560 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 191
do assunto, leveio-os a empreenderem uma viagem longa de duas horas, em que nem sequer lhes proporcionei o encanto de uma paisagem alegre e florida. Acresce que, para dar o exemplo, fiz um percurso lento, monótono, quase em «rodagem»...
Penitencio-me e peço que relevem o abuso cometido por um antigo Deputado, que, embora não fosse daqueles que tiveram a primazia dos discursos em extensão, criou o hábito quando, em certa ocasião, teve de ocupar duas sessões a desfiar os escândalos dos Transportes Marítimos do Estado, sem que tivesse chegado ao fim...
Dito isto, Sr. Presidente, devo agradecer aos ilustres Deputados Srs. Drs. Marques Teixeira e Antunes Guimarães as generosas palavras que me dirigiram, e que só à sua leal camaradagem e bondade posso atribuir.
Não tive outra preocupação que não fosse a de apresentar um trabalho sério e consciencioso, que para mira, só tem um mérito: o de, salvo os dados estatísticos, ser trabalho meu. Por isso, como ó natural, contém deficiências.
E aproveito a oportunidade para agradecer ao Sr. Ministro das Comunicações as facilidades que mandou dispensar-me e aos Srs. Director-Geral dos Serviços de Viação e Comandante da Polícia de Viação e Trânsito as suas informações.
Quanto às considerações feitas hoje por aqueles ilustres Deputados, concordo inteiramente com as do Sr. Dr. Marques Teixeira, pois vão ao encontro das que produzi; mas, relativamente às do Sr. Dr. Antunes Guimarães, eu, embora respeitando, como devo, a autorizada opinião de S. Ex.ª naqueles pontos em que mostrou discordar da minha, permito-me pedir-lhe atenciosamente licença para manter os meus pontos de vista, porque, infelizmente, não tenho o optimismo de S. Exa.; não vejo pelo mesmo prisma cor-de-rosa com que S. Ex.ª observa o que se passa em relação ao complexo e grave problema do trânsito.
Enquanto houver perigo, grave perigo, de vida em percorrer as ruas e as estradas do País, eu não posso modificar o meu modo de ver. E as demonstrações de aplauso que tenho recebido provam que não estou isolado.
O assunto é muito importante e tenho pena de que a tirania do tempo não me permita reforçar a minha argumentação.
E tanta importância lhe é dada também na Inglaterra que, por coincidência, os Deputados receberam, precisamente hoje, expedido de Londres, um folheto cujo sobrescrito tem a estampilha carimbada com esta legenda: Mind how you go on the road (Atenda a como se conduz na estrada).
Eis um dos modos de propaganda a adoptar entre nós.
Apoiados.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado sobre o aviso prévio em debate e não existe na Mesa qualquer documento relativo ao seu encerramento.
Nestes termos, declaro concluída a discussão sobre o aviso prévio apresentado pelo Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu acerca dos problemas de viação e trânsito.
Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia: realização do aviso prévio do Sr. Deputado Figueiroa Rego sobre crédito agrícola mútuo.
O Sr. Figueiroa Rego: - Sr. Presidente: não é inútil, embora nem sempre eficaz, a realização de avisos
prévios.
Os problemas não se resolvem por sua via, mas chama-se para eles a atenção do Governo - aliás, sempre desperta no interesse nacional -, estudam-se, sugerem-se alvitres que podem concorrer paru a sua resolução, ao mesmo tempo que se satisfazem legítimos anseios da opinião pública, o que politicamente não é indiferente.
Esta minha intervenção, que interessa a muitas caixas de crédito agrícola mútuo, com cerca de 50:000 sócios, tem em mira expor à Câmara e ao Governo a situação embaraçosa em que se encontram e sugerir algumas medidas atinentes a suavizá-la ou mesmo a remediá-la.
Focarei também mais uma vez - como o fiz aqui na sessão de 13 de Dezembro de 1948 e na propaganda eleitoral - os substanciais auxílios financeiros dispensados pelo Governo à lavoura, cuja situação se agrava dia a dia.
Por ter sido funcionário superior do crédito agrícola, pouco depois da sua instalação, alguma, autoridade me resta para o abordar.
Antes, porem, seja-me permitido fazer um seu rápido bosquejo histórico.
Sr. Presidente: Portugal foi o iniciador do crédito agrícola na Europa.
Devemos orgulhar-nos desta prioridade, assim como da do seguro marítimo, conforme em tempos revelou o ilustre professor e meu amigo Dr. Moses Amzalak.
No domínio da mutualidade agrária temos ainda instituições, vivendo à sombra do direito consuetudinário, limito curiosas, vindas de tempos imemoriais.
As eiras, os fornos, os touros do povo (vezeiras) e os compromissos ou acordos -mútuas de seguro de gado - atestam um remoto, mas denegado, espírito associativo e de previdência dos portugueses, afeitos, em algumas regiões, a um salutar comunalismo (não confundir ...) que as doutrinas liberalistas transmudaram num. nefasto individualismo, sobretudo aquém Mondego, onde a dominação árabe foi mais acentuada e demorada.
Foi através dos celeiros comuns que se instituiu o crédito agrícola entre nós, aí por 1572. O de Évora data de 1576.
Os famosos bancos da Escócia apareceram cerca de um século depois (1649) e a caixa de crédito rural de Brunswick, na Alemanha, vem dois séculos mais tarde (1765).
Os celeiros comuns eram estabelecimentos de crédito criados, por iniciativa real ou particular, para ajudar os pequenos lavradores nos anos de más colheitas, adiantando-lhes as sementes, pagas, com os juros, em géneros. A taxa era de 5 por cento até ao fim do século XVII, para subir até 10 por cento no seguinte. Esta circunstância e a exigência do registo dos empréstimos e da garantia por hipotecas contribuíram para a ruína da instituição, a que não foram também estranhas as vicissitudes políticas e as calamidades económicas que o País atravessou.
Os seus fundos eram formados por 150 meios de trigo, 25 de cevada e 25 de centeio. Mais tarde receberam subsídios em dinheiro e os empréstimos passaram a ser caucionados por penhor ou hipoteca.
O celeiro comum de Serpa foi fundado em 1620, chegando a ter 43:374 alqueires de fundo. Em 1840 transformou-se no Banco Rural de Serpa, com reforço do capital em dinheiro.
Desde o seu início até 1852 fundaram-se 53 celeiros, que tiveram o seu golpe de misericórdia há cerca de cem anos. Houve uma tentativa em 1897 do conselheiro Augusto José da Cunha para os reavivar e robustecer, que não foi aprovada pelo Parlamento.
As Santas Casas da Misericórdia - criadas em 1498 pela excelsa rainha D. Leonor e por frei Miguel de Contreiras - também exerceram o crédito agrícola, sendo a do Lisboa que o iniciou, em 1778, com destino sobretudo ao arroteamento de incultos.
Foi larga em todo o País a assistência financeira à lavoura por via das Misericórdias e das confrarias.