Página 597
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153
ANO DE 1948 29 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º153, EM 28 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 149.
O Sr. Deputado Duarte Silva referiu-se à situação dos funcionários coloniais aposentados.
O Sr. Deputado José Esquivei ocupou-se da ligação da vila de Loulé com o caminho de ferro do Algarve.
O Sr. Deputado Henrique Galvão tratou da situação dos colonos de Angola que pretendem legalizar a posse das suas terras.
O Sr. Deputado Águedo de Oliveira expôs o grave problema da carestia das especialidades farmacêuticas.
O Sr. Presidente comunicou que a deputação encarregada de cumprimentar o Chefe do Governo se desempenhara do seu encargo e que o Sr. Presidente- do Concelho viera à Assembleia renovar o seu reconhecimento.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na especialidade, do texto sugerido pela Câmara Corporativa sobre o projecto de lei de inquilinato. Falaram vários Srs. Deputados.
Foram aprovados os artigos 9.º, com uma emenda proposta pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva, 10.º, 11.º e o 12.º, com um aditamento proposto pela comissão eventual. Iniciou-se a discussão do artigo 13.º
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 36 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Gazaes.
Albano da Câmara Pimentel Homem de Melo.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de Magalhães.
Alberto Cruz.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugênio Neves da Fontoura.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Couto Zagalo Júnior.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Herculano Amorim Ferreira.
Indalêncio Froilano de Melo.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Xavier Camarate de Campos.
Página 598
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 598
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Esquivel.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Martins de Mira Galvão.
José Penalva Franco Frazão.
José Pereira dos Santos Cabral.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Fomosinho Sanches.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Mendes de Matos.
Luís Tèotónio Pereira.
Manuel Colares Pereira.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller.
Mário Borges.
Mário de Figueiredo.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Spratley.	
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 66 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 149 do Diário das Sessões.
O Sr. Querubim Guimarães: -Sr. Presidente: a p. 047, col. 2.a, deve constar, no início da linha 36.a, a indicação "O Orador: -", visto que o aparte do Sr. Deputado Mário de Figueiredo às minhas considerações terminou na linha anterior.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, considero aprovado o referido Diário, com a alteração apresentada.
Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Duarte Silva.
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: o ilustre Deputado Dr. Bagorro de Sequeira referiu-se, numa das últimas sessões, à precária situação dos funcionários coloniais aposentados e afirmou a necessidade urgente de ser revista a legislação respectiva, no sentido de se pôr termo à desigualdade que actualmente se verifica entre os aposentados das colónias e os dos serviços metropolitanos.
É assunto de que eu tencionava ocupar-me logo que obtivesse alguns elementos que me pareciam úteis e andava a coligir. Mas, já que o ilustre Deputado levantou a questão e a pôs em termos claros e precisos, só me resta apoiá-lo nas considerações que fez e acompanhá-lo nos desejos que formulou.
Não resisto, porém, à tentação de apontar alguns casos concretos, para que V. Ex.ªs, Srs. Deputados, possam avaliar até onde vai a injustiça existente.
Assim, por exemplo, um (professor de liceu com o tempo de serviço necessário para que lhe seja abonada a mais elevada pensão de aposentação, tendo, por consequência, a 2.º diuturnidade, vence na metrópole menos do que em Cabo Verde, que é a colónia de mais fracos vencimentos.
Pois, se passa à situação de reforma, o professor da metrópole, que era, no activo, aquele que menos, ganhava, fica com uma pensão muito maior, 40 por cento mais elevada que a do professor que se aposentou pelas colónias.
Não me refiro, é claro, ao funcionário que serviu na colónia da sua naturalidade, pois, nesse caso, a pensão ainda é reduzida de 20 por cento.
Assim, um primeiro-oficial que seja natural de Cabo Verde e ali sirva tem o vencimento mensal de 2.397$, enquanto um primeiro-oficial servindo no continente vence 2.250$.
Pois, se passam à situação de aposentados tendo ambos o tempo máximo de serviço, o primeiro-oficial da metrópole tem a pensão de 2.070$, enquanto o colonial só tem 1.761$, se fixar residência na metrópole, porque, se ficar em Gabo Verde, a pensão é ainda mais reduzida: nem chega a 1.500$; é menor que a de um segundo-oficial no continente.
Ora estas diferenças, que já são apreciáveis (passe o termo!) em relação a Cabo Verde, tomam vulto quando se trata de outra colónia.
Verifica-se que, enquanto o funcionário do continente apenas sofre, quando se aposenta, uma pequena redução no seu vencimento, o das colónias passa sempre a ganhar muitíssimo menos, muita vez menos de metade do que vencia em activo serviço e também (o que é inacreditável) menos do que é atribuído ao aposentado metropolitano da mesma categoria e até, em certos casos, de categoria inferior.
Não pretendo que ao funcionário das colónias se atribua uma pensão de aposentação igual ou mesmo ligeiramente inferior ao vencimento do activo, o que traria uma despesa porventura incomportável.
Mas pergunto: porque há-de ele ter uma pensão inferior à do seu colega do continente, que no activo vencia menos?
Porque não estabelecer como limite mínimo das pensões o que se atribui no continente ao funcionário da mesma categoria aposentado nas mesmas condições?
A situação actual é de manifesta inferioridade e desfavor para os funcionários coloniais, quando é certo que, se alguma diferença deva existir, de toda a justiça é que ela seja em benefício daqueles que, servindo nas colónias, em climas que só em casos muito excepcionais se podem comparar com o da metrópole, arruinam a saúde e adquirem doenças que tornam mais dispendiosa a sua manutenção.
Como o Deputado Dr. Bagorro de Sequeira, confio na inteligência, boa-vontade e espírito de justiça de S. Ex.ª o Ministro das Colónias para a resolução deste importante assunto.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. José Esquivei: -Sr. Presidente: tenho diante de mim um ofício do Sr. presidente da Câmara Municipal de Loulé, cujo conteúdo foi também enviado aos meus colegas Deputados pelo Algarve.
Juntamente com esse oficio recebi também a cópia duma exposição dirigida por aquela Câmara ao Sr. Mi-
Página 599
29 DE ABRIL DE 1948 599
nistro das Obras Públicas em 1946. Essa exposição visa o seguinte assunto:
Quando se construiu o caminho de ferro do Algarve o seu traçado afastou-se do concelho de Loulé por uma economia de quilómetros e talvez até porque o acidentado do terreno dificultava a passagem do caminho de ferro naquela direcção. Este desvio constitui grave injustiça para a população daquele concelho, porque afecta de maneira considerável a sua economia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esta questão vem já de há muito tempo. Desde longa data que os louletanos têm lutado por que ela seja reparada. E já em 1890 o conselheiro Marcai Pacheco conseguiu do Governo de então um estudo complementar para rectificação da referida linha férrea...
Infelizmente os porfiados esforços da população da vila de Loulé, tanto nessa época remota como mais recentemente, em vida do Ministro Duarte Pacheco, malograram-se em consequência do falecimento prematuro de qualquer1 destes dois filhos ilustres da vila de Loulé.
Nem por isso deixa de estar de pé a necessidade de remediar tal estado de coisas, sendo certo que Loulé é o principal centro agrícola do Algarve e movimenta aproximadamente 40:000 toneladas de mercadorias e produtos.
Não se trata de uma questão de interesse restrito e local. Trata-se mais de uma questão de interesse geral que afecta grandemente a economia da província. Em 1890 estudou-se a construção de uma variante destinada a levar o caminho de ferro junto da. vila de Loulé. Mais tarde, em 1926, fez-se novo estudo, e ali se projectou uma variante que ligasse a estação de Boliqueime a Almancil e que satisfizesse inteiramente as legítimas aspirações  da laboriosa população daquela vila.
Este estudo encontra-se ainda pendente, apesar de a Direcção Geral de Caminhos de Ferro ter por ele a maior simpatia.
Dado o interesse que o Sr. Ministro das Obras Públicas, tem demonstrado em todas as obras de interesse regional, eu solicito a atenção de S. Ex.ª para a resolução deste problema, convencido de que muito contribuirá para maior prestígio do Estado Novo e do Governo em terras algarvias.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henrique Galvão: - Sr. Presidente: raras vezes se fala de Angola e especialmente, quando as falas reflectem intenções mesureiras, que não se repita o já velho lugar comum: a Angola, a mais portuguesa de todas as colónias portuguesas... ".
E Angola corresponde na verdade à frase feita.
É preciso, porém, não esquecer que, se Angola é de facto a mais portuguesa das colónias portuguesas -e sem que isso signifique que são menos prontos e fiéis os sentimentos portugueses de outras colónias -, tal expressão se constituiu e marcou especialmente pela intervenção que desde sempre tiveram na vida e ocupação da colónia a gente humilde, os pequenos colonos, os eternos portadores, em todos os continentes, das marcas inconfundíveis que a expansão portuguesa, deixou um pouco em todo o Mundo.
O Sr. Presidente: - Vejo-me obrigado a interromper a sessão por uns momentos.
Eram 16 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente:-Está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Continua no uso da palavra o Sr. Deputado Henrique Galvão.
O Sr. Henrique Galvão: -Continuando, Sr. Presidente:
Angola é a colónia - a única colónia portuguesa - em que os pequenos colonos, prolongando usos, costumes e virtudes portuguesas dos lares de origem, alcançaram criar uma feição típica nacional inconfundível.
Em toda a África negra só a gente boer, através de actividades rurais e sentimentos terrenhos de colonos humildes, logrou, como a gente de Angola, criar uma expressão própria, nacional e inconfundível, em sobreposição aos próprios elementos africanos autóctones.
Em resumo: Angola é a mais portuguesa de todas as colónias portuguesas porque é aquela que mais deve, em quantidade e qualidade de trabalho, em persistência e devoção, em continuidade e enraizamento, em expansão e apego ao carácter nacional, à gente humilde, dessa que em todos os tempos tem sido o elemento mais puro e vigoroso da raça.
Não se poderia dizer o mesmo ... se os colonos fossem bacharéis.
Pois bem, Sr. Presidente: esta boa gente, que é da melhor de Angola, a .ponto de ser a mais representativa do seu carácter e das suas glórias, e que é da melhor do Império, encontra-se pouco mais ou menos que abandonada. E por vezes, onde não pode dizer-se abandonada, perseguida por agentes burocratizados de protecção, mais nocivos que o abandono puro e simples.
Sempre recordada e lisonjeada quando as oportunidades recomendam discurso e o seu esforço serve de amparo à política - logo se esquece e se abandona às suas dificuldades.
Não dispoe, nem pela influência política, nem pela capacidade financeira, nem pela categoria social - forças e razões superiores de força da época mundial desaustinada em que vivemos-, de vozes bastante altas e sonoras para se fazerem ouvir. Dispõe das suas virtudes humildes e realizadoras, da sua teimosia heróica e do seu portuguesismo sem mácula - e esses são valores cuja cotação desce dia a dia.
As açucareiras coloniais, cuja prosperidade financeira excede talvez os limites do razoável, num país colonial onde o açúcar é quase um luxo, reclamam audaciosamente um novo aumento de preço do género e preparam-se decerto para demonstrar que sem esse aumento Portugal e as colónias estarão perdidos. Não sei se serão atendidas - estou convencido que não, pois o Sr. Ministro das Colónias não é homem que se comova com a gritaria de potentados -, mas serão atentamente ouvidas, serão atentamente consideradas as suas razões.
Os pequenos colonos, que apenas pretendem ser atendidos em pequenos problemas, cujas soluções razoáveis não interessam menos à economia da colónia e do País do que a eles próprios, não conseguem, normalmente, ser ouvidos. Só assim se explica que tantos anos tenham decorrido sem que os assuntos em que reclamam lograssem alcançar a consideração que merecem.
E afinal que pretendem?
Na verdade, apenas o cumprimento do que muitas vezes lhes tem sido prometido e manifestado como intenções imediatas de muitos governos. Acerca do que solicitam nunca se lhes disse: "  não pode ser ", "não têm razão", "é injusto". Ao contrário, tem-se proclamado: "têm razão", "é justo", "vamos fazer".
O tempo passa, as coisas não se alteram e os colonos só não desistem nem desanimam porque são ainda daqueles com cujos braços se construiu o Império.
Página 600
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º153 600
Citemos alguns exemplos:
Há numerosos colonos que dispõem das suas terras em concessão provisória há mais de vinte anos. Fará entrarem na posse definitiva das mesmas -segundo a expressão que empregam: para as legalizar -, visto que há muito tempo conquistaram esse direito, são obrigados a despesas que a sua economia não suporta.
Bastaria que os serviços de agrimensura da colónia realizassem, até no interesse da própria colónia, os trabalhos que os pobres colonos não podem pagar a agrimensores particulares para arrumar de vez a questão.
Porque não se fez?
Nenhuma das razões que se podem invocar - e todas na verdade se filiam na insuficiência dos serviços - vale a razão moral e material que assiste aos colonos.
Muitos colonos do planalto, pelo menos muitos da região do Bié, de sua iniciativa, sem o menor amparo ou estimulo, principiaram a dedicar-se à cultura do café Arábica. Pequenas culturas, naturalmente, visto que se trata de pequenos colonos. A coisa prometia... quando lhes surgiu pela frente a Junta do .Café.
E tão valiosa foi a protecção que receberam que a maior parte dos colonos preferiu arrancar os seus pés de café já plantados e em produção só para se verem livres dos agentes e papéis da Junta.
O Sr. Mendes Correia: Infelizmente o café continua mau.
O Sr. Neves da Fontoura:-V. Ex.ª, Sr. Deputado Henrique Galvão, tem a certeza de que isso é assim ?
O Orador: - Absolutamente. E posso acrescentar ainda, como ilustração pitoresca, que os colonos, depois de terem arrancado os pés de café, deixaram ficar apenas uns pauzitos nas suas plantações e diziam: " Estes também se vão embora se amanhã aparecer por ai a Junta do Pau ".
O Sr. Mendes Correia:-V. Ex.ª dá-me licença?... Essa intervenção é sem eficácia do ponto de vista da melhoria do produto.
O Orador: -Em toda a colónia. Os pomicultores - e alguns realizaram trabalhos admiráveis (dir-se-ia inacreditáveis, dada a falta de amparo que sofreram)- vêem os seus pomares ameaçados de ruína total por falta de insecticidas.
E, como não há organização de crédito que os auxilie nem assistência oficial que lhes valha, também lutam com falta de alfaias, de sementes seleccionadas, de conselhos úteis, de defesa para os animais domésticos que criam e daquela paz e segurança sem a qual nenhuma obra de colonização prospera.
Repito: não afligem os colonos senão pequenos problemas facilmente solúveis. Esses pequenos problemas são para eles questões de vida ou de morte. Ora, se eles, por um lado, são apenas "humildes colonos", se individualmente se tornam menos visíveis que qualquer lustroso vogal de um conselho de administração de companhia colonial, se é certo que a sua voz mal se ouve, a verdade é que, por outro lado, e perante a sensibilidade e os interesses superiores da Nação, se elevam muito acima de todos os prestígios transitórios que as sociedades actuais fabricam, para se situarem entre os melhores e mais puros valores da população portuguesa.
E isto bastaria para os ter em conta.
Mas há mais.
Todos esses colonos, já fixados e enraizados, com os seus interesses, o seu espírito e os seus filhos, amarrados às terras que desbravaram e amanharam, constituem, nos núcleos que formaram, os melhores e mais esperançosos pontos de apoio para o desenvolvimento da colonização étnica. E esta receberá impulso mais eficiente e rendoso criando a esses núcleos as condições elementares da sua prosperidade do que procurando, antes de constituídos os pontos de apoio, alcançar êxitos quantitativos por entradas maciças de novos colonos.
A controvérsia quase secular entre partidários da colonização étnica dirigida, também chamada sistemática, e os defensores da colonização livre, indirecta -extremos entre os quais vimos oscilando de há cem anos a esta parte -, só tem produzido desastres.
As realidades, os próprios factos das experiências fracassadas, demonstram, entretanto, que, se o êxito de uma empresa de colonização étnica, com reflexos compensadores no aumento da população branca da colónia, depende de facto da afluência de colonos livres, depende também, indispensavelmente, da constituição prévia de núcleos de apoio, cuja formação o Estado deve dirigir. Quer dizer: à boa orientação e fixação de colonos livres é necessária, como elemento de um condicionalismo social e económico, a existência de núcleos já formados. Os primeiros são "a quantidade"; os segundos, os valores de qualidade, sem os quais o destino dos primeiros redundará em pura aventura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ora nós temos hoje em Angola numerosos núcleos constituídos. Porque não havemos de valorizá-los, se isso satisfaz não só as aspirações vitais dos antigos colonos, como realiza também as condições superiores de instalação e prosperidade de novos colonos ?
É mais ou menos o que acabo de expor que VV. Ex.ªs ouviriam dos próprios colonos, se a sua voz soasse tão alto em Portugal como soam outras vozes que não terão tanto direito à atenção e consideração do Estado.
Por mim, sinto-me muito honrado em ser nesta Casa o intérprete -apenas o intérprete- dessa boa gente que fez de Angola a mais portuguesa de todas as colónias portuguesas.
E não tenho dúvidas acerca do interesse e cuidado com que os Srs. Ministro das Colónias e governador geral de Angola vão atender as razões dos pequenos colonos de Angola.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: aproveito a oportunidade de estar no uso da palavra para informar V. Ex.ª e a Câmara, com a esperança de que o facto impressione a Administração Geral dos Correios e Telégrafos, de que uma carta escrita por avião de Angola para Lisboa, pelos aviões da Pan-América, consome mais tempo a transpor a distancia que vai do Aeroporto à residência do destinatário do que a percorrer os milhares de quilómetros que separam Angola de Lisboa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - No trajecto de Angola ao Aeroporto...
O Orador: - E deve dizer-se, em abono da Administração Geral dos Correios e Telégrafos, que a correspondência não vai de avião até junto de nós.
Risos.
Reclama-se e a Administração Geral responde esta coisa espantosa: que a culpa é da companhia de aviação americana, que demora a entrega das malas.
Esperará a Administração Geral que seja o Governo Americano que venha resolver este formidável problema de ordem e pontualidade?
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem I O orador foi muito cumprimentado.
Página 601
29 DE ABRIL DE 1948 601
O Sr. Aguedo de Oliveira: - Sr. Presidente: na discussão da lei de meios de 1947, cujo debate é jurídica e constitucionalmente aberto à totalidade das questões de interesse público, os Srs. Deputados Mendes Correia e Mira Galvão e eu referimo-nos ao grave problema da carestia de medicamentos.
Tínhamos connosco a experiência e a preocupação dos médicos desta Câmara e dos que, como o Dr. Carlos Borges, largos anos proveram à administração de Misericórdias e hospitais.
Em Janeiro de 1947 veio o Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas representar, ao que disse, respeitosamente, contestando as nossas afirmações e ocupando passa de cinco colunas compactas do Diário das Sessões n.º 75, de 18 de Janeiro de 1947.
E aqui se verifica um fenómeno admirável, que só abona a generosidade e largueza de espírito de V. Ex.ª, Sr. Presidente, desta instituição representativa e do Regimento, que não se repete nos países cuja vida constitucional conheço. Só em Portugal era permitida tal liberdade e tal direito crítico, pela forma por que o Grémio pôde fazê-lo.
Sem que isto envolva discussão, e apenas louvor, afirmarei porém o seguinte:
Os Journals of the House of Commons contêm apenas os discursos parlamentares.
Os Annales de La Chambre dês Deputes, de França, contêm apenas os discursos parlamentares.
O Diário de Las Sessiones de Cortes, de Espanha, contém apenas os discursos parlamentares.
O Bulletin Stenographique Officiel de l'Assemblée Federale, da Suíça, contém apenas debates parlamentares.
Os Atti del Parlamento Italiano contêm apenas discursos parlamentares.
O Diário de Las Sessiones de la A. Camara de Representantes, do Uruguai, contém apenas discursos parlamentares.
Nos Antais do Parlamento Brasileiro existe apenas a simples referência a ofícios, correspondência e mensagens lidas, além dos debates.
E no Congressional Record, dos Estados Unidos, há apenas simples referência a telegramas e representações sobre impostos, além dos debates.
Quer dizer: em nenhum destes países o Grémio veria a sua prosa contra a nossa função representativa estampada no Diário das Sessões. Isto resulta em grande louvor ao carácter público dos nossos debates.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E direi mais: nós não tínhamos de fazer uma exposição científica ou uma demonstração técnica. Tínhamos, sim, de trazer aqui a reclamação pública, a queixa, o protesto dos povos - o capítulo, como se dizia no velho direito.
Os políticos precisam apenas de ser técnicos de ideias gerais e não de laboratórios tantas vezes rendosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Mesmo que a nossa exposição não fosse rigorosa, ninguém lhe podia diminuir o seu valor e sentido representativo.
E que um grémio fala em nome dos seus elementos e interesses.
Mas nós falamos em nome da Nação!
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Não se vira que o Dr. Mendes Correia representava o conhecimento do grande meio urbano do Porto, a cujos destinos presidira, distintamente, anos; que o engenheiro Mira Galvão conhecia perfeitamente o que se passava ao sul do Tejo e eu vira a realidade do lado dos doentes e da família dos doentes, vira, sobretudo no Norte do País, o drama pungente que a todos os momentos decorre nas farmácias,
Eram depoimentos que batiam certos e que muitos outros confirmavam.
Entretanto, a imprensa, que exerce função pública de opinião, levantava, ventilava a questão e ratificava as nossas queixas.
Vários órgãos da imprensa portuguesa de todos os matizes - desde a Nação até ao Sol, da extrema direita até à extrema esquerda, dos grandes matutinos ao Diário de Lisboa - apossaram-se da questão para fustigar as imoderações de preço. Principalmente este último jornal versou longa e criteriosamente este problema.
Chamou-se à carestia dos medicamentos abuso, especulação, atitude anti-social, profligou-se o delírio megalomâniaco das especialidades e das apresentações, taxou-se mesmo de escândalo sem nome.
Quero hoje discutir o problema, mas entendo não contrabater as afirmações do Grémio. Considero que, como eu, não estivessem então no pleno conhecimento de todos os elementos e estatísticas.
Deixo a outrem a aproximação das afirmações ali contidas com as informações agora recebidas da Direcção Geral de Saúde e da comissão reguladora respectiva para encontrar diferenças e antíteses.
Em 25 de Março do ano passado pedi a estas duas entidades esclarecimentos e averiguações tendentes a pôr o assunto no seu verdadeiro pé. Delas me vou servir, alicerçando nos seus números e informes a maioria das considerações que vou produzir.
Mas devo fazer dois ligeiros avisos antes de entrar na matéria.
Sou amigo decidido da indústria e dos industriais portugueses. Admito que eles têm de ganhar e não possam perder. Defendo que devem, em nome do trabalho nacional, ser protegidos, embora moderadamente, contra a invasão do produto estrangeiro. Indigno-me, como tantos outros, contra essas montras da Baixa onde o delírio de pastas para os dentes, licores, espargos, chocolates - delírio antinacional e "anti-indústria" portuguesa - dá largas ao seu desaforo e leviandade.
Portanto, não sou contra a indústria farmacêutica quando ela souber bater ou ultrapassar a indústria estrangeira. Mas aqui as protecções pautais, as fraquezas do produto e as altas de preços não são pagas pelo consumidor vulgar, mas pelo doente ou sua família.
Aqui a carestia ou deficiência de fabrico são pagas pelos menos resistentes, pelos enfraquecidos e doentes, e a nocividade do caso resulta, pelo menos, duas vezes anti-social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nos últimos anos, entre as nações civilizadas e ocidentais, a indústria farmacêutica atingiu a maioridade e uma expansão formidável. Acompanhou o desenvolvimento da química, da biologia e da terapêutica e evolucionou muito favoravelmente onde existia uma investigação científica dotada de poderosos meios de estudo.
Em Portugal teria ido mais longe até do que podia esperar-se.
E a estatística, revelando apenas que no fim do ano de 1936 existiam 36 laboratórios farmacêuticos e no de 1946 44 e a transferência de 5 laboratórios paca novas instalações, mostra-se bem seca e nada eloquente para nos dar uma impressão da capacidade das explorações,
Página 602
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 602
incremento dos negócios e desmesurados lucros cristalizados durante a guerra.
Existem empresas enormes e tentaculares, a par das farmácias com um pequeno laboratório, confinadas numa indústria quase domiciliária.
Apesar dos queixumes e do reconhecimento de abusos, o fenómeno da industrialização, ou, melhor, o da especialização farmacêutica, adquiriu carácter irresistível, e a farmácia manipuladora perde terreno todos os dias e por toda a parte.
O produto farmacêutico depende do grau de fé e de (pureza que as indústrias de técnica afinada podem assegurar-lhe e da perfeição e elegância de apresentação que nas explorações modernas se tornaram mais insistentes.
Mas a indústria farmacêutica não é campo aberto a todas as incursões nem corrida ilimitada de competições; o seu fim impõe-lhe profusão de limites, pois, para obviar aos flagelos da Humanidade, há-de comportar-se dentro dos ditames impostos pela ética e (pela política social.
Podemos ter uma indústria farmacêutica imponente, mas não aguentamos o abuso e a pletora das especializações, seguidas da alta dos produtos. Verberava, com razão, o Dr. Marques de Carvalho o delírio da técnica que fascinou tudo e todos e o tailorismo industrial que invadiu a arte de curar, reduzindo cada doente a uma unidade patológica enquadrável numa escala.
Não custará geralmente reconhecer, e devo deixar consignado, que a indústria da especialidade se lançou num denodado e brilhante esforço nos últimos anos.
Devem ter reservado para o País muitos milhares de escudos que não tiveram necessidade de ser exportados como contravalor à entrada de remédios.
Este ramo de produção fabril, que já foi classificado de importante, delicado e particularíssimo nos seus caracteres diferenciais das outras actividades transformadoras, conseguiu fornecer, em muitos casos, produtos assaz puros, obviamente destinados ao fim, satisfatórios e lindamente apresentados. Existem laboratórios cientificamente apetrechados como no estrangeiro. Existem mesmo uma investigação científica e uma técnica que garantem a eficiência de muitos produtos e que nem sempre garantirão os benefícios conhecidos.
O Urodonal Chatelain era surpreendentemente fabricado entre nós.
Por isso o problema que eu ventilo apresenta rara delicadeza: se reclamarmos produtos baratos podemos estimular uma actividade menos eficaz, aldrabada, desprezando a pureza.
Sr. Presidente: em segundo lugar devo constatar que a face do problema mudou certamente algo de Abril de 1947 para cá.
O Ministro das Finanças reduziu a simples estatística o imposto sobre especialidades e, por proposta do Grémio Nacional dos Industriais de Especialidades Farmacêuticas , promoveu-se uma  baixa, correspondente àquela, pelo decreto n.º 36:607.
Por subsequente determinação dos Ministérios da Economia e das Finanças, novas reduções conduziram os abatimentos primitivos a economias nos preços de venda de 10 a 15 por cento.
Duas vezes, pois, o Governo e os organismos pré-corporativos intervieram, promovendo a baixa e ao encontro e poderosas e incontrastáveis reclamações da opinião.
Outras baixas esporádicas se teriam verificado.
Outras baixas se tornaram fatais pelo regresso às correntes de importação mundial.
E desta ordem de factos se pode tirar uma conclusão: é que tais medidas confirmam e elevam as reclamações aqui produzidas e mostram que não foi em vão que se levantou o problema. Mostram que, se os- preços podiam
de alguma maneira baixar, era porque tinham subido onde não deviam subir. Ás confissões úteis aproveitam-nos.
Vai ver-se que o problema excede o perímetro destas medidas -aliás muito interessantes e simpáticas- e que se requer ainda, em nome da higiene pública e da defesa dos menos protegidos ou enfraquecidos pela doença, uma justiça resolutiva capaz de apanhar a totalidade do problema.
Sr. Presidente: o nosso pedido de informações de 25 de Março do ano passado provocou um inquérito da Direcção Geral de Saúde.
Tenho em meu poder, através dele, o depoimento dos delegados de saúde nos concelhos do País sobre as condições de aquisição de medicamentos depois de 1939.
Hei-de pôr de parte as respostas que se referem apenas ao termo geral da equação de trocas poder de compra do público em geral.
Não era isso que estava na tela da discussão, nem ninguém desejaria que os delegados de saúde se considerassem versados sobre os mistérios insondáveis dos problemas monetários.
Hei-de por isso deixar à margem, como menos interessantes, as respostas que unilateralmente se filiam nas dificuldades de aquisição, (no empobrecimento, falta de meios, elevação do custo da vida, má situação económica, falta de recursos, desequilíbrio das compras com os salários e réditos agrícolas, ausência de previdência, etc., que focam apenas a diminuta capacidade de consumo da nossa gente.
Então o distrito de Viseu é uma chapa - e o caso revelará incompreensão do inquérito. Tirando dois concelhos, o slogan e f alta de recursos* tem o ar de um pelotão respondendo à chamada. Chamo a atenção para o seguinte: é nas regiões mais ricas que o queixume de empobrecimento se salienta.
Mas a esmagadora maioria dos concelhos do País, entre eles o Porto, depõem uniformemente no sentido de uma .alta sensível e verificada dos produtos farmacêuticos.
Eis algumas expressões nítidas que revelam o fenómeno geral e que valorizam, reforçam e confirmam as animações do Sr. Dr. Mendes Correia, do Sr. Mira Galvão e as minhas.
Destaco: carestia de medicamentos; custo elevado; elevado preço de medicamentos; preço excessivo; custo excessivo; enorme subida; grande subida; preço excessivo de medicamentos; falta de muitos no mercado; todas as dificuldades que se possam imaginar; tremendas dificuldades, dado o elevado custo de medicamentos; alguns pobres nem chegam a aviar as receitas; aos remediados o receituário causa-lhes transtornos económicos quase insuperáveis; enormes dificuldades, em especial os anti-infecciosos; falta de medicamentos; falta de especialidades; falta de quinino; os médicos mas doenças prolongadas evitam o receituário das especialidades caras; desaparecimento e rareamento dos (produtos farmacêuticos; por vezes impossível o tratamento de doentes; desaparecimento dos produtos alemães; clínicos pedem aos laboratórios remédios para os dar de graça.
Repito: trata-se de um fenómeno verificado na esmagadora maioria dos concelhos do País!
E aqueles concelhos, como Vila Velha de Ródão, onde o fenómeno não existe, ao que se afirma, nem as queixas ascendem a tomar corpo, podem deixar-se no mapa como estrelinha de oiro brilhando num grande céu opaco.
Mas o inquérito dá-nos ainda com alguma precisão quais os sectores da população portuguesa atingidos - são as classes numerosas, os trabalhadores sem distinção, são as próprias classes médias, os agricultores,
Página 603
29 DE ABRIL DE 1948 603
as classes rurais, na sua grande maioria, e os desocupados: a enorme, a esmagadora consistência demográfica deste País!
Como se tem feito frente ao problema?
Como se tem obviado em grande número de concelhos a tais dificuldades?
Agora todo o louvor é devido.
A bondade portuguesa apresenta aqui novo título de glória. Nunca parti do princípio de que a caridade cristã pudesse levar tão longe as rosas doa seus milagres nem que a obra da assistência social florescesse já com tão cálida exuberância.
O que li nos resultados do inquérito comove, elucida, doutrina e mostra que em muitos casos o problema foi localmente solucionado pela intervenção assistencial.
Estão à cabeça as Misericórdias, honra lhes seja.
Seguem-se os hospitais, sanatórios e dispensários.
intervieram depois as Casas do Povo, as Casas dos Pescadores, as caixas sindicais, o que é um título de glória para a obra social do Estado Novo.
Vieram também as Conferências de 8. Vicente de Paulo, as outras instituições de caridade, as associações de socorros mútuos, as comissões de assistência.
Há concelhos do Alentejo onde as Misericórdias e Casas do Povo resolveram o problema dos remédios incomportáveis. Concelhos como Barcelos, Guarda, Vila Franca e Mafra - não se fala no Porto - gastaram centenas e centenas de contos com as receitas dos enfraquecidos de saúde e de recursos.
Mas obviar às dificuldades não é resolver.
O problema permanece.
Se a Misericórdia também paga caro as especialidades, ela é ferida duas vezes pelo esforço que faz e pelo que lhe não deixam fazer, obviando com a sua acção benfazeja a exigências extra.
Por isso a Associação de Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança teve de recomendar aos médicos que receitassem pelos receituários antigos, porque as quotas não suportavam o encargo das especialidades.
Por isso a Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, presidida distintamente pelo Dr. Carlos Borges, teve de convocar o corpo clínico do seu hospital e pedir-lhe que não receitasse especialidades farmacêuticas e regressasse aos medicamentos manipulados na sua farmácia privativa, os quais ficam espantosamente mais baratos.
E o corpo clínico assim procedeu, com vantagem para as finanças institucionais e sem prejuízo para os doentes.
O Sr. Carlos Borges: - Os médicos não recebiam dinheiro pêlos seus serviços, apesar de trabalharem dedicadamente, e a Misericórdia nunca deixou de recolher qualquer doente que batia à sua porta para ser recolhido.
O Sr. Alberto Cruz: - O mesmo se fazia em Braga.
O Sr. Carlos Borges: - Foi preciso que os médicos recorressem aos produtos manipulados nas farmácias.
O Orador: - Por isso, muito criteriosa e precavidamente, mediante despacho ministerial de 31 de Julho de 1943, em 1944 se organizou o "Formulário de medicamentos" para as associações mutualistas, editado pelo Grémio Nacional das Farmácias.
Sr. Presidente: as informações recebidas confirmam a existência de crise em muitos estabelecimentos de venda a retalho.
Essa crise reveste, pelo menos, dois aspectos: os doentes e suas famílias vêem-se embaraçados para adquirir remédios caros; as especialidades de curta duração ou de ocasional escoamento engasgam os armários e acarretam prejuízos.
No inquérito fazem-se referências a débitos que atribulam a vida dos farmacêuticos. Muitos não compram porque singelamente não. podem pagar. Muitos compram mas não pagam. Algumas farmácias fecharam (Torres Novas). Outras viram-se forçadas a vender apenas a contado. Como não há possibilidade de armazenar centenas ou milhares de especialidades - o familiar do doente rola da província ou da farmácia excêntrica para os grandes e imponentes estabelecimentos da Baixa, que me dizem suplantar os de Nova Iorque e que verifico excederem os de Paris e de Londres.
A demonstração da carestia dos nossos medicamentos pode fazer-se pelo confronto com o produto similar estrangeiro. Em Espanha e França são as especialidades menos aparatosas e mais baratas, pagando-se bem, é certo, a embalagem em vidro e o cartão substituindo agora as tradicionais caixas de folha.
Afirma o delegado de saúde de Montalegre: e Faz-se larga aquisição de medicamentos em Espanha, onde são mais baratos".
O asno passado no Nordeste os medicamentos passavam nos concelhos fronteiriços, iam ao Porto, voltavam sobrecarregados e podiam ainda concorrer, por preço mais baixo, com as especialidades nacionais.
Mesmo com pesetas caras e todos os direitos pagos, os produtos espanhóis vinham concorrer com vantagem internamente.
A industrialização, que é uma lei histórica do nosso tempo, conduziu ao abuso das especialidades e não pode demonstrar-se com vantagem de preço para o acesso ao mercado farmacêutico. O consumidor pode ter sido bem servido, mas não foi servido mais barato.
Especialidades a esmo, a granel, especialização de verdadeiras bagatelas, que em número suplantam a lista dos telefones, eis ao que conduziu a industrialização em excesso.
Banalidades, não! exclama um professor de farmácia.
O Grémio dos Industriais afirmou que no final de 1946 havia 2:142 especialidades nacionais no seu ficheiro. Mas a Comissão Reguladora corrige e contrapõe: eram, até 1941, 5:088; e, a partir de 1941, mais 1:319. Ao todo 6:407.
Em tempos o presidente da Comissão Reguladora admitiu que o número fosse inferior a 8:000 e afirmou-se na imprensa diária que orçavam por 10:000, contando com os medicamentos especializados isentos de imposto, os quais escapam à enumeração.
As unidades seladas nacionais, que em 1940 eram 2.391:898, estavam em 1946 nuns 8.780:447.
Subiam na escala do milhão por ano.
As unidades seladas estrangeiras passavam de 2.475:513, em 1940, para 4.673:665, em 1946.
Um negócio da China!
Quer dizer: as especialidades inundavam e avassalavam tudo. Deixavam a perder de vista os acréscimos da população, as epidemias, as melhorias de assistência médica. Uma indústria formidável que, com um bocadinho de jeito, havia de nadar em prosperidade, mesmo que não se declarasse e ostentasse muito ambiciosa.
E no meio desta crescença medrava a especialização a torto e a direito.
Já se afirmou que 90 por cento das especialidades farmacêuticas nada .possuem de especial.
Já se afirmou que mesmo com um silo ao lado as farmácias não chegam (para esta imensidade.
Já se afirmou que há especialidades que parecem verdadeiras vergonhas.
Já se fez ressaltar que não há médico que disponha de memória ou cerebração para arcar com esta astronomia de céu de verão.
Página 604
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 604
Dos estudos levados a cabo pelo professor Bandeira, de Coimbra, vê-se que o próprio Estado nunca curou de definir ou precisar a especialidade farmacêutica.
E a esta cachoeira de novas especialidades o Estado, ainda, os serviços, a organização corporativa, a higiene oficial têm permanecido alheios ou indiferentes!
Podemos manter-nos impassíveis e alheios perante o problema?
Por outro lado a especialização a torto e a direito levou à especialidade mascarada e à especialidade de ficção.
E verificou-se isto, absolutamente inesperado e indefensável: o produto fabricado muito mais caro que o produto manipulado.
Xaropes, que custam na farmácia 10$, são industrializados e vendidos a 20$.
Solutos de cálcio, que nas farmácias custam 6$, aparecem a 20$, brindados com um nome de fantasia.
Esquecida já a lição dos debates na Assembleia e na imprensa, tenho visto nos últimos dias montras muito graciosas, onde só há tubos, caixas, boiões de 16$ a 30$.
Portanto, a máquina posta ao serviço do homem para poupar e embaratecer serviu aqui, em bastantes casos, para elevar e encarecer.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A estatística é uma fotografia e admito mesmo que reproduz exactissimamente a realidade.
Mas a estatística não dá o relevo, raramente fornecerá a cor, e nem sempre através dela, tomando conhecimento da dinâmica, seremos iniciados nas origens e consequências.
Vamos explicar como podem dar-se e têm-se dado manobras altistas, inteiramente à margem das leis, dos preços oficiais, das direcções gerais e das comissões reguladoras.
Pega-se numa droga simples e converte-se pomposamente em especialidade, uma vez que a indústria ou o laboratório se fazem pagar melhor que a farmácia de manipulação.
Complicando o negócio inicial com análises, esterilizações, venda de produtos higiénicos, associações de remédios.
Substituindo as especialidades antigas por especialidades de último modelo, mercê de uma propaganda diligente e bem ordenada.
Há muita forma de pescar trutas, e, se as contas de propaganda, investigação científica ou técnica e as de embalagem estiverem folgadinhas, os custos originários podem matematicamente roçar pelo preço da matéria-prima.
Forçando a aquisição de doses superiores às necessidades individuais do doente.
E claro que este abuso tem sido reprimido ou foi simpaticamente atenuado nos últimos tempos.
Começando por um tubo de poucos escudos, melhorando por outro mais caro, servindo um boião que vai para o dobro, prosseguindo com um frasco e um conta-
-gotas já aperfeiçoado e consociado e acabando numa especialidade indiscutivelmente melhor e mais eficiente que multiplica o ponto de partida.
É como se passássemos do gabão de Aveiro ao capote alentejano, deste à gabardina e por fim ao casaco de peles!
Reforçando as especialidades com adjuvantes, dando--as como vitaminadas, sulfamidadas, etc.
Inflando as farmácias de especialidades inéditas ou ignoradas, que nunca mais têm saída. Dizia um farmacêutico: "Isto é uma repartição de objectos abandonados!".
E era.
Mas existe ainda o problema das importações. Ao contrário do exportador português, batido nas práticas comerciais, conhecedor da sua tarefa profissional e dos mercados externos, grande inúmero de importadores dos últimos anos foram uns "anjinhos" implumes na mão dos caixeiros viajantes.
Mandaram vir os produtos mais supérfluos e extravagantes. Importaram só pelo prazer de importar. Converteram as montras da baixa em redutos hostis à indústria nacional e fizeram de alguns comerciantes os mais derrancados inimigos da solidez da nossa moeda.
As pastas para dentes, as vacinas, o cálcio, os xaropes, etc., são importados por forma maciça e prejudicial e o público paga levianamente pela sedução de lhe parecer outra coisa ou supondo simplesmente que é melhor o que vem de fora.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O decreto n.º 30:270, de 12 de Janeiro de 1940, criou uma Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos e incumbiu-a, além do abastecimento, desenvolvimento industrial e distribuição, de fiscalizar as actividades enquadradas e de manter o justo preço dos produtos.
Toda a gente sabe o alcance da expressão "fiscalizar as actividades" e também o que será, melhor ou pior, o justo preço dos produtos.
Sem nos envolvermos em questões complicadas, diremos: "justo preço" é o preço sem especulação, o preço sem usura, que acompanha o nível dos salários justos e do custo de vida e que não agrava o consumidor ou o cliente último. Para ficarmos em ideias tão genéricas dispensamos acompanhar os canonistas nas suas análises subtis, de resto esclarecedoras.
Como se procurou realizar esta directiva moral na economia?
Como se fez ouvir a voz da justiça nos mercados?
Como se pôs em andamento mecânica corporativa que devia consagrá-la?
Vejamos devagar:
Segundo a Direcção Geral de Saúde, os preços de medicamentos manipulados - formas farmacêuticas e simples- continuam a ser regulados na tabela aprovada pelo decreto n.º 20:437, de 2o de Junho de 1931, e por alterações introduzidas em 1933 e 1936, e, posteriormente, por despacho ministerial, pela Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos.
Quanto aos medicamentos especializados -e é isso o que interessa-, eram, até ao decreto-lei n.º 29:537, da exclusiva iniciativa dos fabricantes e importadores, não carecendo de qualquer sanção oficial!
Quer dizer: o farmacêutico estava apertado numa tabela, mas o industrial e o importador reinavam como soberanos no comércio!
O decreto-lei n.º 29:537, de 18 de Abril de 1939, pretendeu sujeitar a indústria de medicamentos especializados a regras tendentes ao aperfeiçoamento técnico e à pureza da produção.
Já nessa altura se salienta a inconveniência dos pequenos laboratórios no País.
Pelo seu artigo 15.º dispôs-se porém que "a comissão do regimento dos preço dos medicamentos estudará a forma de tabelar os preços dos medicamentos especializados, quer naturais, quer estrangeiros, ou de marca estrangeira".
Depreende-se da informação citada que esta disposição não foi executada.
Entretanto, a Constituição de 1933 forçava o Estado à obrigação da higiene pública no artigo 40.º E até mais-do artigo 31.º, n.º 3.º, da mesma posso deduzir que os aperfeiçoamentos técnicos hão-de conduzir a melhorias de preço.
Página 605
29 DE ABRIL DE 1948 605
Em 12 de Janeiro de 1940 o decreto-lei n.º 30:370 cria um novo organismo de coordenação económica - a Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêutico.
As drogas e produtos farmacêuticos ficam corporativamente enquadrados com os adubos, correctivos, tintas, colas e substancias explosivas, o que, não obstante eu ser pela simplificação corporativa, me causa grande perplexidade.
O artigo 4.º, n.º 1.º, incumbe à Comissão; entre outras funções: "Orientar, disciplinar e fiscalizar as actividades ..., tendo em vista a garantia do normal abastecimento e a manutenção do justo preço dos produtos".
Esta é a disposição geral. O regulamento do comércio dos medicamentos especializados publica-se a 15 de Abril de 1941 e estabelece todo um capítulo sobre disciplina de preços. A mecânica ali prevista vem a ser esta: os preços são propostos pelos fabricantes e importadores, a Comissão Reguladora aprova e sanciona, adquirindo então os mesmos valor legal. Fabricantes e importadores enviarão uma lista de preços dos medicamentos por eles vendidos ou importados. Aqueles fabricantes e importadores requererão ainda alterações, quando entenderem. Há depois uma lista de percentagens para vendas insulares, armazenistas, retalhistas, etc. Nenhuma disposição regulamentar revela preocupação originária de justiça nos preços!
A Comissão parece um órgão sancionador!
Nenhuma disposição, repito, revela a preocupação de regular o que era legalmente básico - a manutenção do justo preço.
Nada se diz sobre custos, encargos, preços iniciais, exageros de preços, especulação e limites.
Como procedeu a Comissão Reguladora, pois neste ponto se continha a agudeza da questão pública ?
Ela o confessa - estabilizando a maioria dos preços existentes em 1941, dificultando os seus aumentos, que só se autorizaram quando as matérias-primas atingiram preços incomportáveis e reduzindo muitas vezes os preços pedidos para medicamentos novos e os aumentos requeridos pelos interessados. Eis quase tudo.
O lucro dos intermediários foi reduzido e uniformizado.
Ora aquela afirmativa é que contém toda a matéria de direito e toda a matéria de facto desta inquietante questão.
E, portanto, para o que seria necessário a formular um juízo firme existe uma base assaz deficiente.
Depois segue uma estatística:
Variedades de medicamentos especializados, de preço fixo, em liberdade plena, digo eu, 5:088.
Variedades novas lançadas no mercado e sancionadas, 1:319.
Haveria 1:319 averiguações e estudos de custos, encargos legítimos e de respeito pelos interesses do consumidor ?
Não se diz claramente.
Depois existem 754 aumentos de preço; 59 baixas entre as antigas especialidades e 45 e 94 nas lançadas de 1941 em diante.
E afirma-se primeiramente que estava em 2 de Outubro de 1947 em estudo a sugestão de uma redução de preços para as especialidades que não foram estabilizadas ou lançadas depois de 1941.
Reconhece-se implicitamente que não se encontravam as coisas bem e haveria; altas susceptíveis de atenuação.
Estudava-se ainda o nivelamento de grupos de especialidades no sentido de equiparação para propósitos de baixa.
Portanto, é muito difícil, senão impossível, ajuizar do trabalho da Comissão Reguladora e saber dos seus méritos e deméritos da sua acção, mas não há dúvida
que, depois de tanta reclamação e discussão pública, se confessa haver bastante para fazer, e estamos já em 1948!
A Comissão Reguladora fica convencida das melhorias de qualidade e do incremento industrial e reduz os aumentos manifestos de preço a 13,6 por cento.
Reconheci que se trabalha bem em muitos casos.
Também em segundo lugar a Comissão vai sacudindo a água do seu capote ao assegurar-nos que em 1944 apresentou superiormente um projecto de regulamento sobre licenças de fabrico e sobre registos para evitar o abuso numérico das especialidades e a repetição sistemática de fórmulas onde apenas existem nomes e embalagens diversos.
Nestes dois aspectos a Comissão Reguladora parece pensar connosco.
E devo confessar que preferi servir-me dos dados originários, a recorrer a ulteriores esclarecimentos, que transformariam num diálogo o meu pedido de esclarecimentos.
Sr. Presidente: vi demoradamente, e até com ajuda de clínicos e farmacêuticos, os mapas e quadros que a Comissão Reguladora me forneceu e entendo louvar a sua organização e a profusão de detalhes que os acompanham.
Devo sobre eles traçar algumas observações de carácter genérico:
1.º Faltam às vezes os custos originários;
2.º Nem sempre as somas dos elementos de preço nos conduzem a importância igual à de venda ao público, embora as diferenças não sejam apreciáveis em muitos casos;
3.º Alguns preços diminuem realmente nos últimos anos, mas porque a baixa do custo originário e a eliminação de despesas de colocação se vêem acompanhadas pela descida de encargos, que são função do preço final: selo e percentagem dos intermediários.
Em Março de 1948 há uma baixa de 10 por cento em relação ao ano passado. Dou, porém, para apreciação global as diferenças de custo e venda ao público, sem análise dos valores atribuídos a embalagem, propaganda, investigação científica, selo, intermediários e lucro, para se ver que essas diferenças são de uma tal magnitude que o problema só em conjunto haverá de ser visto e resolvido.
Alguns exemplos:
Sulfamida em tubo em 1942. - Custo originário 2$60; preço de venda a retalho, 17$, que diminuem em 1946 para 12$.
Sulfamida em pó em 1942. - Custo originário, 3$67; venda ao público, 20$, diminuindo em 1946 para 16$.
Sulfamidas em pomada. - Em dois casos, de 6$60 e 5$70 para 27$ e 23$.
Vitamina A em gotas. - De 10$83 para 30$.
Vitamina C em ampolas. - De 6$ para 30$.
Cálcio em ampolas. - De 1$74 para 25$ e de l$89 para 25$.
Bismuto em ampolas. - De 3 $62 para 28$.
Cianeto de mercúrio em ampolas. - De 2$74 para 12$.
Digitalina (soluto). - De 10$05 para 28$.
Oftalmolose. - De 3$62 para 12$.
Ninguém dirá que aquilo que está e que vimos está bem.
Mas as tarefas da Revolução Nacional continuam enormes. Enquanto se aguardavam os esclarecimentos oficiais, o Governo deu dois toques no afinanento dos preços farmacêuticos. Mas o problema das especialidades permanece e não pode ser resolvido pelas generosi-
Página 606
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 606
dades do erário nem pelas instituições assistênciais, que não são ricas e terão de pagar como os pobres.
O direito não pode segurar o preço da fruta, do azeite, do trigo e deixar as especialidades em regime de sector económico onde dominam os próprios interesses.
Do meu trabalho de hoje podem deduzir-se algumas conclusões úteis.
Impõe-se um regime completo que vigie os custos, encargos e preço final pago pelo consumidor, o pálido sofredor que confunde a droga com a esperança e a esperança com a cura.
As especialidades devem ser definidas e limitadas.
Reprimam-se as especialidades fictícias e meramente nominativas.
Fiscalizem-se e reduzam-se as despesas de propaganda e embalagem.
Subtraiam-se as especialidades e remédios à fiscalização corporativa e devolvam-se à fiscalização estadual.
Elabore-se um formulário para os hospitais, casas de caridade e associações de socorros mútuos.
Integrem-se os medicamentos e especialidades no conjunto da assistência social, sem que o Estado se meta a fabricante, farmacêutico ou pagador de receitas.
Estabeleça-se a fiscalização laboratorial e centralizada, constante alvo de protestos, os mais diversos.
Se isto puder ser feito não faltarão louvores onde há tanta queixa e reclamação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Comunico à Assembleia que a deputação ontem designada para apresentar ao Sr. Presidente do Conselho as suas felicitações e os seus votos pelo 20.º aniversário da sua ascensão ao Poder foi recebida por S. Ex.ª às 19 horas, na sua residência, dando-lhe conhecimento das manifestações da Assembleia e dos seus sentimentos de inteira dedicação.
O Sr. Presidente do Conselho encarregou-me de transmitir à Câmara o seu profundo reconhecimento.
Informo ainda a Câmara de que o Sr. Presidente do Conselho veio hoje a esta Casa para pessoalmente significar o seu agradecimento à Câmara, gesto que certamente é tomado pela Câmara na melhor consideração.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 9.º do parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei relativo ao inquilinato, da autoria do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Sobre este artigo está na Mesa uma proposta de aditamento enviada pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Essencialmente, essa proposta consiste em se atribuir ao arrendatário de estabelecimentos comerciais ou industriais - e ainda mesmo aos arrendatários de habitação - o direito de preferência na hipótese de caducidade.
Não deixo de reconhecer o largo espírito com que o Sr. Deputado Melo Machado sugere a alteração proposta. Parece-me, no entanto, que ela não pode ser aceite pela Câmara. E não aludirei senão a razões de ordem prática, que, suponho, são suficientes para se ser conduzido à conclusão de que na verdade a sugestão expressa nessa proposta não deve ser admitida.
Trata-se de um direito de preferência. Para exercer quando ?
Para exercer depois de decretada a caducidade do arrendamento. Mais: para exercer durante cinco anos depois do despejo, segundo se vê de uma das alíneas da proposta de alteração.
De sorte que a mecânica a que se é conduzido em face dessa proposta é a seguinte: o inquilino é despejado ; o senhorio fica com o prédio vazio à espera de receber propostas no sentido de novo arrendamento.
Não lhe convém a primeira, não lhe convém a segunda, poderá convir-lhe a terceira. Não sei por quanto tempo teve a casa vazia à espera desta proposta.
Depois de receber aquela que lhe convém, notifica então o arrendatário. Este diz que não aceita, e depois da notificação., o proponente diz: também já não quero. E a casa continua vazia.
Se não é isto, então na proposta não se contém senão uma organização na lei de um processo de fraude que se resume em o senhorio dizer ao inquilina que lá estava: tenho uma proposta de tanto, do montante de tal, que o inquilino não aceita. Mas foi pura invenção porque a única coisa que ele pretendia era realmente que o inquilino não exercesse o direito de preferência. Eu pergunto: é aceitável? Vêem V. Ex.ªs que eu não produzi considerações de ordem teórica, não fiz recurso de maneira nenhuma àquilo que poderia chamar o "desacreditado espírito jurídico". Só considerações de ordem prática.
Peço portanto a V. Exa, Sr. Presidente, e a V. Ex.ªs, Srs. Deputados, que me digam se estas puras considerações de ordem prática não são suficientes para não ser votada a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Melo Machado e outros Srs. Deputados, a cujas intenções não deixo, no entanto, de prestar as minhas homenagens.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Melo Machado: -Sr. Presidente: neste 2.ºround saiu à liça um campeão contra este enfraquecido lutador.
Em todo o caso não é motivo para desistir da defesa da minha proposta. A lei ainda tem bastante prestígio moral para que a grande maioria das pessoas, que felizmente ainda são de bem, a respeite e a garantia dada por lei é uma tranquilidade moral para quem está na sua dependência.
Não podemos ser levados a acreditar que em todos os casos os litigantes hajam de estar de má-fé.
Se a lei disser que o arrendatário nas condições da proposta que estamos tratando tem o direito de preferência, podemos porventura acreditar que na maioria dos casos a coisa se resolverá com espírito de justiça.
Suponho, Sr. Presidente, que eu, cuja opinião a Assembleia conhece, depois das palavras que proferi na generalidade, estou à vontade para neste caso defender os interesses dos inquilinos, porque tenho a certeza absoluta de que com a minha proposta em nada prejudico os interesses dos senhorios.
O que me parece é que é absolutamente legítimo e justo o direito do inquilino que fez um arrendamento ao usufrutuário de não ser excluído da casa que habita e que lhe deixem o direito de preferência, que é o que consta da minha proposta.
É um atrevimento da minha parte querer contestar as palavras do Sr. Dr.º Mário de Figueiredo, pessoa por cujo saber e autoridade todos nós temos a maior consideração. Devo no entanto dizer que não apresentei essa emenda sem de alguma maneira ter procurado que S. Exa., como membro da comissão eventual que sou, mo autorizasse.
Lamento não estarmos de acordo e não poder, apesar das considerações de S. Exa., deixar de sustentar o meu
Página 607
29 DE ABRIL DE 1948 607
ponto de vista, uma vez que estou convencido de que ele é moral e justo.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: Continua em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como mais nenhum Sr. Deputado pede a palavra, vão votar-se em primeiro lugar os primeiros três números deste artigo, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.
Submetidos à votação os primeiros três números do artigo 9.º, tal como constam do texto da Câmara Corporativa, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Passamos agora ao n.º 4. Vou pôr à votação a proposta do Sr. Deputado Sá Carneiro, que é a substituição do n.º 4 do artigo 9.º
O Sr. Sá Carneiro: -Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sobre se autoriza que eu retire essa minha proposta.
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente: - Sobre o mesmo número ainda há na Mesa uma proposta assinada em primeiro lugar pelo Sr. Deputado Bustorff da Silva, que é uma proposta de alteração. Vai ler-se:
Foi lida. Ê a seguinte:
Propomos que o prazo de seis meses indicado no n.º 4 do artigo 9.º, em discussão, seja elevado para um ano.
Lisboa, 28 de Abril de 1948. - Os Deputados: António Judice Bustorff da Silva, José Maria Braga da Cruz, Mário Borges, Rui de Andrade, Mário de Aguiar.
O Sr. Presidente:-Vou pôr à votação o texto do n.º 4 com esta alteração do Sr. Deputado Bustorff da Silva e outros Sr. Deputados.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente:-Vão votar-se agora os n.ºs 5 e 6 deste artigo 9.º, sobre os quais não há qualquer proposta de alteração.
Submetidos à votação o* n.us 5 e 6 do artigo 9.º, foram aprovados.
O Sr. Presidente: - Vou agora submeter à votação da Câmara a proposta do Sr.. Deputado Melo Machado para que se acrescente um n.º 7 a esse artigo, e de que já foi dado conhecimento à Assembleia na sessão da manhã.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: pedia a V. Ex.ª o favor de mandar ler novamente na Mesa essa proposta de aditamento.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se novamente a proposta de aditamento do n.º 7 do artigo 9.º
Foi lida. É a seguinte :
Propomos o aditamento do seguinte número ao artigo 9.º
7. O arrendatário do prédio cujo arrendamento seja declarado caduco tem o direito de preferência no novo arrendamento.
Para efectivação desse direito, o proprietário dará conhecimento ao arrendatário da melhor oferta que tenha para o arrendamento do prédio, por meio de notificação judicial, devendo os ocupantes do prédio declarar, no prazo de de/dias, se aceitam as cláusulas mencionadas pelo proprietário, sob pena de se entender que não aceitam o arrendamento e de o senhorio ter o direito de obter imediatamente o despejo, pelo processo dos artigos 986.º e 987.º do Código de Processo Civil.
O proprietário que requeira o despejo do prédio com. base na caducidade do arrendamento por morte do arrendatário e que dê de arrendamento, dentro do prazo de cinco anos, sem oferecer é direito de preferência aos ocupantes, ou que o arrende por forma diversa da participada aos mesmos, pagará multa correspondente ao triplo do rendimento ilíquido anual do prédio.
Os Deputados: Francisco de Melo Machado, José Alçada Guimarães, João Xavier Camarate de Campos, Mário Borges, José Gualberto de Sá Carneiro.
O Sr. Presidente:-:Vai votar-se o aditamento proposto.
Submetido à votação, foi rejeitado.
O Sr. Pinto Basto: - Roquero a contraprova.
Tendo-se procedido a nova votação, foi a proposta de aditamento do n.º 7 ao artigo 9.º rejeitada por 40 Srs. Deputados e aprovada por 37.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 10.º Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Reputado deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 11.º
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o artigo 12.º
Sobre este artigo estão na Mesa duas propostas: uma,
do Sr. Deputado Manuel Lourinho, para substituição do
n.º 2 deste artigo e outra de aditamento, proposta pela
comissão eventual. Vão ler-se.
Foram lidas. São as seguintes:
Projecto n.º 1O4
Transmissão do direito de arrendamento
Proposta de emenda:
Artigo 4.º:
§ 2.º O direito de arrendamento também se transmite aos filhos maiores que residam com o arrendatário no ano anterior u sua morte.
§ 5.º Além do que for determinado sobre disposições penais na base XLII da proposta de lei.
Assembleia Nacional, 16 de Abril de 1948.- O Deputado Manuel Hermenegildo Lourinho.
Página 608
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º153 608
Propomos que se acrescente ao artigo 12.º o seguinte número:
5. Quando o arrendatário não resida no prédio e este seja ocupado- pelo seu cônjuge, descendentes ou ascendentes, ou por uns e outros conjuntamente, o arrendamento não caduca com a morte do arrendatário, ficando investidas no direito locativo, pela ordem do n.º 2, as pessoas a que o mesmo número se refere.
O Deputado Mário de Figueiredo.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: em face de doutrina aprovada anteriormente, peço a V. Ex.ª que consulte a Câmara sobre se autoriza que eu retire a minha proposta.
O Sr. Presidente:-Vou consultar a Câmara nesse sentido.
Consultada a Câmara, foi autorizado.
O Sr. Presidente:-A proposta do Sr. Manuel Lourinho tinha sido feita inicialmente para o artigo 4.º do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro. Essa matéria está agora no n.º 2 do texto da Câmara Corporativa, e por isso é que se referenciou a proposta do Sr. Deputado Manuel Lourinho a esse número.
Submetida à votação, foi autorizada a retirada da proposta do Sr. Deputado Manuel Lourinho ao n.º 2 do artigo 12.º
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 12.º
O Sr. Carlos Borges: - O artigo 12.º, no seu n.º l, diz:
Leu.
Este "durante o ano" é que talvez precise de melhor explicação. É durante todo o ano ou é apenas numa parte do ano em relação à morte?
Eu pretendo, Sr. Presidente, que se explique isto, porque tem a sua importância prática.
O que pretendo saber é se sé considera todo o ano, ou se apenas um período do ano anterior à morte do arrendatário.
São coisas diferentes, e por isso pedia à comissão que definisse bem qual o significado desta expressão "durante o ano".
O Sr. Sá Carneiro: - Estava no projecto que o cônjuge, descendentes e ascendentes do arrendatário deveriam ter vivido com este no ano anterior à morte.
Quer dizer: mantinha-se e interpretava-se a exigência da lei actual, elevando-se o prazo da convivência ao dobro.
É evidente que não se pode admitir o princípio de nas vésperas do falecimento do arrendatário, o cônjuge até então separado, o filho, o neto, pai ou avô dele se intrometerem na casa para sucederem no direito ao arrendamento.
A exigência do projecto conserva-se no texto sugerido, pois a expressão "durante o ano" refere-se a todo esse ano, e não apenas a qualquer tempo dele.
À doutrina e à jurisprudência cabe a solução de hipóteses especiais, pois a Assembleia não pode estabelecer um preceito casuístico, que, por mais completo que parecesse aos seus redactores, correria sempre o risco de ser insuficiente para prever as mil e uma eventualidades que podem dar-se.
O Sr. Carlos Borges: - Mas a discussão aqui e o Diário das Sessões constituem, sem dúvida, elementos de informação.
O Orador: - Por isso se afirma o princípio da exigência do ano, o qual admite excepções.
Assim, se o arrendatário falecer antes de ter decorrido um ano sobre o casamento, não poderá negar-se ao cônjuge a sucessão no direito ao arrendamento, pois a convivência deu-se por todo o tempo da vida matrimonial.
O ano pode não ser contínuo, visto que o cônjuge ou os verdadeiros legitimários do inquilino, em certos casos, terão tido necessidade de sair de casa durante algum tempo.
O essencial é que as pessoas para quem o direito ao arrendamento se transmite provem que habitualmente viveram no prédio durante o ano que precedeu a morte do locatário.
No pensamento da disposição está que essa convivência, se foi interrompida, de facto, por qualquer motivo justificado, continuou a existir idealmente, pois as pessoas que a lei chama a suceder no arrendamento mantiveram o seu domicílio no prédio.
A Comissão de Redacção tomará em conta a observação do Sr. Deputado Carlos Borges, para que não possa haver dúvidas sobre a ideia de manter e até agravar a exigência actual.
O Sr. Carlos Borges:-Eu não pretendo senão isso: é que a lei fique suficientemente clara, para que não dê ensejo a controvérsias.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vão votar-se o artigo 12.º e seus números tal como se contêm no texto da Câmara Corporativa.
Submetidos à votação, foram aprovados.
O Sr. Presidente: -Vai votar-se o aditamento, apresentado pela comissão eventual, do n.º 5 a este artigo 12.º
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: mando para a Mesa uma proposta de emenda.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à discussão do artigo 13.º do primeiro parecer da Câmara Corporativa, que corresponde ao artigo 5.º do projecto de lei do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Ponho à discussão o artigo 13.º, com excepção do n.º 2, porque este número, por regular hipóteses inteiramente diferentes, será posto em separado à discussão da Assembleia.
Sobre esta matéria há na Mesa uma proposta de aditamento do Sr. Deputado Mendes Correia, uma proposta de substituição do Sr. Deputado Mendes do Amaral, uma proposta de substituição do Sr. Deputado Botelho Moniz, uma proposta, de nova base do Sr. Deputado Manuel Lourinho e ainda propostas para várias bases, todas com o n.º XXIX, também apresentadas pelo Sr. Deputado Manuel Lourinho, e ainda uma base nova sugerida pelo Sr. Deputado Mendes Correia.
Há ainda as bases A e B da comissão eventual, que dispõem sobre matéria da parte deste artigo que pus à discussão da Câmara.
Portanto, o que está em discussão é todo o artigo 13.º, com excepção do seu n.º 2, que regula outra hipótese e que depois porei à discussão da Assembleia.
Interrompo a sessão por uns minutos.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Página 609
29 DE ABRIL DE 1948 609
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 53 minutos.
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o artigo 13.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Botelho Moniz.
O Sr. Botelho Moniz: -Sr. Presidente: ao atingirmos, nesta discussão, o artigo 13.º do primeiro parecer da Câmara Corporativa, chegamos exactamente ao número fatídico, ao ponto crucial da questão do inquilinato, ao assunto, sobre todos importante, que mais interessa a senhorios e a inquilinos, àquele que traz mais dividida a opinião pública: aumento de rendas.
Sobre este tema já disse na discussão na generalidade aquilo que me pareceu oportuno.
Por efeito desse modestíssimo discurso escreveram-me centenas de cartas de aplauso (não o digo por modéstia) e também recebi duas cartas de senhorios que me chamaram inquilino e classificaram de bolchevista.
Pergunto a esses bons burgueses debaixo de que cama se encontravam metidos quando eu combatia os comunistas na frente de Madrid.
Apoiados.
Acima de tudo ponho a justiça social. Tenho combatido e hei-de continuar combatendo contra o facto de se exigir, seja a quem for, um sacrifício incomportável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Devemos defender o direito de propriedade, que o nosso regime reconhece.
Mas ai daqueles que na defesa dos seus direitos esquecem princípios elementares de justiça.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: -É a defesa de privilégios excessivos que muitas vezes atira por terra privilégios justos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Manuel Lourinho: -É da história.
O Orador: - Não se discutem nem o direito de propriedade nem a necessidade de actualização em favor dos senhorios cujos prédios rendem muitíssimo menos do que deviam, isto é, dos chamados prédios de renda antiga.
Se alguém teve o cuidado de ler aquilo que eu disse nesta Assembleia, e que todos os jornais publicaram na íntegra, ou quase na íntegra, há-de ter verificado que procurei ser justo quer para senhorios quer para inquilinos.
Entretanto defendo, e não mo arrependo de o ter defendido, o princípio de que não convém fazerem-se exigências que, embora justificadas sob o ponto de vista económico ou capitalista, podem ser maléficas no campo social.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Que sucedeu, em relação ao actual regime de inquilinato, sob o ponto de vista de fixação .de rendas? Em determinada altura o Estado deliberou intervir, fixando coeficientes de actualização, dos quais se encontram ainda em vigor, por exemplo, o coeficiente 10 para o inquilinato de habitação e o coeficiente 14 para o inquilinato comercial.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Não foram bem esses números, mas não vale a pena corrigir.
O Orador: - Pouco importam para o raciocínio. O estabelecimento dos coeficientes deu-se num momento em que o valor da moeda estava reduzido à sua trigésima  parte. Portanto, no caso do coeficiente 10, aquilo que se deu ao senhorio no inquilinato de habitação foi apenas a terça parte do que corresponderia verdadeiramente à desvalorização da moeda.
Porque é que o Estado procedeu assim?
Para proteger os inquilinos, disseram os governantes.
Ora, quem são os inquilinos? Pertencem a várias espécies : funcionários do Estado, profissões liberais e empregados por conta de outrem.
Portanto, realmente, o que sucedeu foi isto: o Estado, graças ao sacrifício que exigiu aos senhorios, evitou aumentar os vencimentos dos seus funcionários. O Estado fez assistência com o dinheiro do senhorio.
Mas, na verdade, essa assistência não reverteu em benefício dos inquilinos funcionários públicos, mas sim do próprio erário público.
Naqueles tempos demagógicos, de leis de funil, este procedimento explicava-se.
Mas aconteceu ainda pior: é que o Estado, como se sabe, incluiu no- número dos protegidos os empregados por conta de outrem. Portanto, as empresas comerciais e industriais também passaram a pagar aos seus empregados com o dinheiro dos senhorios... porque à custa da fixação de rendas baixas evitaram aumentar-lhes os vencimentos.
Mas ainda aconteceu algo de mais extraordinário: essa lei de carácter eminentemente socializante, que em nome dos pobres representava uma extorsão ao senhorio, aplicou-se igualmente em benefício do inquilino rico, que nunca deveria ter aproveitado dela.
Assistimos a casos como estes: proprietários de prédios em Lisboa, vivendo extraordinariamente bem, não habitavam nos seus prédios, aproveitavam-se da lei para continuarem arrendatários de casas alheias, recusavam ao seu senhorio o mais pequeno aumento de renda e cobravam rendas elevadas nos seus próprios imóveis ...
Falei sobre o caso na generalidade, apenas para tentar estabelecer linhas gerais de conduta.
Nunca pensei que esse discurso tão simples, tão comezinho, mas equilibrado no estudo dos interesses de inquilinos e senhorios, produzisse tanta impressão.
Comecei por não apresentar qualquer proposta que articulasse o meu pensamento. Todavia, vários Srs. Deputados pediram-me que o fizesse. Acedi com prazer. As minhas propostas estão publicadas no Diário das Sessões de 24 de Abril, referente à sessão da véspera.
A base XXIX da minha proposta versa, pouco mais ou menos, o assunto do artigo 13.º do projecto Sá Carneiro ... e a base, salvo erro, A da comissão eventual.
O Sr. Sá Carneiro: - Artigo 5.º do projecto n.º 104.
O Orador: - Artigo 13.º do primeiro parecer da Câmara Corporativa. Há uma diferença essencial de critérios entre o parecer da Câmara Corporativa e a proposta da comissão eventual, por um lado, e a minha proposta, por outro lado.
Em que consiste essa diversidade de critérios?
Enquanto a comissão eventual, a Câmara Corporativa e o projecto Sá Carneiro se referem a rendimentos colectáveis, a minha proposta baseia-se ou adopta como ponto de partida as rendas actuais.
Pode parecer que a modificação não tem importância de maior, mas tem-na, efectivamente, para contabilização rápida do que se pagará ou receberá a mais.
Página 610
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153	610
Neste momento todos sabem as rendas que pagam ou que recebem.
Todos saberão aplicar as percentagens de 40 ou 20 por cento ...
Mas a maior parte, quer de inquilinos, quer de senhorios, ignora totalmente qual é o rendimento colectável da propriedade que lhe diz respeito.
Por isso surgiram contra todos os projectos baseados no rendimento colectável extraordinários reparos, que, digamos a verdade, nem sempre eram fundamentados. Foram exceptuadas das criticas da opinião pública as propostas do Sr. Deputado Mendes Correia e a minha, porque, ao basearem-se nas rendas actuais, eram acessíveis à compreensão do vulgo.
Sou muito leal. Reconheço, repito, que as críticas às propostas que combato são formuladas por quem supõe, de forma geral, que os aumentos serão muito superiores aos realmente resultantes dessas propostas.
Admito também que a comissão eventual, ao preferir o rendimento colectável, não vai muito além, em grande número de casos, daquilo que eu proponho, isto é, das rendas obtidas por meio das  percentagens de 40 e 20 por cento.
Mas não duvido de que é preferível o meu critério, não só por ser mais simples mas também por ser menos injusto ou menos desigual. Quem me convenceu a apresentar uma proposta baseada na renda actual foi o meu muito querido amigo, distinto Deputado e leader desta Câmara, Dr. Mário de Figueiredo ...
Como sucedeu isso?
Num aparte, que recordo com muito prazer, afirmou-nos, em linguagem expressiva e impressionante, que as avaliações que determinaram os rendimentos colectáveis tinham sido estabelecidas "à vara larga". Não sei bem se a classificação provém da falsidade das antigas medidas de comprimento ou se, em estilo tauromáquico, mostra que o toiro foi picado fora de su sitio.
O Sr. Mário de Figueiredo:-V. Ex.ª dá-me licença?
Duas palavras, então, para pôr claramente o que eu disse ou queria dizer. De um modo geral as matrizes foram organizadas sobre avaliações feitas "à vara larga". Isto sucedeu em Lisboa e Porto, mas sucedeu sobretudo na província.
O Orador: - Muito bem. Aquilo que V. Ex.ª acaba de explicar não contraria -julgo eu - a minha observação ; continua, até, a fundamentá-la cada vez melhor.
Eu, que às vezes pareço indisciplinado, na minha oposição à comissão eventual, estou a defender afinal o ponto de vista do leader desta Câmara.
O Sr. Mário de Figueiredo:... quod erat demonstrandum ...
O Orador: - Nem mais nem menos. Se as avaliações, quer em Lisboa, quer no Porto, ou por vários lados, foram mais ou menos injustas ...
O Sr. Mário de Figueiredo: -Agora é que V. Ex.ª, referindo os "vários lados", está a falar a à vara larga" em sentido tauromáquico.
O Orador: - ... Nem mesmo "à vara larga" podem servir-me de base, porque então iríamos cair em desigualdades manifestas.
Bem sei que não pretendemos resolver definitivamente o problema do inquilinato. Sabemos que ele não se resolve por esta lei, mas só pela abundância de habitações.
Entretanto, tendemos, por meio desta lei, para um ideal de justiça, do qual desejamos aproximar-nos pouco a pouco.
Esse ideal de justiça nunca poderá ser o rendimento colectável determinado pelos critérios desiguais das avaliações "à vara larga".
Por consequência, em vez de me fundar na desigualdade ou no desconhecido, prefiro adoptar um ponto de partida que ninguém ignora: a renda actual.
Entendi que para além de 1939, no inquilinato de habitação, não deveria fazer-se qualquer aumento de renda, porque eram contratos relativamente recentes. Alguns deles, os mais recentes de todos, acham-se absolutamente actualizados.
Por outro lado, enquanto não corrigirmos a injustiça principal, constituída pelos contratos anteriores à declaração de guerra, não me parece oportuno mexer nos mais recentes. Senão, daremos a rendas modernas aumentos proporcionalmente maiores do que às antigas, o que é um contra senso.
Urge acudir, em primeiro lugar, às rendas estabelecidas por coeficientes que ainda hoje estão fixados na sexta parte do valor locativo, isto é, do que deveriam ser sob o ponto de vista capitalista.
Urge acudir também às rendas fixadas em regime de contrato livre anteriores a 31 de Dezembro de 1930.
O Sr. Mário de Figueiredo:-V. Ex.ª está a referir-se à primeira ou à segunda guerra?
O Orador:-À primeira guerra, no caso das rendas fixadas por coeficientes.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Eu quero fornecer, para V. Ex.ª ter este elemento de facto e poder seguir com rigor o raciocínio que está a produzir, a observação de que em 1938, 1939 e 1940 as rendas baixaram.
O Orador: - Pergunto a V. Ex.ª onde é que isso influi no meu raciocínio.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Influi pelo menos na data a que V. Ex.ª refere os aumentos; mas, repito, forneço este elemento para que V. Ex.ª sobre ele, que foi averiguado pela comissão, construa o seu raciocínio.
O Orador: - Já havia respondido antecipadamente a V. Ex.ª quando falei sobre a generalidade.
Admito como limite esta data de 31 de Dezembro de 1939, exactamente por considerar que ela marca uma época de mercado livre de habitação.
Quando V. Ex.ª me diz: "fomos buscar 1943 porque as rendas baixaram de 1939 até 1943" ...
O Sr. Mário de Figueiredo:-Perdão, eu não disse isso. Eu disse que em 1938, 1939 e 1940 baixaram as rendas.
O Orador:-Mas se as rendas baixaram posteriormente a 1939, temos de admitir então que isso foi devido à abundância de casas de rendas actualizadas, com arrendamentos contratados em regime de liberdade. Não podia ser por outro motivo.
Conheço bem o que se passou, porque, por acaso, sou senhorio de um prédio de rendas antigas e inquilino de um prédio de rendas actualizadas. Como se vê, não defendo os inquilinos por espírito de classe ...
Que aconteceu de 1938 a 1940?
Por efeito da abundância de habitações de mercado livre, os inquilinos respectivos exigiam dos senhorios o abaixamento da renda ou mudavam de casa. Isso originou que muitos senhorios tivessem de diminuir as rendas para não perderem os inquilinos.
Por efeito de tal baixa, não há dúvida de que esses senhorios, até certo ponto, mereciam agora a actualização
Página 611
29 DE ABRIL DE 1948 611
de rendas, consequente à desvalorização da moeda. Compreendo os seus queixumes.
Mas, conforme já afirmei, antes de se realizar a actualização nos prédios de rendas elevadas, devemos fazê-la nos de rendas mais baixas. De contrário, caminhamos para uma injustiça maior do que aquela em que estamos. Repito: considerando apenas o problema anterior a 1939, dividi as rendas em duas categorias: as fixadas oficialmente por coeficientes e as estabelecidas em contrato livre. Para as primeiras propus 40 por cento de aumento e para as segundas apenas 20 por cento de aumento. Em alguns casos será um pouco mais do que aquilo que propõe a comissão eventual e noutros será muitíssimo menos. O meu processo é geralmente pouco oneroso para o inquilino e mais compreensível. Toda a gente saberá fazer a simples conta de multiplicar por 20 ou por 40 ...
O Sr. Mário de Figueiredo:- V. Ex.ª dá-me licença?
Eu então estive a trabalhar sobre um pressuposto de facto errado. Eu não entendi assim os 40 por cento que V. Ex.ª propõe, porquanto eu tinha compreendido que uma das percentagens que V. Ex.ª indicava era aplicada às rendas em que houvesse afastamento entre o quantitativo da renda e o rendimento ilíquido.
O Orador: A percentagem é sobre o valor actual da renda.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então compreendi eu bem. Quer dizer: essa percentagem incide sobre o valor actual da renda, mas só para os arrendamentos em que haja afastamento entre o quantitativo da renda e o rendimento ilíquido.
Não temos que considerar o rendimento ilíquido.
O Orador: -Eu leio a V. Ex.ª:
BASE XXIX
1. Em relação aos arrendamentos para habitação ou em que os arrendatários sejam pessoas morais que tenham fins humanitários ou assistência e beneficência, observar-se-á o seguinte:
a) A renda actual, quando obtida por meio de coeficiente de actualização, será aumentada de quantia igual a 40 por cento da soma dessa renda com a parte de contribuição predial a cargo do arrendatário ;
b) A renda actual, não obtida por meio de coeficiente de actualização, que tiver sido estabelecida por contrato anterior a 31 de Dezembro de 1939 será aumentada de 20 por cento.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Aí está! Estou a dizer bem. Diz "ca soma da renda com a parte de contribuição predial a cargo do arrendatário". Portanto, refere-se aos arrendamentos em que haja afastamento entre a renda paga e o rendimento ilíquido. Isto é que é fundamental.
O Orador: - Absolutamente certo. Refere-se a esses arrendamentos. Já compreendi onde V. Ex.ª quer chegar ... Mas não há que estabelecer confusões, porque, para somar a renda à contribuição a cargo do inquilino, não preciso basear-me no rendimento ilíquido.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Eu não contradigo isso. Não é aí que eu quero chegar, mas sim a isto: é que o problema seja discutido no plano em que está posto, para as razões terem valor ou não, conforme se harmonizem ou não com o plano em que está posta a questão.
O Orador:-Prossigamos. Falei na renda a estabelecer e disse que ela podia ser excessiva ou insuficiente. Vamos a ver como corrijo os casos de injustiça para mais e os de insuficiência em relação aos direitos do senhorio.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Lá tem de ir ao rendimento ilíquido...
O Orador: - Não ao actual; ao novo, a estabelecer por avaliação. Mas, mesmo assim, somente quando não haja acordo entre inquilino e senhorio.
Na alínea c) estabelece-se o princípio da defesa do senhorio. Diz assim:
c) Quando o senhorio considerar que os haveres ou rendimentos do arrendatário lhe permitem o pagamento de renda superior à estabelecida nas alíneas a) e b) ou às contratadas livremente depois de 31 de Dezembro de 1939 poderá requerer a avaliação do prédio ou parte do prédio arrendado, para efeito de fixação de nova renda mensal, que será igual ao rendimento ilíquido obtido pela actualização da matriz ou a 12 por cento dos rendimentos mensais do agregado familiar do arrendatário, no. caso de esta quantia ser inferior à proveniente da avaliação.
Cabe ao senhorio fazer a prova dos rendimentos mensais acima citados, para o que poderá requerer na secção de finanças da residência do arrendatário os elementos necessários.
Ora muito bem! Por efeito desta disposição, se o inquilino for rico ou puder pagar renda superior àquilo que é estabelecido no corpo da base -20 ou 40 por cento-, o senhorio tem a possibilidade de evitar o malefício da lei socializante que lhe proíbe cobrar do rico o que é legitimamente seu. Entretanto a minha proposta limita a renda mesmo neste caso: avalia-se o prédio. Mas seja qual for o valor desse avaliação, a renda não poderá ser superior a 12 por cento dos proventos do agregado familiar, o que corresponde a cerca da oitava parte do vencimento.
Em tempo normal, no estrangeiro, as rendas andavam pela oitava parte dos proventos.
O Sr. Mário de Figueiredo:-V. Ex.ª podia informar-me onde colheu esses dados? .
O Orador: - Estes dados foram-me fornecidos pelo Sr. Deputado Pacheco de Amorim, que conhece bem as estatísticas.
O Sr. Pacheco de Amorim: - 1/6 a 1/8 dos rendimentos dos inquilinos, exactamente.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Onde se passa isso?
O Sr. Pacheco de Amorim: - Em França.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu não tenho aqui em esquema os números necessários para os poder reproduzir, mas o que se passa, como pude verificar através dos elementos que percorri, é que a fenda anda entre 1/5 e l/6 do vencimento do inquilino.
Evidentemente que não é com estes elementos que eu estou a discutir. O que eu gostava era de saber se se tinha chegado a uma conclusão certa; que aquilo que pude averiguar é diferente do que acabo de ouvir.
O Sr. Mendes Correia:-V. Ex.ª dá-me licença, Sr. Deputado Botelho Moniz?
Página 612
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 612
O Orador: - Peço a V. Ex.ª que me deixe responder primeiramente ao Sr. Dr. Mário de Figueiredo.
Fosso citar um exemplo português:
Nos meus saudosos, tempos de alferes pagava 10$ de renda mensal e recebia do Estado 35$. Custava-me, por consequência, quase um terço do meu vencimento de funcionário.
Actualmente, devido à época anormal que atravessamos, eu não quis adoptar percentagens tão elevadas como essas. Embora sacrificando os meus interesses de senhorio, preferi um valor nitidamente baixo. Apenas 12 por cento.
O Sr. Mendes Correia:-V. Ex.ª dá-me licença?
E para esclarecer que, por conhecimento que tenho através da revista Population do Centro de Estudos Demográficos da França, na Suíça é de 15 por cento mesmo para famílias modestas e chega a 30 por cento para as famílias mais abastadas.
Simplesmente, trata-se de uma habitação confortável. É preciso notar que a habitação suíça é uma habitação muito especial.
O Orador: - Portanto, verifica-se que se este meu limite máximo de 12 por cento é pecado, constitui grande pecado a favor do inquilino. Sinto-me muito bem com a minha consciência de Deputado, que prima sobre os meus interesses de senhorio. Entretanto, contra este critério de se ir buscar ao inquilino que pode pagar aquilo que efectivamente deve pagar levantou a comissão eventual a questão de que isso permitiria uma devassa aos haveres pessoais. E afirmou que, se essa devassa era legítima ou justificada, por parte do Estado, poderia dar lugar a grandes inconvenientes quando exercida pelo senhorio.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Eu não me referi a devassa por parte do Estado. Quando me referi ao Estado, respeitosamente falei de investigação.
O Orador: - Não sou jurista, não sei distinguir a diferença entre devassa e investigação. Para mim é mais ou menos a mesma coisa, e sei que se faz, por parte do Estado, aos haveres de toda a gente.
A investigação - ou devassa -, em vez de ser realizada pelo senhorio, pode ser feita pelo Estado, depois de requerida na repartição de finanças.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Peço desculpa a V. Ex.ª, mas não é isso que V. Ex.ª diz na sua proposta. O que V. Ex.ª diz na sua proposta é que o senhorio deve fazer a prova da possibilidade de pagamento por parte do inquilino e as repartições de finanças fornecerão todos os elementos que forem necessários.
O Orador: - Sr. Deputado Mário de Figueiredo, pode o meu pensamento não estar bem expresso ...
O Sr. Mário de Figueiredo: -Estou a ver que conheço melhor as propostas do V. Ex.ª do que V. Ex.ª mesmo ...
O Orador: - Desculpe continuar: se o meu pensamento não estiver bem expresso, a correcção pode ser feita por V. Ex.ª na Comissão de Redacção ...
Mas ponha-se na proposta o advérbio exclusivamente, ponha-se-lhe mais o que se quiser para definir que a investigação só deve ser feita pelo Estado.
Para que havemos de estar a fazer questão de palavras ?
O Sr. Mário de Figueiredo: -Não, não estou a fazer questão de palavras! É uma questão de conteúdo!
O Orador: - Mas deixa de ser questão de conteúdo quando digo que estou de acordo em que seja somente o Estado a efectuar as investigações. Portanto, ponhamos a exclusivamente", ponhamos o que quiserem, e, se ainda o não acharem claro, porque a Comissão de Redacção tem sempre amplos poderes da Câmara ...
O Sr. Mário de Figueiredo: -Isso é que não tem!...
O Orador: - Então, antes dela, eu me encarregarei de pôr lá o advérbio!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso se esclarecerá depois.
O Orador: -... se for preciso !...
Entendo eu que ao direito de o senhorio requerer a avaliação para corrigir a renda, no caso de o inquilino poder pagar mais, deve corresponder direito igual por parte do inquilino que não tenha proventos bastantes.
Apoiados.
E, então, estabeleci uma alínea d) da base XXIX, que diz:
d) Quando o arrendatário considerar que o rendimento mensal do sen agregado familiar não lhe permite o pagamento dos aumentos estabelecidos nas alíneas a) e b), deverá notificá-lo ao senhorio no prazo de quarenta e cinco dias da publicação desta lei. Mas, sob pena de despejo, não pode recusar o pagamento do aumento da renda, caso a nova renda seja igual ou inferior a 12 por cento dos proventos mensais do agregado familiar do arrendatário.
Em seguida, a alínea e) define o que se considera provento do agregado familiar do inquilino:
e) Considera-se provento do agregado familiar do arrendatário a soma dos rendimentos, retribuições, ordenados ou salários do arrendatário e das pessoas que com ele coabitam, excepção feita de seus criados ou empregados.
Por último, a alínea f) estabelece em que data começam a vigorar as novas rendas:
f) As novas rendas entrarão em vigor em 1 de Julho de 1948.
Esta alínea beneficia o senhorio, porque, em vez de ver dois pássaros a voar por cima dos semestres, recebe imediatamente um pássaro certo, alguma coisa que se veja, embora não seja tanto quanto queria.
O Sr. Sá Alves:-E quem fixa o provento do inquilino, para efeito do cálculo do limito de 12 por cento?
O Orador: - Já disse que cabe ao senhorio fazer a prova do provento mensal do agregado familiar do inquilino. Há uma comissão permanente para avaliação dos valores locativos. Quanto aos proventos, requerem-se as informações à repartição de finanças da residência do inquilino.
Não desejo que se façam devassas sobre a vida de cada um. Mas -ponhamos a coisa no seu pé!- há muitas pessoas que não pagam ao Estado aquilo que devem, porque ocultam os seus rendimentos. Essas que, segundo parece à primeira vista; poderiam fugir ao pagamento da renda justamente actualizada, na maior parte dos casos não fugirão, porque têm medo que se venha a conhecer na repartição de finanças aquilo que efectivamente ganham. E chegarão rapidamente a acordo com o senhorio, sem necessidade de devassa.
Página 613
29 DE ABRIL DE 1948 613
Não quero ocupar por mais tempo a atenção da Câmara, que julgo completamente esclarecida.
Ponhamos os pontos nos ii.
Só deve pagar aumento aquele que tiver possibilidades materiais para o fazer.
Apoiados.
Não é justo que o senhorio esteja a ser roubado por um inquilino rico.
Apoiados.
E também não é justo que o Estado e as empresas particulares evitem pagar maiores vencimentos aos seus funcionários ou empregados e beneficiem duma extorsão aos senhorios.
Apoiados.
Tenho dito.
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Mendes Correia: - Sr. Presidente: analogamente ao que sucedeu com o Sr. Deputado Botelho Moniz, como ele mesmo acaba de dizer, eu fui objecto, em virtude de uma série de afirmações que fiz na discussão deste assunto na generalidade, de acusações várias, seja em ditos em conversas particulares, seja mesmo numa minoria da larga correspondência que recebi.
Como ao mesmo Sr. Deputado, houve quem me apodasse de bolchevista, e me chamasse Bela Khun. Pouco me importa.
Houve quem afirmasse que eu actuava por um anseio de popularidade, que aliás reconheço ser fácil conquistar, por quem tenha poucos escrúpulos, nesta altura em que o assunto interessa tanta gente. Igualmente encolho os ombros perante essa asserção.
Toda a minha vida tem sido de obediência a um conjunto de princípios morais e cheguei a uma época da minha existência em que não tenho - abertamente o proclamo em público e raso- nenhumas outras ambições que não sejam as de poder continuar a prestar alguns pequenos serviços à minha terra, dentro das minhas fracas e modestas possibilidades... (Não apoiados) e a de viver tranquilo. Nada mais desejo.
Mas também, no decurso da minha existência, tenho seguido, além daqueles princípios, determinados métodos de trabalho. Ora, confesso que neste debate me sinto por vezes, como certamente a maioria dos meus colegas, embaraçado por efeito da falta dos elementos de trabalho necessários para formar juízos firmes e exactos sobre as matérias em discussão.
Uma das razões por que solicitei numa proposta de aditamento a criação do Instituto de Habitação, ideia que encontrou apoio, embora sem referência a nomes, num dos mais antigos jornais portugueses, foi porque esse Instituto visaria, entre outros objectivos, a coligir elementos necessários para se formar um seguro juízo nesta delicadíssima e transcendente matéria.
Mas, com efeito, vejo que as necessidades da governação do País demandam por vezes que se tomem certas resoluções que talvez exigissem uma mais larga meditação sobre o assunto. Parece que o bem público, a satisfação de certas reivindicações, requerem frequentemente resoluções rápidas, e esta rapidez nem sempre se compadece - como creio ser, na minha humilde opinião neste assunto - com os demorados estudos que uma matéria destas reclama.
Há alguns trabalhos - poucos - sobre as condições de habitação em Portugal, temos alguns inquéritos dos serviços sociais, mas tudo isso é em pequena escala. A massa mais importante de informes existentes sobre o assunto é a fornecida pelo departamento fiscal, pelo Ministério das Finanças sobre os elementos tributários.
Ora tal informação fornecida pelo Ministério das Finanças pode ter grande interesse para o fim a que obedece a reunião desses elementos, mas não julgo que baste. Dessa informação, ouvi dizer aqui, beneficiou largamente a comissão eventual. Tenho pena que não tivesse sido possível a sua utilização por toda a Assembleia. Eu próprio desejaria, conhecendo-a, ter ficado mais esclarecido sobre o assunto em discussão.
As estatísticas oficiais publicadas fornecem-nos alguns elementos sobre o ritmo da construção da habitação em Portugal; fornecem-nos algumas indicações sobre o número de pavimentos, sobre a área construída, etc. Mas não duvido dizer que ainda considero isso tudo insuficiente para se poder formar um juízo definitivo acerca do magno problema em debate.
Há pouco, V. Ex.ª, Sr. Presidente, no seu alto critério, não permitiu que eu expusesse, como uma informação que reputo útil para a Assembleia, alguns elementos que possuo sobre os resultados de inquéritos feitos noutros países relativamente a um aspecto importante do dito problema: a percentagem que a renda de casa representa na totalidade dos encargos do agregado familiar.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Todos os elementos de que dispôs a comissão eventual estão ao dispor de V. Ex.ª Digo, não sé distribuíram, nem podiam distribuir-se, por todos os Srs. Deputados, porque, sendo dezassete os membros da comissão eventual, tiveram, no caso mais característico, de utilizar o único exemplar, que não era possível sequer copiar.
O Orador:-Agradeço a informação e o oferecimento de V. Ex.ª, devendo dizer, porém, que a minha observação não representava um reparo ao modo "como a comissão trabalhou ou como a Assembleia está trabalhando, mas, acima de tudo, o seguinte: é que, a meu ver, todos os elementos de apreciação de que dispomos são ainda insuficientes para um juízo na matéria, com a necessária amplitude, rigor e objectividade.
Resumidamente, eu direi que os informes a que há pouco ia aludir se referem apenas à França e à Suíça. Neste último país a percentagem atribuída à habitação, ao arrendamento, nos proventos familiares, é superior aos números aqui propostos para o nosso País: é de 15 a 20 por cento, chegando a 30 por cento.
É certo que a habitação lá é tradicionalmente muito mais confortável do que a habitação portuguesa. Com relação à França, há inquéritos que chegam a dar, em certos grupos da população, apenas cerca de 3 por cento dos proventos familiares; noutros grupos vai a cerca de 6 por cento, a média anda por perto de 4 por cento, mas há uns dez anos era de 10 por cento. Números tão baixos como os actuais resultaram seguramente de uma acção política. São na verdade extremamente baixos em relação àqueles que aqui foram propostos para Portugal como base aproximativa de uma decisão, mas não decerto como uma base rígida.
Aproveito o ensejo para dizer que estarei pronto, quanto às emendas que formulei, a modificar as percentagens que apresentei se me convencerem de que são melhores, mais justas, outras, ou mais baixas ou mais altas.
Mas, reatando as minhas considerações, e depois desta rápida análise da escassez dos meios para juízo sobre assunto tão transcendente e tão delicado, quer dos meios de que eu dispus, como, suponho, daqueles de que dispõem muitos dos membros desta Assembleia, farei algumas observações sobre os textos que estão em discussão.
Falo, em primeiro lugar, da proposta, por mim formulada, dum aditamento ao artigo 13.º, número fatídico, como muito bem disse o Sr. Deputado Botelho Moniz, mas eu não sou supersticioso e creio que a Assembleia também o não é: o essencial é que cheguemos a um re-
Página 614
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 614
sultado de tal modo feliz que possa dizer esse número constituir um porte-bonheur para a Assembleia Nacional.
A minha proposta referida dirigia-se especialmente à base XXIX da proposta do Governo, modificada pela Câmara Corporativa.
Eu não entrei em discussão propriamente sobre os quantitativos dos aumentos autorizados nessa base, nem vou discutir o critério para esses aumentos ou para os propostos pelo Sr. Deputado Botelho Moniz. Parti do princípio do que o assunto teria sido estudado devidamente e limitei-me a ter em conta um facto que me parece ser aquele que mais neste instante nos deve impressionar: é o de que, nas condições actuais de vida de grande parte da nossa população, numerosíssimos agregados familiares não têm a sua economia nem condições para suportar um aumento, mesmo graduado, de rendas.
Portanto, para solução desta dificuldade, procurei estabelecer no meu espírito um certo número de princípios orientadores. E, sem pôr em primeiro lugar o direito dos senhorios a uma actualização ou o direito dos inquilinos à estabilidade do lar, enunciei dois postulados cujos valores, quanto a mim, pelo menos, se equivalem: um deles é o direito de propriedade privada, reconhecido por todos nós e que inclui o direito à actualização de rendas da parte dos senhorios, mas sem se perder de vista que esta não pode ultrapassar uma remuneração condigna do capital e que os senhorios, como toda a colectividade, não podem esquecer os seus deveres de solidariedade, e que a finalidade colectiva da propriedade privada se encontra estabelecida na própria Constituição.
Outro princípio é o da estabilidade do lar, que tem de se coadunar com as condições especiais dos agregados familiares: proventos, meios de fortuna, possibilidades de satisfazer aumento de rendas, número de pessoas de família, especialmente o número de filhos.  Uma das coisas que mais  me impressiona nos documentos apresentados à apreciação da Câmara é que nunca se fala ali no número de filhos.
Não se tem falado aqui na economia familiar. Ora devo dizer que me parece possível estabelecer um certo equilíbrio entre o direito de propriedade e o direito -ou valor, ou princípio, como quiserem- de protecção àquela economia, direito que na realidade eu creio também constitucional e é inspirado nos melhores princípios cristãos.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Realmente não se tem falado aqui no número de filhos para efeito de proteger o agregado familiar mais numeroso em presença do agregado familiar menos numeroso. Esse problema não pode porém resolver-se à custa do senhorio; é um problema mais geral, só pode e deve ser resolvido por via geral. Já se tem feito muito - menos do que aquilo que corresponde a uma exigência constitucional - mas vai-se caminhando no terreno do possível.
O Orador: -Eu permito-me não estar inteiramente de acordo com V. Ex.ª no que respeita à exclusão, na ponderação do assunto, das condições do agregado familiar. Se há matéria conexa e até implícita com a do problema da habitação, é esta magna questão da família. A proposta do Governo designa-se "... questões conexas com o problema da habitação". A habitação não é só economicamente, mas até ecologicamente, digamos assim, função do número de pessoas que dentro dela se instalam. Portanto não são assuntos, entendo eu, para serem estudados separadamente.
O Sr. Soares da Fonseca:-Na opinião de V. Ex.ª quem deve garantir a habitação e a estabilidade do lar?
O Orador: - A colectividade.
O Sr. Soares da Fonseca: - Isto é, a sociedade. E eu pergunto a V. Ex.ª se a colectividade e a sociedade são os senhorios?
O Orador: - Evidentemente que a colectividade não é constituída só pelos senhorios!
O Sr. Soares da Fonseca; - Quando se diz que a colectividade deve assegurar certo direito social, refere-se à sociedade organizada e que se chama Estado!
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Soares da Fonseca:-Portanto, é o Estado que, na medida do possível, deve assegurar esse direito, e não os particulares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Eu vou dizer a V. Ex.ª ...
O Sr. Soares da Fonseca:-Eu tenho direito à habitação, mas V. Ex.ª não é obrigado a dar-me habitação!
O Orador:-V. Ex.ª não me deixa acabar ...
Precisamente eu digo a V. Ex.ª porque é que não dou aplauso incondicional à fórmula apresentada pelo Sr. Deputado Botelho Moniz, embora me incline mais para essa fórmula do que para as outras propostas inicialmente. Eu partilho da opinião de V. Ex.ª de que um senhorio não deve ser sacrificado lá porque tem inquilinos mais pobres do que outro. Os senhorios não são obrigados, é certo, a dar assistência aos seus próprios inquilinos. A colectividade toda é que tem a responsabilidade no apoio, no amparo ao agregado familiar, o qual é digno do nosso interesse mais entusiasta.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Isso está na Constituição.
O Orador: - Claro, eu fiz uma proposta concreta de solução, vou dizer em que sentido e pormenorizá-la dentro do possível, visto que na generalidade apenas pude enunciá-la de uma maneira breve e vaga.
Nas condições em que estava estipulado o aumento, segundo a proposta do Governo e segundo a proposta da Câmara Corporativa - e que me parece estar, pelo menos, no espírito da comissão eventual -, nós teríamos diante de nós a certeza de causar as seguintes clamorosas injustiças: um inquilino rico, que paga pouco de renda, sofre um- pequeno aumento. Incidindo sobre a renda, o aumento é mínimo. Um- inquilino pobre, com família numerosa, que pague já renda alta, tem de pagar um aumento maior, visto ser sobre a renda que incidem as percentagens e ela ser já elevada.
Isto é clamoroso no ponto de vista do inquilino, mas é o também se nos colocarmos no ponto de vista do senhorio. A injustiça subsiste para estes. O senhorio modesto que tenha inquilinos ricos que pagam rendas pequenas receberá aumentos pequenos. O grande proprietário que tem inquilinos com rendas altas receberá, de entrada, aumentos maiores.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Isso só é exacto quando entre a renda paga pelo inquilino e o rendimento ilíquido existe um afastamento, mas, normalmente, quando tal facto acontece, a renda é baixa.
O Orador: -Imagine V. Ex.ª que, no mesmo prédio, dois inquilinos, um no andar esquerdo e outro no andar direito, pagam, respectivamente, para instalações iguais 1 conto e 3 contos de renda e que ambos estão a
Página 615
29 DE ABRIL DE 1948 615
a distância do rendimento colectável. Se o senhorio consegue actualizar as rendas, pelo processo preconizado, o que já paga 3 contos vai sofrer um aumento muito maior do que o outro inquilino.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Mesmo que haja esse afastamento, o que está mais próximo do rendimento ilíquido é aquele que sofrerá um aumento menor.
Mas V. Ex.ª quer ver o que se passa? Para raciocinarmos numa base segura, suponha V. Ex.ª que a diferença entre o rendimento ilíquido e a renda efectivamente Siga é 3. Portanto: renda 100$, rendimento ilíquido 300$. Ora bem. Para se atingir este rendimento, segundo os critérios da comissão eventual - que também neste aspecto são quase os da Câmara Corporativa -, são precisos nada mais nada menos do que dez anos.
O Orador:-Isso é quando a diferença é grande.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Para uma renda de 100$ e um rendimento ilíquido de 300$. Aqui tem V. Ex.ª Se V. Ex.ª fala de 3 contos, a renda já é muito grande; de sorte que o afastamento então entre a renda efectivamente paga e o rendimento ilíquido, se algum afastamento houver, é mínimo e, portanto, mínimo o aumento.
O Orador: - Se a percentagem do aumento incidisse sobre a diferença entre a renda paga e o rendimento colectável, essa percentagem seria aplicada uniformemente num e noutro caso.
Mas incide sobre rendas caprichosas que necessitariam de uma actualização mais racional e justa, e, portanto, a desigualdade subsiste. É claro que há inquilinos que estão a pagar 150$ por casas iguais a outras pelas quais se paga 1 conto e mais. Mas o que é preciso é não beneficiar os inquilinos ricos, nem aniquilar os senhorios pobres.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Eu há pouco disse "dez anos"; quero corrigir: são "cinco anos".
O Sr. Botelho Monlz: - Imaginem isto: se V. Ex.ª não sabe fazer as contas, como é que os inquilinos as hão-de fazer?
O Orador:-Na discussão na generalidade eu disse que considerava tão grave este assunto e susceptível de conduzir a tamanhas injustiças que entendia que era tanto de ponderar o direito do agregado familiar à estabilidade da habitação perante o direito de propriedade privada, que eram tanto de ponderar as circunstâncias diversas a atender, sob risco de a aplicação desta lei, como ela está redigida, conduzir a tremendas iniquidades, que me recusava a votar qualquer aumento sem contrapartida na satisfação do encargo que dele venha a resultar para os agregados familiares, dignos de protecção e amparo. Mantenho-me na mesma atitude de recusa.
Como é que nós podemos estabelecer essa contrapartida?
O Sr. Deputado Botelho Moniz propõe o seguinte: quem não puder pagar 12 por cento dos seus proventos familiares não paga.
Devo dizer que, se as minhas emendas não forem admitidas, eu votarei com S. Ex.ª Mas parece-me que há no regime proposto qualquer coisa de injusto para os senhorios ; é que os que têm inquilinos que não possam pagar irão fazer a assistência directa aos seus próprios inquilinos, quando tal encargo deveria caber à colectividade em geral.
O Sr. Botelho Moniz:-Eu já disse que a Constituição me não permite propor que o Estado pague melhor aos seus funcionários e que me não permite também propor que as empresas paguem melhor aos seus empregados.
O Orador: - Não pensei apenas naqueles inquilinos que são funcionários e nos que trabalham por conta de outrem, mas pensei também nos que, embora igualmente humildes e modestos, trabalham por conta própria.
E naqueles que têm um pequeno rendimento, como algumas viúvas que se me dirigiram. Posso assegurar a V. Ex.ªs que recebi cartas verdadeiramente enternecedoras de senhoras que vivem de um modesto património e não podem pagar o menor aumento de renda. São gritos de alma. E de velhos, de doentes, de reformados que prestaram serviços à Pátria ... Um destes, com mais de 70 anos, diz-me coisas como esta:
A minha magra pensão de reforma ..., ultimamente melhorada com carácter eventual, não pode cobrir o projectado aumento de renda, que é de carácter definitivo ...
... Com ela nenhum dos Srs. Deputados é capaz de viver.
E adiante:
Se hoje há portugueses que desfrutam uma situação livre e boa, certamente o devem também àqueles que, com risco da vida e da saúde, a expuseram para a manutenção da integridade da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mais adiante diz:
Eu não posso pagar mais, nem tenho maneira de auferir quaisquer proventos ...
E termina com estas palavras:
Dado o facto de um indivíduo não tirar dos papéis de crédito os juros bastantes, ou de um comerciante não auferir lucros para custear a sua vida, porque não há-de ser o mesmo para os senhorios que não trabalham ?
O Sr. Soares da Fonseca:-Aí tem V. Ex.ª no final o espírito que orientou e inspirou a carta.
O Orador: - Todavia, a quem trabalhou tanto em defesa da Pátria temos de desculpar uma expansão inofensiva.
As propostas que fiz relativamente ao artigo 13.º foram um aditamento e uma nova base e figuram no Diário das Sessões n.º 144.
Ainda sobre a carta a que aludi, devo dizer que recebi centenas delas, e se me referi especialmente a esta é porque me impressionou de uma maneira especial. Nem devemos ofender-nos com a alusão aos próprios Deputados.
Prosseguindo, recordo que o aditamento pôr mim proposto consigna o seguinte: quando os inquilinos declararem não poder suportar o aumento de renda estabelecido em virtude desta lei, o dito aumento não se efectivará sem que um inquérito levado a efeito pelo Instituto da Habitação, criado por uma nova base, conclua que essa alegação é infundada, ou, quando ela seja fundada, não se efectivará igualmente além do limite depois indicado sem que, após o referido inquérito, seja concedido ao dito inquilino uma subvenção familiar correspondente à parte do aumento de renda que ultrapasse 10 por cento dos seus proventos familiares. Este limite seria reduzido a 10 por cento para os que tenham, pelo menos
Página 616
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 616
dois filhos menores e proventos familiares inferiores a 10 contos anuais e elevado a 20 por cento para os que tenham proventos familiares superiores a 60 contos por ano.
Chamo a atenção da Câmara, e especialmente do Sr. Deputado Botelho Moniz, para a conveniência da verificação, que proponho também, do facto de as casas serem ou não correspondentes, em categoria e amplitude, à condição social e número de filhos dos inquilinos. Alguma disposição deste género, a adoptar-se a proposta de S. Exa., deveria, creio, figurar também nas resoluções a tomar.
O Sr. Botelho Moniz:-V. Ex.ª dá-me licença? Quero explicar porque é que não admito esse princípio: como estamos a tratar de arrendamentos anteriores a 1939 e essas pessoas já lá vivem, na casa, é evidente que não quero tirar-lhes a casa por a renda ser superior às suas posses; é o respeito à estabilidade do lar que V. Ex.ª reconhece.
O Orador: - Mas é um princípio que convém consignar bem expressamente, como fiz na proposta de aditamento.
A última disposição do meu aditamento respeita à previsão da insuficiência do fundo especial para todos os encargos. Proponho que nesse caso se faça um rateio. Mas não deixou de se .consignar, o direito do senhorio a receber uma indemnização, tornando-o independente da condição económica dos inquilinos.
Devo dizer a V. Ex.ª que continuo a não compartilhar das dúvidas daqueles que contradizem o estabelecimento do fundo.
Parece-me bem atribuir a um organismo - por exemplo, o Instituto da Habitação- a administração do mesmo fundo, a viabilidade do qual seria, contra o que se diz, a mesma que tiveram o Fundo de Desemprego, os fundos de compensação e outros fundos.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Enquanto se fala de os organizar não existem dúvidas de maior, o pior é alimentá-los.
O Orador: - Na base nova sugeria eu que se criasse esse fundo, que estava dentro da ideia inicial do projecto do Sr. Deputado Sá Carneiro.
Segundo este projecto, o fundo seria constituído pelo produto de multas e outras receitas resultantes de infracções à legislação sobre inquilinato.
Mas eu vou mais longe, porque estou de acordo em que essas receitas deverão ser uma coisa muito escassa. A nova base contém uma disposição que entendo estar dentro dos princípios cristãos que informam esta situação política. Os mais ricos podem e devem, certamente, destinar uma parte dos seus proventos para a solução dum problema social tão grave. E, depois de procurar qual seria o critério para cobrança de tal receita, inclinei-me a crer, sem que isso constitua por parte do Estado uma devassa antipática à fortuna particular, que seria o imposto complementar aquele que forneceria a base para a incidência de um adicional que desse uma verba substancial para o dito fundo.
Suponho que no ano passado esse imposto rendeu cerca de 200:000 contos ao Estado; estabelecendo-se um adicional de 25 por cento sobre esse imposto, teríamos uma verba de 50:000 contos, pelo menos, o que já era substancial para um fundo desta natureza.
Enfim, Sr. Presidente, eu prefiro a subvenção familiar pelo fundo a uma indemnização directa ao senhorio ou ao pagamento dos aumentos de renda pelo Estado ou entidades patronais, porque desejo manter a dignidade do agregado familiar, que deve receber de uma entidade especial uma subvenção correspondente às exigências familiares, não como uma esmola dos patrões ou chefes, mas como reconhecimento da colectividade pelo seu esforço, pela parcela que a todos deve caber no encargo do amparo às famílias mais pobres e mais numerosas, que constituem uma das mais simpáticas e vultuosas riquezas de Portugal.
Quando apresentei as emendas não tive a pretensão de inventar soluções maravilhosas ou tão-pouco de que elas fossem aprovadas na íntegra. Tive apenas uma aspiração modestíssima, a de concorrer, dentro da humildade dos meus recursos, da minha experiência e do meu intelecto, para a solução dum problema que reputo gravíssimo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bustorff da Silva: -Sr. Presidente: vou ser brevíssimo.
Adoro os discursos bonitos; uma sinfonia verbal lança-me no embevecimento semelhante ao que pode causar um bela peça de música.
Teria portanto o maior prazer em intervir nesta altura do debate brindando Y V.. Ex.ªs com uma oração dessa natureza.
Mas duas circunstâncias mo impedem.
Primeiro, a carência absoluta de dotes pessoais.
Não apoiados.
Segundo, a gravidade do assunto que estamos discutindo e a urgência inadiável de entrarmos no caminho das soluções práticas, que correspondem à fase, em que nos encontramos, da discussão na especialidade.
O Sr. Deputado Botelho Moniz tem carradas de razão quando afirma que a discussão deste artigo 13.º constitui, realmente, o ponto crucial da proposta que nos interessa.
E, porque assim é, parece-me indispensável que, em palavras brevíssimas, procure afirmar perante VV. Ex.ªs um certo número de princípios que reputo fundamentais.
Principiarei por uma verdade que Monsieur de La Palice perfilharia sem hesitação.
Toda a deliberação que conduza ao aviltamento do rendimento normal dos imóveis avilta o seu preço ou valor.
Os imóveis são património da Nação.
Medidas que afectam a realidade do seu valor ou conduzam ao abandono dos cuidados de conservação elementares, por falta de rendimentos suficientes, são medidas atentatórias dos interesses do património da Nação.
Ora nós, aqui, somos representantes da Nação e não representantes especiais de inquilinos, senhorios ou de quaisquer classes que constituam o agregado nacional.
Parece-me, portanto, que, sendo, como é, assim, a orientação geral em matéria de fixação de rendas terá de orientar-se ou definir-se por estes princípios fundamentais :
1.º Verificação do valor real do imóvel.
2.º Atribuição a esse valor real de um rendimento justo.
3.º Repartição equitativa do encargo do pagamento desse rendimento justo pelos diferentes interessados.
4.º Discriminação da forma da respectiva liquidação, de molde a acudir às necessidades ou situação particular de cada um dos interessados.
Com relação ao primeiro ponto -fixação do valor real do imóvel- o problema parece-me fácil.
As comissões de avaliação não se fizeram para outra coisa. Desde que o senhorio entenda que ao seu prédio é atribuído um valor inferior ao que na realidade lhe deveria corresponder, deverá poder recorrer à avaliação por intermédio da comissão competente.
Página 617
29 DE ABRIL DE 1948 617
Essa comissão procede, então, aos estados necessários e formula o seu parecer no sentido de atribuir ao imóvel a quantia que, em consciência, entenda que corresponde à realidade do respectivo valor no momento da avaliação. Fixa-lhe o valor justo.
E esse valor impõe-se até para efeitos da defesa dos interesses do Estado em matéria de tributação ou fiscal.
Estabelecido o valor do imóvel, passaremos imediatamente ao segundo problema: determinação de um rendimento equitativo a esse valor.
Nesse rendimento ter-se-á de considerar o interesse do proprietário, os encargos fiscais e os encargos de conservação.
Passo a indicar umas taxas ao acaso, a título de mera exemplificação, sem de qualquer forma pretender que correspondam às realmente aplicáveis.
E assim, se computarmos o interesse do proprietário em qualquer coisa ao redor de 5 por cento, se considerarmos outros 5 por cento para despesas de conservação e para encargos tributários, um juro de 10 por cento a calcular sobre o valor real de cada imóvel cobriria inteiramente a remuneração devida ao capital representado pelo mesmo e os encargos correspondentes.
Ao Governo, porém, é que cumpriria ir fixando a taxa justa para a compensação que acabo de enunciar.
Como dividir o encargo do pagamento dessa taxa pelos arrendatários ?
Também não se me afigura que a dificuldade seja de resolução impossível; antes posso avançar que está já desbravado o caminho para uma solução de perfeita equidade.
As comissões de tribunais arbitrais, com representação de senhorios e inquilinos, experimentadas em várias nações europeias, têm funcionado com apreciável êxito.
Instituir-se-iam, portanto, organismos semelhantes no nosso País, com o restrito objectivo de procederem à repartição da quantia resultante da aplicação da taxa fixada pelo Governo ao valor do imóvel determinado pelas comissões de avaliação pelos diversos fruentes do prédio; e então será o momento de considerar caso por caso - p inquilino pobre, o inquilino remediado, o inquilino rico, o funcionário público, o militar, o professor, o comerciante abastado, o especulador que obteve largos rendimentos -, dividindo a renda não só em consideração a cada andar do prédio, mas também, e principalmente, à situação particular de cada ocupante do dito prédio. Para isto não é preciso fazer devassas.
Em vários países do Mundo - repito - está sendo ensaiado o sistema de comissões arbitrais com funções muito próximas destas.
Porque não estabelecer entre nós idêntico sistema, com representantes do senhorio, representantes do inquilino e a presidência não de um funcionário fiscal, para que se não invoque o risco de uma deformação profissional, que é de todos conhecida, não de um juiz de Direito, porque os magistrados estão de tal forma assoberbados com os trabalhos da sua profissão que não lhes é possível suportar novas obrigações, mas dos delegados do Ministério Público ou dos conservadores do registo predial ou do registo civil, acerca dos quais não é exagero supor que tenham uma vida suficientemente livre para poderem destinar uma ou duas horas por dia ao cumprimento desta missão.
O Sr. Carlos Borges:-V. Ex.ª está conquistando os aplausos da Assembleia com as suas considerações, estou absolutamente convencido, mas, parece-me, tanta falta faz o juiz como o delegado do Ministério Público.
O Orador: -Mas isso é um pormenor em que não vale a pena insistir, já que a constituição destas comissões poderia ser delegada no Governo, que decidiria quais as entidades idóneas para a elas presidir.
E então, com uma sumária produção de provas, feita mediante testemunhas do senhorio e testemunhas do inquilino, cada comissão viria a resolver, mas com recurso ainda para o juiz de Direito, que daria sucinta e definitivamente a sua decisão.
As aludidas comissões teria de atribuir-se uma larga competência, visto que, se há inquilinos que poderiam suportar imediatamente o novo encargo que lhes fosse fixado, muitos outros existem que de momento não disporiam de meios para tal, e, por último, ainda outros que em nenhuma hipótese deverão ser mais sobrecarregados.
As comissões decidiriam, consequentemente, a forma de por sucessivas étapes, ser atingido o limite de renda justo, e regulada a situação dos arrendatários sem recursos.
Como disse o nosso colega Sr. Dr. Carlos Borges, parece que está no ânimo de todos o que acabo de referir, mas para mim -e vejam VV. Ex.ªs a sinceridade com que falo- sinto que tem um defeito irremediável, fatal.
É que às 19 horas e 30 minutos do dia de hoje, que é o da antevéspera daquele em que somos obrigados a terminar a discussão deste importantíssimo problema, afigura-se-me tarde para discutir e clausular esta sugestão de tão gratas aparências e previsíveis vantagens naturais.
Mas se há a possibilidade de ela vir a ser considerada pela nossa comissão e trazida na sessão de amanhã à apreciação da Assembleia, então convertê-la-ei imediatamente em proposta escrita.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao contrário, se a comissão, que está sobrecarregada com uma enormidade de trabalho que só aqueles que não conhecem de perto assuntos desta natureza podem desconhecer, declara a sua, aliás perfeitamente compreensível, impossibilidade de satisfazer o meu voto, então, Srs. Deputados, ponho imediatamente de parte a sugestão que acabo de trazer-lhes e aprovarei incondicionalmente as bases da proposta da comissão eventual.
Porquê? Porque o óptimo é inimigo do bom.
Nessa base há já muito de razoável; nela se consigna o princípio da diferença sensível, e que perfilho inteiramente, entre o que tem de passar-se em Lisboa e Porto e nas outras cidades do País.
O Sr. Pacheco de Amorim: -Em Coimbra é a mesma coisa.
O Sr. Mário de Figueiredo:-V. Ex.ª está inteiramente equivocado, porque em Coimbra apenas existem oitenta casas em que há afastamento entre a renda efectivamente paga e o rendimento ilíquido inscrito.
O Sr. Pacheco de Amorim: - O que eu digo é que em Coimbra há a mesma dificuldade de casas que há em Lisboa.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Isso é outra coisa. Em Coimbra há apenas oitenta arrendatários que pagam uma renda inferior ao rendimento ilíquido.
O Orador: - Aqui tem V. Ex.ª, Sr. Presidente, em estilo telegrama, em meia dúzia de palavras, aquilo que aprendi na lição de algumas legislações recentes. Mas, repito, compreendo a inoportunidade da apresentação da proposta, como não ignoro as dificuldades da comis-
Página 618
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 618
são eventual. Só vale a pena voltarmos a pensar nela se por parte da comissão eventual houver a possibilidade de a transformar em soluções estudadas e escritas para serem apreciadas na sessão de amanhã.
O Sr. Ribeiro Cazaes:-É a única forma de assegurar o justo rendimento ao capital.
O Orador: - É isto que por agora se me oferece dizer.
Tenho dito.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: eu não queria alterar o ritmo da inscrição, mas, porque acaba de ser posto um problema para o qual se pede a resposta da comissão eventual, vejo-me forçado a solicitar de V. Ex.ª me permita usar da palavra.
O Sr. Presidente: - Dou a palavra a V. Ex.ª como relator da comissão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: desejava dizer o seguinte: é claro que a força de sugestão que tem o nosso colega Sr. Bustorff da Silva...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com a sua sedução pessoal ele formulou uma arquitectura e logo houve a tendência da parte da Câmara para aderir a ela.
Começo por informar V. Ex.ª do seguinte: a questão não é nova para a comissão; a comissão podia, se concordasse, articular com a maior facilidade o que o Sr. Dr. Bustorff da Silva sugeriu.
Simplesmente o que o Sr. Dr. Bustorff da Silva acaba de sugerir seria óptimo como expressão de um ideal de justiça planificado, mas era mais caro para o inquilino do que- o que sugerira a comissão. Seria óptimo sobretudo para quem olha para o problema tendo diante dos olhos um dos princípios que pôs em primeiro lugar: é preciso salvar o património da Nação da delapidação evidente que está a sofrer.
O Sr. Bustorff da Silva: -Muito bem!
O Orador: - E as rendas que estão a pagar-se, por não permitirem ao senhorio fazer reparações indispensáveis, constituem uma permanente e constante delapidação daquele património.
A questão, insisto, não é nova para a comissão.
Para quem busca um ideal de justiça, o melhor seria fazer tábua rasa do que existe e criar a tal solução correspondente a um certo ideal de justiça.
Ponhamos grosseiramente a questão: pode baixar-se de 10 para 8 por cento e se quiserem para menos. Em vez de darmos 8 por cento, demos 5 por cento, estando compreendidos nestes õ por cento a amortização do capital e o seu rendimento razoável. Vamos para a taxa de juros de 3,5 por cento para este rendimento e 1,5 por cento para amortização do capital!
Pois bem, quem souber fazer contas tome um papel e lápis e confronte as duas soluções. E verificará que a que propõe o Sr. Dr. Bustorff da Silva representará um ideal de justiça; mas, mesmo com õ por cento em vez de 10, é muito mais pesada para o inquilino do que a solução que propõe a comissão.
O Sr. França Vigon: - E mais incerta!
O Orador:-De modo que a comissão está ao dispor da Assembleia para trabalhar de noite, de maneira a articular o pensamento que acaba de ser expresso como
quer o Sr. Deputado Bustorff da Silva; simplesmente a comissão entende que a sua solução é a que deve ser adoptada, em respeito pelas situações estabelecidas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estas as observações que entendo dever prestar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia após as brilhantes palavras proferidas pelo nosso ilustre colega Dr. Bustorff da Silva.
O Sr. Bustorff da Silva: - Eu não sustentei uma remuneração de 10 por cento do capital para o senhorio.
O Sr. Neves da Fontoura:-Sr. Presidente: a minha contribuição para a resolução deste delicado problema não pode alicerçar-se em conhecimentos de ordem jurídica, que não possuo, mas baseia-se no conhecimento de muitos casos de arrendamentos para habitação que passaram pelas minhas mãos durante dez anos em que fui engenheiro do serviço de edificações urbanas da Câmara Municipal de Lisboa.
Durante esses anos observei muitos casos de exploração dos senhorios pelos inquilinos, mas sobretudo observei muita deficiência de. condições de habitação em qualidade e em quantidade. Há muitas famílias pobres alojadas deficientemente em casas de rendas antigas.
Portanto, em meu modesto parecer, para a resolução deste assunto temos de contar com estas realidades e precisamos de auxiliar o Governo a realizar justiça social, mas justiça com humanidade.
É inegável que há muitos prédios onde há trinta e cinco anos os seus ocupantes não pagam rendas correspondentes ao seu valor locativo.
Durante tão largo período esta situação defeituosa foi-se consolidando por forma que quase se transformou num mal crónico.
Não poderemos assim aconselhar o mesmo tratamento que poderia adoptar-se no princípio da doença.
Em assunto que tão fundamente interessa à colectividade não se devem aplicar remédios que o doente não possa suportar.
A análise de casos concretos evidenciará que há muitos inquilinos pagando rendas irrisórias, que há inquilinos ricos explorando senhorios pobres, mas maior é o número de inquilinos cujos proventos, já muito reduzidos, lhes não permitem suportar aumento substancial nas suas rendas.
Por outro lado, não se deve esquecer que durante este longo período de trinta e cinco anos grande número dos proprietários dos prédios com rendas antigas se desfizeram dessas propriedades incómodas. Fizeram-no com grande prejuízo com certeza; mas os novos proprietários só desembolsaram o capital correspondente às fracas rendas em vigor.
Desta forma o meu voto vai para a solução que melhor harmonize a possível actualização das rendas com a capacidade financeira do arrendatário.
Quem pode pagar que seja obrigado a pagar de renda o valor real da sua habitação. Mas para àqueles cujos proventos são muito reduzidos, e a quem a lei tem permitido continuar nas casas por rendas muito módicas, uma alteração grande corresponderia a privá-los do lar.
A proposta do Sr. Deputado Botelho Moniz nas bases XXIX e XXIX-A satisfaz-me, com ligeiras alterações.
Disse.
O Sr. Manuel Lourinho: - Sr. Presidente: penso eu que a discussão desta proposta terá como finalidade trazer à Assembleia elementos que possam determinar a melhor solução em face do problema que se discute, e, nestas condições, começo por pôr a minha questão.
Página 619
29 DE ABRIL DE 1948 619
Para a resolução do problema do inquilinato a solução normal será evidentemente a de se construírem mais habitações.
Já aqui se disse, e é um facto que corresponde à realidade, que numa determinada época, se bem me recordo., em 1939 e 1940, as rendas baixaram. E baixaram porquê?
Naturalmente porque havia menos procura de habitações ou porque havia mais habitações a oferecer.
Para o efeito, a solução normal do problema do inquilinato a adoptar será a construção de habitações.
Mas, como esta solução não pode realizar-se por efeito mágico e as habitações não podem sair de um alçapão, dispenso-me de continuar a ocupar-me desta solução, pela falta dos elementos necessários, que são muitíssimos, e que já deu lugar a que eu não tivesse intervindo na discussão deste problema na generalidade.
É claro que, se a solução normal não é possível para já, o que é necessário é uma solução de emergência. Vamos então a essa solução.
Quando me refiro a este ponto a minha opinião é neutral, visto ser um inquilino que não tem reclamações a fazer ao senhorio e um senhorio que não tem razão de queixa do inquilino.
Como primeira premissa, apresento que é justo o aumento das rendas actuais dos prédios, porquanto a ética da política dentro* da qual estamos integrados reconhece o direito de propriedade como legítimo, e, nestas condições, a esse direito de propriedade corresponde um outro direito, justo, razoável e moral: o direito ao rendimento.
Assim, Sr. Presidente, aceitaria como boa a fórmula da Câmara Corporativa, para efeito do aumento das rendas, e melhor a proposta da comissão eventual.
- Outra premissa: estão todos os inquilinos em condições de poder pagar estas rendas?
Claro que os inquilinos que recebem rendimentos fixos e insuficientes, tais como funcionários civis, funcionários militares, pensionistas e empregados de escritório de pequeno comércio ou indústria, terão dificuldade em pagar esse aumento. Pouco importa que ele seja de 20, 25 ou 40 por cento, que seja escalonado em dois, cinco ou dez semestres, visto que o aumento existe. A operação tem de ser realizada, embora leve mais tempo. É possível que pela circunstância de levar mais tempo seja menos dolorosa, mas o certo é ter de ser realizada.
Havia duas soluções, Sr. Presidente: a primeira solução, por assim dizer a simplista, era não aumentar a renda. Se esta solução me agradasse, estaria em contradição com o postulado que acabo de pôr. Portanto esta solução não é moral, nem razoável, nem de justiça. Por isso, como me parece que deverá ser? Será evidentemente dar aos inquilinos as condições necessárias para que possam pagar, e, quando me refiro a inquilinos, refiro-me, é claro, àqueles que tenham rendimento fixo e insuficiente.
Mas - diz-se - "isso é uma solução antieconómica; vai criar-se a renda política, como já se criou o pão político, porque se vai dar a um determinado número de indivíduos um auxílio que traz como consequência que as suas obrigações sejam transferidas para terceiros".
Mas se a solução é antieconómica, como se diz, é justa, é cristã e é moral.
Como é possível que os fracos rendimentos de muitos inquilinos sejam agravados ainda mais, embora escalonado esse agravamento por um certo número de semestres maior ou menor?!
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mas o que é a respeito de devassa a interferência do Estado na vida do indivíduo a todo o propósito e a todo o instante? Isso não se faz com referência ao imposto complementar?!
Com respeito à fórmula que apresentei para resolver a situação, direi que não pretendi apresentar uma fórmula perfeita ou definitiva. Eu sei que das minhas mãos humanas nada pode sair perfeito; isso pertence a um Ser único.
Os inquilinos que recebem vencimentos fixos e insuficientes não estão em condições de pagar o aumento de renda que se propõe. Este é o facto insofismável.
O que faria eu então? Criava o chamado subsidio de renda de casa. Esse subsidio seria dado pelo cofre de previdência, dentro de normas que apresento na minha proposta, que tem princípio, meio e fim. Nem mais nem menos.
É uma sugestão.
Pretendo afinal que o inquilino que não pode pagar seja colocado em condições de o poder fazer. É claro que eu não sei se o Governo pensa em qualquer solução a tal respeito. Ninguém me informou e ninguém sabe.
Basta agora acrescentar dois exemplos.
Um terceiro-oficial ganha 1.350$ e paga de renda 220$ por mês, ou seja, aproximadamente, 16 a 17 por cento. É a tal sexta parte que aqui se mencionou e que varia de país para pais.
Em Julho de 1949 passa a pagar 378$. Eu parto da hipótese de que há diferença entre rendimento colectável e rendimento ilíquido.
O Sr. Soares da Fonseca:-V. Ex.ª dá licença?
O exemplo que V. Ex.ª está a citar é real?
Sendo real, parece que V. Ex.ª deveria averiguar qual o rendimento ilíquido que o prédio terá na matriz e até onde ia o aumento.
O Orador: - A essa pergunta eu respondo com outra pergunta:.
Onde estão os elementos necessários para responder a essa pergunta?
Foram pedidos os elementos de modo a sabermos qual o número de inquilinos que dobra a sua renda ou mesmo a triplica?
O Sr. Soares da Fonseca:-V. Ex.ª não os pediu.
Eu devo dizer que a comissão pediu-os e tem-nos.
O Orador: - Eu então desejaria que me fossem dados esses elementos, porque a comissão os não forneceu.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pode-se dizer, de um modo geral, que esses elementos que a comissão tem foram para Lisboa, individualizados para cada arrendatário em um dos bairros, como, aliás, sucedeu para o Porto.
O Orador: - Se V. Ex.ª me diz que a comissão eventual não teve tempo de calcular esses elementos em Lisboa, como é que se podem calcular para outros locais?
Dos elementos que tem a comissão tem casos em que a renda duplica?
O Sr. Mário de Figueiredo: -Há casos em que quintuplica e até decuplica e todos eles foram analisados um por um.
O Orador: - Peço desculpa a V. Ex.ª, mas não estou a criticar os trabalhos da comissão; estou a esclarecer-me e não o consigo.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Mas pode criticar à vontade.
A comissão é um corpo moral.
Página 620
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 153 620
O Orador: - Um exemplo pode ser aplicado a qualquer dos casos apontados pelo Sr. Deputado Mário de Figueiredo.
Evidentemente que estou a citar um caso unicamente para servir de exemplo.
Ora, dizia eu: um terceiro-oficial ganha 1.350:5 mensais; paga de renda mensal 220$; em Julho de 1949 passa a pagar 378$, ou seja mais de* 30 por cento do seu ordenado !
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como é que faz as contas ?
O Orador:-Em Julho de 1949, 1.º mês do 3.º semestre, paga 378$. Fiz as contas que tenho aqui.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Talvez... é uma questão de fazer as contas.
O Orador: - Ou seja, repito, mais de 30 por cento dos seus proventos. E no fim de dois anos e meio pagará 542$, ou seja cerca de 40 por cento do seu rendimento!
O Sr. Carlos Borges: - Se o rendimento do prédio o comportar.
O Orador: - Evidentemente.
O Sr. Mário de Figueiredo:- É possível.
O Orador:-Eu estou aqui para me esclarecer; pretendo apenas trazer apontamentos para V. Ex.ªs, que parece estarem conhecedores do problema. Mas a verdade é que eu necessito de ser esclarecido e não o sou, para com plena consciência emitir o meu voto. Isto para prestígio da Assembleia, para bem dos senhorios e para bem dos inquilinos. Não me interessa que saia daqui uma "glória", como instrumento perfeito de ordem jurídica, mas não desejo que saia uma monstruosidade social, como parece.
Agora, segundo exemplo. Um capitão de qualquer arma ou serviço ganha 2.700$ por mês. Paga 450$, ou seja aproximadamente os tais 17 por cento dos seus proventos. Em Julho de 1949 passa a pagar 776$, ou seja mais de 28 por cento do que recebe.
O Sr. João das Neves:-Resta saber se nessa altura terá o mesmo vencimento, se não será promovido e, em consequência disso, não verá os seus vencimentos aumentados.
O Orador:-No campo das hipóteses até pode sair-lhe a sorte grande!... (Risos). O certo é que no fim de dois anos e meio pagará 1.118$, ou seja mais de 40 por cento dos seus proventos!
Pergunto: é isto o que a Câmara deseja? Suponho que não. A Câmara naturalmente deseja que o senhorio receba um aumento equitativo, mas também deseja que ao inquilino não seja tirada a pele.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - O debate continuará na sessão de amanhã, às 10 horas e 30 minutos.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António de Sousa Madeira Pinto.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Eurico Pires de Morais Carrapatoso.
Henrique de Almeida.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Carlos de Sá Alves.
João Garcia Nunes Mexia.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Maria de Sacadura Botte.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Nunes de Figueiredo.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Paulo Cancela de Abreu.
Querubim do Vale Guimarães.
Teotónio Machado Pires.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Maria Pinheiro Torres.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo de Morais Bernardes Pereira
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Ameal.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Jorge Viterbo Ferreira.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Rafael da Silva Neves Duque.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
O REDACTOR. - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA