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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES

SUPLEMENTO AO N.º 136

ANO DE 1948 15 DE MARÇO

CÂMARA CORPORATIVA

IV LEGISLATURA

PARECER n.º 27

Projecto de lei n.º 169

Guarda rural e fomento da caça é pesca desportivas

A Câmara Corporativa, consultada acerca do projecto de lei n.º 169, relativo a guarda rural e fomento da caça e pesca desportivas, emite, pelas secções de Pesca e conservas, Transportes e turismo, Educação física e desportos, Autarquias locais, Política e administração geral e Finanças e economia geral, com os Procuradores agregados Eduardo de Araújo Parreira Dezonne Fernandes de Oliveira, Gaspar Malheiro Pereira de Castro, Pedro de Castro Pinto Bravo, António Feliciano Branco Teixeira, David Faria de Matos Viegas e José Infante da Câmara, o seguinte parecer:

1. Tem o Governo da Nação, na sua vasta obra de reconstrução nacional, bem patente aos olhos de nacionais e estrangeiros, dedicado especial carinho e cuidado ao problema agrário e florestal.
Este aspecto da. actividade do Governo em um problema que se pode considerai: de primazia, e que em quase todos os tempos foi o mais abandonado ao fatalismo da evolução natural e espontânea, prova bem o sentido de realidade e de justiça que norteia a sua conduta em tão largo labor.
Com efeito, toda a legislação promulgada sobre melhoramentos agrícolas e povoamento florestal, quer no aspecto de assistência técnica, quer no de auxílio financeiro - prestado em bases comportáveis com os parcos recursos da lavoura e apenas condicionado pelo imperativo de outras despesas indispensáveis que a situação
económica mundial acarretou -, dá bem a medida da realização em marcha.
O projecto de lei do ilustre Deputado Dr. João Antunes Guimarães, visando a proteger a obra referida do Governo e procurando enquadrar ainda, na sua intimidade orgânica, a caça e a pesca elementos valiosos da economia da Nação, que da terra e dos rios vêm e neles vivem, e como tal são usufruídos principalmente pelas populações rurais -, é digno de louvor pelo espírito de compreensão que revela de tão prementes necessidades.
.Reconhecem-se assim a oportunidade da criação de uma guarda rural e as necessidades de fomento da caça e da pesca, em especial da pesca fluvial, pois da marítima não há que tratar aqui, a não ser no puro aspecto desportivo, que pode vir a ser encarado em zonas demarcadas, julgadas úteis para estímulo do turismo nacional.
2. E certo que não é esta a primeira vez que entre aios se pensa e tenta a criação de uma guarda rural privativa, embora nunca se tenha encarado» o problema cumulativamente com o do fomento da caça e da pesca.
Antigamente as leis administrativas previram e autorizaram funções de polícia rural exercidas pelas câmaras municipais, que por meio de zeladores e coimas mantinham por toda a parte o respeito elementar pelos direitos dos proprietários e cultivadores. Este sistema,

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que vinha de longe, foi ampliado e disciplinado pelo Código Administrativo de 1842.
E certo que o ardor das lutas partidárias, mal transplantadas para o nosso País, deturpou em parte o bom funcionamento de tal sistema, o que levou o Governo, pela portaria de 4 de Novembro de 1844, a proibir as câmaras de cometerem as funções de polícia rural a comissões de lavradores que fizessem eles mesmos a polícia nas suas freguesias.
Parece que, mesmo assim, os defeitos de uma polícia demasiadamente descentralizada e desligada de uma autoridade independente e imparcial, que se sobrepusesse no compadrio político ou aos mesquinhos interesses particulares de indivíduos menos compreensivos, fizeram com que nos Códigos Administrativos subsequentes reduzissem as atribuições municipais em matéria de polícia rural, até que pelo Código Administrativo em vigor (artigo 50.º, n.º 13.º) apenas ficou competindo às câmaras deliberar a sobre a criação e sustentação de uma polícia municipal e a instalação de postos ou a construção de quartéis destinados ao serviço de polícia urbana ou rurais.
Como se vê, é pouco mais que nada. Desaparecidas as velhas e benéficas coimas, a propriedade hoje pode dizer-se que apenas tem como garantia a aplicação dos artigos 476.º e 477.º do Código Penal, que punem com prisão correccional aqueles que destruírem árvores frutíferas ou não frutíferas, searas, vinhas, hortas, plantações, viveiros ou sementeiras, mas obriga o proprietário a recorrer aos tribunais, com as inevitáveis perdas de dinheiro e de tempo, e a apresentar provas, que a maior parte das vezes não está na sua mão poder colher e oferecer, resultando, portanto, (praticamente inoperantes aquelas providências legais, como se mostra patente pelas reclamações dos grémios da lavoura, dos municípios, das associações regionalistas e da própria Assembleia Nacional, com largo eco na imprensa da província e da capital.
De toda a parte se reclama o estabelecimento de eficaz polícia dos campos, charnecas e serras, com os conhecimentos técnicos e a maleabilidade de actuação e a mobilidade de vigilância capazes de (proporcionarem verdadeira defesa das propriedades e seus produtos agro-pecuários e florestais. E a própria lei do povoamento florestal (n.º 1:971, de 15 de Junho de 1938), que é extensiva à arboricultura particular, aguarda os meios de a sua benéfica e grandiosa acção poder ser exercida para além dos limites dos baldios florestais.
Com efeito, as bases XII, XIII e XIV da lei n.º 1:971 prevêem e estabelecem sábias intervenções no âmbito das actividades particulares em matéria de arborização; e tal intervenção tem de se tornar mais eficaz por meio de salutar fiscalização.
3. Sempre se procurou dar ao problema solução unilateral; porém, iodas as tentativas resultaram infrutíferas por valias razões, a que certamente não foram alheias as fracas possibilidades materiais de que para tanto se dispunha ou o facto de o problema ter sido encarado com uma largueza que transcendia o âmbito das necessidades reais e imediatas do meio rural.
O problema, quanto a nós, dentro das realidades nacionais e do limite das possibilidades materiais de que dispomos, agora mais largas pela associação das receitas da caça e da pesca, pode ter uma solução prática e eficiente desde que dele se não faça alhear um justo critério de contribuição, nem se pretenda, de um dia para o outro, passar do pouco em que nos encontramos, no que respeita à fiscalização rural, para a perfeição total de um sistema, dado mas não concedido que a perfeição possa ser obra dos homens.
Com efeito, sendo a caça e a pesca riquezas públicas da Nação, cuja defesa e fomento há que coordenar com a agricultura, pela intimidade que as liga, justo é que as largas receitas provenientes do seu uso e prática colaborem na satisfação dos encargos resultantes da criação e sustento de uma guarda rural, de preparação especializada para a sua tríplice finalidade.
O factor económico é aqui factor primordial de que tudo depende, e, porque assim é, parece-nos utópico, e consequentemente impraticável, dentro das realidades nacionais, a criação de uma guarda única e exclusivamente ao serviço da lavoura, entidade que pouco consente em matéria de pesados encargos.
Mas se isto é uma verdade que os factos não desmentem, parece-nos, contudo, que a fiscalização dos campos que se visa obter, dando assim satisfação à defesa dos legítimos interesses da lavoura, pode ser realizada ampliando apenas o que de facto já existe, ao mesmo tempo que se estabeleça uma competência especial e mais lata dos respectivos serviços, que, para tanto, é mister coordenar convenientemente.
De facto, é do conhecimento de muita gente a forma como estão organizadas as guardas que têm a seu cargo a defesa da riqueza agro-florestal em vários países cultos da Europa; ninguém desconhece a importância que da manutenção de tais guardas pode advir para a beneficiação agrária do País e justa defesa da propriedade; mas porque o que se faz surtir num país, muitas vezes não é aquilo que pode e deve ser feito noutro, entendemos que o assunto entre nós deve ser estudado dentro da realidade portuguesa, procurando enquadrá-lo nas possibilidades materiais de que a Nação disponha.
Assim, parece-nos que a guarda rural deve ser constituída por secções de pouca florestal devidamente enquadradas no corpo de guardas já existente nos serviços florestais e aquícolas do Ministério da (Economia, que, por tal motivo e para tanto, apenas é necessário ampliar em número e educar em qualidade, de modo a prestar ao proprietário rural a assistência indispensável para que as suas colheitas, pastagens e sementeiras sejam devidamente valorizadas, protegidas e respeitadas, ao mesmo tempo que a sua acção fiscalizadora se estenda à caça e à pesca fluvial, até hoje abandonadas por carência de condições materiais que o projecto, na sua essência, virá criar.
O decreto n.º 12:635, de 3 de Novembro de 1926, reorganizou o serviço de polícia florestal; por este decreto à guarda florestal já é dada competência determinada para a fiscalização de certos delitos florestais (cortes de árvores, matos, abusos de pastagens, etc.).
Desde que esta competência seja devidamente ampliada e no quadro dos respectivos guardas criada uma secção especializada para a fiscalização da propriedade rural, e cumulativamente da caça e da pesca, parece-nos que com maior facilidade se obterá o fim desejado sem recorrer à criação de novos corpos de polícia e muito menos sem atribuir a competência dessa fiscalização a outras autoridades que, apesar da sua boa vontade, não podem, possuir os requisitos de competência técnica indispensável e que, quer pela sua orgânica, quer pela sua direcção, tenham por finalidade especial outros serviços de fiscalização ou de manutenção da ordem pública.
Não se trata, evidentemente, de diminuir, e muito menos substituir a competência que o artigo 2.º do decreto-lei n.º 33:905 dá à guarda nacional republicana sobre o uso e porte de armas, caça, pesca, vigilância das propriedades e culturas.
A guarda nacional republicana é uma instituição benemérita, cujas atribuições, sobretudo como ponto de apoio do exercício das funções fiscalizadoras e policiais de outros organismos especializados, são não só muito úteis como até insubstituíveis.

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Não devemos, porém, pedir à sua estrutura, predominantemente militar, minúcias e liberdades de actuação a que não poderá prestar-se.
O que se pretende é apenas assegurar uma fiscalização rural mais eficiente, que seja aquele complemento que a experiência tem mostrado indispensável à rede policial do País, promovendo entre todos os organismos a melhor colaboração, até que um dia, quando a experiência o aconselhar, venham a sistematizar-se integralmente, porventura sob um comando único, todos os elementos policiais do País.
4. Entre nós, como aliás em grande número de países, a caça e a pesca fluvial não são apenas um desporto. Muito pelo contrário, a caça e a pesca fluvial são ainda hoje, em quase todo o Mundo, a forma de os indivíduos utilizarem uma riqueza de alta importância na economia da Nação, pelo valor alimentar que representa.
Com efeito, se é verdade que entre os 100:000 caçadores portugueses, entre as centenas de pescadores fluviais, alguns buscam na caça e na pesca apenas a emoção desportiva, se alguns até delas fazem um meio de praticar um exercício físico, a verdade insofismável é que o número desses não passa de algumas centenas, pois a caça e a pesca são, fora de dúvida, praticadas por muitos milhares de portugueses como um dos meios ao seu dispor de buscar um alimento que supra e equilibre as necessidades alimentares próprias de suas famílias ou das populações rurais de certas regiões.
Quanto a nós, esta é a lição dos factos, que até hoje muitos não têm compreendido e outros não querem compreender, porque um exagerado egoísmo os não deixa aperceber de quanto é flagrante tal realidade.
Com efeito, se alguns habitantes dos grandes centros urbanos procuram no exercício da caça e da pesca fluvial a satisfação de um exercício físico altamente proveitoso para contrabalançar os inconvenientes da vida sedentária que ali são obrigados a levar, menos certo não é que de norte a sul do País a maioria dos caçadores e pescadores é constituída por elementos de populações rurais que, pela natureza da sua vida e trabalhos agrícolas, não precisam já de encontrar na caça o exercício indispensável à saúde do corpo por suficientemente o praticarem os actos da vida quotidiana e por isso sómente a exercem para satisfazer necessidades alimentares.
Quem desconhece que desde as regiões da terra fria de Trás-os-Montes até aos isolados «montes» da planura alentejana a alimentação é restrita a dois ou três produtos do solo e a uma pecuária doméstica muito reduzida e que só na pesca dos rios e na caça dos campos, montados e charnecas podem encontrar uma base alimentar altamente importante pelo seu valor «energético em proteínas ou substâncias albuminóides, indispensáveis ao crescimento e à reparação orgânica?
É este aspecto do problema que nos faz encarar a caça e a pesca fluvial não apenas como desporto, mas sim, e primordialmente, como uma riqueza pública alimentar, que, inquestionavelmente portanto, é valor económico importante da Nação.
Pelas mesmas razões entendemos que a prática da caça e da pesca fluvial deve ser convenientemente regulamentada antes de mais e de molde a que da sua prática não resulte o extermínio das espécies cinegéticas ou piscícolas, antes se observem as condições indispensáveis à sua manutenção como fonte importante da economia nacional, condicionando-se sempre o seu exercício sob normas rígidas e proteccionistas, sem que, todavia, o desenvolvimento da mesma colida com a justa defesa da lavoura.
No II Congresso Nacional de Caça, realizado no Porto em Maio de 1946, foi, quanto à caça e sob este aspecto, estudado o assunto, tendo-se chegado a conclusões altamente interessante», de acordo com os legítimos representantes dos caçadores, dos organismos cinegéticos e da lavoura nacional.
Deste Congresso, onde todos os assuntos foram estudados e discutidos com uma elevação e cuidado que o Governo reconheceu e fez honra às diferentes entidades que nele tomaram parte, saíram conclusões que oportunamente foram entregues ao Governo e da aprovação das quais nos parece depender em grande parte a solução do problema no que respeita à caça.
Quanto à pesca fluvial, está o assunto ainda por estudar. Não oferece, porém, o mesmo a complexidade do da caça, bastando, quanto a nós, que à sua solução sejam aplicadas, no muito que se coadunam, as medidas de protecção e fiscalização sugeridas para a outra.
E por isso nosso parecer que o fomento da caça e da pesca depende, em primeiro lugar, do estudo pelo Governo das medidas já propostas para o uso e prática da primeira, sendo a fiscalização uma consequência cia aprovação e conjugação das medidas propostas para a caça com aquelas que forem adoptadas, para a pesca fluvial e julgadas convenientes para a lavoura. Por isso propomos a seguinte redacção para a BASE I
O Governo reorganizará a polícia florestal, a que se referem os decretos n.º 12:625, 12:793, 14:102, 16:543 e 17:714, respectivamente de 9 de Novembro de 192f», 30 de Novembro de 1926, 9 de Agosto de 1927, 23 rio Fevereiro e 13 de Novembro de 1929, de modo a:
1.º Criar secções concelhias rurais de harmonia com a extensão e aptidões agrícolas, florestais, venatórias e piscícolas das respectivas circunscrições;
2.º Alargar as suas atribuições não só a todos os aspectos da defesa dos interesses silvícolas, venatórios e piscícolas, tanto em propriedades públicas como particulares, mas também à defesa geral da propriedade rústica contra as depredações causadas pelos furtos de produtos e animais, invasão por gados estranhos, arrancamento de marcos e mais atentados aos legítimos direitos dos proprietários;
3.º Fiscalizar as actividades permitidas no exercício da caça e da pesca, destruir os animais nocivos à agricultura, à caça e à pesca, reprimir as contravenções dos regulamentos que disciplinem o povoamento e reprodução das espécies cinegéticas e piscícolas e colaborar com as comissões de caça e pesca legalmente estabelecidas;
4.º Prestar o auxílio que, sem prejuízo das atribuições designadas nos números anteriores, for requisitado pelas autoridades judiciais ou policiais, designadamente a guarda nacional republicana e a polícia de segurança pública, e, em caso de mobilização geral ou parcial, pelas autoridades militares, e bem assim requisitar de todas estas autoridades o auxílio de que careçam.
5. Das conclusões do II Congresso Nacional de Caça, que oficialmente se realizou no Porto em Maio de 1946, consta a sugestão da criação do conselho técnico da caça junto da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, do Ministério da Economia, entidade à qual, por lei, estão submetidos todos os assuntos concernentes à defesa e protecção da caça.
Estando, e muito bem, a caça, sob o seu aspecto económico e de riqueza pública, subordinada a esta entidade e sendo ainda a pesca fluvial também subordinada a este departamento do Estado naquilo que respeita ao seu fomento, lógico será de esperar que, numa arrumação perfeita do assunto, tanto a caça como a pesca flu-

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vial estejam agrupadas dentro deste departamento do Estado no que respeita a sua protecção, fomento e desenvolvimento, competindo-lhe, portanto, em última instância e através das comissões, venatórias regionais, a orientação do seu exercício e fiscalização das regras atinentes a essa protecção e desenvolvimento.
Por isso mesmo, entendemos que junto deste alto organismo do Estado deve funcionar um conselho técnico de caça e pesca fluvial, constituído por elementos representativos das diferentes, entidades interessadas na lavoura, caça e pesca fluvial, que assim constituiria um órgão consultivo e técnico da maior importância e valor, assim como se entende que, directamente subordinada a esta Direcção Geral, deve manter-se a organização das comissões venatórias regionais actualmente em vigor, modificando apenas a sua estrutura de molde a poderem ser consideradas comissões venatórias de caça e pesca, regionais e concelhias, no continente, e distritais, nos distritos autónomos das ilhas adjacentes, tal qual a divisão adoptada actualmente pelo artigo 39.º do decreto n.º 23:461, de 17 de Janeiro de 1934.
Assim, entendemos que à base TT deve ser dada a seguinte redacção:

BASE II

1.º Man têm-se as comissões de caça e pesca regionais, distritais e concelhias, cuja constituição, áreas o atribuições serão definidas em regulamento.
2.º E criado, junto da Direcção Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas, o conselho técnico da caça e da pesca fluvial, constituído por: o director geral dos serviços florestais, que será o presidente; o director geral da educação física, desportos e saúde escolar; o representante do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo; o representante da Comissão Central de Pescarias; um representante das federações dos grémios da lavoura e um representante de cada uma das três comissões venatórias regionais, um dos quais servirá de secretário.
6. Considerando que, a par do aspecto utilitário da caça e da pesca fluvial, cujo fomento directamente (pertence ao Estado desenvolver, através dos seus órgãos competentes, e cuja prática tem de ser condicionada a regras fixas, atinentes a que da sua exploração não resulte o extermínio das espécies, há todo o interesse em que se reconheça também o seu valor puramente desportivo e turístico e estabeleça a necessidade de serem criadas e limitadas as zonas de caça e (pesca desportivas, desde que com a criação das mesmas se não firam os interesses gerais das diferentes populações rurais do País que na caça e na pesca fluvial encontram base importante da sua alimentação e saúde; porque entendemos também ser necessário preservar determinadas espécies da fauna cinegética ou piscícola, hoje bastante raras, por meio da criação de parques de protecção e viveiros de repovoamento, entendemos que deve ter a seguinte redacção a

BASE III

Compete especialmente ao conselho técnico da caça e da pesca fluvial:

1.º Dar parecer sobre tudo quanto se possa relacionar com o fomento e a defesa da propriedade, da caça e da pesca fluvial, normas determinantes do condicionamento do seu exercício, elaboração dos regulamentos que estabeleçam as medidas orientadoras da fiscalização, da destruição de animais nocivos à agricultura, á caça e a pesca, e tudo mais que sobre os assuntos regulados por este diploma ao Governo entenda dever apresentar;
2.º Estabelecer as zonas de caça e de pesca fluvial desportivas, onde a prática daquele exercício ficará dependente de condições próprias, para o que, além das licenças gerais, haverá licença especial.
§ 1.º As zonas, nos termos da base anterior, poderão abranger quaisquer áreas territoriais ou marítimas, salvo as exceptuadas no Código Civil.
§ 2.º De preferência, serão estabelecidas nas matas ou florestas nacionais.
§ 3.º Quando não pertencerem à área das florestas ou matas nacionais, só poderão ser estabelecidas em terrenos cujos proprietários, previamente ouvidos, consintam no seu estabelecimento, e na sua delimitação intervirão também os representantes dos respectivos grémios de lavoura locais e das câmaras municipais.
§ 4.º As zonas de caça ou de pesca desportivas serão .entremeadas com outras onde o exercício da caça dependerá apenas da licença geral.
§ 5.º Nas condições anteriores, também poderão ser estabelecidas zonas para campismo, bem como para viveiros ou parques de protecção às espécies cinegéticas ou piscícolas, dentro de cujas áreas a caça ou a pesca de todas ou algumas espécies poderão ser interditas.
7. A defesa, a protecção e o fomento das espécies cinegéticas e piscícolas, como se sabe, não dependem unicamente da fiscalização.
A par dos processos correntes outros há que são altamente necessários para a manutenção e desenvolvimento das espécies que constituem objecto de caça e pesca.
Todas estas medidas não podem ser levadas a cabo sem despesas materiais. A licença de caça e de pesca fluvial representa um imposto que o indivíduo paga para que possa exercer o direito de caçar ou pescar.
Logicamente, com as receitas obtidas com o pagamento dessas licenças, há também que satisfazer as despesas inerentes à destruição de animais nocivos, repovoamento e aclimatação cinegética e ainda as necessárias às despesas gerais dos organismos que sobre o assunto superintendam, nos termos da base II.
A fiscalização é um elemento importante para defesa da caça e da pesca, pois dela depende a imposição da observância das regras indispensáveis e condiciona o tempo, o modo e o uso que da caça e da pesca legalmente se pode fazer; mas isto não nos deve fazer abstrair da importância que para defesa e protecção da caça e da pesca fluvial constitui a destruição dos animais nocivos, seus mais encarniçados inimigos, porque a esses, por observações por nós feitas em anos sucessivos e em determinadas regiões, se devem perdas superiores a 40 por cento dos ninhos, a que há a juntar os estragos nas ninhadas e a devastação diária para se alimentarem.
Uma guarda cuja finalidade seja, além da guarda da propriedade agrícola, a fiscalização da caça e da pesca fluvial só pode ser constituída por elementos devidamente seleccionados e tecnicamente instruídos para o exercício da missão a que se destinam, utilizando escolas próprias, e de que a de Caderache (França) pode indicar-se como exemplo. Assim, poder-se-á conseguir uma corporação que, além da acção policial, será capaz de concorrer para a educação dos rurais, cujo atraso é o maior motivo das infracções que cometem, e que mais vale evitar do que reprimir.
Com efeito, se há a considerar certas dificuldades na fiscalização rural propriamente dita, muito maiores são as referentes à fiscalização da caça e da pesca, que de região para região exige conhecimentos técnicos especiais e uma acção que só pode ser eficiente se for levada a cabo sob uma, orientação técnica especialíssima e com uma autonomia e liberdade de acção que, a par de conhecimentos técnicos especiais, exige iniciativa própria.

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De um modo aproximado, tudo aquilo que constitui transgressões da caça e da pesca fluvial pode dispor-se em três grupos diferentes:
a) A repressão da caça ou da pesca exercida fora das épocas em que por lei o seu exercício é permitido, isto é, nos períodos considerados defesos;
b) A repressão dos meios e das formas de caçar e pescar que as respectivas leis e regulamentos consideram ilícitos;
c) A repressão da caça e da pesca praticadas por aqueles que não estejam munidos da respectiva documentação.
Além destes três grupos distintos, outros aspectos há na fiscalização que à guarda, da mesma encarregada, compete observar: a vagueação de cães em terrenos de caça durante o defeso; a protecção dos ninhos, de que os pastores e os rapaces de todas as espécies são os maiores inimigos; a informação que podem prestar sobre os locais ou zonas onde mais abundem as espécies que são consideradas nocivas à caça, à pesca e à agricultura e de cuja destruição tem de encarregar-se.
Se a orientação, digamos mesmo a direcção e educação de uma guarda a tal fim destinada é relativamente fácil, no que respeita u repressão da caça ou da pesca fluvial fora das épocas em que por lei o seu exercício é permitido, assim como à daqueles que caçam sem estarem munidos da respectiva licença, o mesmo se não pode dizer do que respeita à orientação da fiscalização na repressão dos meios e formas de caçar e pescar utilizados pelos infractores documentados em tempo de prática legal.
Com efeito, neste âmbito estão incluídos os laços, fios, «enxós», etc., numa palavra, toda a infinidade de armadilhas usualmente empregadas para a destruição das espécies cinegéticas; redes de malha estreita, venenos, etc., empregados nos nossos rios para destruição das espécies piscícolas.
De norte a sul do País, de «província para província, de região para região, variam os sistemas empregados para destruição das espécies referidas.
A guarda encarregada desta fiscalização tem de possuir conhecimentos especiais da época em que e da forma como em cada região costumam agir os transgressores ; a sua acção será tanto mais eficiente quanto mais e melhor instruídos estiverem nos usos e .costumes empregados na prática destas transgressões e quanto maior seja a mobilidade da sua acção, para poderem frequentar as regiões menos acessíveis - aquelas em que mais transgressões se verificam.
A par de tudo isto, dos conhecimentos especiais indispensáveis a tal género de fiscalização, para o êxito da missão desta guarda, cujo carácter técnico e especial temos de reconhecer, deve ser-lhe facultada uma larga autonomia de acção, que se não coaduna senão com um regulamento especial dos respectivos serviços.
Com efeito, à fiscalização da caça, da pesca e da propriedade não se ajustam disposições regulamentares que fixem aos respectivos fiscais um horário de entrada e saída de serviço, rígido e taxativo, não se acomoda si itinerários prévios e de antemão traçados por estradas e caminhos, pois implica que a sua acção seja exercida, por inesperada informação, muitas vezes de noite, alta madrugada até, e nos locais mais recônditos e quase inacessíveis das serras, montados e charnecas, pois é ali, e não junto de caminhos ou povoações, que habitualmente os incendiários e os ladrões fazem seus malefícios e os caçadores e pescadores furtivos instalam as suas artes de destruição ou lançam nos rios os venenos e a dinamite, a que não resiste a criação e, certas vezes, os próprios rebanhos1, que sucumbem ao envenenamento. Porque uma guarda rural e de fiscalização de caça e pesca, para ser eficiente, tem de ter, além de uma orientação técnica especial, uma acção desenvolvida por todo o País, a sua manutenção envolverá o dispêndio de quantia avultada; por isso entendemos que todos aqueles que, além dos caçadores e pescadores, podem beneficiar dos resultados da mesma, devem contribuir para a sua manutenção, o que nos leva a propor a seguinte

BASE IV

Como compensação do aumento de despesas provenientes das bases anteriores, o Governo criará um documento comprovativo da identidade do caçador ou pescador, que se denominará Carta de caça e pesca, promoverá a actualização das multas a aplicar por transgressões dos regulamentos de caça e pesca fluvial e de todas as licenças indispensáveis ao seu exercício e prática, bem como a taxa devida por hectare das propriedades submetidas ao sistema de reserva de caça do regime florestal, e lançará sobre os artigos de caça e pesca um imposto ad valorem.
Estas receitas, conjuntamente com aquelas que se obtiverem com a arrecadação das importâncias que forem fixadas aos grémios da lavoura e outros organismos ou entidades que produzirem ou fabricarem materiais agrícolas ou quaisquer produtos utilizáveis pela lavoura, constituirão o fundo destinado a fazer face às despesas originadas pelas disposições propostas nas bases anteriores.
Palácio de S. Bento, 13 de Março de 1948.
Afonso de Melo Pinto Veloso, presidente, com voto.

Fernando Costa.
José Alexandre Rodrigues.
José António Ferreira Barbosa.
José Carlos Rodrigues Coelho Júnior.
Feliciano dos Anjos Pereira.
Francisco Marques.
José de Mascarenhas Pedroso Belard da Fonseca.
Luís Pinto Vilela.
Miguel de Almeida Melo.
Higino de Matos Queirós.
Tibério Barreira Antunes.
Álvaro Salvação Barreto.
Luis José de Pina Guimarães.
Alberto Sá de Oliveira.
Álvaro Mala/aia.
Oscar Baltasar Gonçalves.
João Serras e Silva.
Rui Enes Ulrich.
Albino Vieira da Rocha.
Ezequiel de Campos.
Eduardo de Araújo Parreira Dezonne Fernandes de Oliveira.
Gaspar Malheiro Pereira de Castro.
Pedro de Castro Pinto Bravo.
António Feliciano Branco Teixeira.
David Faria de Matos Viegas.
José Infante da Câmara.
Jaime de Oliveira Magalhães, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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