemente tolerante para com o regime republicano porque foi possível ao regime republicano emendar todos esses erros.
O Orador: - Quando me refiro a regime não lhe dou o sentido de forma monárquica ou republicana, nem sequer me refiro à sua estrutura ideológica. Apenas considero uma situação política de facto para a julgar pela sua obra.
O Sr. Botelho Moniz: - Esses erros eram iguais antes de 1926, quer na monarquia, quer na república.
O Orador: - Sr. Deputado Botelho Moniz: estou a dizer que em 1910 encontraram-se vários problemas graves, mas não se resolveu nenhum.
O Sr. Botelho Moniz: - Mas aqueles que não se conseguiram resolver antes de 1910 conseguiram-se resolver, e felizmente, depois de 1910, depois do 28 de Maio.
O Orador: - Já lá vou.
ontinuámos sem ter uma política internacional do mais perfeito sentido nacional; disse Salazar, em perfeita síntese, que nós não tínhamos uma política internacional, tínhamos simples relações exteriores.
Política internacional supunha uma vontade, supunha ideias, e não as havia. Andávamos aos encontrões da sorte, sofrendo os empurrões das circunstâncias.
Continuávamos, Sr. Presidente, sem ter assegurada a defesa nacional, não tínhamos unia marinha, e, todavia, somos um País de extensas costas e tradições marítimas; não tínhamos barcos e não tínhamos também um exército permanente; quando precisávamos de nos bater tínhamos de o improvisar.
Nenhum dos problemas se resolveu; o problema religioso, que já existia, não se resolveu, mas agravou-se. Tornou-se muito mais sério e todos sabem o que representa de grave, o que representa de sério, uma questão religiosa.
1910 não representa, de facto, uma modificação da nossa decadência - é mais um degrau no seu declínio. Substitui-se um rei que já não era bem um rei por um homem de chapéu mole ou alto e tudo continuou agora ainda mais aceleradamente no caminho da desagregação.
Nada representa essa para o engrandecimento da Nação, nem no sentido material nem no sentido espiritual.
Onde é que a história sofre então a sua inflexão, a sua viragem? É no 28 de Maio. Então sim, tudo se modifica, e eu peço aos adversários que compulsem os dados, que cotejem os factos e que vejam em face disto tudo como os problemas foram considerados e se resolveram ou estão em resolução.
Não discuto ideologias, considero a realidade dos factos objectivamente.
Nem o 31 de Janeiro nem o õ de Outubro representam datas em que esteja a imagem eterna da Pátria, nem consagram factos que interessem à independência, à dignidade, à honra ou à unidade da Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, sendo assim, deviam ser desassombradamente riscados do número dos feriados nacionais.
Agora o aspecto construtivo do problema.
Tem a nossa história três grandes épocas, ainda há poucos anos celebradas nas comemorações centenárias: a da Fundação, a da Expansão, a da Restauração.
Que um feriado celebre a Fundação de Portugal.
Esse seria o da batalha de S. Mamede ou o da tomada de Lisboa, ou o da data em que pela primeira vez D. Afonso Henriques se assinou como rei, ou mesmo o da. bula papal que reconhecia pela primeira vez a independência do Estado Português.
Outro representaria a época da nossa expansão, e podia ser uma data relacionada com a figura prodigiosa o Infante, o iniciador genial desse grande ciclo histórico, ou então o da descoberta da Índia ou o da descoberta do Brasil. A primeira talvez melhor porque as representava a todas.
Temos depois o ciclo da Restauração, e já está bem escolhido; não há outro: é o 1.º de Dezembro.
Parecia-me ainda que uma data deveria ficar nos anais de ouro da História de Portugal: a data de Camões.
Ninguém melhor simbolizou a raça portuguesa, ninguém mais exprimiu a força criadora do seu génio nem melhor sintetizou a história da Pátria como esse grande poeta, que é ao mesmo tempo, na nossa literatura, a figura mais representativa.
O dia de Camões seria o dia de Portugal. Ouvi aqui sugerir a data de Nun'Álvares. Ninguém terá mais ternura pela sua memória do que eu, mas, depois de muito considerar a alta grandeza dessa figura mística, entendo que Camões simboliza melhor a universalidade do nosso génio.
O nacionalismo de Nun'Alvares é ainda um nacionalismo caseiro, agarrado à terra, preocupado com a independência da metrópole e ligado a esta recordação. Eu bem sei que sem Nun'Alvares seria impossível que tivéssemos mantido a independência nessa hora tão negra e tão grave da nossa história e a nossa missão ter-se-ia irremediavelmente perdido. Digo também: a da própria Espanha.
Os verdadeiros promotores da grande obra de colonização e de descobrimento fomos nós. A Espanha seguiu-nos, talvez levada pelo ciúme, um pouco pela ambição, mas, sem dúvida, pelo nosso exemplo. Somos nós quem deu à Península as altas perspectivas do Universo, e com certeza a grande missão da Península não seria tão gloriosa, tão criadora de civilização, se se tivesse malogrado o esforço admirável de Nun'Alvares.
Mas nessa altura Nun'Alvares não podia ainda simbolizar a Pátria em toda a sua grandeza. Uma pátria está em continuo devir. Uma pátria é uma criação contínua. E só muito mais tarde Portugal havia de atingir a hora mais alta da sua história.
E essa hora simboliza-a Camões, não sómente em relação ao Império Português, mas a todo o império espiritual de Portugal. Porque Camões tem ainda a vantagem de ligar no seu nome Portugal, o Brasil e todos os portugueses dispersos pelo Mundo. O seu verbo é o verbo da raça.
Seria o dia de Camões o dia de Portugal. Julgo que para o nosso patriotismo, para podermos sintetizar em toda a grandeza a nossa história, seriam bastantes estas quatro datas.
Pareceria talvez que, na lógica do meu pensamento, eu iria propor que fosse considerado feriado o dia 28 de Maio, mas não, e nisso quero mostrar a minha isenção, e nisso quero mostrar verdadeiramente o alto sentido do nacionalismo.
Estou perfeitamente convicto, não tenho tibiezas na crença nem dúvidas na compreensão, de que a data de 28 de Maio é uma data eminentemente nacional. Mas não a consideram ainda muitos portugueses, nem todos por maldade, muitos por paixão, muitos porque os seus pre-
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conceitos ideológicos e partidários não lhes permitem a visão clara da realidade.
É ainda cedo. É preciso que as gerações passem, porque nesta data tão próxima ainda está na nossa carne e no nosso sangue o eco das lutas e das paixões.
E preciso que esta data se afaste para se poder ver com serenidade e reflexão.
(E eu tenho a certeza, porque acredito na justiça da história, eu tenho a certeza, porque acredito no futuro da Revolução e no futuro da Pátria, que as gerações do futuro nos hão-de fazer justiça, e a data do 28 de Maio há-de ser inscrita com imperativo nacional nas páginas de ouro da nossa história.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Botelho Moniz: -Sr. Presidente: não era meu intento ocupar a atenção da Assembleia com intervenções neste debate acerca de feriados nacionais. Mas os discursos dos nossos ilustres colegas Dr. Paulo Cancela de Abreu, Dr. Albano Magalhães e Dr. Cerqueira Gomes obrigam-me a dizer algumas palavras.
Farei quanto em mim caiba para que sejam muito calmas e muito breves.
Talvez porque sou um combatente isento de ódios, sinto-me sempre animado pelo mais largo espírito de tolerância. Por isso compreendo perfeitamente a atitude desses nossos ilustres colegas.
Por exemplo, em relação ao antigo Deputado monárquico Sr. Dr. Paulo Cancela de Abreu faço a justiça de afirmar que ele, antes do 28 de Maio de 1926, nesta mesma sala, pronunciou contra o regime republicano palavras ainda mais violentas e, nesse tempo, muito mais corajosas.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Apoiado!
O Orador: - O meu espírito é tolerante por ser patriòticamente republicano. Não discuto o direito que S. Ex.ª tem de enunciar aqui, com deduções brilhantes, a sua acusação cerrada contra o 31 de Janeiro.
Só peço licença para me servir precisamente das mesmas fontes e das mesmas informações para acudir em sua defesa.
Não simpatizo muito com o número 31. Aceito que outrem não goste.
Mas será conveniente evitar um trinta e um maior...
Foi o 31 de Janeiro movimento nacional? Não foi movimento nacional? Constituiu revolta de um partido? Ia mais longe e buscava destruir um regime? Desejava-se que o eco de uma afronta fosse sinal de ressurgir?
Suponho não valer a pena discutir este ponto. Para mim é um feriado nacional decretado pela Constituinte de 1911. Para mim, que aprendi a ser republicano com o grande mestre que foi Sidónio Pais, é um feriado votado por Sidónio Pais, o homem cujo espírito tolerante permitiu que republicanos e monárquicos colaborassem num grande movimento-nacional.
E quando contra a República nascida em 1910 se fazem acusações cerradas, algumas justas se se dirigem aos homens, e não ao regime, permito-me defender o regime, quando mais não seja porque ele tornou possível o 28 de Maio.
Disse-se, em relação ao 31 de Janeiro, na argumentação do Sr. Dr. Cancela de Abreu, tratar-se de movimento que o próprio Directório do Partido Republicano Português de então considerou extemporâneo. Não importa esse desdém dos não combatentes; a fraqueza dos homens é muito grande.
Lastimemos que nem sempre tenham sido coerentes, ou não soubessem defender, como lhes cumpria, os vencidos. Misérias da política, que tornam ainda mais respeitáveis esses vencidos. Em contrapartida, encontramos no movimento de 31 de Janeiro alguma coisa que é perfeitamente portuguesa, perfeitamente nacional, perfeitamente digna da nossa veneração. Refiro-me à atitude que S. Ex.ª citou dos oficiais que, ao verem partir soldados humildes para a aventura, sabendo que eles a breve trecho iam ser vencidos, deram a Portugal um exemplo sublime de sacrifício, juntando-se a homens de antemão derrotados e assumindo o seu comando. È esse espírito de sacrifício que sobretudo eu admiro no 31 de Janeiro. É essa abnegação heróica, tão portuguesa e tão idealista, que paira mais alto que todos os partidos. Está acima do Directório Republicano e acima daqueles vultos monárquicos que S. Ex.ª aqui recordou. Estes últimos, no complexo de inferioridade em que viviam, não encontraram para defesa da existência da monarquia senão este tristíssimo argumento: «Se houver uma revolução republicana em Portugal, no dia seguinte teremos quarenta mil soldados espanhóis na fronteira!».
Não era o ideal monárquico, não era a força de doutrina, não era o amor ao Rei que os animava na defesa verbal das instituições!
Era apenas isto: o medo da trombeta castelhana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora o som da trombeta castelhana, horrendo, fero, ingente e temeroso, de que fala o nosso Camões, nem sempre assustou os portugueses. Seja qual for o seu partido, ainda, há muitos que combatem por ideal e não por medo ao estrangeiro.
O Sr. Silva Dias: - V. Ex.ª dá-me licença?
V. Ex.ª não sabe que muitos do 31 de Janeiro estavam bandeados com alguns de Espanha ? Quer que traga aqui a documentação?
O Orador: - Já lá vamos. Tenho estado unicamente a analisar os argumentos do ilustre Deputado Cancela de Abreu, e não os de V. Ex.ª que até agora não tinha dito nada ...
Risos.
Segundo a acusação referida, eles estavam bandeados com brasileiros, e não com castelhanos. Nela foram arguidos o Deputado Latino Coelho e o Directório do Partido Republicano de então, e não os próprios revolucionários. Ninguém afirmou que os contactos com estrangeiros tivessem sido estabelecidos pelos republicanos que colaboraram efectivamente no movimento, pelos que lutaram com armas na mão, e que por isso foram parar às cadeias do País. Tais contactos, se existiram, foram obra dos políticos, que incitaram os militares à revolta, para depois, prudentemente, se colocarem de banda e renegarem o movimento como o apóstolo renegou o Mestre.
Vejamos agora outros aspectos do pedido de intervenção estrangeira.
Disse o Sr. Dr. Cancela de Abreu que o Directório do Partido Republicano se dirigiu a Rui Barbosa, isto é, a um Ministro do Governo Brasileiro.
Creio que não há partido político no mundo inteiro, nem no passado nem no presente, que não mantenha relações com políticos congéneres de além-fronteiras. A tal respeito as monarquias não podem atirar pedras às repúblicas, nem os liberais aos socialistas.
Abomino sinceramente a intervenção estrangeira nos negócios internos de qualquer país. Só a acho justificada quando se destina a equilibrar ou combater outra intervenção estrangeira, que já se tenha iniciado ou que ameace perigosamente começar: é o caso daquilo que
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há anos classifiquei de «guerra internacional da Espanha».
Será o caso de amanhã, contra o imperialismo russo e as suas quintas colunas.
Entretanto, no 31 de Janeiro a que estrangeiro se referiu o Sr. Dr. Cancela de Abreu? Eu estava à espera de ouvir dizer: Espanha, porque nesse tempo ainda não se falava na Rússia. (Risos).
Se fosse hoje, é possível que alguém dissesse: estavam a soldo da Rússia.
Entretanto, no discurso Cancela de Abreu falou-se unicamente em Brasil.
Pergunto a VV. Ex.ªs qual de nós, portugueses, considera os brasileiros como estranhos a Portugal? O brasileiro é a mais alta emanação do espírito lusíada, é o filho dilecto da carne e do sangue dos portugueses. Quando, nesta Casa, ouvi classificar os brasileiros como estrangeiros, logo me resolvi a protestar. É bem claro o esforço das duas Pátrias para que esse termo de estrangeiro nunca apareça entre Brasil e Portugal.
Outro orador, o ilustre Deputado Cerqueira Gomes, argumentou brilhantemente de forma a que o próprio 5 de Outubro, data da proclamação do regime republicano, não escapasse aos seus ataques. Por motivos que todos nós ouvimos, S. Ex.ª declarou não poder considerá-lo uma data nacional.
Nalgumas palavras simples acabei há pouco de lembrar que vivemos em regime republicano. Foi na vigência desse regime republicano que, em 1917, houve o primeiro movimento precursor de Sidónio Pais e depois, em 1926, o movimento redentor do 28 de Maio.
Ambos provam que esta República é tão tolerante - abstraindo certos republicanos, que nunca compreenderam as palavras «liberdade» e «democracia» - que o Governo Nacional solicita e aceita a colaboração de todos os portugueses -monárquicos ou republicanos- sem querer saber de onde eles vêm e só pedindo que abdiquem de qualquer espírito partidário em nome da unidade nacional.
É esse mesmo pedido que eu faço à Assembleia Nacional e dirijo à consciência de todo o País. Se não houver respeito mútuo, a colaboração torna-se impossível.
Não censuro ninguém por ter proposto novos feriados com carácter verdadeiramente nacional; também não censuro ninguém por sugerir a esta Assembleia - infelizmente não para ela resolver, mas para que o Governo resolva por ela (Risos)- a revisão dos feriados nacionais.
Não censuro ninguém, antes me congratulo, pelo facto de se proporem feriados de natureza religiosa, melhor dizendo, feriados que significam o nosso respeito pela religião católica. Estou plenamente de acordo, pelo menos com um deles, o dia 8 de Dezembro, dia da Padroeira, não do reino, como alguém aqui disse, mas de qualquer coisa maior do que o reino: Padroeira de Portugal, em cuja fronte se ostenta a coroa dos reis de Portugal, porque a partir do dia em que Nossa Senhora foi Padroeira só excepcionalmente os nossos reis usaram coroa.
Concebo e aplaudo. Mas, se sou tolerante para com os mais, porque é que os mais não hão-de ser tolerantes comigo e com os republicanos, que em tão grande número servem a Situação?
Que necessidade temos, neste momento da história do Mundo, e não só da história de Portugal, que torna indispensável a união de todos os patriotas contra o perigo certo que nos vem do Oriente, que necessidade temos de agitar pequenas questões que só servem para nos dividir?
Apoiados.
Aos monárquicos nós pedimos muito pouco: transijam com aquilo que desde 1911 já é lei do Pais!
Deixem-nos ser republicanos, como nós os deixamos ser monárquicos...
Aplaudo tudo quanto se queira fazer de novo em nome da religião de nossos pais e em comemoração das grandes figuras ou das grandes realizações da nossa terra.
Mas exijo que afastemos tudo quanto possa dividir-nos.
Só não podemos transigir naquilo que afectar a independência e o futuro da Pátria. O resto pouco importa ... se não for imposto à viva força.
Todos nós, nacionalistas, afirmamos constantemente querermos do nosso lado todos os portugueses dignos desse nome.
Incluímos nesse número aqueles que, embora tenham andado iludidos nas suas transigências de ordem estratégica ou táctica, começam a reconhecer que nada serve transigir com imperialismos estrangeiros: os aliados de ontem são as primeiras vítimas de hoje.
Agora que um grande transigente saltou pela janela do seu Ministério e se suicidou oficialmente creio que ainda estamos a tempo de aproveitar estas lições internacionais para que, em vez de cavarmos mais divisões entre nós, caminhemos quanto mais depressa melhor para mais forte unidade nacional.
Para que isso possa realizar-se nunca procuremos ferir a ideologia de cada um, embora se obrigue essa ideologia, quando partidária, a subordinar-se aos altíssimos interesses nacionais.
Não compliquemos a tarefa com pequenos pormenores como estes dos feriados civis que há trinta e seis anos são lei da Nação sem que por isso venha mal ao Mundo.
Mas, se não se julgar assim, atrevo-me a uma pequena lembrança quanto ao 31 de Janeiro:
Porquê tanta fobia da parte de alguns monárquicos contra essa data histórica? Porquê?
Compreendo que os republicanos a defendam como símbolo dos precursores da República, que nem todos foram maus, como exemplo de sacrifício por um ideal nobre e até como símbolo de qualidades que, acima de republicanas, são portuguesas.
Mas os monárquicos também podem comemorar o 31 de Janeiro ...
Pois não é essa data a da única vitória militar que conseguiram sobre os republicanos?!... Depois dela foram sempre vencidos! Que melhor querem? Nós, republicanos, comemoramos a nossa derrota! ... VV. Ex.ªs, monárquicos, celebram a sua vitória, e ficamos todos de acordo.
Risos.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Peço a palavra para explicações.
O Orador: - Mas disse-se aqui que não havia que comemorar lutas fratricidas. Peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, licença para discordar, porque tenho o orgulho dos combates em que entrei e que considero os bons combates. Esse pecado de lutas fratricidas todos nós, monárquicos e republicanos, o temos nas nossas consciências: umas vezes monárquicos contra republicanos, outras vezes monárquicos e republicanos contra republicanos, outras vezes um cocktail contra outro cocktail. (Risos). E até o próprio 28 de Maio, embora fosse um movimento nacional, nem por isso deixou de ser uma luta, uma luta que só não foi fratricida nesse dia porque não houve coragem para disparar tiros. Mas logo se transformou em fratricida no seu reflexo de 3 a 7 de Fevereiro.
Como militar tenho orgulho de entrar nessas lutas, de combater cara a cara, de combater sem ódio, porque no final continuo amigo dos militares contra os quais me bati de armas na mão.
Não foram essas lutas, quando nobres - porque há outras que não são lutas mas coisas repugnantes, como
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o 19 de Outubro -, não foram elas que causaram divisões profundas, na sociedade portuguesa.
As lutas armadas a que chamam fratricidas, mas que são puros combates militares, tornam-se menos perigosas do que as da palavra, do ódio, da calúnia, da intriga política, ou das baixezas que nem sequer aparecem à luz do dia. Foram estas últimas que fizeram com que a monarquia caísse, por culpa dos monárquicos, e que fizeram também com que a República de 1910 a 1926 se transformasse em regime aborrecido.
Estas, sim, são as lutas mais condenáveis e as que, em última análise, provocam as explosões armadas.
Mais repugnantes que as materiais são-no certas lutas espirituais a que falta nobreza, sentido das proporções, senso comum e patriotismo.
Elas servem de pretexto para as revoltas e confusões políticas. Ora, este caso dos feriados do 31 de Janeiro e do 5 de Outubro, digamos em boa verdade, seria mais um pretexto para dissídios e origem de novas confusões. Se abolíssemos essa lei da Assembleia Constituinte de 1911, em vez de servirmos a unidade nacional criaríamos novo factor de desunião.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: Sr. Presidente, peço a palavra para explicações.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para breves explicações.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - O sentido das palavras que proferi e o pensamento que as ditou devem ser devidamente interpretados; e depreende-se que o Sr. Deputado Botelho Moniz não lhes deu o significado que lhes compete.
Eu não disse que houve directamente intervenção estrangeira na revolta de 31 de Janeiro.
O que disse e mantenho, e está documentado no Brasil nos arquivos da «Casa de Rui Barbosa», é que, em 1890, o Directório do Partido Republicano, por intermédio de Latino Coelho - que, depois do 31 de Janeiro, viria a dizer no Parlamento que as revoltas e guerras civis eram uma calamidade -, tentou obter um empréstimo de 1:000 contos fortes do Governo da República Brasileira para levar a efeito a propaganda e a proclamação da República em Portugal.
Foi, pois, uma tentativa, decerto gorada, de intervenção de capital estrangeiro.
Outro ponto: o ilustre Deputado Sr. Botelho Moniz disse, em comentário à minha crítica, que a data de 31 de Janeiro devia até ser de regozijo para os monárquicos, como única em que estes venceram os republicanos.
Se S. Ex.ª tivesse razão isso só revelava a generosidade da Monarquia para com os vencidos, que não quis vestir galas numa data que António Cândido classificou de fúnebre na história de Portugal.
Mas, contra o que o Sr. Botelho Moniz imagina, os monárquicos têm outros motivos de regozijo e outras vitórias, como o foi a de 28 de Maio, ligados aos bons republicanos contra os maus republicanos para salvar Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: quanto ao Brasil, recordo-me perfeitamente de o ilustre Deputado Sr. Paulo Cancela de Abreu lhe ter chamado país estrangeiro, e isso deve constar do Diário das Sessões...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Por maior que seja na verdade o nosso gosto de sermos simpáticos para com os nossos irmãos do Brasil e de os nossos irmãos brasileiros serem simpáticos para com Portugal, não há dúvida que em Portugal, país independente, o Brasil tem de ser considerado um estrangeiro e no Brasil, país independente, Portugal é um estrangeiro.
Não há dúvida nenhuma. Não me parece que seja necessário esclarecer realmente esse aspecto da questão.
Apoiados.
Há realmente uma tentativa séria tanto da parte do Brasil como da parte de Portugal no sentido de cá e lá se atribuir a cidadania do respectivo País, em Portugal aos brasileiros e no Brasil aos portugueses, mas isto é apenas a confirmação de que estamos em presença de duas soberanias independentes e portanto de um país estrangeiro em relação a outro país estrangeiro.
O Orador: - Juridicamente V. Ex.ª tem razão. Sentimentalmente tenho-a eu. Concordemos numa fórmula: o Brasil é o menos estrangeiro de todos os países estrangeiros...
Risos.
Quanto ao resto, conceda-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que diga mais umas palavras: realmente a Monarquia nunca quis comemorar o 31 de Janeiro. Mas festejava liberalmente, em nome do seu desprezo por combates fratricidas, outra data vitoriosa das guerras civis: o 24 de Julho. Bonita página e bonita lógica!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de não se retirarem, pois desejo concluir hoje a discussão e votação do projecto.
Está ainda inscrito sobre a ordem o Sr. Deputado Dr. Pacheco de Amorin e o autor do projecto, Sr. Deputado Mendes de Matos, desejava também usar da palavra, mas contava que ela lhe chegasse apenas na próxima terça-feira, termo que eu havia previsto para esta discussão.
É natural que por isso tenha de abreviar as suas considerações ou dispensar-se de as fazer.
Muita mágoa terei se a Câmara for privada do prazer de ouvir S. Exa., mas entendo que se deve terminar hoje a discussão deste projecto de lei, porque o assunto está já suficientemente esclarecido e porque temos necessidade de aproveitar o tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pacheco de Amorim: -Sr. Presidente: o projecto de lei que estamos a discutir na generalidade pode encarar-se sob vários aspectos, mas apenas considerarei três deles: o religioso, o social e o político.
Serei, todavia, breve.
O religioso é aquele que interessa quase exclusivamente aos católicos, considerados como tais. O outro é o expressamente designado na Concordata e a circunstância e os termos em que os católicos possam guardar os domingos e dias santificados, sem embaraço dos seus deveres profissionais. Esta parte interessa à Igreja.
O resto não interessa aos católicos, e por isso mesmo não está na Concordata.
Portanto, tudo o que possa dizer-se a esse respeito nem implica a responsabilidade do autor do projecto de lei, que pôs o problema sob o ponto de vista religioso, nem a responsabilidade da Igreja. Não quer dizer que esta Câmara não possa apreciar as questões tratadas com toda a latitude; nem quer dizer que nós os católicos nos não pronunciemos sobre este ponto, sob o aspecto social e económico.
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Não parece despropositado fazer aqui uma ligeira síntese da história das diversas soluções que tem tido este problema do descanso até aos nossos dias.
Numa súmula rápida, parece-nos que é o Decálogo a lei mais antiga que estabelece a obrigatoriedade de o descanso semanal ser ao sábado, que no texto do Génese era o dia do Senhor.
Os cristãos, quase todos judeus, reuniam-se, porém, na madrugada de domingo. Estaprática manteve-se até ao século IV, mas o Concilio de Trento proibiu essa norma, e o descanso semanal passou para o domingo. E toda a legislação dai em diante teve como norma proibir o trabalho dominical.
Mas o problema económico tem as suas exigências. Assim, foi o Papa Alexandre in levado a abrir a primeira excepção para a população de uma terra cujo modo de vida era a pesca do atum.
A fonte onde eu colhi estes dados dizia «sardinha». Não me parece que seja assim. Deve tratar-se de «atum». E então o bispo foi autorizado a dispensar a guarda dos domingos e dias festivos na ocasião da pesca do atum.
Isto deu lugar a um movimento no sentido de criar uma doutrina tendente a conciliar os deveres religiosos com as necessidades da economia. Essa doutrina foi-se desenvolvendo, até que no princípio do século XVI se chegou ao equilíbrio do económico, do social e do religioso, e isto durou até ao século XVIII.
No século XVIII o económico negou-se a dar-se por satisfeito e houve até um autor português que dizia que o nosso atraso era devido aos dias santos. Outros autores estrangeiros se manifestaram contra os dias santos, e o resultado foi que a Revolução Francesa atirou com toda a tradição da Igreja, no que dizia respeito a domingos e dias santificados, por terra.
A Constituinte estabeleceu novos dias de descanso, mas em nome do princípio da liberdade de trabalho o descanso era voluntário. No entanto o Directório tornou esses dias obrigatórios para todos.
Napoleão acabou com o calendário da Revolução. Voltou a tradição, mas o descanso só era obrigatório para os serviços públicos. O particular podia proceder como quisesse. Até que veio a restauração e logo em 1814 tornou o descanso obrigatório para todos. Com o regime seguinte houve alterações, mas não houve revogação clara da lei. E isto deu como resultado que havia tribunais que aplicavam multas para aqueles que não respeitavam certos dias de descanso e outros que as não aplicavam por não considerarem as leis em vigor. O Tribunal da Cassação foi dos que entendeu sempre que essas leis estavam em vigor.
Assim se mantiveram as coisas até 1880, votando-se então uma lei abolindo a obrigatoriedade de trabalho para os particulares também em determinadas datas. Com grande desapontamento de alguns, levantou-se uma grande reacção, que se tornou universal, em defesa dos trabalhadores. Era o social que se insurgia contra o particular. E criou-se um grande movimento universal, que levou todos os países cultos a tornarem obrigatório o descanso semanal.
As coisas mantiveram-se assim até 1920.
Mas ainda este movimento não tinha acabado logo surgia outro em defesa dos trabalhadores: o das oito horas de trabalho. E daí ainda o movimento em prol da redução das horas de trabalho semanais, ou seja o da chamada semana das quarenta horas.
De 1920 a 1930 surgiu o dia das oito horas e de 1929 a 1939 a semana das quarenta horas.
Isto prova que o descanso dominical não era suficiente; quer dizer que a Igreja tinha visto que o descanso dominical não bastava, tanto mais que para o trabalhador uma hora a mais ou a menos no dia não importa. O que lhe interessa é que essas horas sejam reunidas, que representem um dia completo, em que possa descansar, em que possa fazer vida de família.
Mais ainda. À agricultura não pode ser aplicado um horário de trabalho rígido, sem gravíssimos inconvenientes.
Por isso se verifica que a solução tia Igreja é muito melhor do que a solução que agora está a ser posta em prática.
Mas dir-se-á: serão muitos os dias santos? Vamos ver. Em cada oito dias há a diferença de um, e na roda do ano representa cinquenta e dois dias. Não é demasiado.
Debaixo do ponto de vista económico, o que se pede ao Mundo é muito menos do que pede a Igreja.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O orador não reviu.
O Sr. Presidente: - Como mais ninguém deseja usar da palavra, considero encerrado o debate na generalidade.
Vai passar-se à discussão na especialidade.
Está em discussão o artigo 1.º do projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos.
Sobre este artigo não há qualquer proposta de alteração.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Consultada a Assembleia, foi aprovado o artigo 1.º do projecto, por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 2.º Sobre este artigo há na Mesa duas propostas de alteração, uma do Sr. Deputado Mário de Figueiredo e outra apresentada pelo Sr. Deputado Belchior da Costa. Vão ser lidas ambas as propostas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proponho que se substitua a frase «que os serviços de interesse público justificarem por esta e que não resultarem directamente da lei».
10 de Março de 1948. - Mário de Figueiredo.
Proponho que a segunda parte do artigo 2.º do projecto de lei n.º 170 tenha a seguinte redacção:
É da exclusiva competência do Governo, ouvidos os organismos ou entidades interessados, autorizar as excepções que a natureza dos serviços ou os interesses das localidades justificarem.
Palácio de S. Bento, 11 de Março de 1948.- O Deputado Belchior Cardoso da Costa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Vou dizer a V. Ex.ª e à Câmara as razões em que fundo a minha proposta de alteração.
Como todos certamente leram no parecer da Câmara Corporativa, a fórmula do projecto é equívoca. Era, pois, indispensável substituí-la por uma fórmula mais clara. Por isso mesmo, e mantendo o pensamento essencial da disposição, apresentei a proposta de alteração que V. Ex.ª acaba de mandar ler.
O sentido dessa proposta de alteração, melhor: o que há de essencial na disposição no n.º 2.º, é substituir uma competência a outra competência, é substituir a competência que para a hipótese tinham as Câmaras pela competência exclusiva do Governo.
Isto é o que de essencial se contém na disposição.
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O resto é uma massa de excepções ao principio consignado na primeira parte do artigo 2.º do projecto.
Dessas excepções umas provêm directamente da lei; já estão consagradas na lei, como VV. Ex.ªs não ignoram, desde que conhecem tanto a lei... cuja ignorância a ninguém aproveita... como o parecer da Câmara Corporativa; outras não provêm directamente da lei e serão o resultado de medidas excepcionais tomadas pela Administração ou, como na disposição se diz, só podem, de futuro, ser tomadas pelo Governo, naturalmente em presença de circunstâncias excepcionais.
Estas são as razões justificativas da minha proposta de alteração.
Porque me parece agora que não deve ser adoptada a proposta de alteração do Sr. Deputado Belchior da Costa?
Porque deixar a disposição assim, como S. Ex.ª pretende, é, creio eu, pouco conveniente e até equívoco, visto que, se nós pomos na lei a obrigação para o Governo de ouvir as entidades interessadas, começa logo por pôr-se o problema: e quais são essas entidades? Complica, em vez de simplificar; compromete, em vez de realmente, trazer ao problema uma solução precisa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis as razões, Sr. Presidente, por que não me parece ser de votar a proposta de alteração do Sr. Deputado Belchior da Costa.
Tenho dito.
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: ao apresentar a minha proposta de alteração à segunda parte do artigo 2.º do projecto eu desconhecia a proposta de alteração apresentada ao mesmo artigo, e sobre a mesma parte, pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
No meu pensamento - e quero aqui referi-lo, para marcar uma atitude - estava a defesa daqueles casos de interesse local, que nem por isso deixam também de ser de interesse geral, e por forma que a lei que aqui votássemos pudesse conter a possibilidade de acautelar, naqueles casos em que tal fosse aconselhável, a defesa desses interesses, quando legítimos.
Suponho-me dentro da minha missão de Deputado da província ao fazer a defesa dos direitos e dos interesses dessas localidades, quiçá atingidas pelo projecto de lei, que pode, por acaso, ir de encontro aos seus interesses mais caros ou até às suas tradições mais arraigadas.
Mas, reconhecendo agora que na essência da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo se contém a essência daquilo que também estava no meu pensamento e propósito, para abreviar a discussão do preceito não tenho dúvidas em retirar a minha proposta, dando a minha aceitação à de S. Ex.ª, por reconhecer que o meu pensamento está também nela contido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Vou consultar a Câmara sobre se autoriza o Sr. Deputado Belchior da Costa a retirar a sua proposta,
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 2.º do projecto de lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se o artigo 2.º, com a proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Consultada a Assembleia, foi aprovado por unanimidade o artigo 2.º, com a alteração proposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.,
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 3.º
Sobre este artigo há na Mesa duas propostas: uma, do Sr. Deputado Antunes Guimarães, para a eliminação completa do artigo, e outra, do Sr. Deputado Mário de Figueiredo, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proponho que a frase «preceituados pela Igreja Católicas seja substituída por esta: «que a Igreja Católica julgar não dever dispensar ...».
10 de Março de 1948.-Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: pedi a palavra para esclarecer a Assembleia sobre o alcance da proposta de alteração que apresentei. Segundo ela, o artigo 3.º, que se lê assim:
O Governo promoverá a revisão dos feriados nacionais e o seu possível ajustamento aos dias santos preceituados pela Igreja Católica e às grandes datas da história nacional;
passará a ler-se:
O Governo promoverá a revisão dos feriados nacionais e o seu possível ajustamento aos dias santos que a Igreja Católica julgar não dever dispensar e às grandes datas da história nacional.
Como todos VV. Ex.ªs vêem, não há nada de substancial alterado e a única coisa que se quer marcar é que a solução há-de ser buscada através de conversações entre o Governo Português e a Santa Sé. Isto já estava também contido no projecto de lei do Sr. Deputado Mendes de Matos, mas fica mais marcado com esta proposta de alteração, e é precisamente para marcar melhor isso que eu tive a honra de apresentar à consideração de VV. Ex.ªs a referida proposta.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de eliminação deste artigo apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães.
Submetida à votação, foi rejeitada.
O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o artigo 3.º, com a alteração proposta pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: peço-a V. Ex.ª que fique consignado na acta que os três artigos do projecto de lei foram aprovados por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Efectivamente todos os artigos do projecto foram aprovados por unanimidade. Apenas a proposta de eliminação do artigo 3.º, apresentada pelo Sr. Deputado Antunes Guimarães, foi rejeitada por maioria.
Assim, ficará consignada na acta a aprovação por unanimidade dos três artigos do projecto.
Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, tendo por ordem do dia o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre as dívidas das câmaras municipais aos Hospitais Civis e das relações entre estes e aquelas.
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Previno os Sr s. Deputados de que na próxima semana entrarão em discussão as Contas Gerais do Estado. Como já ontem comuniquei a VV. Ex.ªs, o primeiro volume sobre as Contas Gerais do Estado contém todos os elementos necessários ao julgamento das Contas. O outro volume, que está prestes a ser publicado, é um apêndice sobre o comércio externo relativo a 1947.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Indalêncio Froilano de Melo.
José Luís da Silva Dias.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Manuel França Vigon.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Malhou Durão.
Teotónio Machado Pires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Sr s. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Fernão Couceiro da Costa.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique de Almeida.
Horácio José de Sá Viana Rebelo
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Mendes da Costa Amaral.
João Xavier Camarate de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel Marques Teixeira.
Mário Borges.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA